direita esquerda e centro
"Direita", "esquerda" e "centro" são termos usados para descrever posições no espectro político, que indicam diferentes ideologias e abordagens sobre como a sociedade deve ser organizada.
Esquerda
Princípio fundamental: Defesa de maior igualdade social e econômica.
Crenças e propostas: Geralmente envolve uma preocupação com os cidadãos em desvantagem, buscando reduzir ou abolir desigualdades consideradas injustificadas. Defende frequentemente maior intervenção do Estado na economia e a promoção de políticas públicas (como saúde e educação gratuitas) e direitos sociais.
Valores: Progressismo, coletivismo, justiça social.
Direita
Princípio fundamental: Envolve, em graus variados, a rejeição de objetivos igualitários da esquerda, defendendo que a desigualdade econômica é natural ou até benéfica.
Crenças e propostas: Apoia a ordem social e tende a defender a limitação da intervenção estatal na economia, valorizando a liberdade individual, o mercado livre e o direito à propriedade privada (liberalismo ou neoliberalismo). Também pode estar associada a visões conservadoras ou reacionárias sobre costumes e tradições.
Valores: Liberdade individual, ordem, tradição, propriedade privada.
Centro
Princípio fundamental: Posição intermediária que busca equilibrar elementos da esquerda e da direita.
Crenças e propostas: O centro tende a adotar uma abordagem pragmática, tentando conciliar a eficiência do mercado com a necessidade de alguma intervenção social e regulamentação estatal. Partidos e políticos de centro frequentemente defendem consensos e moderação, evitando posições extremas de ambos os lados. Segundo o Sociólgo, Mestre e Doutor Cesar Portantiolo Maia, no Quarto Periodo da Habilitação em Jornalismo na Comunicação Social, pelas Faculdades Integradas Alcantara Machado (FIAAM FAAM).
Confira o artigo na fundação Perseu Abrano. Do autor Arthur Trindade M. Costa
Segurança pública, redes e governança
Arthur Trindade M. Costa
SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros
COSTA, A. T. M. Segurança pública, redes e governança [online]. Brasília:
Editora UnB, 2023, 302 p. ISBN: 978-65-5846-096-1. ISBN:
https://doi.org/10.7476/9786558461708.
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(Biblioteca Central da Universidade de Brasília – BCE/UnB)
C837
Costa, Arthur Trindade M.
Segurança pública, redes e governança /
Arthur Trindade M. Costa. - Brasília : Editora
Universidade de Brasília, 2023.
304 p. ; 23 cm.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-5846-097-8.
1. Segurança pública. 2. Política pública.
3. Governança pública. 4. Polícias. I. Título.
CDU 351.78
Heloiza Faustino dos Santos – Bibliotecária – CRB1/1913
Para Gabi, Manu e Pedro.
Agradecimentos
Este livro é resultado de vários anos de reflexões e pesquisas
sobre o funcionamento das instituições que compõem o campo da
segurança pública no Brasil. Ao longo desses anos contei com o apoio
de algumas instituições. A Capes, o CNPq, o Ipea e o Ministério da
Justiça forneceram o apoio financeiro necessário aos estudos utiliza
dos aqui. O Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília
(SOL/UnB) propiciou um ambiente de debate acadêmico importante
para a reflexão crítica e plural acerca dos mais diversos temas da vida
social e política do país.
Felizmente pude contar com a colaboração de professores e alu
nos que discutiram ideias, sugeriram leituras e apontaram atalhos.
Sou especialmente grato aos colegas do Núcleo de Estudos sobre Vio
lência e Segurança (NEVIS/UnB). Lá pude debater com Maria Stela
Grossi Porto, Cristina Zackseski, Bruno Amaral Machado, Haydée
Caruso e Analia Batista os vários aspectos das questões aqui abordadas.
Também agradeço ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP),
pela pluralidade de ideias e olhares em torno do tema. Sou grato ao
Renato Sérgio de Lima, à Paula Poncioni, à Samira Bueno, ao Daniel
Cerqueira e à Isabel Figueiredo pelas críticas e troca de ideias. Além da
parceria com os integrantes do SOL, do NEVIS e do FBSP, me beneficiei
também das trocas de ideias com Bruno Grossi, Andréia Macedo, Márcio
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Mattos, Gilvan Gomes da Silva, Marcelo Durante, Almir de Oliveira,
Laiza Spagna, Rodrigo Suassuna, José Nivaldino (in memoriam),
Marcelo Berdet, Cláudio Dantas e Welliton Maciel.
Apesar de toda ajuda e apoio recebidos, certamente o livro apresenta
lacunas e imprecisões. E elas são de minha inteira responsabilidade.
Brasília, 27 de julho de 2021.
8
Sumário
Introdução ..............................................................................13
Os estudos sobre polícia, criminalidade e segurança ...............14
A sociedade de risco e o novo paradigma da segurança pública 17
A (re)configuração do campo da segurança pública no Brasil 21
Das políticas de segurança pública às políticas públicas de
segurança ..................................................................................24
A governança da segurança ......................................................30
Os limites da governança do campo da segurança ...................35
Fontes, dados e estrutura do livro ............................................37
CAPÍTULO 1:
As redes de políticas públicas de segurança .........................39
A construção das redes de políticas públicas ...........................42
Programa Paz no Trânsito do Distrito Federal .........................45
As Secretarias de Segurança Pública e a governança ..............51
Os instrumentos de governança ...............................................60
CAPÍTULO 2:
Militarização e Profissionalização das Polícias Militares ........67
O processo de militarização das polícias .................................69
As dimensões da militarização .................................................77
Os dilemas das polícias militares .............................................90
CAPÍTULO 3:
As Polícias Civis e o Mito do Inquérito Policial .......................95
A investigação criminal e o inquérito policial .........................99
Os saberes jurídicos e os saberes policiais .............................103
Discricionariedade, seletividade e política criminal ..............105
Delegacias generalistas e especializadas ................................108
O inquérito e a inteligência policial .......................................112
Novos padrões da instrução criminal no Brasil .....................116
A crise das polícias civis ........................................................119
CAPÍTULO 4:
Antigos atores e novas configurações ..................................123
Ministério Público: novas funções, mesma estrutura .............124
O governo federal e a indução de políticas públicas ..............132
O município e a segurança pública ........................................143
O sindicalismo policial...........................................................146
A mídia e a segurança pública ................................................150
A sociedade civil e as demandas por participação .................157
CAPÍTULO 5:
O Poder Local e a Segurança Pública ..................................161
A segurança pública no Distrito Federal ................................162
As carreiras policiais no DF ...................................................166
O financiamento da segurança pública ...................................171
Criminalidade e o medo na capital federal .............................174
A configuração da segurança pública no DF ..........................179
Melhorando a governança ......................................................184
CAPÍTULO 6:
Os homicídios e a agenda de segurança pública .................187
Contando as mortes ................................................................188
Os homicídios e seus diferentes contextos .............................194
A investigação criminal de homicídios ..................................209
As políticas sociais de prevenção de violências .....................212
Os problemas da agenda da redução de homicídios ..............215
CAPÍTULO 7:
A Segurança Pública e o Medo do Crime .............................221
Medo do crime e percepção de risco ......................................222
Medo do crime e vitimização .................................................225
Medo do crime, gênero, renda, raça e idade ..........................229
Medo, desordens e incivilidades ............................................232
Medo do crime e qualidade dos serviços públicos .................235
A polícia e o medo do crime ..................................................238
A atuação da polícia na vizinhança e o medo do crime .........242
O medo do crime e a agenda de segurança pública ...............250
Conclusão ...........................................................................255
Bibliografia ..........................................................................269
Introdução
Atualmente, no Brasil, parece haver um consenso de que a segu
rança pública é um dos principais problemas que afetam os diversos
aspectos da vida social, política e econômica. A despeito dos esfor
ços em aumentar os gastos e contratar mais profissionais para a área,
presidentes, governadores e prefeitos eleitos nos últimos 35 anos,
de modo geral, têm fracassado em prover a segurança demandada
pela população.
A violência, a criminalidade e o medo, cada vez mais presentes
no cotidiano das pessoas, dificultam ainda mais a complexa constru
ção da cidadania. Os direitos civis, em especial dos grupos vulnerá
veis, seguem sistematicamente desrespeitados. Ainda são frequentes
as situações de abusos e arbitrariedades cometidas por agentes do
Estado. A economia também tem sido afetada – de acordo a Con
federação Nacional da Indústria (CNI), em 2015 os gastos na área
representaram 5,5% do Produto Interno Bruto (CNI, 2018). No campo
político, a incapacidade das autoridades públicas em responder satis
fatoriamente às demandas por segurança tem acentuado a descrença
nos políticos e seus partidos. Em suma, a Nova República parece ter
fracassado nesse tema.
Alguns atribuem esse fracasso ao excesso de garantias previstas na
legislação. Para estes, as polícias estão amarradas por um ordenamento
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
legal extremamente permissivo com os criminosos. Outros, ao con
trário, atribuem o problema à relutância das forças policiais em se
adequar aos princípios do Estado de Direito. Embora ocupem posição
antagônica em relação ao diagnóstico, ambas as visões compartilham
a ideia de que as polícias são as principais, e às vezes as únicas, ins
tituições encarregadas de resolver o problema. E ao colocarem os
problemas nesses termos, esquecem que há uma grande variedade de
instituições, públicas e privadas, que têm responsabilidade direta ou
indireta no controle da criminalidade.
Esta obra não trata dos “problemas” de segurança pública, mas sim
analisa as “respostas” a eles. Tampouco é um livro sobre as respostas
certas, ainda que eu acredite que algumas sejam melhores que outras.
Ele analisa por que a capacidade do Estado brasileiro de responder aos
problemas de segurança é tão precária. Ou seja, analisamos os motivos
do fracasso da Nova República em responder satisfatoriamente aos
problemas de violência, criminalidade e medo.
Os estudos sobre polícia, criminalidade e segurança
Desde a década de 1960, especialmente nos Estados Unidos,
Canadá e Inglaterra, tornaram-se frequentes pesquisas sobre as polí
cias: sua função, organização, carreiras, estruturas, cultura e identida
des. Esses trabalhos deram origem a um campo que hoje é conhecido
como police studies. Fundamentalmente, caracteriza-se pela aplicação
de teorias e metodologias em uso nas ciências sociais, na psicologia e
na administração pública ao estudo das polícias (MANNING, 2005).
É um campo vasto e consolidado. Possui revistas especializadas,
obras e autores de referência. É importante notar que as pesquisas
14
INTRODUÇãO
policiais não se confundem com uma área muito mais ampla chamada
criminologia. A despeito de existir um intenso diálogo, as agendas de
pesquisa se distinguem. No caso da polícia, os estudos não necessa
riamente se ocupam do amplo fenômeno da punição e do funciona
mento do Sistema de Justiça Criminal, tampouco buscam entender as
complexas causas da violência e da criminalidade.
Recentemente, no Brasil, também temos assistido ao surgimento
de pesquisas sobre violência e conflitualidade, que em geral focalizam
o funcionamento da Justiça Criminal e suas instituições, bem como as
novas dinâmicas sociais que emergem da intensificação de práticas vio
lentas (ZALUAR, 1999; KANT et al, 2000; BARREIRA, ADORNO,
2010). A despeito dessa variedade teórico-metodológica, podemos
agrupar esses estudos em três eixos temáticos: polícias e políticas
públicas de segurança; violências e sociabilidades; e punição e prisões
(CAMPOS, ALVAREZ, 2017).
O primeiro, polícias e políticas de segurança pública, nos interessa
mais especificamente, pois trata, em essência, das respostas estatais
aos problemas de segurança pública. De forma geral, as pesquisas
pioneiras foram marcadas pelas “descobertas” das polícias por parte
da academia (MUNIZ, CARUSO, FREITAS, 2017), momento em que
os trabalhos trataram de desconstruir modelos normativos de funcio
namento das instituições policiais e seu relacionamento com a comu
nidade, evidenciando a imensa lacuna entre as práticas das polícias
e a imagem idealizada delas. Com isso, descobriu-se que os acertos
informais são muito mais comuns do que prevê (ou admite) a norma
legal. Muito embora conte com grande liberdade de ação, a legislação
reluta em admitir a discricionariedade policial. Também se verificou
que a opinião pública, a cultura organizacional e a pressão para atender
15
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
à demanda de trabalho têm muito mais influência sobre as polícias
que juízes e promotores.
Esses estudos mostraram, ainda, que o controle da criminalidade é
apenas uma das várias tarefas empreendidas pelas instituições policiais,
que incluem também a manutenção da ordem, o manejo de protestos,
a regulação do trânsito e de outras atividades cotidianas. Por outro
lado, o controle da atividade policial pelos tribunais e pelo Ministério
Público é eminentemente formal e pouco eficiente. Constatou-se, nesse
sentido, que as estratégias de policiamento têm efeitos muito menores
sobre as taxas de criminalidade que estávamos preparados para admitir.
Além dessas descobertas sobre as práticas policiais, as pesqui
sas também se debruçaram sobre as funções que essas instituições
desempenham nas sociedades modernas. Para tanto, buscou-se defi
nir o que é polícia, emergindo daí duas definições que se tornaram
muito influentes. Na primeira delas Ergon Bittner (2003) sugere que
as instituições policiais são mecanismos de força justificada destina
dos à manutenção da ordem. Outra definição importante é de David
Bayley (2006), que propõe que as polícias são instituições de controle
social com autorização para o uso da força, caso necessário.
Apesar de distintas, ambas as definições destacam o uso da força
como aspecto diferenciador das forças policiais. Exatamente por isso,
alguns estudiosos passaram a discutir os limites e a necessidade de rea
lizar a manutenção da ordem social dentro dos princípios que orientam
os regimes democráticos. O controle das atividades policiais passou a
ser uma das principais preocupações das democracias (COSTA, 2004).
Assim, parte importante dos estudos sobre polícias concentrou-se em
debater o funcionamento dessas instituições nos regimes democráticos.
Mais do que isso, eles revelaram como o surgimento das democracias
16
INTRODUÇãO
afetou profundamente o papel e o funcionamento das instituições
policiais. Hoje são inegáveis os efeitos das transformações na esfera
política sobre as polícias.
Ainda que esse seja um aspecto importante nos debates sobre
segurança pública, nossa preocupação aqui é outra. Pretendemos mos
trar que, além das mudanças políticas, as transformações na estru
tura da sociedade e do Estado também têm afetado profundamente
as rotinas, as estratégias e os objetivos das forças policiais. Isso por
que, se o surgimento das democracias, a partir da segunda metade do
século XX, transformou as polícias, a emergência da sociedade de risco
e as mudanças nas estruturas estatais as estão afetando profundamente
no início do século XXI (ERICKSON, HAGGERTY, 1997).
A sociedade de risco e o novo paradigma
da segurança pública
A manutenção da ordem, o controle social e o uso da força não
são mais os únicos aspectos diferenciadores das forças policiais. O seu
funcionamento tem sido profundamente transformado nas socieda
des contemporâneas organizadas para detectar e gerenciar os riscos
da vida moderna. As funções das polícias agora vão muito além da
manutenção da ordem e do controle da criminalidade. Elas incluem
a necessidade de lidar com o medo do crime. Ou seja, somaram-se
às tarefas tradicionais de polícia a necessidade de gestão de riscos.
Não é apenas uma mudança semântica; é principalmente uma mudança
f
ilosófica. Enquanto os problemas de ordem e criminalidade são defi
nidos em termos de desvio moral, os riscos são pensados em termos
probabilísticos. O objetivo não é mais alcançar uma ordem moralmente
17
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
(ou socialmente) definida, mas tornar as sociedades mais seguras,
com menos riscos de violências, crimes, acidentes e incidentes.
Para isso a capacidade de coação das polícias, progressivamente
limitada nas sociedades democráticas, não é suficiente. Para produ
zir segurança, as forças policiais são obrigadas a trabalhar cada vez
mais em colaboração com outras instituições públicas e privadas.
Nessa nova configuração social, sua capacidade de vigilância e de
produção de informações ganha importância. Se antes era imperativo
prender os criminosos e controlar os desviantes, agora o que importa
é reduzir as taxas de risco. E, para tanto, a prisão dos criminosos nem
sempre é a única, tampouco a principal estratégia.
Um exemplo. Durante as últimas décadas, algumas cidades brasi
leiras viram-se às voltas com o crescimento dos sequestros relâmpagos,
que consistiam em obrigar as vítimas, mediante ameaça, a sacarem
dinheiro nos caixas eletrônicos. Depois de alguns anos, a incidência
do problema diminuiu bastante. A sua solução não passou pela simples
prisão dos criminosos, mesmo porque eles não pertenciam a um grupo
socialmente homogêneo ou a uma única organização. As respostas
mais efetivas foram de outra natureza. Os caixas eletrônicos foram
retirados das ruas e calçadas e instalados em shopping centers, postos
de gasolina e outros estabelecimentos comerciais. Os equipamentos
deixaram de funcionar 24 horas, incorporando limites de horários e
de saque. Todas essas medidas eram responsabilidade dos bancos.
Às polícias coube elaborar um bom diagnóstico do problema e propor
medidas para resolvê-lo. Não foi um papel menor, mas definitivamente
foi um papel diferente.
Em muitos países, os policiais, aos poucos, estão se tornando
especialistas em produzir, coletar, sistematizar e difundir informações.
18
INTRODUÇãO
Investimentos cada vez maiores têm sido feitos para aquisição de novas
tecnologias e equipamentos da informação que vão desde programas
capazes de analisar enormes bases de dados (Big Data) até a compra
de sofisticadas redes de comunicações e sistemas de atendimento e des
pacho. Viaturas com computadores embarcados, por exemplo, agora
fazem parte da rotina dos policiais em algumas cidades do mundo.
Resta saber, contudo, por que as polícias estão mudando nesta dire
ção. Será que estamos diante de uma transformação mais ampla, fora do
mundo policial? A resposta é sim. Estamos diante da emergência de uma
nova sociedade, que tem sido descrita por autores das mais variedades
matizes teóricas como pós-moderna, líquida ou de risco (GIDDENS,
1991; BAUMAN,1999; BECK, 2010). Um traço distintivo dessa nova
configuração é a emergência de um discurso sobre a necessidade de
limitarmos os perigos e problemas que afligem o cotidiano das pessoas.
É um discurso sobre o risco: de sofrer um acidente de carro, de ser assal
tado, de ser infectado por uma doença, de se envolver em incidentes
arriscados. A maior parte desses riscos decorre de mudanças sociais
provocadas pelo progresso econômico e social, fortemente assentado
no desenvolvimento e avanço tecnológico e científico. Apesar das dife
rentes formas como os autores descrevem esse novo mundo, todos
concordam em um ponto: as expectativas sobre as formas pelas quais
o controle social deve ser exercido mudaram radicalmente. E isso tem
afetado as polícias, pois para lidar com esses riscos é necessário também
a participação de outros atores estatais e privados.
Mais, agora os problemas não se resumem apenas ao controle
da criminalidade e das desordens, cujas respostas eram orientadas
por um paradigma punitivista com ênfase nas polícias e nas prisões.
Novos problemas foram sendo paulatinamente incorporados à agenda
19
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
de segurança: proteção de grupos vulneráveis, administração de confli
tos e do medo. Por conseguinte, a natureza das respostas também está
mudando. Se antes elas eram orientadas pelo controle da criminalidade
(crime oriented policing), agora é frequente a adoção de respostas mais
abrangentes para a solução dos problemas (problem oriented policing).
A produção da segurança, portanto, não é mais vista como res
ponsabilidade exclusiva das polícias. É preciso governar através de
uma ampla e diversificada rede de autoridades. Como sugeriu Michel
Foucault, as práticas de governo não se restringem ao Estado e às suas
instituições. Elas envolvem também famílias, escolas, igrejas, pro
f
issões e várias outras autoridades que se engajam no controle das
condutas individuais. Ao colocar a questão do governo nesses termos,
a perspectiva foucaultiana dissolve a rígida distinção entre Estado e
sociedade civil (GARLAND, 1997; FOUCAULT, 2008).
O exercício do governo, ou da governamentalidade, nos termos de
Foucault, implica num conjunto de instituições, procedimentos, lógicas e
tecnologias que permitem governar uma população. Para o filosofo fran
cês, assistimos uma crescente governamentalização do Estado. Ou seja,
a sua função tem sido cada vez mais governar populações, em contraste
com a antiga, que era estabelecer a soberania sobre um território.
A busca das causas da violência e da criminalidade deu lugar às
análises epidemiológicas sobre as principais áreas, situações e grupos de
risco que não podem ser completamente controlados ou extintos; podem,
no máximo, ser governados. Para tanto é preciso acionar uma série de
saberes e autoridades, e, cada vez mais, coordenar os esforços de poli
ciais, professores, promotores, juízes, estatísticos, médicos, psicólogos
e assistentes sociais para governar o risco e o crime. O ingresso desses
outros atores impactou profundamente o campo da segurança pública.
20
INTRODUÇãO
A (re)configuração do campo da segurança pública no Brasil
Segurança pública é um conceito difícil, cuja definição pode
variar, dependendo das nossas posições sobre as noções de ordem e
garantias legais, bem como em função das nossas expectativas sobre
o papel do Estado em nos proteger. Trata-se, portanto, menos de um
conceito teórico e mais de um campo organizacional que estrutura as
relações de instituições e profissionais encarregados da manutenção
da ordem e do controle da criminalidade (COSTA, LIMA, 2015).
Um campo organizacional corresponde a um grupo de instituições
que, no agregado, constituem uma área reconhecida da vida social,
política ou econômica. São exemplos de campos organizacionais o
sistema financeiro, o sistema partidário e as universidades. A segurança
pública constitui, assim, um campo formado por diversas organiza
ções que atuam direta ou indiretamente na busca de respostas para
problemas relacionados à manutenção da ordem pública, controle
da criminalidade e prevenção de violências. Nesse sentido, ela não
se confunde com o Sistema de Justiça Criminal nem se resume às
instituições policiais, por mais que estas tenham papel importante no
debate público sobre o tema.
Como tal, o campo da segurança pública é um espaço social de
disputas entre diversos atores em torno das melhores soluções e prá
ticas mais legítimas de manutenção da ordem, controle da criminali
dade e prevenção de violência. Para entender as dinâmicas próprias de
um campo organizacional é necessário observar como determinadas
práticas foram institucionalizadas, como as identidades profissionais
foram formadas, como os novos conceitos e atores são incorporados
e como os conflitos internos estão estruturados.
21
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Ao mesmo tempo que as relações sociais existentes num deter
minado campo condicionam as estratégias e práticas adotadas pelos
atores políticos, tais relações são moldadas pelos diferentes processos
de socialização a que foram submetidos esses atores. Ao passo que são
estruturadas por práticas passadas e estruturam as ações do presente,
as relações sociais entre os atores de um determinado campo também
são afetadas por mudanças ocorridas noutros campos da vida social
(BOURDIEU, 1990).
No Brasil, a estrutura do campo da segurança pública é carac
terizada por uma forte concentração de recursos e competências no
plano estadual e pela impossibilidade de as instituições policiais exer
cerem o ciclo completo de policiamento em sua atuação, que vai do
policiamento ostensivo à investigação criminal. Além disso, existem
limites constitucionais à reforma das polícias, uma vez que a estrutura
construída ao longo do século XX, e fortalecida no período autori
tário (1964-1985), foi consagrada pela Constituição Federal de 1988
(COSTA, LIMA, 2015).
As principais agências encarregadas do trabalho de policiamento
são organizadas e legalmente controladas pelas 27 unidades da fede
ração. Embora algumas polícias estejam sob controle do governo
federal e alguns municípios mantenham guardas municipais, dada as
limitações de competências e de recursos, a maior parte das tare
fas é desempenhada pelas polícias militares e civis dos Estados e do
Distrito Federal.
As PM estaduais são responsáveis pelas tarefas relacionadas ao
policiamento das ruas. A despeito de reproduzirem alguns símbolos e
normas militares, elas não pertentem à estrutura das Forças Armadas.
Já as PC estaduais são encarregadas da investigação policial e da
22
INTRODUÇãO
instrução do processo criminal. Por esse motivo, são também cha
madas de polícias judiciárias, ainda que não pertençam à estrutura do
Poder Judiciário. Em função disso, nenhuma dessas agências policiais
estaduais realiza o chamado “ciclo completo de policiamento”. Isto é,
suas atividades são limitadas por funções: as polícias civis exercem as
funções de polícia judiciária e as polícias militares são encarregadas
do policiamento ostensivo e da preservação da ordem pública.
Outro aspecto importante a ser considerado: apesar das PM e
PC serem organizadas e controladas pelos estados, suas funções são
definidas pela Constituição Federal. Assim, as unidades federativas
não podem, isoladamente, transformá-las ou extingui-las. Além dos
limites constitucionais, os obstáculos à reforma das polícias também
resultam de arranjos do poder local, uma vez que, no plano adminis
trativo e funcional, os governadores têm autonomia para definir cargos
e planos de carreiras. Como forma de aumentar o controle sobre suas
corporações, a maior parte dos estados as vincula às Secretarias de
Segurança Pública ou de Defesa Social, o que permite integrar ações,
otimizar recursos e estabelecer mecanismos de governança e coope
ração. Esses órgãos, em geral, têm baixa capacidade institucional para
gerenciar e supervisionar as atividades das duas instituições policiais
(as militares e as civis).
Algumas das normas, práticas, identidades e mitos institucionais
existentes no campo são anteriores à Constituição de 1988, tendo sido
influenciadas por concepções de policiamento e segurança pública
desenvolvidas ao longo do século XX. Assim, nos últimos anos, várias
propostas foram apresentadas ao Congresso Nacional visando a mudar
essa estrutura legal e institucional. Até hoje, porém, nenhuma logrou
êxito em chegar até o final do processo legislativo. A maior parte dos
23
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
projetos tem encontrado resistência na burocracia pública, que impede
a mudança de práticas organizacionais.
A despeito desses obstáculos, é possível observar algumas alte
rações na (re)estruturação da segurança pública. Novos atores da
sociedade civil passaram a demandar maior participação nas tomadas
de decisões. O Ministério Público teve suas funções e prerrogativas
alteradas constitucionalmente, passando a exigir novos padrões de
relacionamento com as polícias. No plano federativo verificou-se o
aumento da participação da União e dos municípios em assuntos até
então vistos como exclusivos dos estados. Nas PM a manutenção da
identidade militar tem gerado atritos e problemas para sua profissio
nalização e modernização; o mesmo pode-se dizer das polícias civis,
em que o mito do inquérito policial impede a melhoria do desempenho
da investigação criminal.
Neste livro descreveremos como as características e a configu
ração de atores do campo da segurança pública brasileiro resultaram
numa baixa capacidade de governança. E isso tem tornado o Brasil
incapaz de produzir respostas efetivas para os principais problemas
que afligem a população, como o aumento significativo nas taxas de
homicídios, o crescente medo do crime e a superlotação das prisões.
Das políticas de segurança pública às
políticas públicas de segurança
As transformações na segurança pública não se limitam ao ingresso
de novos atores e ao surgimento de novos problemas. Uma das mais
importantes mudanças na área refere-se à forma como o controle social
é exercido. A ideia de apenas punir os comportamentos criminosos
24
INTRODUÇãO
através da aplicação da legislação penal tem dado lugar a uma abor
dagem mais ampla, que visa a mitigar as causas das adversidades.
Trata-se de uma nova mentalidade voltada para solução de problemas
que tem afetado profundamente as expectativas sobre o funciona
mento do campo.
Essa abordagem ficou conhecida como policiamento orientado
para a resolução de problemas (GOLDSTEIN, 1990). Segundo Herman
Goldstein, tal estratégia envolve a identificação e análise de desafios
específicos de violência, criminalidade e desordens a fim de elaborar
respostas mais efetivas. Trata-se de uma mudança de paradigma no
padrão de respostas tradicionalmente produzidas pelas polícias, baseado
quase exclusivamente no emprego de alguma forma de policiamento.
As respostas produzidas pela estratégia de solução de problemas são
muito mais complexas e envolvem uma rede de atores que se estende
muito além das instituições policiais. Dependendo do tipo de dificul
dade, as respostas incluem atores como escolas, assistência social,
rede de saúde e agências de infraestrutura urbana.
Como em outras áreas, as principais políticas públicas de segu
rança implicam a participação de diversas organizações e atores políti
cos, tanto governamentais quanto não governamentais, que compõem
as redes de políticas públicas. Essas redes, por sua vez, podem ser
definidas como o conjunto de relações relativamente estáveis entre
esses atores (públicos ou privados), que interagem através de uma
estrutura não hierárquica e interdependente para alcançar objetivos
comuns (BONAFONTE, 2004).
Para discutir o funcionamento das redes de políticas públicas
na área de segurança é necessário distinguir os seguintes conceitos:
polícias (police); estratégias de policiamento (policing); e políticas
25
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
públicas de segurança (policy). As polícias são aquelas organizações
destinadas ao controle social e autorizadas ao uso da força, caso neces
sário (BAYLEY, 1994). As organizações policiais, entretanto, não são
as únicas a possuir poder de polícia – agências de vigilância sanitária,
guardas municipais e departamentos de trânsito, dentre outras, também
o possuem. O traço definidor das instituições policiais, portanto, não é
esse poder, mas sim a autorização legal para usar a força.
As estratégias de policiamento (policing) referem-se às diferen
tes formas de empregar os efetivos, os recursos e os equipamentos.
Embora façam parte do seu cotidiano, elas não são exclusividade das
polícias. Outras organizações públicas também podem, sob certas con
dições, fazer algum tipo de policiamento, tais como as guardas muni
cipais, os departamentos de trânsito e as Forças Armadas. Além disso,
em algumas situações, por exemplo, shows, jogos de futebol e festivais,
também se verifica a existência de formas de policiamento realizadas
por empresas de segurança privada, que igualmente policiam espaços
quase públicos, entre os quais shopping centers, clubes e condomínios.
As políticas públicas de segurança (policy), por sua vez, referem--se a um conjunto de ações e procedimentos que visam a dar conta de
determinada demanda ou problema por meio da alocação de bens e
recursos públicos e privados. Na área de segurança pública, especifica
mente, elas envolvem outras organizações. Ou seja, as políticas públi
cas de segurança não se resumem às polícias e às suas estratégias de
policiamento; elas frequentemente implicam a participação de outras
organizações e atores de dentro ou de fora do campo da segurança.
Em torno de cada problema específico formam-se diferentes redes
de políticas públicas. Cada rede abarca diversos conflitos, uma vez
que podem existir diagnósticos distintos sobre as dificuldades a
26
INTRODUÇãO
serem enfrentadas e para as quais, consequentemente, haverá dife
rentes soluções. Os atores posicionam-se em relação a esses conflitos,
convergindo ou divergindo na sua forma de caracterizar e interpretar
esses problemas, atribuir relevância, propor estratégias e ações para
lidar com eles.
Duas características são essenciais para entender o funcionamento
dessas redes: autonomia e interdependência. Na maior parte dos casos,
os atores políticos não possuem de fato relações hierárquicas entre si.
Entretanto, eles são interdependentes, ou seja, o resultado da política
depende da participação de todos. Numa estrutura social dessa natu
reza, o desafio é estabelecer práticas e espaços sociais não hierárquicos
de coordenação, capazes de planejar e articular as ações dos atores
que compõem a rede. Chamaremos essa capacidade de governança.
O termo pode significar muitas coisas. Neste livro, significa a capaci
dade de governar, ou seja, de coordenar e articular ações de diversos atores
públicos e privados, por meio de uma estrutura de leis, normas e práti
cas que conferem legitimidade ao processo decisório. Hoje, podemos
identificar pelo menos três modos distintos de coordenação: as regras
contratuais do mercado; a hierarquia das instituições burocráticas e
as reciprocidades derivadas das redes. Fundamentalmente, cada um
desses modos incorpora uma racionalidade distinta que serve para
organizar as ações. A racionalidade do mercado é contratual, enfatiza
a eficiência na busca de resultados econômicos ótimos. O objeto de
troca é claramente definido e facilmente mensurado. As relações são
descontínuas e os acordos, garantidos por sanções legais. Já a raciona
lidade da burocracia é baseada nas hierarquias funcionais que definem
de modo explícito os papéis e as competências de cada um dos atores
envolvidos. Não há troca, mas sim relações de poder orientadas por
27
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
objetivos políticos predeterminados. Enquanto os mercados são bas
tante flexíveis, as burocracias são rígidas.
As redes não são um meio termo entre o mercado e a hierarquia.
Muito pelo contrário, elas possuem uma lógica própria, organizada
em torno da confiança e da reciprocidade entre os múltiplos atores,
enquanto suas relações são sequenciais e de longa duração. O objeto
de troca não é facilmente mensurável, tampouco previamente definido.
Nas redes, as relações são mantidas pela expectativa de que haverá
algum tipo de reciprocidade (JESSOP, 2000; TOMPSON, 2003).
Existem, portanto, variados arranjos institucionais destinados a
maximizar a capacidade de governar uma população. Os diferentes
modos de governança refletem a variedade de formas possíveis para
implementar políticas públicas, bem como os papéis atribuídos às
instituições do Estado e da sociedade civil. Essa variedade também
reflete a necessidade de responder aos novos problemas e aos desafios
de administrar os riscos nas sociedades contemporâneas. Essas formas
de governar buscam, igualmente, promover processos decisórios capa
zes de atender à crescente demanda por participação social.
Apesar de não ser uma novidade, só recentemente o conceito
de governança passou a ser objeto de pesquisa (PIERRE, PETERS
2000), tendo sua noção aparecido nos livros e artigos apenas a partir
da década de 1980, a ponto de tornar-se um novo campo de estudos.
Tal movimento refletiu sobre diferentes áreas, como saúde, educação,
meio ambiente, criminologia e economia, a primeira a focar na noção
de governança corporativa. Oliver Williamson (1979) foi um dos pri
meiros a chamar a atenção para a sua importância ao demonstrar como
os atores econômicos adotam diferentes formas de governança para
minimizar seus custos de transação.
28
INTRODUÇãO
A partir daí outros autores esforçaram-se para descrever novas
formas de coordenação de ações, num ambiente marcado pela cons
tituição de redes de políticas públicas (POWELL, 1990; RHODES,
1990). Talvez por isso muitos trabalhos têm se referido à governança
como uma nova forma de governar, diferente dos mercados e das
burocracias estatais. Mas, é importante lembrar, tanto aqueles quanto
estas pressupõem formas específicas de ação que ainda existem e são
bastante úteis nas sociedades contemporâneas. A novidade, portanto,
não é a governança, mas sim o desafio de exercê-la em um ambiente
marcado pela diversidade de redes de políticas públicas.
De forma geral, a literatura atribui quatro significados diferentes ao
termo governança: i) uma estrutura; ii) um processo; iii) um mecanismo;
e iv) uma estratégia (LEVI-FAUR, 2012). Enquanto estrutura, ela se
refere a uma configuração de instituições, públicas e privadas, desti
nadas a responder um determinado problema. Como veremos, deter
minadas configurações do campo da segurança pública dificultam
a governança.
Como processo, o termo refere-se às dinâmicas e aos processos
de elaboração de políticas públicas. A forma como estas são elabo
radas, incluindo diferentes atores e estabelecendo arenas de coor
denação, pode facilitar o exercício da governança. Por outro lado,
políticas públicas formuladas inicialmente para ser implementadas
exclusivamente pelas polícias terão muita dificuldade para incorporar
e coordenar novos atores. Para ser exercida, a governança implica a
existência de mecanismos ou instrumentos destinados a estruturar o
processo decisório, bem como induzir as ações dos diversos participan
tes de uma rede de políticas públicas. Existem diversos instrumentos,
como sistemas de metas, fundos para financiamento de ações, sistemas
29
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
de monitoramento da execução orçamentária, câmeras técnicas de
coordenação etc., sem os quais a governança das redes de políticas
públicas seria muito difícil.
Por fim, ela também se refere às diferentes estratégias que deter
minados atores (normalmente estatais) adotam para reformar as orga
nizações e seus mecanismos, bem como para fornecer novos enquadra
mentos para as escolhas de preferências individuais. Essas estratégias
requerem um planejamento que explicite os objetivos da política
pública de segurança, estabeleça metas e indicadores, bem como des
creva as diversas ações que deverão ser implantadas pelos diferentes
atores que compõem a rede.
Neste livro, descreveremos as principais dificuldades encontra
das no campo da segurança pública brasileiro para essa mudança de
paradigma. A persistência de uma mentalidade que prioriza estra
tégias de policiamento sem a necessária articulação com ações de
outros atores é resultado de uma configuração do campo herdada de
períodos anteriores.
A governança da segurança
As profundas transformações no campo da segurança pública
têm sido objeto de intenso debate criminológico nos últimos 30 anos.
A reconfiguração dos mecanismos pelos quais ela tem sido realizada
tornou-se o foco central do debate. Autores influentes da disciplina têm
se dedicado a descrever, explicar e avaliar as implicações das tendências
identificadas conceitualmente sob os vários rótulos, como, por exem
plo, pluralização, multilateralização, governança em rede, governança
nodal e governança da segurança (SHEARING, WOOD, 2000, 2006).
30
INTRODUÇãO
Sem dúvida, umas das grandes transformações na segurança pública
é o crescimento significativo das empresas privadas. Para alguns estu
diosos, estaríamos diante de uma revolução silenciosa nos sistemas de
policiamento e controle social em muitos países do mundo. A revolução
compreenderia a expansão incremental dos serviços privados de segu
rança, com foco na proteção do patrimônio, orientada por uma lógica
preventiva de ação. Acompanhando a tendência mundial, a sociedade
brasileira tem se deparado com o crescimento do número de empresas
de vigilância privada. Mas, devido às características do aparato legal
e burocrático nacional, boa parte delas é irregular e está submetida à
f
iscalização precária (SILVA, 2013, 2015; ZANETIC, 2013).
Com relação às áreas residenciais, observamos nas últimas déca
das o surgimento de novos padrões de moradia, condomínios ver
ticais e horizontais, cuja característica comum é a centralidade da
preocupação com a segurança dos seus moradores. Esse padrão de
moradia é cada vez mais frequente nos bairros de classe média e alta.
Os condomínios são verdadeiros “enclaves fortificados”, que intro
duzem uma nova lógica de segurança e controle social, com base no
emprego de serviços privados e orientada pela segregação social do
espaço (CALDEIRA, 2000).
O surgimento de atores privados, entretanto, não se restringe às
áreas de maior renda, tampouco a práticas reguladas por leis. A preo
cupação com os crimes contra o patrimônio também está presente nos
bairros pobres, especialmente entre os comerciantes locais, tais como
donos de bares, açougues, padarias etc. Nesses casos, os moradores
dificilmente contam com a atenção das unidades policiais tampouco
podem dispor de um sofisticado e caro aparato de segurança privada.
Nessas áreas, são frequentes os relatos sobre a atuação de grupos
31
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
de justiceiros e milícias, ambos atuando à margem da lei, frequen
temente integrados por ex-policiais, via de regra, com apoio finan
ceiro de comerciantes. Enquanto a presença de justiceiros em alguns
bairros é antiga, o surgimento das milícias é relativamente recente.
Elas controlam determinadas áreas, estabelecendo normas de convívio
e explorando alguns serviços (gás, internet, transporte etc.). Tal qual
os grupos de justiceiros, os milicianos contam com a colaboração ou
tolerância de policiais.
As transformações no campo não se restringem à expansão da
segurança privada. Há também uma crescente percepção de que o
Estado tem fracassado nos esforços para conter uma tendência inexorá
vel de ascensão do crime, das desordens e das incivilidades (LOADRE,
SPARKS, 2002). Tal percepção está associada à intensificação do medo
do crime e ao surgimento de uma nova consciência de risco, que incita
os atores sociais a buscarem novas estratégias destinadas a afastar a
possibilidade de vitimização criminal (SHEARING, 1992; BAYLEY,
SHEARING, 1996; LEADR, 2000).
Associado à emergência de novos atores e expectativas, podemos
também verificar o esvaziamento do Estado, que se dá na medida em
que sua capacidade governamental se diluiu em variadas esferas de
poder, nos níveis sub e supranacionais. Todos esses fatores têm gerado
uma intensa discussão sobre qual é, ou deveria ser, o papel do Estado
nessa nova configuração do campo da segurança pública.
Na literatura há pelo menos duas perspectivas sobre esse papel
na era da governança de redes. A primeira refere-se à necessidade
de preencher com novos atores privados as lacunas deixadas pelo
Estado cada vez mais esvaziado. Posto que ele teria se tornado uma
coleção de redes inter-organizacionais, com atores públicos e privados,
32
INTRODUÇãO
nenhum ator seria capaz de dirigi-lo ou governá-lo sozinho (RHODES,
1997). O surgimento das redes teria reduzido de modo significativo
a capacidade dos governos para responder com efetividade aos pro
blemas sociais, cabendo-lhes fundamentalmente o papel de regulação
desses múltiplos atores.
Em oposição a essa perspectiva, há autores que reconhecem as
profundas transformações da organização do Estado e suas consequen
tes limitações. Por isso, é necessário reconhecer o papel dos atores
privados, o que implica elaborar novas formas de relação e parcerias
público-privadas. Para esses estudiosos, entretanto, é exatamente por
causa da reconfiguração das relações público-privado que o Estado
ganha maior importância (PIERRE, PETERS, 2000). O paradoxo da
redução da efetividade da ação dos agentes estatais implicaria a necessá
ria melhoraria das formas de governança, cuja legitimidade depende da
participação do governo nos processos decisórios. A simples presença
de atores públicos na estrutura de governança não necessariamente lhe
confere legitimidade (BÖRZEL, RISSE, 2010; LEVI-FAUR, 2011).
Aqui cabe uma distinção importante entre governo e Estado.
Os atores estatais não se resumem a administrar as orientações forne
cidas pelos governos democraticamente eleitos. Ao contrário, muitas
instituições estatais têm adquirido razoável autonomia em relação às
autoridades governamentais. Há uma crescente pressão para torná--las parte do Estado e não de governos. Para isso são elaborados
estatutos, regulamentos e processos de escolhas de seus dirigentes,
o que conferem enorme autonomia política, funcional e orçamentá
ria às instituições estatais. Essa ideia visa a blindá-las da influência
política dos governos, estratégia especialmente válida na segurança
pública. Portanto, a participação de instituições estatais nas redes
33
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
de políticas públicas não confere a legitimidade que só os gover
nos eleitos possuem.
Assim, o debate e as análises sobre as transformações do campo
têm gerado grandes divergências sobre qual seria o papel do Estado
nesta nova configuração. Essas posições podem ser agrupadas em
duas grandes abordagens.
A primeira parte de uma visão bastante cética dos esforços centra
dos quase exclusivamente no Estado para fornecer segurança à popu
lação e vê no surgimento dos novos atores privados uma oportunidade
única para responder com mais eficácia às necessidades da comuni
dade (BAYLEY, SHEARING, 1996; SHEARING, WOOD, 2003;
JOHNSON, SHEARING, 2003). Clifford Shearing (1992), por exem
plo, argumenta contra uma “visão de governo centrada no Estado
que exclui, ou pelo menos obscurece, os atores privados”. Para ele,
essa posição é questionável porque subestima a importância desses
sujeitos, limitada por um pensamento normativo que não atende mais
a realidade do século XXI. O autor reconhece a polícia como um ator
dentre muitos outros encarregados de prover segurança. Dispensando a
descrição hobbesiana do Estado como Leviatã, Shearing defende um
papel regulatório para o Estado, encarregado de fornecer os limites e
princípios sob os quais a segurança será exercida pelos atores privados
e comunitários, que passariam a operar a partir das regras do mercado.
A segunda abordagem adota uma postura normativa e crítica às
transformações no campo, apontando os problemas advindos do recuo
do Estado no controle social. Isso implicaria uma série de problemas,
incluindo a baixa accountability da segurança pública, bem como
a falta de legitimidade de alguns novos atores privados. Eles tam
bém denunciam a desigualdade na distribuição da segurança como
34
INTRODUÇãO
um bem social, postulando que o mercado seria incapaz de superar a
lacuna entre pobres e ricos (LOADER, WALKER, 2001, 2004, 2006;
ZEDNER, 2006, 2007).
Nos parece equivocada a tendência de alguns estudiosos pensarem
uma forma de governança sem a coordenação central dos governos,
uma vez que o conceito é essencialmente político. São raros os casos
nos quais esse papel pode ser resumido à regulação dos atores priva
dos que produzem segurança. Em geral, cabe aos governos indicar os
problemas a serem tratados e os meios (públicos ou privados) a serem
empregados. Não acredito ser possível fugir da dimensão política das
escolhas no campo da segurança, tampouco da necessidade simbólica
de legitimá-las.
Os limites da governança do campo da segurança
Apesar das diferenças de avaliação, a maior parte da literatura
tende a concordar que a segurança é, para o bem ou para o mal, resul
tado das interações de uma rede de atores públicos e privados, na qual
a governança é realizada. Há um aspecto, entretanto, que tem sido
relegado nas discussões: qual é capacidade de governança de um
determinado campo de segurança pública? Essa capacidade requer
o preenchimento dos seguintes requisitos: i) seleção de objetivos;
ii) coordenação; iii) implementação; e iv) avaliação (PETERS, 2012).
Se a governança implica dirigir e não comandar, então a seleção
dos objetivos é uma atividade essencial para o funcionamento de uma
rede de políticas públicas. Para isso é preciso uma boa capacidade de
levantar e analisar informações, pois não basta realizar um diagnós
tico. É necessário convencer os diversos atores que compõem uma
35
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
rede sobre a seleção de objetivos e a adoção de prioridades. É fun
damental convencê-los a remar na mesma direção. Isso implica um
complexo processo decisório com a participação de vários atores e
suas respectivas lógicas e interesses corporativos. Também envolve
a definição de noções abstratas de justiça social, ordem pública e
participação social. Em suma, a seleção de objetivos é um processo
eminentemente político.
Como dissemos, os múltiplos atores têm seus próprios objetivos
e interesses. Não é raro que as ações desenvolvidas por um determi
nado ator não estejam alinhadas com os objetivos gerais definidos.
Uma governança efetiva implica coordenar as ações de acordo com as
prioridades estabelecidas. Para que isso aconteça são devem elabora
dos instrumentos capazes de induzi-las, tais como o desenvolvimento
sistemas de metas e o estabelecimento de áreas e grupos prioritários,
além da coordenação da execução da orçamentária.
As decisões tomadas nos estágios anteriores precisam ser imple
mentadas. É preciso vencer as resistências culturais e os obstáculos
institucionais. Isso significa reconhecer a necessidade de reformar
algumas instituições. Entretanto, não basta reformá-las; é necessário
também criar e fortalecer as estruturas e os mecanismos de governança.
Nas redes de políticas públicas os mecanismos tradicionais de
avaliação e responsabilização não cumprem adequadamente sua fun
ção. São muitos os atores envolvidos, cuja interdependência cria novos
desafios e, consequentemente, demandam novos instrumentos de ava
liação e acompanhamento.
O objetivo deste livro é discutir as transformações, as tensões e os
dilemas da segurança pública, que sob esse contexto vêm ocorrendo
desde 1988. Para tanto, iremos analisar como os dilemas identitários e a
36
INTRODUÇãO
permanência de determinadas lógicas e mitos institucionais, bem como
o surgimento de novos atores políticos que têm afetado a segurança
pública. Dentre os vários problemas existentes, um nos interessa mais
especificamente: sua baixa capacidade de governança.
Nosso argumento central é que a forma como o campo se estru
turou no Brasil afetou drasticamente sua capacidade de governança,
seja pelas dificuldades de reformar algumas instituições, seja pela
ausência de mecanismos de coordenação, seja pela incapacidade de
articulação. Também descreveremos como as dinâmicas políticas atra
palham o aperfeiçoamento da governança e comprometem as novas
estratégias para governar a segurança pública.
Fontes, dados e estrutura do livro
Nosso objetivo aqui é relacionar dois fenômenos sociais: a estru
turação da segurança pública e a construção de um novo modelo de
governança do campo, com base na atuação das redes de institui
ções. Analisar a capacidade de governar requer um enorme esforço
metodológico. O mesmo pode ser dito quanto aos esforços para
compreender estruturação.
Obviamente, esse tipo de análise pode ser feito de diferentes
formas, abrangendo níveis distintos. Neste trabalho, são utilizados
dados e evidências produzidos a partir de pesquisas qualitativas e
quantitativas que realizei nos últimos anos. Elas empregaram uma
pluralidade de técnicas, tais como survey, grupos focais, entrevistas
e análise documental. Essas pesquisas foram coordenadas por mim e
contaram com a participação de diversos alunos de graduação e pós--graduação. Também foram utilizados dados produzidos em estudos
37
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
realizados por outros estudiosos do campo. Estabeleci como limite
temporal o ano de 2015.
Esta obra está estruturada em duas partes. A primeira trata dos
atores e das configurações específicas que a área pode tomar em cada
Estado. Discutiremos as fragilidades das Secretarias de Segurança
Pública, os problemas identitários das polícias militares e os osbs
táculos para a melhoria da capacidade de investigação das polícias
civis. Ainda na primeira parte, apresento as transformações de antigos
atores, como o Ministério Público e a mídia. Também explicaremos
como o ingresso de novos sujeitos (União, municípios, sindicatos e
sociedade civil) tem reconfigurado o campo.
Na segunda parte, descrevo como a configuração política estadual
impacta a governança da segurança pública. Por fim, discuto como o
enfrentamento dos problemas relacionados aos homicídios e ao medo
do crime dependem da ação coordenada de redes de políticas públicas.
38
CAPÍTULO 1
As redes de políticas
públicas de segurança
Nas últimas décadas, a segurança pública tem sido apontada como
um dos principais desafios do Brasil. A partir de 1998, ela se tornou
um problema político-eleitoral. As diversas pesquisas eleitorais têm
revelado que a falta de segurança, junto com o desemprego e a saúde,
são as três maiores preocupações da população. Além disso, o elei
torado acredita que os governadores, os prefeitos e o presidente da
República são igualmente responsáveis pela área. Ou seja, a segurança
tornou-se um dos temas mais problemáticos para todos os níveis de
governo nos últimos 20 anos.
Se isso é verdade, resta saber quais são os problemas da segu
rança? Eles são muitos e complexos: precárias condições de trabalho
dos policiais, sensação de insegurança crescente, taxas de homicídios
elevadas, superlotação carcerária, mau funcionamento do Sistema
de Justiça Criminal e aumento das ações de organizações crimino
sas, dentre outros. Não há, entretanto, um consenso sobre quais deles
deveriam ser prioritariamente atacados, tampouco as soluções mais
adequadas para resolvê-los.
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Ao contrário, há uma intensa disputa entre os diversos atores que
integram o campo da segurança pública para determinar seus problemas
e suas soluções. Assim como em outras áreas (i.e., saúde, educação,
mobilidade, meio ambiente etc.), a formação de agenda das políticas
públicas de segurança, ou seja, a escolha dos temas prioritários, é um
processo político e socialmente construído (COBB, ELDER, 1983; BIR
KLAND, 2001). Os grupos competem para formar a agenda porque
nenhuma sociedade ou sistema político é capaz de processar e solucionar,
ao mesmo tempo, todos os problemas. Na área segurança pública, a des
peito da segurança ser um bem comum, há vários interesses em disputa.
Por exemplo, quais bairros receberão maiores efetivos ou equipamentos,
quais carreiras serão priorizadas, quais grupos sociais receberão as prin
cipais atenções e cuidados e, obviamente, quem irá financiar a política?1
Mais do que isso. O fluxo dos problemas não antecede necessa
riamente o fluxo das soluções (KINGDON, 1995). Às vezes, estas são
apresentadas (e compradas) antes mesmo que aqueles tenham sido
claramente definidos. Isso acontece com mais frequência quanto se
trata da aquisição de sistemas tecnológicos e equipamentos. É o caso
de alguns estados que adquiriram sistemas de videomonitoramento
(CCTV). Em determinadas situações, esses sistemas foram implan
tados sem que antes fosse elaborado um projeto que definisse clara
mente os objetivos e as metas almejadas. De forma geral, os projetos
apresentados não passavam da descrição e justificativa para aquisição
dos equipamentos, sem previsão de todas as ações necessárias ao seu
funcionamento adequado (i.e., treinamento de equipes, elaboração de
protocolos e desenvolvimento de doutrina). Assim, a “solução” foi
1 Para uma análise do processo de formação de agenda na segurança pública ver:
Poncioni (2017).
40
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
comprada antes mesmo do problema que pretendia resolver ter sido
definido. Os resultados não poderiam ser mais desastrosos: desperdício
de recursos, subutilização dos equipamentos e abandono do projeto.
Foi o que aconteceu, por exemplo, no Distrito Federal e no Rio de
Janeiro (CARDOSO, 2013, 2014).
Noutras situações foram implantados projetos que já existiam,
mas haviam sido jogados na “lata de lixo” por algum motivo (COHEN
et al., 1972). Desse modo, iniciativas de outros governos foram reto
madas, mesmo que renomeadas, para dar resposta às pressões polí
ticas sofridas pelas autoridades de segurança pública. Via de regra,
tais soluções foram reintroduzidas sem a necessária readequação dos
projetos originais, tanto no que diz respeito aos seus objetivos e metas
quanto ao seu cronograma. Esse foi o caso das Unidades de Polícia
Pacificadoras (UPP) no Rio de Janeiro.2
E, mesmo quando esses desafios e suas soluções estão claramente
definidos, a implantação de políticas públicas de segurança encontra
sérios obstáculos. Alguns deles referem-se à cultura organizacional
e derivam da resistência dos profissionais em mudar suas rotinas de
trabalho. Outros obstáculos estão relacionados com a inadequação da
estrutura das organizações encarregadas de executar as ações. Ambas as
situações, resistências culturais e inadequação organizacional, têm sido
apontadas como alguns dos principais empecilhos para a implantação
de projetos de policiamento comunitário no Brasil (OLIVEIRA, 2002).
Todas essas dificuldades de formulação e implementação não
são novidade e estão presentes nas políticas públicas de segurança
(SOUSA, 2006). Mas há uma outra dimensão que gostaríamos de
2 As UPP, implantadas a partir 2008, basearam-se no projeto dos Grupo de Policiamento
em Áreas Especiais (GPAE), estabelecido em 2000. Ver Cardoso (2010) e Misse (2014).
41
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
abordar neste capítulo: trata-se dos desafios relacionados à gover
nança. Os problemas dessa natureza não são exclusivos da área de
segurança pública, mas nela adquirem enorme importância em fun
ção da necessidade de se constituir redes de políticas públicas que
exigem a participação de diversos atores políticos, tanto governa
mentais quanto não governamentais. Tais redes, caracterizadas pela
interdependência e autonomia, não surgem naturalmente, tampouco
dispõem, a priori, de grande capacidade de governança. Na verdade,
elas variam significativamente quanto à capacidade de coordenação
e articulação de ações.
A construção das redes de políticas públicas
Um dos principais objetivos dos estudos sobre redes de políticas
públicas tem sido a identificação e classificação dos diversos tipos de
redes nos Estados contemporâneos. Elas se sobrepõem e interagem
entre si, caracterizando uma dinâmica complexa que alguns chamaram
de Estado organizacional (LAUMANN, KNOCKE, 1987). Esses tra
balhos, geralmente, tratam de analisar e classificar as redes a par
tir da análise dos atores envolvidos. Para isso, elegem as seguintes
variáveis de classificação: número e tipo de atores; arenas de intera
ção; funções que elas desempenham; tipo de interações que predomi
nam entre os participantes; normas de procedimentos; e relações de
poder entre os atores.
Assim, não há dúvida de que para entender as redes de políticas
públicas é fundamental analisar os atores que as compõem, bem como
a forma como eles interagem. Entretanto, podemos aprender bem mais
sobre elas se as tomarmos como uma estrutura social que não se limita
42
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
aos seus membros. Muitas vezes, as propostas e os resultados das
políticas públicas não são claramente identificáveis com os interesses
de qualquer dos atores de uma rede. Elas têm dinâmicas próprias,
que prevalecem sobre as vontades individuais dos seus membros.
Portanto, para entendê-las é necessário antes analisar os aspectos que
condicionam as interações entre os participantes.
Marsh e Rhodes, em estudo das relações entre o poder central e o
poder local, realizado na Grã-Bretanha, desenvolveram uma tipologia
de redes de políticas públicas (MARSH, RHODES, 1992). A classifi
cação sugerida pelos autores descreve dois tipos ideais de rede, a partir
dos quais emergem inúmeras combinações possíveis.
No primeiro tipo, policy networks, as redes são compostas por
poucos atores e se caracterizam pela estabilidade das relações, com alto
grau de interdependência e grande autonomia no que se refere às outras
redes. Elas são bastante integradas e, normalmente, originaram-se
de temas de interesse governamental, tais como segurança, saúde,
educação, ciência e tecnologia. Marsh e Rhodes (1992) enfatizam
o papel predominante dos atores estatais, uma vez que concentram
os principais recursos de poder. O desafio dessas redes é abrir-se à
participação de outros membros fora da comunidade política tradi
cionalmente estabelecida. Nesse sentido, ampliar a participação de
atores para além das polícias e demais órgãos de segurança, incluindo
representantes da educação, saúde e trabalho, bem como da sociedade
civil, tem sido um dos desafios mais frequentes das redes na área.
As redes temáticas (issue networks) são um tipo ideal oposto.
Elas possuem grande número de participantes que se reúnem em torno
de temas específicos. São pouco estáveis, com estrutura atomizada e
baixo grau de integração entre seus membros. Em uma rede temática
43
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
a distribuição de recursos entre atores dentro e fora do governo é
assimétrica, embora não exista predominância a favor de nenhum
deles. O desafio é institucionalizá-las de forma que a estrutura social
continue a produzir políticas públicas coerentes.
Em função da natureza das relações estabelecidas entre os ato
res, as redes de políticas públicas podem exercer diferentes funções
(AGRANOFF, 2007). Na segurança pública são pelo menos três tipos
de funções: i) fomen tar a troca de informações; ii) ampliar a capaci
dade de vigilância e monitoramento; e iii) aumentar a capacidade de
responder adequadamente aos problemas.
Algumas redes visam a fomentar a troca de informações. Nesses
casos, os atores unem-se exclusivamente para trocar dados e refe
rências sobre políticas, programas, tecnologias. As ações executi
vas cabem apenas aos atores isoladamente e não são compulsórias.
É comum a criação de “frentes” em defesa de determinada política
pública ou pela revogação de certo estatuto legal. Nestas situações,
os diversos atores que compõem as “frentes” compartilham informa
ções que justificam suas posições políticas.
Existem as redes voltadas à ampliação da capacidade de vigilância
e monitoramento de determinados grupos sociais. Quando isso ocorre,
os parceiros compartilham informações bancárias, fiscais, telefônicas
dos seus “clientes”. Na era da sociedade informacional, são cada vez
mais frequentes as demandas por parcerias que visam a compartilhar
dados e informações sensíveis sobre os cidadãos, a fim de aumentar
da capacidade do Estado de responder aos novos riscos e ameaças.
Essas demandas por mais monitoramento, entretanto, têm obrigado
os estudiosos a rediscutir os limites e perigos desse tipo de vigilância
(MARX, 1988).
44
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
Por fim, há as redes específicas para a solução de problemas.
Nestas, os participantes unem-se para realizar tarefas interorganiza
cionais e implementar ações que permitam a produção conjunta de
bens e serviços.
Programa Paz no Trânsito do Distrito Federal
A violência no trânsito tem sido apontada como um dos principais
problemas de segurança pública das cidades brasileiras. Os estudos
deixam claro que os acidentes de trânsito são uma questão de saúde
pública, devendo o setor público atuar prioritariamente para a preser
vação da vida e bem-estar – físico e mental – das pessoas que sofrem
os impactos físicos, emocionais e econômicos desse tipo de ocorrência.
Em 2005 morreram cerca de 34.381 pessoas vítimas de aciden
tes de trânsito no Brasil. Tendo em vista a elevada subnotificação de
mortes desse tipo, os números eram tão alarmantes quanto as cifras
de homicídios (55.312), registradas no mesmo período. Segundo o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), naquele ano os
custos anuais decorrentes desse tipo de evento no país ultrapassaram
a cifra de R$ 27 bilhões, o equivalente a 1,4% do PIB.
Em Brasília, o problema não era diferente das outras grandes
cidades brasileiras. Até meados da década de 1990 as taxas de mortes
no trânsito do Distrito Federal eram mais do que o dobro das taxas
nacionais. Em 1994, a taxa de óbito por acidente de trânsito no DF foi
de 39,7/100.000 pessoas, ao passo que a média nacional foi de 19,4.
O ano de 1995 foi ainda mais violento, tendo o DF alcançado a catas
trófica taxa de 44,7/100.000 pessoas mortas no trânsito, mais que o
dobro da taxa nacional, de 21,4 (WAISELFILSZ, 2006).
45
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Em função desses números, a população do Distrito Federal pas
sou a pressionar as autoridades locais a buscarem soluções para um
quadro que se apresentava tenebroso. Nesse contexto, em fevereiro
de 1995 foi lançado um conjunto de medidas, que mais tarde ficaram
conhecidas como Programa Paz no Trânsito. Elas traziam duas novi
dades em relação às políticas tradicionais voltadas para o trânsito
implantadas nas cidades brasileiras: focavam na segurança ao invés
da fluidez do trânsito e implicavam a participação de vários atores.
Frequentemente, essas políticas se concentravam apenas no com
portamento dos motoristas e pedestres. Entretanto, eles não são os
únicos atores sociais envolvidos na questão. O trânsito é constituído
por um grupo bem maior de papéis, os quais devem ser considerados
no planejamento da circulação: pedestres, ciclistas, motoristas, passa
geiros, policiais, legisladores, planejadores e operadores, dentre outros
(VASCONCELOS, 2001). Para melhorar as condições de segurança,
o programa buscou o maior número possível de atores envolvidos
no trânsito do DF.
Seus principais eixos eram: i) coibir o excesso de velocidade; ii)
controlar o consumo de bebidas alcoólicas; iii) intensificar a educação
no trânsito; iv) melhorar as condições da malha viária; v) melhorar
o atendimento médico no trânsito; e vi) normatizar o acompanha
mento estatístico no trânsito. Inicialmente, foram adotadas as seguin
tes medidas no sentido de consolidar a ação: i) criação do Núcleo do
Batalhão de Policiamento de Trânsito; ii) aperfeiçoamento da Escola
Pública de Trânsito; iii) promoção de cursos de formação para pro
fessores da rede pública; iv) instalação de equipamentos de vigilância
eletrônicos; v) definição dos principais pontos críticos de acidentes;
vi) instalação de conjuntos semafóricos; vii) instalação de passarelas
46
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
e faixas para pedestres; e viii) adoção de medidas de segurança para
os transporte coletivos.
De modo geral, o Paz no Trânsito surgiu das convergências dessas
diferentes iniciativas no âmbito governamental e da sociedade civil.
A princípio, as medidas planejadas para a segurança no trânsito não
seguiam uma diretriz formal da gestão do Distrito Federal. Tratava-se
de um grupo de pessoas, ligadas ou não ao governo local, que pas
saram a se reunir e elaborar propostas sobre segurança no trânsito.
À época, o quadro funcional da administração pública contava com
vários especialistas na área. Ao mesmo tempo que os técnicos gover
namentais trabalhavam por soluções para os problemas do trânsito no
DF, representantes da universidade, da mídia impressa e da sociedade
civil desenvolviam atividades cujos objetivos convergiam com os
especialistas do governo (RODRIGUES, 2007).
Apesar da convergência de objetivos, faltava ainda o apoio da popu
lação. Em 15 de setembro de 1996 ocorreu uma grande mobilização,
a segunda maior da história de Brasília, até então. Aproximadamente 25.000
pessoas foram às ruas e promoveram a Caminhada pela Paz no Trânsito.
O programa, enfim, contava com a participação da população brasi
liense. Quatro dias depois, 18.000 alunos das escolas da cidade também
foram às ruas pelo mesmo motivo. A partir daí o movimento estudantil,
sindicatos, empresários, autoridades do governo federal, do judiciário,
igrejas e universidades se integraram às propostas existentes.
Foi criado, também, o Fórum Permanente pela Paz no Trânsito.
Destinado a coordenar as propostas dos diferentes segmentos da socie
dade civil e do Estado, firmou-se como espaço de debate e reflexão.
Suas reuniões, que aconteciam na Universidade de Brasília (UnB), reu
niam aproximadamente 80 entidades representativas da sociedade civil
47
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
brasiliense: representantes das Igrejas (Conselho Nacional das Igrejas
Cristãs, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Legião da Boa
Vontade, Comissão de Justiça e Paz); da mídia (Correio Braziliense,
Rede Globo, CBN, Jornal de Brasília); do governo (Secretaria de
Transportes, Detran, Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal,
Departamento de Estradas e Rodagens e Secretaria de Comunica
ção); de organizações de trabalhadores (Central Única dos Trabalhado
res, Sindicato dos Professores, conselhos de classe profissional); de uni
versidades (de Brasília, Católica); e de entidades civis (Associação de
Ciclistas, Associação de Pedestres, Associação Comercial).
Além dessas medidas, governo e mídia promoveram campanhas
educativas. Em outubro de 1996, foi lançada a Pare na Faixa, visando
a sensibilizar a população para o cumprimento da legislação de trânsito
que obriga os motoristas a dar passagem às pessoas que atravessam
as ruas nas faixas de pedestre. Graças ao apoio midiático e à intensa
f
iscalização, a campanha foi um sucesso: os motoristas começaram a
parar nas faixas como forma de participação direta na ação. Foi criado
também o Placar da Vida, um dispositivo eletrônico instalado numa
das principais vias da cidade que informava aos moradores da cidade
os resultados positivos na redução no número de mortes no trânsito.
O símbolo da iniciativa virou adesivos em carros, bottons, sacolas de
compras, cartazes. Noutras palavras, parte significativa da sociedade
aderiu aos seus objetivos.
Mesmo tenho sido implantado antes da reforma do Código Bra
sileiro de Trânsito, em 1998, os resultados do Paz no Trânsito logo
foram observados. Em 1995, 652 haviam morrido no trânsito do Dis
trito Federal, número que caiu para 430 três anos depois, uma queda
de 34%. Se considerarmos a taxa de óbitos para cada grupo de 10 mil
48
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
veículos a queda foi ainda mais acentuada: de 11,8 em 1995 para 5,8
em 1998, uma redução de 50,8%.
As medidas tiveram efeitos distintos sobre os principais grupos de
vítimas (Gráfico 1.1). Em 1995, os pedestres eram as vítimas fatais mais
frequentes (304), seguidos por condutores (191) e passageiros (152).
O quadro mudou significativamente depois a implantação da maior
parte das iniciativas do programa. Do total de 430 mortes registradas
em 1998, a maior parte das vítimas era composta por condutores (158),
seguidos por pedestres (153) e passageiros (119). Em termos de taxas
de óbitos por 10 mil veículos, os pedestres registram a maior queda
(62,2%), seguidos pelos passageiros (41,1%) e condutores (39,8%).
Gráfico 1.1. Taxa de mortes em acidentes de trânsito por 10 mil veículos – DF.
Fonte: Detran/DF
Dentre as medidas implementadas pelo Paz no Trânsito destacam-se
a implantação das faixas de pedestres e a instalação dos sensores eletrô
nicos de velocidade, bem como a melhoria das condições de supervisão
49
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
e vigilância com a criação do Batalhão de Trânsito. Mas, certamente,
a adesão dos brasilienses foi o aspecto de maior destaque do programa.
Seus resultados evidenciaram a necessidade de uma ampla partici
pação da sociedade civil tanto na discussão dos problemas e alternativas
quanto na sua implementação. O respeito às faixas de pedestres só foi
possível porque a população aderiu aos objetivos do Paz no Trânsito
e a mídia, em especial, ajudou a divulgar a ideia. Não seria possível
promover essa mudança de comportamento dos motoristas se as autori
dades contassem apenas com os tradicionais instrumentos de repressão.
Gráfico 1.2. Vítimas fatais por tipo de envolvidos – 1995-2005.
350
300
250
200
150
100
50
0
1995
1996
Fonte: Detran/DF
1997
1998
Condutores
1999
2000
20012
Passageiros
002
2003
Pedestres
2004
2005
A polícia, embora tenha tido um papel importante, não era o único
ator envolvido. A Secretaria de Transportes, a mídia e as universi
dades também foram relevantes no processo de construção da rede
e no planejamento das iniciativas. Apesar do sucesso do programa,
o Fórum Permanente pela Paz no Trânsito, principal responsável pela
50
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
articulação dos diversos atores envolvidos, foi encerrado em 1999.
Então, a rede que se formou a partir dele não conseguiu se institucio
nalizar e se extinguiu, e com isso o programa deixou de existir.
As Secretarias de Segurança Pública e a governança
Como vimos, no Programa Paz no Trânsito os policiais não eram
os únicos atores envolvidos, tampouco o emprego de estratégias de
policiamento (policing) foi a principal ação implantada. O caso nos
revela a importância das redes de políticas públicas nos problemas de
segurança. Sua estruturação não é espontânea, tampouco sua continui
dade está garantida. Elas atuam em um domínio específico, definindo
a agenda, formulando propostas, disputando o acesso aos recursos,
defendendo e promovendo novas propostas, organizando eventos e
resolvendo problemas próprios de uma determinada área, como edu
cação, saúde, segurança etc.
Nesse sentido, as redes de políticas públicas possuem grande
potencial para promover soluções também na área de segurança
pública. Sua atuação pode ser bastante eficaz na troca de informa
ções, no diagnóstico de novas dificuldades, na criação de capacidades,
na adaptação de soluções já existentes e no desenvolvimento de novas
soluções, assim como na formulação e implementação de programas e
políticas conjuntas. O seu sucesso, no entanto, não implica subestimar
as dificuldades da sua gestão. Redes são consideravelmente diferen
tes das demais organizações e sua gestão implica novos obstáculos.
Por mais que os atores sejam autônomos e interdependentes, elas pre
cisam aumentar sua capacidade de governança para que seus objetivos
sejam alcançados.
51
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Na área de segurança pública, em tese, caberia às Secretarias
Estaduais de Segurança Pública (SSP) formular, implantar e coordenar
as políticas públicas da área. Embora desempenhem papel relevante,
esses órgãos são muito pouco conhecidos e estudados. Sua estrutura
e o perfil dos profissionais que nela trabalham variam a cada estado.
Além disso, há importantes diferenças no que diz respeito ao seu sta
tus político vis-à-vis as polícias civis e militares. Há casos em que as
polícias são formalmente subordinadas aos secretários de Segurança
Pública; noutros, os comandantes e chefes de polícia têm as mesmas
prerrogativas que estes. Tais diferenças acabam por repercutir na capa
cidade de governança das SSP, analisada nesta seção.
As informações sobre as Secretarias Estaduais de Segurança
Pública foram levantadas através de um survey, realizado em 2010
pelo Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade
de Brasília (NEVIS), com o apoio da Secretaria Nacional de Segu
rança Pública do Ministério da Justiça ((Senasp/MS), responsável pelo
envio do questionário a todas as SSP (ou similares) dos 26 estados e
do Distrito Federal.3
Os resultados mostraram que, de forma geral, a estrutura desses
órgãos era inadequada para executar razoavelmente suas atribuições
e competências. A despeito da enorme variedade de arranjos organi
zacionais, os problemas mais frequentes eram: i) carência de pessoal
para desempenhar suas funções; ii) baixa capacitação; e iii) articulação
limitada somente às polícias.4
3 Das 27 secretarias pesquisadas, 22 responderam o questionário: Acre, Amazonas,
Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul,
Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte,
Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Tocantins.
4 Os resultados da pesquisa foram publicados em Costa (2015).
52
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
Pessoal
Em 2010, boa parte das Secretarias Estaduais de Segurança
Pública era responsável pela gestão penitenciária (40,9%). A mesma
situação foi verificada nas áreas de defesa civil (31,8%) e de justiça
(18,2%). No que se refere à defesa social, aqui entendida como polí
ticas de prevenção, apenas 50% das SSP possuíam algum tipo de
gestão sobre o tema.
Foi possível depreender que o excesso de atribuições contribuía
para enfraquecer a capacidade desses órgãos de formular, coordenar e
avaliar políticas públicas. Isso porque, de forma geral, a distribuição do
pessoal numa secretaria acabava por privilegiar as atividades de exe
cução em detrimento das de planejamento e coordenação. Isso ocorre
porque a distribuição dos cargos segue uma lógica de priorização das
atividades de execução.
Com relação ao pessoal que executava as tarefas cotidianas, obser
vamos que a maior parte dos profissionais que trabalhavam numa Secre
taria de Segurança Pública era policiais militares, policiais civis, bom
beiros militares, comissionados e servidores cedidos de outros órgãos.
Eram poucas as que contavam com pessoas contratadas pela própria
instituição, fosse através de concurso ou de contratos temporários.
Os policiais militares somavam o maior quantitativo de profis
sionais de segurança pública atuando nas SSP, cedidos de quase todas
as patentes: soldados, cabos, sargentos, tenentes, capitães, majores e
coronéis. O mesmo valia para os bombeiros militares. As secretarias
também contavam com delegados, agentes e escrivães cedidos pelas
polícias civis. Alguns órgãos contavam com agentes penitenciários
em seu quadro, entre os quais os do Distrito Federal e de São Paulo.
53
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
De forma geral, os diretamente contratados atuavam em áreas bastante
específicas (i.e., tecnologia, administração e orçamento). Apenas algumas
SSP apresentavam uma diversidade de perfis profissionais no seu quadro
de servidores concursados. Eram poucas as que contavam com psicólo
gos, assistentes sociais, gestores e estatísticos. Em 2010, em apenas três
unidades da federação, esses órgãos possuíam profissionais contratados
a partir de processo seletivo exclusivo para preenchimento de cargos
específicos de seus quadros. No restante dos estados, isso não acontecia.
Todas as SSP dispunham de um número de cargos de livre nomea
ção e provimento, os chamados cargos comissionados. Importante dizer
que a prevalência de policiais sobre os demais profissionais nos qua
dros desses órgãos é reforçada pela lógica de distribuição de cargos.
Em 2010, a maioria contava com comissionados de baixa remuneração.
Excluindo os postos de secretários e secretários-adjuntos, eram pou
cas as secretarias que podiam pagar melhor seus profissionais. Se por
um lado o valor dessas remunerações não era atrativo para contratar
profissionais qualificados em outras áreas, por outro ele servia perfei
tamente à contratação de policiais, uma vez que estes somariam essa
remuneração aos seus salários.
Capacitação
De forma geral, as Secretarias de Segurança Pública conta
vam com poucos profissionais capacitados em temas estratégicos.
Das 22 SSP que responderam o questionário, 5 informaram não possuir
nenhum deles em qualquer uma das áreas. Menos da metade (45,5%)
dos respondentes contava com pelo menos um profissional capacitado
em direitos humanos e apenas 31,8% dispunham de especialistas em
54
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
gestão financeira e de recursos humanos. Apesar da necessidade de
se promover políticas para melhoria das condições de trabalhos dos
profissionais de segurança pública, poucas secretarias contavam com
pelo menos um profissional capacitado em saúde ocupacional (36,4%)
e segurança no trabalho (13,6%). O mesmo pode ser dito com rela
ção aos temas de políticas públicas e análise criminal. A despeito
das demandas por melhor atuação, raramente as SSP dispunham de
profissionais capacitados nesses temas.
Tabela 1.1. Capacitação de pessoal nas SESP.
Área
Segurança no trabalho
Direitos humanos
Saúde ocupacional
Gestão financeira
Gestão de recursos humanos
Políticas públicas
Frequência
3
8
%
13,6
36,4
10
7
7
5
Análise criminal
Fonte: Pesquisa Senasp/Nevis, 2010
Articulação
7
45,5
31,8
31,8
22,7
31,8
Uma vez que algumas das políticas públicas para prevenção de
crimes e violências demandam o envolvimento de outras agências gover
namentais e da sociedade civil, é importante verificar a capacidade de
articulação das Secretarias de Segurança Pública com as demais insti
tuições que têm atuação na área. No que diz respeito a essa articulação
no âmbito estadual, pode-se dizer as SSP tinham boa articulação com as
55
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
polícias militar, civil e técnica, conforme mostra a Tabela 1.2. Nos três
casos, mais de 80% delas afirmaram possuir boa ou ótima articulação.
Tabela 1.2. Articulação das SESP com as polícias estaduais.
Polícia Técnica
Frequência
Polícia Militar
% Frequência
Ótimo/Bom
Regular
Inexistente
N/R
Total
18
1
1
81,8
4,5
20
%
Polícia Civil
Frequência
90,9
0
4,5
2
22
Fonte: Pesquisa Senasp/Nevis, 2010
9,1
100
0
2
22
0
0
9,1
100
19
1
0
2
100
%
86,4
4,5
0
9,1
100
O mesmo pode ser dito com relação à Polícia Federal e à Polícia
Rodoviária Federal (Tabela 1.3). Nos dois casos, mais de 70% das
secretarias responderam ter boa ou ótima articulação com os órgãos
de segurança federal.
Tabela 1.3. Articulação das SESP com a Polícia
Federal e Polícia Rodoviária Federal.
Polícia Federal
Frequência
Ótimo/Bom
Regular
Inexistente
N/R
Total
16
3
3
%
72,7
13,6
Polícia Rodoviária Federal
Frequência
16
3
13,6
0
22
Fonte: Pesquisa Senasp/Nevis, 2010.
0
100
3
0
22
%
72,7
13,6
13,6
0
100
56
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
De forma geral, a articulação com as instituições que compõem
o Sistema de Justiça Criminal era boa. Mais de 77% das secretarias
estaduais afirmaram ter boa ou ótima articulação com o Ministério
Público. No que se refere ao Poder Judiciário, mais de 68% apre
sentavam uma boa ou ótima articulação, enquanto com a Defen
soria Pública ela foi apontada pela maioria das SSP como boa ou
ótima (54,4%). Já a articulação com outras secretarias e agências
estaduais foi apenas regular.
Tabela 1.4. Articulação das SESP com outros órgãos estaduais.
Frequência
Ótimo/bom
Regular
Inexistente
N/R
Total
16
3
%
72,7
13,6
3
0
22
Fonte: Pesquisa Senasp/Nevis, 2010
13,6
0
100
Pode-se dizer que no plano das relações intergovernamentais,
de forma geral, a articulação entre as Secretarias da Segurança Pública
era fraca. Apenas 27% das SSP afirmaram que ela era boa ou ótima
articulação. Em 45% dos casos essa articulação era apenas regular e
em 13% inexistente (Tabela 1.5). A situação era semelhante quanto
à cooperação com entre estados e municípios. Em apenas 36% dos
casos a articulação era boa ou ótima. Mais de 31% das unidades da
federação consultadas declararam não possuir qualquer tipo de ação
articulada com os órgãos municipais equivalentes.
57
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Tabela 1.5. Articulação das SESP com outros secretarias de segurança.
Secretarias Estaduais
Frequência
Ótimo/bom
Regular
Inexistente
N/R
Total
6
10
3
%
27,3
Secretarias Municipais
Frequência
%
8
45,5
13,6
3
22
Fonte: Pesquisa Senasp/Nevis, 2010
13,6
100
2
7
5
22
36,4
9,1
31,8
22,7
100
De forma geral, a articulação das SSP com a sociedade civil tam
bém era fraca. Apenas 27,3% afirmaram ter boa ou ótima atuação
articulada com associações civis que atuavam na prevenção de crimes
e violências. Em 45% dos casos a essa articulação era regular e em
13% inexistente, conforme mostra a Tabela 1.6. A situação era parecida
com relação às universidades. Apenas 27% das secretarias estaduais
possuíam boa ou ótima articulação com a academia. Em 40% dos
casos ela era regular e em 18% inexistente.
Tabela 1.6. Articulação das SESP com a sociedade civil.
Associações Civis
Frequência
Ótimo/Bom
Regular
Inexistente
N/R
Total
6
10
%
27,3
Universidades
Frequência
6
45,5
3
3
22
Fonte: Pesquisa Senasp/Nevis, 2010
13,6
13,6
100
9
4
3
22
%
27,3
40,9
18,2
13,6
100
58
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
O grande número de atribuições, com grande concentração nas
tarefas executivas, aliado à baixa capacitação dos seus quadros e à
reduzida capacidade de articulação com órgãos de fora do sistema
policial, acabaram por reduzir consideravelmente a capacidade de
governança das Secretarias de Segurança Pública. Essa avaliação foi
confirmada pelo levantamento de governança de segurança pública rea
lizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2017. De acordo
com o órgão, nenhuma das SSP possuía nível avançado de governança,
sendo que 20 delas possuíam capacidade de governança intermediária
e as demais apresentam nível baixo.5
As redes são fundamentais para a implementação de políticas
públicas de segurança. Em função dos múltiplos atores envolvidos e
da inexistência de hierarquias nas suas relações, essas redes exigem
uma alta capacidade de governança. Entretanto, verifica-se nas Secre
tarias Estaduais de Segurança pública uma estrutura frágil, com baixa
capacidade de governança.
As atividades desses órgãos são, em geral, desenvolvidas por agentes
cedidos pelas polícias e pelo corpo de bombeiros. A capacitação dos seus
profissionais para esse fim, contudo, é inadequada, uma vez que pou
cos possuem formação em planejamento, gestão e avaliação de políticas
públicas. Além disso, são raras as secretarias que utilizam mecanismos
de contratação de mão de obra qualificada por meio de concursos públi
cos e seleção de consultores por projeto. À época da pesquisa, as SSP
possuíam boa ou ótima articulação com as instituições de segurança
pública: Polí cia Civil, Polícia Militar, Instituto Médico Legal, Polícia
Federal e Polí cia Rodoviária Federal. A ação articulada com as instituições
5 Ver TCU, Acordão 811/2017.
59
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
que compõem o Sistema de Justiça Criminal (Ministério Público, Poder
Judiciário, Defensoria Pública e penitenciárias) também era boa ou ótima.
Já no que se refere aos demais órgãos e secretarias estaduais, essa arti
culação era apenas regular. No plano das relações intergovernamentais,
a ação articulada das SSP com outras secretarias equivalentes nos estados
e municípios era fraca, assim como com as organizações não governa
mentais e universidades que tinham atuação na área de segurança pública.
Os instrumentos de governança
A estrutura deficiente de governança foi resultado de uma confi
guração do campo da segurança pública em que a ideia de políticas
públicas de segurança estava ausente. O campo era pensado quase
exclusivamente a partir dos efetivos e recursos policiais. Nesse con
texto, o papel das SSP era fundamentalmente administrar os conflitos
entre as diferentes instituições policiais. Ao longo da década de 2010,
entretanto, o quadro começou a mudar incrementalmente.
A criação e a consolidação de redes de políticas públicas não são
um processo espontâneo. Exatamente por isso os governos se valem
de uma variedade de instrumentos para criar, manter e coordenar essas
redes. A sua proliferação tem tornado obsoletos os antigos instrumen
tos de gestão baseados em hierarquia, comando e controle, dando lugar
a outros, voltados fundamentalmente para a fomentar a cooperação,
coordenação e articulação de ações de múltiplos atores.
Podemos agrupar os instrumentos de governança em três grandes
categorias: cenouras, chicotes e sermões (ZEHAVI, 2012). Os clas
sificados como cenouras são baseados em incentivos (normalmente
econômicos) para a implementação de determinadas ações. Os chicotes
60
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
são aqueles instrumentos legais que exigem ou proíbem determinadas
ações. Os sermões referem-se a arenas e discursos utilizados para per
suadir e negociar um conjunto de ações com os atores que compõem
uma rede de políticas públicas.
Em um ambiente de redes, as cenouras são consideradas os ins
trumentos mais efetivos. Seus custos financeiros, entretanto, podem
torná-los insustentáveis nos períodos de austeridade fiscal. Os chicotes,
embora tenham baixo impacto financeiro, podem ser desvantajosos,
uma vez que têm potencial para despertar resistências dos atores da rede.
Por fim, os sermões são muito convenientes e pouco custosos. Baseiam--se no uso intensivo de dados e informações que servem para gerar
cooperação. Contudo, eles podem se resumir ao plano simbólico dos
discursos políticos se não forem acompanhados de outros instrumentos.
Integração territorial
O fato do policiamento no Brasil ser realizado por duas polí
cias distintas redunda em dificuldade para planejar e articular ações.
Além disso, durante muitos anos, as áreas de atuação dos batalhões
e delegacias não coincidiam, o que aumentava ainda mais o grau de
desarticulação. Visando a diminuir esses problemas, alguns estados
criaram as Áreas Integradas de Segurança Pública e as Regiões Integra
das de Segurança Pública. As AISP e RISP, como ficaram conhecidas,
tinham por finalidade integrar as áreas de atuação das unidades das
polícias militares (batalhões e companhias) com as áreas de atuação
das delegacias de polícia. Esse primeiro passo viabilizou a organiza
ção territorial das polícias, acabando com um quadro caótico, quase
impossível de administrar.
61
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Sistemas de metas e comitês gestores
A partir da criação dos AISP e RISP, algumas unidades federativas
criaram sistemas de indicadores e metas para avaliar o desempenho
policial. Para isso, a produção das estatísticas criminais teve de ser
repensada. Os dados passaram a ser elaborados para cada AISP e RISP,
permitindo aos policiais civis e militares conhecerem essas estatísticas
em suas respectivas áreas de atuação.
Também foram criados comitês gestores para coordenar ações e
cobrar resultados. Em geral, os estados que adotaram sistemas de metas
estabeleceram diferentes níveis para a gestão do sistema: operacional,
intermediário e estratégico. No nível operacional, os comitês buscam
articular ações dos batalhões e delegacias de polícia. No nível interme
diário é dada ênfase aos aspectos logísticos e de planejamento. Mas são
nos comitês estratégicos que a política é gerida. A participação dos
governadores nesses comitês tem se revelado fundamental para superar
os problemas de desarticulação no campo da segurança pública.
Supervisão e controle
A realização da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, induziu
algumas melhorias na integração das operações. Nos doze estados que
sediaram jogos foram implantados Centros Integrados de Comando e
Controle Regionais (CICCR), que dispunham de modernos sistemas de
comunicação e de monitoramento por imagens. Essa base tecnológica
facilita a troca de informações, melhorando a articulação das ações.
Apesar do grande investimento tecnológico, a maior inovação
dos CICCR diz respeito à metodologia de planejamento e trabalho,
62
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
cujo principal instrumento é elaboração de uma matriz de responsa
bilidade. Essa é uma tarefa conjunta das Secretarias de Segurança
Pública, das policiais e de outros órgãos da administração pública,
responsáveis por áreas, por exemplo, de limpeza urbana, água e esgoto,
eletricidade, saúde, transporte e justiça.
Na matriz de responsabilidade são listadas diversas situações
e incidentes com alto potencial de impacto na segurança pública:
atentados terroristas, incêndios, acidentes de grandes proporções,
manifestações, bloqueios de vias etc. Para cada uma dessas situações
são relacionadas as atribuições de cada ator envolvido, bem como é
estabelecido o responsável pela coordenação das ações. Durante os
eventos, cada órgão envolvido envia seus representantes para ocu
par seus postos no CICC, o que facilita bastante essa coordena
ção e articulação.
Os resultados desse tipo de planejamento e coordenação foram
visíveis. Os poucos incidentes que ocorreram durante os jogos foram
rapidamente resolvidos, pois todos os envolvidos estavam em contato.
Foram raros os conflitos de responsabilidade entre os diversos atores,
pois a maior parte das situações já estava planejada na matriz.
O aparente sucesso dessa metodologia de trabalho fez com que
algumas autoridades passassem a apostar nos CICCR como a solução
dos problemas de coordenação da área de segurança pública. De fato,
essa estratégia funciona em eventos e operações com datas e locais
previstos para acontecer. A segurança dos grandes eventos, das mani
festações, de shows pode e deve ser planejada dessa forma. As ações
de defesa civil também podem ser coordenadas a partir dos Centros
de Comando e Controle. Entretanto, é pouco provável que o cotidiano
da segurança pública possa ser administrado dessa maneira.
63
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Informação e análise
Além da integração territorial e da implantação dos CICCR, alguns
estados reestruturaram os órgãos responsáveis por sistematizar as infor
mações e produzir as análises, uma vez que o planejamento e a imple
mentação das ações demandam um fluxo de informações confiáveis e
detalhadas. Ainda, essas informações precisam ser analisadas e disse
minadas em tempo hábil, de maneira a subsidiar o processo de tomada
de decisão. A sistematização e a análise envolvem as seguintes fases:
i) coleta de informações; ii) apresentação dos dados; iii) interpretação
e iv) implantação das ações (COPE, 2008).
A coleta de informações de segurança pública envolve a identifi
cação das fontes disponíveis e a cooperação interagência para acessá--las. Elas são obtidas nos sistemas da Polícia Civil, Política Militar,
Ministério Público, Poder Judiciário, Secretaria de Saúde e Sistema
Penitenciário. O acesso às informações, dada a sua natureza, é difícil
e encontra vários obstáculos. Coletá-las a partir de diferentes fontes
demanda necessariamente o emprego de tecnologia capaz de conciliar
as diferenças nas bases existentes. Além do investimento tecnológico,
também exige habilidade dos envolvidos em negociar os termos de
acesso aos diferentes tipos de sistemas de informação. E, pode-se dizer,
também depende enormemente da construção de relação de confiança
entre os diversos atores envolvidos nesse processo.
Uma vez coletadas, as informações precisam ser transformadas em
dados, que, por sua vez, devem ser apresentados de forma simples e acu
rada. Para isso, precisam receber algum tipo de tratamento metodológico.
Nesse ponto, os novos programas de computador têm impactado bastante
a capacidade de sistematização e apresentação dos dados. Geralmente,
64
CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA
eles são expostos de forma a descrever os dias e horários mais frequentes
para incidência criminal. Os dados também podem ser expostos como
mapas criminais, capazes de descrever os locais de maior incidência de
crime. Por último, eles podem ser apresentados na forma de redes que
descrevem os vínculos existentes entre diferentes crimes e pessoas.
A interpretação dos dados implica analisá-los a fim de elabo
rar inferências e tirar conclusões. O que significa dizer que a análise
criminal precisa ir além da sua mera apresentação gráfica, devendo
necessariamente fornecer sugestões e linhas de ação que sejam úteis
à prevenção de crimes e redução de riscos. A formação de analistas
criminais é fundamental para que todo esse sistema de informação e
análise entre em funcionamento.
A última etapa da implantação desses sistemas refere-se à uti
lização das análises por parte dos encarregados de tomar decisões.
Na linguagem da área, não basta produzir boas análises, elas precisam
ser consumidas. Mas não é tão simples assim. Há barreiras organiza
cionais e culturais que impedem a sua utilização.
Ao contrário da integração territorial que se difundiu bastante,
ainda são raros os estados brasileiros que desenvolveram uma razoável
capacidade de informação e análise. São muitas as dificuldades encon
tradas para uma gestão de informações de segurança pública: falta de
acesso às bases de dados, desconfianças entre as partes envolvidas,
obstáculos tecnológicos, falta de pessoal qualificado e relutância em
utilizar os dados analisados no planejamento das ações. Em parte, essas
dificuldades derivam de uma cultura organizacional que confere pouca
transparência às informações que são apropriadas individualmente
pelos policiais (LIMA, 2011). Mesmo assim, algumas unidades da
federação desenvolveram uma razoável capacidade nessa área.
65
CAPÍTULO 2
Militarização e Profissionalização
das Polícias Militares
Como vimos, as políticas públicas de segurança (policy) não se
baseiam exclusivamente nas estratégias de policiamento (policing).
Ao contrário, tais políticas dependem da formação de uma ampla rede
de atores das mais variadas áreas, como saúde, educação, transporte,
infraestrutura etc. E para coordenar essas redes é preciso uma alta
capacidade de governança.
A competência para responder aos problemas de segurança pública
também depende da existência de polícias altamente especializadas.
É cada vez mais importante o emprego de novas formas de policia
mento: policiamento por hotspots, policiamento orientado para proble
mas, policiamento comunitário etc. A introdução dessas novas formas
passou a exigir um elevado grau de profissionalização das organizações
policiais. Tal profissionalização tem esbarrado, porém, no alto grau de
militarização das polícias brasileiras.
Não é de hoje que há um intenso debate sobre a necessidade de
desmilitarizar as forças policiais1. O rol dos que defendem a urgência
1
Uma versão reduzida desse capítulo foi publicada em Costa (2021).
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
da desmilitarização é extenso: lideranças políticas, pesquisadores, ati
vistas sociais, associações da sociedade civil, organizações não gover
namentais e organismos internacionais. Entidades como a Organização
das Nações Unidas (ONU), a Ordem os Advogados do Brasil (OAB)
e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) já se manifestaram nesse
sentido. Até mesmo entre os policiais militares há uma forte demanda
pela desmilitarização. Uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro
de Segurança Pública (FBSP), em 2014, apontou que 73,7%% dos PM
eram favoráveis a ações para desmilitarizar a corporação (FBSP, 2014).
Posto dessa forma, poderíamos dizer que haveria um forte con
senso sobre a necessidade de desmilitarização das polícias brasileiras.
Mas a situação não é bem como parece. Será que todos estão falando
sobre a mesma coisa? O que significa desmilitarizar as polícias?
Por que é tão difícil desmilitarizá-las? Existem polícias totalmente
desmilitarizadas? Para responder a essas perguntas é necessário dis
cutir os processos de militarização das polícias, suas dimensões e
seus problemas.
Esse é, antes de tudo, um processo de construção de identidades
profissionais. O que implica a sensação de pertencimento a um grupo
de organizações que compartilham crenças, valores e saberes militares.
Dessa forma, a militarização diz respeito ao grau de identificação das
polícias com o campo militar. O fenômeno é, portanto, um gradiente,
no qual as corporações podem se identificar em muitos ou poucos
aspectos com as organizações militares, notadamente os Exércitos.
Desmilitarizar, por sua vez, refere-se ao grau de diferenciação das
polícias em relação ao campo militar. Para isso, é necessário construir
uma identidade profissional própria que, além dos aspectos normativos,
envolve também atributos, saberes e valores específicos desse grupo
68
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES
social. Em certa medida, a desmilitarização implica a profissionaliza
ção das polícias (PONCIONI, 2004).
O processo de militarização das polícias
O surgimento das polícias modernas está ligado a dois macropro
cessos sociais: a formação dos Estados nacionais e o crescimento das
cidades, que marcaram o século XIX (MONET, 2001). Como con
sequência, assistiu-se à criação dessas corporações tal qual nós as
conhecemos hoje: instituições públicas e especializadas (BAYLEY,
1994). Boa parte delas era altamente centralizada, atuando sob o con
trole dos governos nacionais e inspiradas no ideal de hierarquia e
disciplina dos seus exércitos. Esse foi o caso de algumas polícias
europeias – como a gendarmaria francesa, os carabineiros espanhóis
e os carabineiros italianos – que adotaram o modelo militar em função
das condições políticas que predominavam na época de sua criação
(Loubet de Bayley, 1992).
Mesmo o protótipo de uma polícia desmilitarizada, a Scotland
Yard londrina, apresentava certas características militares. Robert Peel,
seu idealizador, recorreu ao modelo militar para organizar algumas
unidades de controle de protestos. Ele também nomeou um oficial
do Exército britânico – o coronel Charles Rowan – como o primeiro
comissário que recorreu ao saber e aos modelos militares para orga
nizar a força policial de Londres (MILLER, 1977).
Na América do Sul, algumas polícias passaram por um processo
parecido. A PM do Rio de Janeiro, por exemplo, tem suas origens
no Corpo de Guardas Municipais Permanentes, criado em 1831,
a partir de um batalhão do Exército. Um dos seus comandantes foi o
69
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
tenente-coronel Luís Alves de Lima e Silva, que mais tarde se tornaria
o Duque de Caxias, patrono do Exército brasileiro2. Na Argentina,
quando a polícia de Buenos Aires foi amplamente reformada, no iní
cio do século XX, seu comandante – o coronel do Exército argentino,
Ramon Falcón – optou pela forma militar de organização. No Chile,
o Corpo de Carabineiros também foi criado a partir do desdobra
mento de uma unidade do Exército (KALMONOWIECKI, 1995;
ROCHA, 2013).
Durante um longo período, as polícias e os exércitos pertence
ram ao mesmo campo organizacional em função das suas origens
e, também, pelo fato de terem autorização legal para usar a força.
Obviamente, as forças policiais pertencem a outros campos organiza
cionais, como o de atendimento de emergências e, mais importante,
aqueles que compõem o Sistema de Justiça Criminal.
O fato de no passado os policiais se identificarem como militares
fez com que eles estruturassem as polícias aos moldes dos exércitos,
seguindo assim uma tendência de homogeneização entre as organiza
ções de um mesmo campo. Essa tendência foi resultado de um processo
de isomorfismo que envolve um conjunto de constrangimentos institu
cionais que – sob as mesmas condições – forçam algumas organizações
a parecerem com o restante do grupo. Há três difvo e o coercitivo
(POWELL, DiMAGGIO, 1991).
Não chega a ser novidade que as soluções para os problemas orga
nizacionais sejam copiadas: bancos, supermercados e universidades
fazem o mesmo. O que importa é saber de onde essas “soluções” são
2 Antes do Corpo de Permanentes existia a Guarda Real de Polícia, extinta em 1831
depois de uma rebelião. Ver Holloway (1997).
70
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES
copiadas: de outras organizações vistas como parecidas ou irmãs, geral
mente do mesmo campo organizacional (MARCH, OLSEN, 1984).
A identificação com outras organizações de um campo, portanto, é fun
damental nesse processo de isomorfismo.
O intercambio de pessoal é um dos fatores que explicam esse
mimetismo. São as pessoas encarregadas de tomar decisões que têm
de dar respostas aos problemas e desafios organizacionais. A troca de
ideias e experiências é fundamental nesse processo. Afinal, só podemos
copiar as soluções que conhecemos ou sobre as quais ouvimos falar.
No Brasil, o intercâmbio entre o Exército e as polícias militares
foi, tradicionalmente, intenso. No passado, muitos estados recrutavam
seus oficiais nos quadros do Exército, sendo conhecidos como R2
(reserva não remunerada). Eles eram formados nos Centros e Núcleos
de Formação de Oficiais da Reserva (CPOR e NPOR). Além disso,
era frequente a matrícula de PM nos cursos ministrados pelas escolas
militares, nas mais diversas áreas: educação física, técnica de ensino,
paraquedismo, operações na selva, comunicações etc.
Não é de se estranhar, portanto, que uma série de rotinas que ainda
hoje estruturam o funcionamento das organizações policiais tenham sido
inspiradas no Exército, do qual foram copiados ou adaptados a estrutura
das carreiras, os regulamentos e manuais em uso nas polícias e os regi
mentos disciplinares. Até recentemente os conteúdos dos cursos de for
mação eram muito similares aos currículos adotados nas escolas militares.
Em suma, ao longo do século XX, em função do intenso intercâm
bio de pessoas, foi grande a identificação das polícias brasileiras com
o campo militar. Eles se identificavam como militares e buscavam as
soluções dos seus problemas organizacionais nos modelos e rotinas
adotados pelas Forças Armadas. Por muito tempo a identidade militar
71
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
não foi questionada pelos policiais. Ao contrário, parecia obvio que
era o caminho certo a ser tomado.
O mimetismo não é a única força que leva as organizações de
um mesmo campo se tornarem homogêneas. A especialização e a
profissionalização também exercem papéis importantes (POWELL,
DiMAGGIO, 1991). A necessidade de profissionalizar seus quadros
levou algumas polícias a criarem suas próprias escolas de formação,
as academias da PM. Via de regra, elas possuíam estrutura, currículos
e rotinas muito parecidas com das Forças Armadas. Em alguns casos,
muitos dos seus professores e instrutores eram militares do Exército.
Assim, a existência de academias de polícia servia para reforçar a
identidade militar dos policiais. Neste ponto é importante lembrar
que os membros de diferentes organizações, que são formados sob o
mesmo currículo e aprendem os mesmos conteúdos, tendem a adotar
estratégias e soluções organizacionais semelhantes.
A distância entre o que é ensinado nas academias e as necessidades
dos policiais no seu cotidiano, entretanto, fez com que surgisse uma
demanda pela revisão curricular. “Esqueça o que você aprendeu”,
é uma frase que os recém-egressos das academias frequentemente
ouvem dos colegas mais antigos. Foi a partir da década de 1990 que
muitas polícias criaram ou reestruturaram suas escolas de formação,
tentando torná-las mais adequadas à realidade do novo regime demo
crático. Essas mudanças tiveram enorme impacto nas identidades pro
f
issionais dos policiais militares brasileiros.
Tentando mudar esse sistema de formação, o governo federal esta
beleceu, em 2003, a matriz curricular nacional, que indicava os novos
conteúdos a serem adotados pelas academias de polícia, adequando-as
aos novos tempos (SENASP, 2014). Atualizada em 2014, a matriz foi
72
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES
dividida em oito áreas temáticas, a saber: i) Sistemas, Instituições e
Gestão Integrada em Segurança Pública; ii) Violência, Crime e Con
trole Social; iii) Conhecimentos Jurídicos; iv) Modalidades de Gestão
de Conflitos e Eventos Críticos; v) Valorização Profissional e Saúde do
Trabalhador; vi) Comunicação, Informação e Tecnologias em Segu
rança Pública; vii) Cultura, Cotidiano e Prática Reflexiva; e viii) Fun
ções, Técnicas e Procedimentos em Segurança Pública.
Apesar dos esforços, a mudança na formação policial tem esbar
rado na precariedade das academias de polícia e no modelo buro
crático das organizações policiais. Algumas sequer possuem insta
lações adequadas, como bibliotecas, salas de estudo e alojamentos.
Quase nenhuma dispõe de um corpo de instrutores exclusivamente
dedicado às atividades de ensino. Normalmente, esses instrutores são
policiais que servem em outras unidades da corporação e ministram
aulas nas academias. Por fim, são raros os manuais de doutrina desti
nados a essa formação (PONCIONI, 2007).
Outra fonte de homogeneização de um campo organizacional é
a capacidade de coerção que uma organização exerce sobre as outras
(POWELL, DiMAGGIO, 1991), o que acontece quando uma passa a
controlar as outras por força de lei, estabelecendo assim uma hierar
quia. Embora as polícias brasileiras tenham sido criadas e estruturada
a partir de valores, crenças e saberes militares, até a década de 1930
elas não tinham relação de subordinação com as FFAA. Isso mudou
depois da Revolução Constitucionalista de 1932. Naquela ocasião,
tropas da Força Pública de São Paulo enfrentaram o Exército nacional.
Para derrotá-las, as forças federais tiveram de contar com a ajuda de
outra corporação, a Polícia Militar de Minas Gerais. O episódio dei
xou clara a capacidade bélica dos estados vis-à-vis o governo federal.
73
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Terminado o levante paulista, restou a ideia de que era necessário
estabelecer maior controle sobre as forças estaduais. Em 1934, a nova
Constituição Federal declarou as polícias militares “reservas do Exér
cito” (art. 167, CF/34) e garantiu a competência privativa da União
para legislar sobre “organização, instrução, justiça e garantias das
forças policiais dos estados e condições gerais da sua utilização em
caso de mobilização ou de guerra” (BRASIL, 1988, art. 5o, XIX, l).
A partir daí as PM (também chamadas de forças públicas) passaram de
fato a ser controladas pelo governo federal, por intermédio do Exército
(MEDEIROS, 2005).
Em 1964, o golpe de Estado que pôs fim à experiência democrática
brasileira dos anos 1950 estabeleceu um regime autoritário, conduzido
por militares, que iria se estender até 1985. O governo militar restrin
giu a participação política e ampliou o poder das Forças Armadas.
Os militares introduziram uma nova ordem política justificada a partir
da noção de inimigo interno inscrita na doutrina de segurança nacional.
Assim, a exemplo do Estado Novo, as forças de segurança foram
utilizadas pelo governo autoritário para conter a oposição política.
Para tanto, os militares usaram a repressão policial, a prisão e a tortura
de opositores do regime. Entretanto, diferentemente do que ocorrera no
Estado Novo, foram as Forças Armadas e não as polícias que passaram
a controlar a repressão. Nesse período, elas detiveram o monopólio da
coerção político-ideológica (D’ARAÚJO, SOARES, CASTRO, 1994).
Nesse contexto, foi necessário reorganizar o aparato policial exis
tente, expandindo seu papel e submetendo-o ao controle do Exér
cito. A reforma constitucional de 1967, seguindo a tradição, manteve
as polícias militares como forças auxiliares do Exército. Entretanto,
introduziu uma novidade: a fim de facilitar o controle desse aparato,
74
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES
extinguiu as guardas civis e incorporou seus efetivos às PM, que pas
sariam a ser as únicas forças policiais destinadas ao patrulhamento
ostensivo das cidades.
No mesmo ano foi criada, também, a Inspetoria-Geral das Polícias
Militares do Ministério do Exército (IGPM), destinada a supervisio
nar e controlar as PM estaduais. Cabia à IGPM estabelecer normas
reguladoras da organização, controlar os currículos das academias de
polícia militar, dispor sobre os programas de treinamento, armamentos,
manuais e regulamentos utilizados pelas forças públicas, além de se
manifestar sobre as promoções dos seus agentes. Além disso, competia
ao Ministro do Exército aprovar a nomeação dos comandantes das
corporações, feita pelos governadores. Oficiais das Forças Armadas
frequentemente eram apontados para dirigir as Secretarias de Segu
rança Pública e as suas respectivas forças públicas.
Em abril de 1977, transferiu-se para a Justiça Militar (Federal)
a competência de julgar policiais acusados de cometer crimes contra
civis (ZAVERUCHA, 1999), medida que completou um amplo pro
cesso de redefinição do seu papel. O caráter militar da polícia foi ainda
mais acentuado. Sua missão de promover uma guerra contra o crime
foi confirmada pelo Código Penal Militar. Dada essa “hipermilitari
zação”, as fronteiras entre as PM e o Exército tornaram-se cada vez
mais tênues (PINHEIRO, 1991).
Para levar adiante a repressão política, foi desenvolvido um apa
rato paralelo às estruturas policiais e militares já existentes. A Ope
ração Bandeirantes (Oban), empreendida em São Paulo, em 1969,
para a captura e desmonte de grupos armados de oposição ao regime,
com o uso de métodos violentos, serviu de inspiração a essa estru
tura paralela. A Oban – que contava com a participação de oficiais
75
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
do Exército, Marinha, Aeronáutica e agentes federais de segurança e
informação, bem como das polícias paulista, recebeu recursos oficiais
e doações de empresários. Sua filiação institucional ambígua deu-lhe
enorme autonomia operacional.
Aos poucos, o aparato repressivo foi se sofisticando. Em 1970
foram criados os Centros de Operações de Defesa Interna (CODI),
atuando sob jurisdição militar. Esses centros, compostos por repre
sentantes de todas as Forças Armadas, das polícias militares e civis,
eram controlados pelo chefe do Estado-Maior do Exército. A fim de
implementar as ações planejadas nos CODI, foram criados os Desta
camentos de Operações de Informação (DOI), grupos especializados
e altamente móveis encarregados em primeira instância da repressão
à dissidência política. Era nos DOI-CODI que militares e policiais
trocavam experiências, técnicas de ação e informações. Era lá também
que acontecia boa parte das torturas, estupros, seviciamentos e toda
sorte de atrocidades cometidas naquele momento.
A ditadura dispunha de um complexo sistema de informações para
ampliar a capacidade de vigilância contra seus inimigos. Ainda no pri
meiro ano do golpe militar, em 1964, foi criado o Serviço Nacional de
Informações (SNI), destinado a assessorar o presidente da República.
Também foram criados os serviços similares em cada força, ligados
diretamente aos ministros militares. Além desses, compunham o sis
tema os órgãos de informação de cada polícia. Dada a complexidade
e o tamanho desse sistema, não se pode dizer que havia um controle e
uma razoável coordenação geral. Cada agência atuava com alto grau de
autonomia dentro do seu próprio subsistema. Na verdade, por diversas
vezes essa complexa estrutura gerava atritos e divergências entre as
instituições envolvidas (D’ARAÚJO, SOARES, CASTRO, 1994).
76
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES
As PM deveriam integrar o sistema de informações do Exército,
conforme dispusessem os comandantes militares nas suas respecti
vas áreas de jurisdição.
Com o fim do regime militar e a transição política, em 1985,
grande parte desse aparato repressivo foi desmontado. Já no que diz
respeito às polícias, entretanto, quase toda estrutura existente foi man
tida. A Constituição Federal de 1988 manteve os vínculos formais entre
as PM e o Exército ao reafirmar que as polícias militares eram suas
forças auxiliares. Além disso, embora tenha assegurado aos estados o
controle das PM pelos governadores, o texto constitucional estabeleceu
que a sua organização e funcionamento seriam regulados por legislação
federal. Mais ainda, reconheceu o status militar dos policiais estaduais.
Desse modo, eles conquistaram paridade com os agentes das Forças
Armadas em termos de aposentadorias e pensões.
Na prática, os governadores recuperaram a prerrogativa de nomear
os comandantes, mas lhes foi vedada a possibilidade de reestruturar
individualmente o aparato policial. De acordo com a norma constitu
cional vigente, as polícias militares são as únicas corporações compe
tentes para o policiamento ostensivo. Ainda, os policiais se sujeitam a
regime jurídico militar, o que gera consequências em termos trabalhis
tas e previdenciários. Ademais, a Constituição possibilitou a criação
da justiça militar estadual para de julgar os PM.
As dimensões da militarização
Como já foi dito, muitas polícias foram moldadas a partir das
organizações militares. É inegável, portanto, que elas sejam militari
zadas em alguma medida. Entretanto, é variável em que grau elas se
77
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
identificam com o campo militar, sendo importante, por isso, analisar
a extensão desse processo.
A partir da metade do século XX observou-se uma tendência das
polícias de se diferenciarem cada vez mais dos exércitos. Algumas,
altamente militarizadas no passado, de modo progressivo passaram
a se diferenciar do campo militar, incorporando uma identidade emi
nentemente policial. Em boa medida, esse processo foi resultado do
surgimento dos modernos regimes democráticos, a cujas regras as
polícias precisaram se adaptar.
Há pelo menos três dimensões em que essas organizações têm pro
gressivamente se diferenciado das Forças Armadas: i) no ethos do uso
da força; ii) nos mecanismos de supervisão e controle; e iii) nas for
mas de emprego.
O ethos do uso da força
As polícias são “aquelas organizações destinadas ao controle social
com autorização para utilizar a força, caso necessário”, como definiu
David Bayley (1975). Na mesma linha, Egon Bittner (2003) as des
creve como um “mecanismo para a distribuição da força circunstan
cialmente justificada em uma sociedade (...) Toda intervenção policial
concebível projeta a mensagem de que a força poderá ser utilizada,
ou terá de ser utilizada, para atingir um determinada objetivo”. É,
portanto, a possibilidade de usar a força que distingue as polícias de
outras instituições que exercem funções de controle social.
As definições anteriores, porém, não explicam a diferença entre
polícia e Forças Armadas: tanto os policiais quanto os militares têm
autorização legal para usar a força. Então, qual é a diferença entre o
78
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES
uso da força policial e militar? Uma primeira distinção diz respeitos
às situações nas quais elas são empregadas. Idealmente, nos regimes
democráticos as Forças Armadas são acionadas excepcionalmente,
dentro de limites estabelecidos, enquanto as polícias atuam no dia
a dia. Partindo dessa diferenciação caberia um esforço para regula
mentar situações excepcionais. Ou seja, é necessário expressar em
lei quem define essas situações, quais suas implicações políticas e
consequências jurídicas.
No Brasil tem sido frequente o emprego das Forças Armadas em
situações típicas de polícia. O seu uso tem extrapolado a segurança de
grandes eventos, como Jogos Pan-Americanos, Copa do Mundo e Olim
píadas. Às vezes as tropas militares são empregadas em substituição
às polícias, especialmente nos casos de greves, como já aconteceu na
Bahia (2012), Pernambuco (2016) e Espírito Santo (2017). Noutras oca
siões, os militares são empregados em apoio a operações policiais,
caso da ação no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em 2010.
Mas também há situações que estão longe de ser excepcionais.
Entre 2014 e 2015, por exemplo, unidades militares ocuparam o Com
plexo da Maré, também no Rio de Janeiro, por 14 meses3. A justificativa
foi a necessidade de preparação para a instalação de uma Unidade de
Polícia Pacificadora (UPP), que não chegou a ocorrer. Em janeiro de
2017, depois de uma onda de rebeliões nos presídios, os militares foram
empregados para fazer revistas nas instalações penitenciárias dos estados
do Amazonas e Rio Grande do Norte. Nesses casos, parece claro que as
Forças Armadas não foram usadas para lidar com uma situação excep
cional, mas sim como alternativa às mazelas das organizações policiais.
3 Para uma análise da presença das FFAA na comunidade da Maré, ver Silva (2017).
79
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
A inserção de militares em atividades cotidianas de segurança não
é apenas inadequada. Ela é sobretudo imprudente, pois os expõem a
situações para as quais não foram treinados nem equipados. A Lei Com
plementar 97/1999, que regula as operações de Garantia de Lei e Ordem,
não isenta os militares dos controles existentes sobre o exercício do
poder de polícia. Portanto, a despeito do emprego das Forças Armadas
estar limitado às situações extraordinárias, os militares estão sujeitos à
legislação ordinária (GARCIA, 2009).
Todavia, a diferença entre ambas as forças não diz respeito apenas a
situações. Desmilitarizar o seu uso é muito mais do que limitar o emprego
das FFAA. Num regime democrático, a diferença fundamental entre
policiais e militares reside na maneira como empregam a força (COSTA,
MEDEIROS, 2002). Refere-se, portanto, ao ethos do seu uso, ou seja,
ao espírito e valores característicos de uma organização para definir os
meios mais adequados para alcançar seus objetivos. Controlar a atividade
policial, especialmente nesse aspecto, tem sido uma das principais preo
cupações das democracias. Por isso alguns países, além de mudar a legis
lação penal e processual, têm introduzido normas de condutas, bem como
criado órgãos de controle externo da atividade policial (COSTA, 2004).
Obviamente, exércitos podem ser empregados como polícias e
vice-versa, mas essas são exceções que confirmam a regra. Do ponto
de vista estrutural, ambas estão sempre de prontidão para lançar mão
da força. A polícia, entretanto, deve considerar a possibilidade de não a
usar ou usá-la limitadamente, mesmo quando isso implique o emprego
de mais recursos humanos e materiais. O controle social através da
força militar é inapropriado para as sociedades democráticas.
Até recentemente, o controle da força não era uma preocupação
central para as Forças Armadas. Entretanto, para as polícias é justamente
80
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES
tal controle que as torna compatíveis com a democracia. Assim, o treina
mento militar não enfatizava a necessidade de controlar a força, tampouco
seus regulamentos e códigos de conduta sublinhavam limites – e as estra
tégias de emprego do Exército não necessariamente levavam esses limites
em consideração. Quando a conduta militar é avaliada – em tribunais
militares, por exemplo – o controle da força não é o problema central.
Daí não se segue, porém, que a existência de organizações poli
ciais com estrutura e símbolos militares signifique sempre um ethos
militar. Algumas democracias possuem polícias cujos membros têm
status jurídico-militar e sua estrutura é moldada a partir dos respectivos
Exércitos. É o caso da gendarmaria francesa, que tem se diferenciado
cada vez mais das Forças Armadas. Desde 1981, seu comandante (civil)
responde diretamente ao ministro da Defesa, sem passar pelo Estado--maior das Forças Armadas, e goza de independência orçamentária.
Por outro lado, ainda há tropas de gendarmes, como a Gendarmaria
de l’Air, que estão estacionadas em dependências do Exército francês.
Além disso, as Forças Armadas daquele país exercem papel importante
na supervisão dos gendarmes em suas inúmeras missões no estran
geiro. Ainda, a distribuição geográfica da gendarmaria é organizada
de acordo com as zonas de defesa militar da França (ALARY, 2000).
Limitar o uso da força, em especial a letalidade policial, tem sido
um dos maiores desafios das polícias militares brasileiras. Em 2015,
enquanto no Brasil morreram 2.702 civis em confronto com as poli
ciais, nos Estados Unidos foram registradas 442 mortes.
Há uma grande variação regional no que se refere à letalidade
policial brasileira. Em 2015, cinco estados responderam por 69,7% das
mortes de civis: RJ, SP, BA, PR e PA. No Rio de Janeiro, o número
de pessoas mortas em confronto com a PM equivalia a 15,4% do total
81
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
de homicídios. Esse percentual foi de 15,0% no Amapá, 14,6% em
São Paulo, 8,9% no Paraná e 6,8% no Mato Grosso do Sul.
Mas não só a letalidade de algumas PM que é elevada. A vitimiza
ção policial também é alta. Em 2015 morreram 296 policiais militares
em confrontos. A vitimização também varia bastante: cinco estados
concentram 65,5% das mortes entre policiais – RJ, SP, PE, PA e BA.
Cerca de 76% desses óbitos (226) aconteceram quando o agente estava
fora de serviço, frequentemente realizando atividade de segurança
privada. Em algumas unidades da federação, por exemplo, Pará e
Bahia, o número de policiais mortos fora de serviço chegou a ser seis
vezes maior que o total de vitimados em serviço.
Os mecanismos de supervisão e controle
Ao contrário das operações militares, em que os cabos e soldados
estão sob intensa supervisão dos sargentos e tenentes, as atividades
policiais são marcadas pela distância entre superiores e subordinados e
por grande autonomia. Eles estão entre os profissionais que gozam de
maior discricionariedade no exercício das suas funções devido à grande
variedade de situações que encontram no seu cotidiano. Esse poder
discricionário lhes permite várias possibilidades de ação, tornando o
processo decisório muito mais complexo. Por isso, alguns estudos têm
apontado o modelo de supervisão e controle tradicionalmente utilizado
nos exércitos como inadequado para a maior parte das atividades de
polícia. Isso porque ele busca regular de maneira minuciosa, por meio
de normas internas, o comportamento de indivíduos que são, pela natu
reza de seu trabalho, obrigados a tomar decisões complexas e imediatas
em diversas situações (SKOLNICK, FYFE, 1993; BAYLEY, 1994).
82
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES
No passado, o policial era retratado como um mero agente do
Estado encarregado de fazer com que os cidadãos cumprissem a lei.
Prevalecia a ideia de que a polícia não dispunha de liberdade discri
cionária ou, pelo menos, não deveria possuí-la. A ele não competia
fazer interpretações sobre a validade dos estatutos legais vigentes.
Acreditava-se também que não cabia à força pública decidir aplicar
ou não a lei. Em geral, a atividade de policiamento era vista com uma
aplicação técnica do Sistema de Justiça Criminal.
Essa idealização começou a ser desconstruída na década de 1960,
quando alguns estudos pioneiros demonstraram que a polícia não ape
nas aplicava a lei, mas também a interpretava (SKOLNICK, 1962;
GOLDSTEIN, 1963; WALKER, 1993). Desde então, novas pesquisas
têm apontado que os policiais decidem quando e como a norma legal
deverá ser empregada, sendo suas escolhas profundamente influencia
das também por outros fatores, como idade, raça, classe social, etnia e
religião. Esses trabalhos têm desafiado o mito do policial neutro, reali
zando uma tarefa técnica (RAMOS, MUSUMESI, 2005; SILVA, 2009;
DUNHAM et al., 2005).
Um dos maiores desafios enfrentados pelas polícias, portanto,
tem sido estruturar a discricionariedade, melhorando seus mecanismos
de supervisão e controle. Não se trata, porém, de acabar com esse
poder discricionário, uma vez que isso seria inviável e indesejável.
Em síntese, sem ele, não seria possível aos agentes desempenhar as
funções de polícia. Por outro lado, em alguns casos esse poder pode
perfeitamente ser limitado e estruturado.
O não reconhecimento dessa liberdade de escolha tem gerado
inúmeros problemas no interior das organizações policiais. De forma
geral, essa situação tem forçado seus agentes a agir sem orientações
83
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
claras sobre como proceder. Em alguns casos, eles exercem sua auto
ridade sem o respaldo da lei, gerando uma situação de enorme insegu
rança, tanto para a população quanto para a polícia (MUNIZ, 1999).
Casos de abuso de autoridade e de uso desnecessário da força são
mais frequentes quando não existem normas que orientem e impo
nham limites à ação.
Diante desses dilemas, no final do século XX alguns países come
çaram a adotar medidas a fim de limitar e estruturar a discriciona
riedade policial. De forma geral, podemos identificar dois tipos de
iniciativas que tentaram lidar com o problema: i) buscou-se melho
rar o nível de instrução e o processo de formação e ii) se estabele
ceu normas de condutas para orientar a atividade dos policiais em
situações especificas.
Primeiramente, atendeu-se à antiga demanda pela melhoria no
nível instrução e formação dos agentes. Em alguns países, diversas
lideranças políticas, ativistas sociais e pesquisadores passaram a exigir
que as forças policiais modificassem seus critérios de recrutamento,
a fim de elevar o grau de escolaridade dos seus agentes. Uma vez
que desempenhavam funções com grande autonomia na tomada de
decisões, a ideia era que seria mais adequado contar com uma força
de trabalho altamente instruída. Depois de alguns anos, as avaliações
indicaram que a educação universitária não necessariamente redundou
em um padrão diferente de prática profissional (LINT, 1998).
Alguns países também incluíram na formação policial discipli
nas de conteúdo humanista. Dado que os policiais desempenhavam
inúmeras tarefas além daquelas relacionadas com a legislação crimi
nal, o objetivo era preparar melhor o profissional para essas outras
funções. Apesar dos esforços para adequar os currículos às inúmeras
84
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES
tarefas da polícia, verificou-se que a simples inclusão de disciplinas
não habilitava os agentes a desempenhar satisfatoriamente suas fun
ções. Era necessário apresentar-lhes um conjunto de conhecimentos,
habilidades e capacidades mais próximas às suas atividades diárias,
como administração de conflito, relações de gênero e raciais e mul
ticulturalismo. Apesar desses esforços, ainda não se sabe ao certo
os efeitos das mudanças propostas. Isso porque não basta mudar os
conteúdos ministrados na formação policial, como apontaram as
avaliações. É necessário também mudar a própria metodologia de
ensino (BRADFORD, PYNES, 1999; BIRZER, TANNEHILL, 2001;
HENSON et al., 2010).
Uma segunda iniciativa para limitar a discricionariedade policial
foi a criação de normas de condutas. Assumindo que seria inevitável
algum tipo de poder discricionário, buscou-se limitá-la e estruturá-la.
Os estudos têm apontado que a melhor forma de lidar com a questão
é criando normas administrativas destinadas a regular o exercício da
atividade (DAVIS, 1971), fornecendo orientações claras aos policiais
para enfrentar situações sensíveis, tais como uso de armas de fogo,
abordagem de pessoas e veículos e entrada em residências.
A adoção dessas normas realmente tem permitido um equilíbrio
entre o trabalho prescrito e o trabalho real das polícias. Elas trou
xeram segurança jurídica à atividade, sujeita a inúmeras situações
não prescritas na lei que têm enorme repercussão no exercício da
atividade policial. Pode-se dizer que a arcabouço legal prescreve o
que deve ser feito, mas não diz quase nada sobre quando e como
fazê-lo. Exatamente por isso a adoção de normas de conduta tornou-se
uma das medidas mais frequentes para controlar a discricionariedade
(WALKER, 1993; DAS, PALMIOTTO, 2002).
85
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Para que essas normas limitem e estruturem de fato a discriciona
riedade é necessário, contudo, adequar o sistema de treinamento e de
avaliação das condutas individuais. É preciso estabelecer um sistema
de avaliação que faça os policiais mais responsáveis por seus atos.
A estruturação do poder discricionário aumenta também a capacidade
de controle dos administradores de polícia sobre o pessoal operacio
nal. Ou seja, facilita a supervisão da atividade, bem como permite a
melhoria do treinamento. A supervisão passa a ser mais específica,
uma vez que os policiais recebem orientações claras e objetivas sobre
como proceder nas situações que encontrarão nas ruas.
Em 2017, a maioria das polícias militares brasileiras não adotava
nenhum tipo de norma de conduta. O treinamento continuava a ser
feito sem padronização, a partir de documentos e manuais escolhidos
pelos instrutores dos cursos de formação. Além disso, na ausência de
uma norma de conduta com força legal, os policiais continuaram a
exercer suas atividades sem respaldo jurídico. Sem essas diretrizes
profissionais, eles são julgados por juízes e promotores a partir de uma
noção de imperícia, imprudência e negligência. Ou seja, são julgados
por critérios externos à profissão, que não necessariamente coincidem
com a deontologia policial (PORTO, COSTA, 2014).
Seguindo a tendência internacional, algumas poucas forças públi
cas do país implantaram normas de condutas, que ficaram conhecidas
como Procedimentos Operacionais Padrão (POP). Esses procedimentos
foram elaborados com base na experiência acumulada pelos profissio
nais de polícia, em conformidade com a legislação. Eles são utilizados
nos cursos de formação e contemplam diversas situações, como abor
dagens de veículos e de pedestres, busca e apreensões. Algumas polí
cias, como a PM de Goiás, incorporaram os POP no treinamento e
86
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES
no sistema de promoção. Para serem promovidos ou matriculados
em cursos, os policiais da PMGO precisam realizar treinamentos de
atualização dos procedimentos operacionais.
Porém, mesmo onde foram implantados, esses procedimentos são
classificados por algumas forças públicas como documentos sigilosos.
É o caso da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Contrariando o
padrão internacional, os POP adotados pela PMESP não são de conhe
cimento da sociedade civil nem do Ministério Público e da mídia.
Desse modo, embora sejam utilizados no treinamento, as normas da
PM paulista não servem para orientar a avaliação que a sociedade faz
das suas ações. Consequentemente, a ação policial não é julgada a
partir de critérios profissionais, mas sim da percepção da mídia sobre
o fracasso ou sucesso de uma determinada operação.
As formas de emprego
Há uma grande diferença entre as polícias e os exércitos quanto à
forma de empregar os efetivos e equipamentos. Por exemplo, ambos
possuem unidades de cavalaria e seus membros exibem enorme orgu
lho de serem cavalarianos. As competições de hipismo e confrater
nizações que reforçam o sentimento de pertencimento à confraria
do cavalo não são muito diferentes, o que reforça uma falsa ideia de
que são iguais. As semelhanças, entretanto, acabam aí. No Exército,
os cavalos estão restritos às atividades cerimoniais e aos desfiles mili
tares. Já nas polícias o seu emprego é uma das formas mais eficientes
para lidar com multidões, como na entrada de estádios e shows e
no policiamento de áreas públicas – por exemplo, parques, praças e
centros comerciais. Mais importante: há uma doutrina própria para
87
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
a ação de policiar a cavalo. É justamente o desenvolvimento de uma
doutrina específica de policiamento que tem diferenciado cada vez
mais as duas forças.
Importante dizer que existem unidades militares destinadas ao
policiamento, como os batalhões de polícia do Exército. Mas elas
são empregadas principalmente na proteção de áreas militares e no
enfrentamento de protestos e manifestações políticas. Neste último
caso, em alguns países, como o Brasil, a doutrina e o treinamento
das unidades militares não diferem muito daqueles verificados nas
policiais. A diferença é que nessas situações os militares atuam como
unidades de reserva das polícias.
Algumas divisões das Forças Armadas também realizam atividades
de policiamento como forças de paz em áreas de conflito. Nessas situa
ções, visam principalmente à desobstrução de avenidas e rodovias,
à proteção de prédios públicos e de pontos sensíveis, como aeroportos,
estações de água, energia e comunicações. Essas unidades militares,
entretanto, não possuem nenhuma doutrina para realizar policiamento
comunitário ou administração de conflitos cotidianos.
O desenvolvimento de uma doutrina de policiamento comunitário
é considerado um dos maiores avanços das polícias contemporâneas.
Trata-se de uma filosofia de emprego do efetivo policial cujo objetivo
é melhorar as condições de segurança a partir da aproximação da
organização com a sociedade, baseada numa maior interação entre
polícia e comunidade, na descentralização da cadeia de comando
e na autonomia dos policiais para identificar e resolver problemas
coletivos (GOLDSTEIN, 1990; ROSENBAUM, 1994; DIAS NETO,
2000; SKOLNICK, BAYLEY, 2002). A adoção dessa filosofia e o
desenvolvimento de uma doutrina de policiamento comunitário (ou de
88
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES
proximidade) significou uma verdadeira mudança de paradigma na
forma tradicional de emprego dos efetivos.
Dada sua natureza filosófica, podemos encontrar uma enorme
variedade de formas de policiamento que se autointitulam comuni
tário, que incluem policiamento a cavalo, ronda a pé e motorizada,
além de bases de polícia comunitária. Algumas dessas experiências
são bem-sucedidas; outras nem tanto. O sucesso não depende da forma
de emprego, mas sim da clara definição de objetivos e da elaboração
de uma doutrina própria.
Exatamente por ser uma novidade, a implementação do policia
mento comunitário tem encontrado diversos obstáculos (MAGUIRE,
MASTROFSKY, 2000; 0’SHEA, 2000; OLIVER, 2000). A adoção
dos seus princípios frequentemente esbarra na resistência assentada na
cultura policial, que não valoriza atividades não diretamente ligadas ao
“combate do crime”. Essa resistência afasta policiais e impõe um dilema
na forma de avaliar o seu desempenho. A descentralização da cadeia de
comando contraria a estrutura organizacional das polícias, especialmente
daquelas mais próximas do modelo militar. A maior autonomia conferida
aos efetivos também redundou em grande problema para o controle e
a supervisão das suas atividades, especialmente naquelas organizações
que ainda mantinham sistemas inspirados nas Forças Armadas.
A mudança de paradigma decorrente da implantação do policia
mento comunitário reflete a tendência de diferenciação entre polícia
e militares. Por outro lado, também é possível observar uma mudança
no sentido oposto, qual seja, maior militarização do emprego dos efe
tivos. Trata-se de tendência de criação de unidades policiais paramili
tares, observada em muitos países (KRASKA, 1996, 1999; KRASKA,
KAPPELER, 1997).
89
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Paramilitares, incialmente essas unidades constituíam uma pequena
porção do efetivo policial, mantendo sua atuação limitada a algumas
situações de alto risco e complexidade, como sequestros, resgates,
enfrentamento a grupos armados, terrorismo e explosivos. Elas diferem
das outras pelo treinamento altamente normatizado, que utiliza equi
pamento e armamento semelhantes àqueles usados pelas unidades de
operações especiais das Forças Armadas. O treinamento das unidades
paramilitares de polícia também é bastante semelhante ao das Forças
Armadas, sendo frequente o intercâmbio de alunos e instrutores nos
cursos e treinamentos. Em suma, são unidades bastante militarizadas.
Elas constituem um grupo à parte nas polícias brasileiras, com forte
identidade profissional e grande coesão social. Pertencer a essas unidades
é uma das estratégias profissionais mais bem-sucedidas para superar as
mazelas relacionadas à ideia de trabalho sujo (CASTRO, 2011). O curso
de operações especiais que forma policiais paramilitares serve como rito
de passagem para ingressar no seleto grupo de lealdades e solidariedades.
Mas a especialização e o treinamento acontecem de fato após o curso,
no dia a dia dessas unidades. Seu emprego é fundamental para lidar
com algumas situações excepcionais; entretanto, têm se verificado o uso
cada vez mais frequente de paramilitares em situações normais, como o
policiamento de estádios e manifestações, o que distorce sua finalidade.
Elas também têm sido empregadas na intensificação do combate à cri
minalidade, o que implica uma lógica militar no policiamento cotidiano.
Os dilemas das polícias militares
Há poucas dúvidas quanto às semelhanças entre as organiza
ções policiais e as Forças Armadas. A ideia de que as polícias são
90
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES
organizações quasi-militares, como sugeriu Ergon Bittner (2003),
desempenhou um papel importante na estruturação do seu trabalho.
De fato, são muitas as semelhanças entre as FFAA e polícias.
A primeira e mais marcante delas diz respeito ao fato de que
todas são organizações autorizadas a usar a força, especialmente a
letal. Segundo, como as organizações militares, as polícias são estru
turadas por muitas normas internas, via de regra mais importantes na
avaliação de desempenho dos seus membros do que o efetivo resul
tado do seu trabalho. Por último, a necessidade de reforçar o controle
interno fez com que a maior parte das polícias optasse pelo modelo
militar de disciplina. Em função dessas semelhanças, muitas delas
se estruturaram à imagem dos exércitos. Esse processo foi reforçado
pela construção de uma identidade militar por parte dos policiais.
Em alguns países, como o Brasil, a militarização foi acentuada durante
os regimes militares.
Mas, obviamente, há também inúmeras diferenças entre ambas as
organizações. As funções de controle da criminalidade e manutenção
da ordem, embora possam ser excepcionalmente desempenhadas pelos
militares, são o leitmotiv das organizações policiais. Exatamente por
isso os resultados mais visíveis do trabalho das polícias são as prisões
de suspeitos que serão julgados pelos tribunais. Isso faz com que
elas integrem necessariamente o Sistema de Justiça Criminal, sendo
também submetidas às suas normas e lógicas. Ou seja, elas estão
diretamente relacionadas ao funcionamento desse sistema, o que não
ocorre com as FFAA.
Fundamentalmente, a desmilitarização é o resultado de um processo
de diferenciação social. Como já dito, foi a emergência dos regimes
democráticos que levou as forças públicas se diferenciarem das Forças
91
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Armadas. Nos países onde esse processo foi mais intenso, construiu-se
uma nova identidade profissional autônoma do campo militar.
No caso do Brasil essa diferenciação profissional tem esbarrado
em alguns dilemas. O ethos do uso da força, por exemplo, tem mudado
em muitas polícias – elas têm se preocupado em empregar a menor
força possível, caso seja necessário. Mas, para isso, foi necessário
abandonar a lógica militar de guerra ao crime e trocá-la pela ideia
de controle da criminalidade. Obviamente, alguns crimes receberão
maior atenção, como os violentos, cujos agressores serão punidos
com mais severidade.
Esse é um dos dilemas brasileiros. Algumas polícias militares regis
tram números elevados de mortes de civis. A frequência e a intensidade
de confrontos armados têm servido de justificativa para esses óbitos,
classificados como autos de resistência. Em alguns casos parece haver
uma política deliberada de confrontos; noutros, ocorre justamente o con
trário – os confrontos se repetem sem que o comando das polícias elabore
uma política específica para essas situações. Independente do preparo,
todas as unidades policiais estão autorizadas a se engajar em confrontos
armados, não havendo restrição de horários e lugares. O resultado é um
número elevado de policiais e civis mortos. Importante dizer que não
são apenas as unidades especializadas que se engajam em confrontos
armados. Eles acontecem próximos às escolas, moradias e aglomerações,
resultando em muitas mortes por balas perdidas.4
O segundo dilema nacional refere-se à dificuldade de substituir o
modelo militar de hierarquia e disciplina por outra estrutura de supervi
são e controle. Inadequado para as polícias, esse modelo, como vimos,
4 Para uma análise da participação dos policiais do Rio de Janeiro que se engajam em
confrontos armados, ver Magaloni e Cano (2016).
92
CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíC MILITARES
não prevê as situações de discricionariedade, tão frequentes no dia
a dia policial; ele baseia-se na preponderância das normas internas
e de uma cadeia de comando bem definida. Por isso alguns países
passaram a desenvolver novos mecanismos de supervisão e controle
de suas polícias.
A adoção de outras formas de policiamento implica a elaboração
de uma doutrina específica. Além de planejamento e financiamento,
isso requer o desenvolvimento de saberes profissionais muito especí
f
icos, que não podem ser copiados de outras áreas. O que tem levado
muitas organizações policiais a mudar os conteúdos e as metodolo
gias utilizadas nas suas escolas de formação, diferenciando-as das
escolas militares.
O terceiro dilema diz respeito à necessidade de criar uma identi
dade profissional própria. O desenvolvimento de um campo específico
de ciências policiais vem acontecendo em diversos países. Em geral,
o surgimento desse novo campo resulta da cooperação entre as uni
versidades e as polícias. Nos EUA, por exemplo, os saberes policiais
começaram a se transformar em ciência aplicada a partir da década
de 1950. No início os estudos eram voltados exclusivamente para o
aperfeiçoamento da administração das forças públicas. Em seguida
verificou-se a proliferação de programas e cursos universitários volta
dos para as polícias e o Sistema de Justiça Criminal. Mais recentemente
o desenvolvimento desse campo permitiu a criação de novas formas
de policiamento (HOOVER, 2005).
Desde os anos 2010, temos assistido várias alterações nos proces
sos de seleção das polícias militares. Algumas delas passaram a exigir
diploma de nível superior para o ingresso em seus quadros. Mas, dife
rente de outros países, no Brasil as mudanças nos processos de seleção
93
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
não necessariamente tiveram por objetivo o fortalecimento da identi
dade e a criação do campo das ciências policiais. Outras corporações
passaram a exigir o bacharelado em direito como critério de seleção
de oficial. Em 2017, 14 estados exigiam essa graduação para ingresso
em suas academias de polícia militar5. Em alguns casos, essa exigência
era parte da estratégia que as PM adotavam para reivindicar aumento
salarial (RUDNICKI, 2008). Longe de criar uma identidade própria,
essas iniciativas enfraquecem a profissionalização das polícias.
5 RS, SC, RJ, MG, ES, MS, MT, RO, AC, AM, PE, SE, RN e PI.
94
CAPÍTULO 3
As Polícias Civis e o Mito do
Inquérito Policial
Nos capítulos anteriores sustei que a boa governança das políticas
públicas de segurança depende de órgão capaz de coordenar uma ampla
rede de atores. Apontei também que essas políticas requerem polícias
profissionalizadas e altamente especializadas.
Se nas PM a persistente vinculação ao campo militar é o princi
pal obstáculo à especialização, nas polícias civis é a prevalência dos
saberes jurídicos sobre os saberes policiais que atrapalha a profissio
nalização. Isso é especialmente válido para a investigação criminal
que, além de novas tecnologias, requer saberes próprios.
Aquilo que chamamos de investigação criminal, seus objetivos,
seus métodos e suas rotinas, tem mudado profundamente ao longo da
história. Para entender o que vem a ser essa área e suas mudanças,
é necessário compreender o contexto político, social e cultural no qual
elas se inserem.
Historicamente, podemos encontrar exemplos de práticas associadas
à investigação criminal em várias sociedades. Entretanto, aquilo que
nomeamos como tal – a aplicação de rotinas e técnicas por parte de um
corpo policial, para identificação de suspeitos e produção de provas
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
jurídicas – data do final do século XIX. Antes disso, a produção de
provas e a identificação de suspeitos eram realizadas por indivíduos e
agentes privados pagos. Foi apenas com a criação das modernas polí
cias que a atividade passou a ser entendida como obrigação do Estado.
Quer dizer, embora elas tenham inicialmente orientado suas tarefas para
a manutenção da ordem e vigilância das ruas, aos poucos a função de
investigar crimes foi incorporada às suas atribuições. Dessa forma, desde
o início do século passado boa parte das polícias ocidentais já contava
com grupos ou unidades dedicadas a essa atividade. Daí em diante,
tornou-se uma das principais funções desempenhadas pelas polícias,
que passaram a se incumbir das seguintes tarefas: identificar e interro
gar suspeitos; produzir provas jurídicas e instruir o processo criminal.
Ao longo do século XX, a atividade de investigar crimes baseou--se fundamentalmente na entrevista de suspeitos e testemunhas para
produção de evidências jurídicas que pudessem resultar em denúncias
criminais. Esse modelo, entretanto, passou a ser fortemente criticado
nas últimas décadas. As denúncias frequentes de ilegalidades e bruta
lidade nas práticas investigativas e a pouca eficiência na condenação
de suspeitos acabaram por gerar uma crise de legitimidade dessa ati
vidade. Assim, visando à modernização de seus processos, algumas
polícias criaram manuais e introduziram procedimentos operacionais
para melhorar o desempenho dos investigadores, caso do Murder
Investigation Manual, implantado pela polícia inglesa. Também foram
criados sistemas de indicadores das investigações, como o National
Incident Based Report System (EUA), o Canadian Homicide Survey
(Canadá) e o Volume Crime Management Model (Inglaterra).
Apesar da sua importância, no Brasil a investigação não se moder
nizou. Aqui nos acostumamos a pensar que compete fundamentalmente
96
CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL
às polícias civis realizar atividades de investigação criminal, que serão
postas a termo em um inquérito policial, confeccionado para instruir
o processo judicial, enquanto juízes e promotores utilizarão de outras
fontes para elaborar suas denúncias e sentenças. Essa ideia sobre o
trabalho das PC é corroborada pela Constituição Federal, que determi
nou: “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polí
cia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”
(BRASIL, 1988, art. 144, § 4º). Segundo o Código de Processo Penal,
o inquérito policial, previsto nos artigos 4º a 23º, é o instrumento for
mal de investigações, compreendendo todas as diligências realizadas
para apurar o fato criminoso e descobrir sua autoria.
A ideia que fazemos da organização, confirmada pela legislação
brasileira, na verdade deriva de um mito institucional que desempenha a
função simbólica de legitimar seu trabalho, tanto para o público interno
quanto para o externo. Ou seja, o inquérito desempenha uma função
simbólica dentro da PC e é voltado para legitimar suas práticas e rotinas.
Isso, contudo, não é exclusividade das polícias civis. Muitas organi
zações complexas frequentemente incorporaram mitos institucionais para
aumentar sua legitimidade e suas chances de sobrevivência. Tais mitos
refletem os sistemas classificatórios e as ideias correntes na sociedade.
E podem apoiar-se na opinião pública ou ser definidos por força da lei
(MEYER, ROWAN, 1977). A sua incorporação tem efeitos na estrutura
organizacional e no desempenho das atividades cotidianas, uma vez que
definem papéis e hierarquias, legitimam saberes e orientam prioridades.
A adoção desses mitos com frequência, contudo, entra em con
f
lito com os critérios de eficiência que supostamente orientaria as
atividades de uma organização. Assim, para mantê-los, elas tornam-se
97
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
desarticuladas e aumentam a distância entre o trabalho real e o trabalho
prescrito. Posto dessa forma, o sucesso de algumas delas baseia-se
mais na sua legitimidade do que na eficiência da sua coordenação e
do controle das suas atividades. Isso acontece de modo recorrente nas
organizações que pertencem a ambientes altamente institucionalizados.
Esse é o caso das PC e do Sistema de Justiça Criminal brasileiro.
Mas, afinal o que faz o polícia civil? Existem, pelo menos, três dife
rentes formas de verificar o trabalho que ela realiza: pela análise das suas
competências legais, pelo tipo de situações com as quais os policiais se
deparam no seu cotidiano e pelo tipo de ações empreendidas por eles.
As competências legais são aquelas tarefas que a legislação lhes
atribui. Não é difícil descobrir quais são: elas podem ser encontradas
no ordenamento jurídico, nos manuais e regulamentos internos. Já as
situações em que os policiais civis se deparam no seu trabalho coti
diano podem não estar previstas na legislação, tais como conflitos
domésticos, orientação para a comunidade, detenção de pessoas etc.
Finalmente, elas se referem às ações que os policiais têm de tomar:
prisões, relatórios, formaturas, mediação de conflitos etc. Essas ações,
bem como as situações com as quais eles se deparam no seu cotidiano,
não se resumem às competências que a legislação lhes confere.
Para compreender o papel da polícia civil na sociedade moderna
é necessário entender sua relação com o Sistema de Justiça Crimi
nal (BITTNER, 2003). Uma parte significativa do trabalho da Justiça
tem início com a atividade policial. Entretanto, muitas vezes isso não
se desdobra em processo criminal. No que diz respeito ao Sistema
Criminal, a ação da PC é muito maior e mais livre do que admite a
legislação. De fato, juízes e promotores têm muito menos controle
sobre a atividade policial do que costumam pensar.
98
CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL
A ideia equivocada de que as polícias civis brasileiras são basica
mente uma organização voltada para elaborar um inquérito policial –
supostamente orientado por uma investigação – tem consequências
importantes para o desempenho das suas funções. E isso têm trazido
consequências nocivas para o atendimento das demandas da população.
Primeiro, podemos constatar os efeitos deletérios sobre outras atividades
“menos nobres” desempenhadas pela PC, tais como administração de
conflitos, encaminhamento de pessoas para outros serviços públicos e
atenção aos grupos vulneráveis (mulheres, idosos, crianças, adolescen
tes e negros). Em segundo lugar, a própria investigação criminal acaba
sendo prejudicada, pois o inquérito torna-se uma razão em si mesma.
A investigação criminal e o inquérito policial
De acordo com o Código de Processo Penal brasileiro, o inquérito
policial destina-se a reunir os elementos necessários à apuração da
prática de uma infração penal e sua autoria (CPP, Art. 4º). Posto dessa
maneira, o inquérito parece se confundir com a investigação criminal,
dado que o código penal contemplaria um conjunto de atividades
relacionadas ao processo investigativo, tais como oitivas, perícias,
campanas, interceptações telefônicas e seleção de testemunhas. Então,
ao final do processo investigativo, os documentos comprobatórios des
sas atividades seriam juntados ao inquérito, cuja conclusão (relatório
f
inal) apontaria o autor e o crime cometido. Em função do seu caráter
oficial, todas as atividades relativas ao inquérito deveriam ser dotadas
dos formalismos previstos na legislação.
A prática policial, entretanto, é bem distinta do que prevê o arca
bouço legal. Instaurar um inquérito não é o mesmo que proceder uma
99
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
investigação. Há inquéritos sem investigações e investigações sem
inquéritos. Investigar é uma prática eminentemente policial, enquanto
as formalidades dos inquéritos seguem uma lógica judicial.
Tomar o inquérito como investigação é, portanto, um mito insti
tucional. Ambas as atividades desempenham funções distintas rela
cionadas à promessa estatal de segurança. O inquérito é a principal
“porta de entrada” do Sistema de Justiça Criminal. Embora existam
outras situações que prescindam da polícia, a maioria dos processos
criminais se inicia com um inquérito policial. O que acaba por con
ferir enorme poder às PC, pois sem a instauração do inquérito não há
processo criminal. Como me disse certa vez um magistrado: “O juiz,
na prática, só condena quem o delegado indiciou no inquérito”.
A investigação criminal, por sua vez, desempenha papel central
na função de dissuadir a prática de crimes. Ela é uma das iniciativas
mais visível dos esforços policiais para dar uma resposta convincente
à sociedade. Assim, desde sua criação, a tem sido objeto de enorme
interesse do público em geral, o que pode ser verificado na literatura e
no cinema. Esse interesse não pode ser explicado apenas pelo glamour
relacionado à ideia de prender criminosos; ele também se evidencia
pela importância que a investigação assumiu ao dar forma à promessa
do Estado moderno capaz de prover segurança para todos os cidadãos
(GARLAND, 1996, 2001).
Dada sua dimensão simbólica, a investigação tem sido retratada
ao longo do tempo como a forma mais efetiva de elucidar crimes e
punir os criminosos. Para isso, criaram-se mitos sobre a investigação
que envolvem uma sequência de ações: i) alguém relata um crime
à polícia, ii) os investigadores examinam a cena do crime e interro
gam pessoas e iii) o suspeito é identificado e confrontado com provas
100
CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL
irrefutáveis sobre sua culpa, resultando numa confissão e posterior
denúncia criminal (MAGUIRE, 2003).
As pesquisas mostram, no entanto, que a prática investigativa cons
titui um quadro radicalmente diferente. Nem sempre os crimes são rela
tados à polícia pelas vítimas. Frequentemente, os policiais tomam conhe
cimento deles através da mídia e de terceiros. Além disso, em grande
parte dos casos o simples relato de eventos criminosos não implica o
início de uma investigação. Alguns casos serão arquivados e outros serão
processados na forma de estatísticas criminais (MINGARDI, 1992).
Noutras palavras, a investigação é uma atividade altamente seletiva.
No Brasil, a legislação indica a necessidade de instauração de
inquérito policial sobre todas as notícias-crime. Ou seja, do ponto de
vista legal, o inquérito é obrigatório. Na prática não é bem assim que
acontece numa delegacia de polícia (MISSE, 2010a). Nem todas as
notícias de crime se convertem em boletins de ocorrência; e nem todos
os BO são transformados em inquéritos policiais (COSTA, 2011).
Na maioria das delegacias de polícia, portanto, a investigação não é
regra, mas, sim, exceção.
O exame da cena do crime também não é frequente na investiga
ção, sendo raros os casos em que os investigadores se dirigem a ela,
entrevistam pessoas e realizam diligências para identificar os suspei
tos. Com frequência, os autores são denunciados diretamente pela
população. Nesses casos, o trabalho da polícia se limita a formalizar
no inquérito os elementos que servirão para instruir o processo cri
minal. Ou seja, ele pode ser instruído sem que tenha de fato ocorrido
uma investigação.
A instauração de um inquérito policial implica a realização de
bastante trabalho burocrático, tais como controle e pedidos de dilação
101
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
de prazos, convocação de testemunhas, tomada de depoimentos etc.
Por esse motivo, apenas algumas poucas ocorrências são convertidas
em inquéritos; em alguns lugares, apenas nos casos de prisão em fla
grante ou de homicídios os inquéritos são obrigatoriamente instau
rados. Nos demais, os policiais priorizam os boletins de ocorrência
que já trazem elementos de prova necessários para a conclusão de um
inquérito. Ou seja, se existem informações sobre a autoria do crime
(i.e. filmagens, depoimentos, testemunhas). Nessas situações, não se
realiza de fato uma investigação criminal para identificar suspeitos e
produzir evidências, pois essas informações já foram fornecidas pela
vítima. O trabalho da polícia, assim, será reproduzi-las no inquérito,
agregando alguns outros elementos formais. É a repercussão ou a
necessidade de administrar o volume de trabalho, portanto, que rege
a seleção dos casos a serem investigados. Existindo informações sufi
cientes no BO, instaura-se inquérito sem a realização de investigação.
Do contrário arquiva-se a ocorrência.
A polícia não procede de forma neutra na busca da verdade.
Tampouco os fatos relatados e as provas coletadas durante a investiga
ção são irrefutáveis. Não raro os suspeitos são identificados (ou eleitos)
previamente. Nessas situações, o trabalho da policial é produzir provas
que sustentem aquela incriminação realizada antes. A despeito da legis
lação e doutrina jurídica brasileiras enfatizarem que não compete aos
policiais a tarefa de incriminar suspeitos, na prática sabemos que ao
investigar um crime elas partem de lógica inversa. As evidências que
serviram para instruir o processo e, portanto, para incriminar os sus
peitos, são produzidas pela polícia depois da sua identificação. Logo,
a investigação exerce papel central na formação da culpa (MISSE,
2010a; KANK de LIMA, 1995, 2004).
102
CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL
O relatório final de uma investigação criminal não é uma sim
ples descrição dos fatos, mas sim uma narrativa produzida pela PC a
partir da interpretação das informações coletadas. As circunstâncias
que cercam alguns crimes repetem certos padrões, permitindo aos
investigadores classificá-las de acordo com categorias preestabele
cidas pela prática. Na verdade, são essas categorias que irão orientar
a prática investigativa. Afinal de contas o crime, seus motivos e as
circunstâncias têm de se encaixar num padrão previamente conhecido
e socialmente compartilhado.
As linhas de investigação são escolhidas de acordo com essas cate
gorias socialmente construídas, e a investigação é conduzida para com
provar essa escolha. A instrução do processo criminal que resulta dessa
investigação seguirá a mesma lógica: sustentar, com base em relatos
e evidências, aquilo que já se sabia: os motivos do crime. Em suma,
nem todos as ocorrências resultam em inquéritos; nem todos os inqué
ritos resultam em investigações. O inquérito não busca a verdade dos
fatos, mas sim a formação da culpa (MISSE, 2010b). Para ganhar
legitimidade é necessário que ele seja tomado como uma investigação
criminal. Essa é mais uma das funções do mito institucional.
Os saberes jurídicos e os saberes policiais
A relação entre o inquérito policial e a investigação criminal
guarda, em essência, uma disputa entre duas formas de saber bastante
distintas: os saberes jurídicos e os saberes policiais. Afinal de contas,
os conhecimentos necessários para desse investigar um crime são dife
rentes daqueles utilizados num procedimento inquisitório, que como
mito da investigação distorce o resultado dessa disputa.
103
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Certamente, há necessidade de conhecimentos jurídicos para reali
zar investigações capazes de produzir provas que possam instruir os pro
cessos criminais. Ou seja, provas com validade jurídica. Parece bastante
questionável, entretanto, a necessidade de o policial ser um bacharel em
direito para realizar esse trabalho. Além disso, a exigência desse tipo de
formação acaba por conferir caráter hegemônico a um saber diferente
dos “saberes policiais”. Assim, as atividades de investigação, policia
mento comunitário, atendimento a grupos específicos (mulheres, crian
ças, idosos) e a administração de conflitos acabam se tornando secundá
rias dentro da polícia civil. A confecção do inquérito policial é, de fato,
a principal atividade numa delegacia. Trata-se, portanto, da imposição
de um tipo de saber típico do campo jurídico à organização policial.
Sem dúvida, existe uma diversidade de atividades e papéis dentro
de uma DP circunscricional que requerem diferentes tipos de saberes:
jurídicos, administrativos e policiais. A divisão pragmática com relação
ao desempenho desses saberes típicos, contudo, é bastante visível,
variando não somente quanto à repartição onde o policial trabalha,
mas também de acordo com sua posição hierárquica e funcional.
De forma geral, os delegados e escrivães estão mais voltados
ao desempenho dos ditos “saberes jurídicos”. Alguns poucos agen
tes de polícia desempenham tarefas ligadas aos “saberes policiais”.
Quanto aos “saberes administrativos”, eles são dominados por quase
todos, tendo em vista que o próprio modelo do inquérito incorpora uma
gama enorme de procedimentos também administrativos, como trâ
mites e cargas (COSTA, 2010).
A necessidade dos saberes jurídicos, materializada na figura do
bacharel em direito, tem sido justificada pelos delegados de duas
formas. Em primeiro lugar, eles seriam necessários para instruir o
104
CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL
inquérito, ou seja, transformar o relatório de investigação em peça
de instrução processual. Tal justificativa é frequentemente posta em
dúvida por juízes, promotores e agentes de polícia. Segundo, caberia
ao delegado-bacharel o controle da atividade policial. As peculiarida
des do trabalho desses agentes, próximos demais dos fatos, exigiriam
um tipo específico de controle jurídico. Os delegados realizariam o
primeiro filtro judicial do trabalho, seguidos pelos promotores e juízes.
Aqui parece que há uma confusão quanto ao controle da atividade
policial. Embora não haja dúvida quanto à importância desse controle,
juízes e os promotores reconhecem que seu domínio sobre essa ativi
dade é muito pouco efetivo. O controle exercido pelos delegados pode,
de fato, ser mais eficiente, mas não por causa dos saberes jurídicos,
mas sim pela figura do supervisor ou chefe. Ocorre que, dado o distan
ciamento entre delegados e agentes, essa supervisão é muito precária.
Na verdade, é o inquérito policial, com todas as suas formalidades,
que torna os saberes jurídicos hegemônicos dentro das delegacias de
polícia. Isso acontece porque o trabalho das seções e equipes é orien
tado para a elaboração desse procedimento. É o caso, por exemplo,
do cartório, que administra prazos e cargas, e das equipes de plantão,
responsáveis pelo registro dos boletins de ocorrência, dos autos de
prisão em flagrante e dos termos circunstanciados.
Discricionariedade, seletividade e política criminal
Outro mito institucional refere-se ao princípio da obrigatoriedade do
inquérito policial. Apesar da legislação determinar a sua instauração em
todas as notícias-crime, na prática não é bem assim que acontece numa
delegacia de polícia. Como vimos, nem todas as notícias de crime se
105
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
convertem em boletim de ocorrência; e nem todos os BO são transforma
dos em inquéritos. Certamente a sua instauração implica a realização de
muito trabalho, tanto no que diz respeito à investigação policial, quanto
aos procedimentos cartoriais. O número de inquéritos instaurados numa
DP circunscricional normalmente é muito grande – em geral, nela são
milhares de inquéritos sobre roubos, latrocínios e homicídios.
Por óbvio, é impossível administrar esse volume de trabalho.
Assim, somente nos casos de flagrante ou homicídios dolosos eles
são obrigatoriamente instaurados. Nos demais casos, cabe ao delegado--chefe selecionar aqueles que serão convertidos em inquérito. Para isso,
ele verifica se no boletim de ocorrência já existem elementos de prova
necessários para a conclusão de uma peça de instrução processual.
Ou seja, se existem informações sobre a autoria do crime (i.e., filma
gens, depoimentos, testemunhas).
Tanto delegados quanto promotores estabelecem critérios para
selecionar os inquéritos e processos que merecerão atenção. Sem essa
seleção de casos, o funcionamento do Sistema de Justiça Criminal seria
muito mais caótico do que parece. Ocorre que essa seletividade é feita
sem atender às diretrizes de uma política criminal. Assim, não raro os
crimes priorizados pelos delegados podem não coincidir com aqueles
escolhidos pelos promotores. Em suma, existem diferentes filtros e
lógicas nesse sistema, cujo resultado é a ausência de uma política
criminal coerente (COSTA, 2011).
Essa situação é agravada pelo baixo grau de interação e a exces
siva formalidade nas relações entre delegados e promotores. Tal dis
tanciamento é frequentemente justificado pela necessidade de os
promotores exercerem o papel de “fiscal da lei” – seria importante
marcar ao máximo a distância entre estes e delegados, uma vez que
106
CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL
cabe também ao Ministério Público zelar pela legalidade dos proce
dimentos de investigação.
Em parte, essa desarticulação deve-se ao não reconhecimento da
discricionariedade de que gozam os operadores da Justiça Criminal,
em especial os policiais. Ao contrário, a seletividade de casos é vista
por muitos como uma espécie de corrupção do sistema, que deveria ser
evitada ao máximo. Essa seletividade, entretanto, diz respeito ao poder
discricionário que delegados, promotores e juízes possuem de fato.
Sem ela não seria possível administrar o trabalho de uma delegacia
de polícia ou de uma promotoria de justiça. Assim, seletividade (dis
cricionariedade) está relacionada às atribuições desses profissionais.
Se, por um lado, é impossível eliminá-la da Justiça Criminal,
por outro é possível estruturá-la estabelecendo limites e diretrizes para
o seu emprego. Mas, antes de limitar e estruturar o poder discricionário,
é forçoso reconhecer a sua existência. Samuel Walker (1993) mostrou que,
no caso dos EUA, esse reconhecimento só aconteceu no final da década de
1960. E foi apenas em meados dos anos 1970 que alguns departamentos
de polícia daquele país tomaram medidas visando a limitá-la e estruturá-la,
o mesmo ocorrendo no Canadá e na Inglaterra. Pode-se dizer, portanto,
que a discricionariedade do sistema, especialmente nas polícias, é uma
“descoberta” relativamente recente nesses países. Desde então, essa dis
cussão tem girado em torno das áreas onde é possível e necessário impor
limites discricionários, bem como formas mais adequadas de estruturação.
Estruturar o poder discricionário no Sistema de Justiça Criminal
significa definir as áreas e atividades que precisam de certa liberdade
de ação, estabelecer seus limites e preparar adequadamente os diversos
profissionais que nele atuam. Ocorre que a estruturação da discricio
nariedade não é tarefa fácil, uma vez que não é possível estabelecer
107
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
orientações sobre todas as atividades e situações com as quais os
policiais se deparam. Na prática, somente algumas situações mais
sensíveis têm sido objeto de atenção das autoridades policiais, juí
zes e promotores.
Em algumas áreas os policiais civis e demais operadores da Jus
tiça Criminal exercem com frequência sua capacidade discricionária,
como no enquadramento legal dos casos que são levados às delegacias,
na escolha dos boletins que se tornarão inquérito e na seleção dos
objetivos e prioridades para as políticas de segurança.
Delegacias generalistas e especializadas
De forma geral, podemos identificar nas polícias civis duas estru
turas organizacionais para investigar crimes. Existem as unidades gene
ralistas de investigação, encarregas de elucidar vários tipos de crimes.
São as delegacias de bairro, que normalmente empregam um grande
número de policiais e têm sua jurisdição delimitada territorialmente.
O trabalho dessas unidades é voltado fundamentalmente a res
ponder as ocorrências que são relatadas pela população. A sua rotina
consiste no atendimento ao público, que procura a polícia para tra
tar das mais diversas situações, não necessariamente de natureza
criminal (DANTAS, 2013). Muitas vezes essas situações referem-se
a atos de desconsideração e conflitos interpessoais, cujo principal
enquadramento não é a lei, mas as noções específicas de honra e moral
(CARDOSOS de OLIVEIRA, 2008). As vítimas mais frequentes são
mulheres, crianças, idosos, negros e a comunidade LGBTQIA+. Em fun
ção disso, algumas polícias civis têm implantado projetos de mediação
de conflitos e proteção de grupos vulneráveis.
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CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL
Esses esforços, entretanto, esbarram em outras atividades desen
volvidas no âmbito das delegacias de bairro: a necessidade de preen
chimento dos boletins de ocorrência, dos autos de prisão em flagrante
(APF) e dos termos circunstanciados de ocorrência (TCO). Na divi
são do trabalho de uma unidade desse tipo, o preenchimento desses
documentos demanda os maiores efetivos e atenções, em detrimento
das demais atividades.
O boletim de ocorrência destina-se a registrar as notícias sobre
algum crime que suspostamente tenha sido cometido (notitia criminis).
Esse registro é uma das respostas que a polícia dá aos cidadãos.
No fundo, o seu preenchimento é orientado para uma possível elabora
ção do inquérito policial, pois, como me disse um agente, “um BO bem
preenchido vale meio inquérito”. Portanto, esse documento não pode
ser dissociado do inquérito.
Uma vez preenchidos, alguns poucos boletins de ocorrência serão
selecionados e darão início a uma investigação, por sua vez realizada
por pequenas equipes de policiais. Não há divisão clara de trabalho
entre os investigadores, que são responsáveis pela execução de todas
as tarefas ligadas à investigação, tais como interrogar suspeitos, entre
vistar pessoas, examinar a cena do crime, preencher relatórios, soli
citar exames periciais e encaminhar requerimentos. Os policiais que
trabalham nessas unidades generalistas não seguem necessariamente
uma ordem de casos a serem investigados. Não raro, os investigadores
desenvolvem atividades simultâneas relacionadas a vários casos, o que
notadamente afeta seu desempenho (MAGUIRE, 1994).
Talvez seja por isso que boa parte do trabalho dessas unidades
esteja voltado para a busca dos suspeitos já conhecidos dos inves
tigadores. Trata-se de uma forma de “policiamento por suspeição”
109
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
(MATZA, 1969; MISSE, 2010b). Assim, as atividades de investigação
concentram-se na coleta e sistematização de informações sobre as
pessoas com registros criminais e tentativa de estabelecer uma relação
entre as suas atividades com as ocorrências criminais relatadas.
Outro trabalho frequente nas delegacias generalistas é o preen
chimento dos autos de prisão em flagrante, que se destina a registrar
informações sobre as prisões flagranciais. A exemplo do BO, o registro
do APF também é orientado para a elaboração do inquérito policial.
O inquérito, nesse caso, será obrigatoriamente instaurado.
O preenchimento desse documento é uma das principais fontes
de conflitos entre policiais civis e militares. A maioria das prisões
em flagrante é feita por PM, que precisam se dirigir a uma delega
cia para efetivá-las. Dada a sua gravidade, o registro de uma prisão
envolve tomadas de depoimentos e juntada de provas, que acabam
por reter as guarnições de policiais militares por muito tempo nas
delegacias. São frequentes os relatos de conflitos e tensões decorrentes
dessa espera. Visando a superar esse problema, algumas polícias civis
criaram centrais de flagrante, onde supostamente o registro dos APF
seria mais rápido.
Outra fonte de conflito entre ambas as polícias é o registro dos
termos circunstanciados das infrações de menor potencial ofensivo,
cuja pena máxima são dois anos de prisão. As informações contidas no
TCO destinam-se à instrução dos casos que serão encaminhados aos
juizados especiais criminais (i.e., brigas de rua, desacatos, perturbação
da ordem etc.) (BRASIL, 1995).
A exemplo dos APF, o registro dos termos circunstanciados
demanda tempo e retira os profissionais da PM do policiamento osten
sivo. Por isso, algumas polícias militares têm demandado autorização
110
CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL
para registrar os TCO diretamente, sem a necessidade de deslocamento
até as delegacias1. Boa parte das associações de delegados civis, entre
tanto, é contrária à delegação de poderes. São corriqueiros relatos de
brigas e prisões de PM por usurpação de funções. O conflito em torno
do termos circunstanciados de ocorrência não se limita à necessidade
de melhor atendimento da população ou ao registro de informações
nas bases de dados das polícias. O que está em disputa é o poder de
abrir as portas do Sistema de Justiça Criminal.
Se as delegacias generalistas se destinam a atender à população e
a registrar as ocorrências criminais, as especializadas, como o próprio
nome diz, têm por objetivo investigar crimes específicos. Nelas não há
atendimento direto à população. O principal argumento para criação
dessas unidades é que certos tipos criminais seguem lógicas próprias
e, portanto, requerem rotinas e procedimentos particulares.
Em alguns casos, como nos crimes ambientais e tributários, não é
frequente o recebimento de denúncias da população, o que demanda
uma postura proativa da polícia. Já nos crimes de roubo de veículos e
fraudes, a polícia age de forma reativa. Em ambas as circunstâncias,
as atividades de investigação envolvem grandes esforços na produção
de inteligência, cujas informações não são necessariamente voltadas
para o esclarecimento de ocorrências ou para instrução do processo
criminal. As atividades de investigação das unidades especializadas
concentram-se na busca de informações sobre as rotinas, os contatos
e os negócios dos grupos suspeitos de atividades criminosas. Esse tipo
de tarefa impõe aos policiais a necessidade de contatos próximos com
1 A Polícia Militar de Santa Catarina registra diretamente os termos circunstanciados
de ocorrência desde 1998 e a Brigada Militar do Rio Grande do Sul adota o mesmo
procedimento em alguns municípios.
111
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
pessoas ou grupos criminosos. Sem um sistema de controle e fisca
lização adequado, tais tarefas acabam possibilitando a ocorrência de
casos de corrupção.
Há também as unidades especializadas em investigação de homi
cídios. Diferente das outras de igual perfil, seu trabalho é fundamental
mente reativo, tendo início apenas após a ocorrência do crime. Nelas,
as investigações concentram-se na busca de conhecimentos capazes
de esclarecer aquela morte e na produção de evidências úteis para
a instrução do processo criminal. O trabalho dessas unidades espe
cializadas difere daquele realizado pelas generalistas, envolvendo
atividades que exigem elevado grau de coordenação, capacitação e
experiência. Além disso, as rotinas e protocolos enfatizam a rapi
dez para iniciar a investigação. Na prática, são elas que realizam as
investigações criminais.
O inquérito e a inteligência policial
Uma das principais atividades desempenhadas pelas polícias civis
é a coleta e a gestão de informações. Isso implica alimentar e manter
bancos de dados. Trata-se de trabalho altamente rotinizado e estruturado,
que não se limita à investigação (MANNING, 1988; INNES, 2003;
MINGARDI, 2006, 2007). Ao contrário do que prevê a legislação bra
sileira, nem todas essas informações destinam-se ao inquérito policial
e, portanto, seu uso na instrução do processo criminal não é obrigatório.
Há pelo menos quatro tipos de informações que são largamente utiliza
das pela polícia: i) conhecimento, ii) perícia, iii) inteligência e iv) dados.
O conhecimento refere-se àquelas informações obtidas por meio
de investigação, cuja validade e confiabilidade foram confirmadas pordiferentes fontes. Seu principal objetivo é estabelecer “quem fez o quê,
para quem, quando, onde, como e por quê”. A produção de conhecimento
é, portanto, uma atividade eminentemente reativa, voltada para a instru
ção criminal. Suas atividades, via de regra, têm sido orientadas pela lógica
do controle da criminalidade. Normalmente esse tipo de informação é
obtido a partir de relatos de testemunhas, vítimas, parentes e informan
tes. Sua coleta depende do grau de confiança que a população deposita
na polícia: quanto maior ela é, maior a possibilidade de cooperação das
pessoas com a investigação criminal. Os moradores de bairros em que
as relações entre policiais e comunidade são tensas e conflitivas tendem
a cooperar pouco com as investigações; o mesmo acontece nos lugares
onde eles se sentem inseguros e sem proteção da polícia. Nesses bairros
impera o que os policiais chamam de “lei do silêncio”. Nessas duas situa
ções são poucas as pessoas dispostas a relatar fatos ou acontecimentos
aos policiais. E, dentre as poucas testemunhas que colaboram com eles,
são raras aquelas dispostas a depor diante de promotores e juízes.
Em alguns países a utilização desse tipo de informação tem sido
cada vez mais restringida. De certa forma, isso também tem sido verifi
cado no Brasil. Observamos que as novas gerações do Sistema de Justiça
nacional têm sido cada vez mais relutantes em aceitar inquéritos basea
dos exclusivamente em testemunhos, confissões e delações. Há muitas
dúvidas sobre a legalidade dos procedimentos investigatórios destinados
a obter esse tipo de informação. E isso tem induzido os policiais a bus
carem informações de outras naturezas para fundamentar a investigação.
As perícias têm sido apontadas como as substitutas dos depoimentos
e confissões. Elas podem ser elaboradas a partir de diferentes fontes.
Algumas se originam do material coletado na cena do crime ou outras
locações relacionadas a ele; outras são produzidas a partir de documentos
113
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
contábeis, declarações fiscais e movimentação financeira. Há também as
interceptações telefônicas e de mensagens. Para elaborar laudos periciais
capazes de instruir o processo criminal é necessário que exista uma
estrutura de perícia adequada de coleta e análise. Também é necessário
estabelecer procedimentos que visem a preservar a cena do crime e a
identificar a cadeia de custódia dos materiais e documentos coletados.
Apesar da relevância que as perícias têm assumido nas últimas décadas,
sua estrutura ainda é bastante precária em muitos estados brasileiros.
A inteligência diz respeito às informações de variadas procedên
cias, que podem ser utilizadas pela polícia no planejamento das ações.
Sua finalidade não é necessariamente a instrução do processo crimi
nal, mas sim estabelecer se determinadas pessoas ou grupos estão ou
não engajados em atividades criminosas e tentar preveni-las antes
que ocorram (MAGUIRE, 2000). Com frequência, as operações de
inteligência resultam em prisões em flagrante. Implica dizer que as
atividades de determinadas pessoas ou grupos já vinham sendo moni
toradas há tempos. Dada a indispensabilidade de consideráveis efeti
vos e equipamentos, as atividades de inteligência são, por natureza,
seletivas quanto aos seus “alvos”, exigindo a priorização de objetivos.
Daí porque dizemos que são voltadas para o controle de risco.
Há outro tipo de inteligência, cujo objetivo é monitorar as ativida
des de alguns grupos. Sua justificativa é a necessidade de antecipar as
ações desses grupos a fim de melhorar o planejamento do policiamento
de protestos, greves e ocupações. Atividades dessa natureza despertam
enormes suspeitas, em função dos interesses políticos nelas envolvidos.
É muito difícil delimitar onde termina a vontade de planejamento das
ações e onde começam os interesses daqueles que estão no governo.
Portanto, é preciso enorme controle sobre essa atividade (MARX, 1988).
114
CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL
Idealmente, a produção de inteligência e de conhecimento, por se
basear em lógicas distintas, deveria estar separada. Mas, na prática,
observa-se que frequentemente ambas atividades se confundem,
uma vez que são desenvolvidas pelas mesmas unidades policiais,
numa confusão de objetivos e procedimentos que dificulta sobrema
neira a supervisão e o controle. É necessário distinguir também as
tarefas de inteligência destinadas ao controle da criminalidade daque
las voltadas para a segurança do Estado (CEPIK, 2003; BRANDÃO,
CEPIK, 2013) Pode-se dizer que, no país, a maior parte dessas ati
vidades destinam-se ao monitoramento de grupos que supostamente
ameaçam o Estado. São poucos os recursos policiais empregados
em inteligência de segurança pública para identificar e monito
rar grupos criminosos.
Outra fonte de informações são os dados existentes nas bases da
polícia ou de outras organizações. Além de pessoal especializado na
coleta e sistematização desse tipo de dado, algumas unidades também
contam com analistas que produzem informação útil para o plane
jamento das ações. No Brasil, são poucas as polícias que dispõem
de estrutura e pessoal capaz de alimentar grandes bancos de dados,
bem como extrair deles as informações necessárias a esse planejamento.
É importante notar que, na maior parte das investigações, a fase
inicial dos trabalhos é caracterizada pela pouca quantidade de infor
mações disponíveis. Já na fase final, a situação é oposta, pois há uma
grande quantidade delas a ser processada e analisada (INNES, 2002).
Assim, a fase inicial requer grande volume de investigadores coletando
dados, enquanto a fase final requer poucos profissionais experientes
e especializados para selecionar e analisar as informações mais rele
vantes e determinar a linha de investigação.
115
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Novos padrões da instrução criminal no Brasil
A ideia de que o inquérito policial elaborado a partir de uma
investigação criminal é a principal porta de entrada do Sistema de
Justiça Criminal tem servido à manutenção do mito institucional.
Para desconstrui-lo alguns estudos passaram a analisar o fluxo dos
processos no sistema, buscando analisar os principais gargalos entre
as ocorrências criminais e as sentenças judiciais (COSTA, 2011).
Em 2014, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
realizou o mais amplo levantamento sobre o fluxo da Justiça já feito
no país. Foi realizada uma amostra aleatória dos processos arquiva
dos nas varas criminais de 187 comarcas, localizadas em 9 unidades
da federação: Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará,
Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo.
Os dados foram levantados a partir das informações contidas nos 2.344
processos transitados em julgado no ano de 2011.
Verificando o conjunto dos processos analisados nessa pesquisa,
constatou-se que 57,6% deles foram instruídos por um inquérito instau
rado através da prisão em flagrante dos suspeitos e 33,9%, por inqué
ritos iniciados por portaria. Além disso, em 6,8% os acusados já se
encontravam presos por motivos anteriores ao processo. Por esse
motivo, em 64,4% dos casos analisados não houve investigação.
Outro aspecto importante que deve ser destacado refere-se ao
reduzido número de inquéritos que foram devolvidos pelo Ministério
Público para mais diligências. Em 74,5% dos processos, o MP aceitou
o relatório final elaborado pelo delegado. Portanto, podemos dizer
que os inquéritos que mais frequentemente dão origem a processos
criminais são aqueles que não necessitam de novas investigações.
116
CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL
Isso acontece, como mencionado anteriormente, devido ao elevado
número de prisões em flagrante, que dificilmente são contestadas.2
A pesquisa do IPEA também mostrou que, de modo geral, os inqué
ritos foram instaurados e concluídos por delegacias generalistas (77,4%)
e não por especializadas (22,6%). Ou seja, os IP foram feitos no âmbito
de delegacias cuja competência abrange um número muito grande de
responsabilidades, nas quais geralmente são escassos os efetivos e
meios disponíveis para a realização de investigações criminais.
Isso significa dizer que a maior parte dos processos analisados foi
instruída por inquéritos polícias instaurados a partir de prisões em fla
grante (57,6%). Esses inquéritos, na sua grande maioria, indiciaram ape
nas uma pessoa (89%). Além disso, a maioria dos IP que serviram para
instruir os processos criminais foi concluída por delegacias não especiali
zadas (77,4%), não tendo a polícia de realizar novas diligências (74,5%).
Quanto às sentenças, a pesquisa verificou que 46,8% dos réus
denunciados foram condenados a penas privativas de liberdade e 19,7%,
absolvidos. Também se constatou que 12,2% deles foram condenados
a penas alternativas, outros 6,0% tiveram de cumprir algum tipo de
medida alternativa e 0,2% cumpriram medidas de segurança. Ou seja,
85% dos réus receberam algum tipo de sentença definitiva, enquanto
15% não tiveram sentença de mérito – eles receberam apenas sentenças
terminativas (arquivamento, desistência e prescrição).
O levantamento também apontou que 62,8% dos réus que cum
priam prisão provisória foram condenados a penas privativas de liber
dade e 17,3%, absolvidos. Poucos presos provisórios foram conde
nados a penas alternativas (9,4%) ou tiveram de cumprir medidas
2 A pesquisa foi realizada antes da instauração das audiências de custódia, em 2015.
117
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
alternativas (3,0%). Ou seja, a grande maioria foi sentenciada à pena de
prisão, tendo recebido algum tipo de sentença de mérito apenas 7,2%.
Eles tiveram os processos arquivados por prescrição ou outro motivo.
Já os réus que responderam os processos em liberdade tiveram
maior distribuição dos tipos de sentença: 25,2% foram condenados à
prisão, 23% foram absolvidos e 26,0% foram condenados a penas ou
medidas alternativas. Outros 25,6% tiveram seus processos arquiva
dos ou prescritos.
Constatou-se também que a pena privativa de liberdade é mais
frequente (46,8%). Além disso, verificou-se que 92,8% dos réus que
cumpriram prisão provisória receberam uma sentença definitiva,
ao passo que entre aqueles que responderam o processo em liber
dade, apenas 74,4% chegaram a uma sentença definitiva. Do total de
processos que tinham sido arquivados, 72,5% correram com o réu em
liberdade. A prisão em flagrante transformada em prisão provisória na
fase judicial tem forte influência na produção da sentença.
De acordo com a pesquisa do IPEA, foram raras as denúncias ofe
recidas pelo Ministério Público que tiveram por base uma investigação
criminal. Na maior parte dos casos denunciados não houve efetivamente
esse trabalho porque os acusados foram presos em flagrante (53,7%)
ou já estavam presos por outros crimes (6,3%). Grande parte desses
inquéritos foi concluída por delegacias não especializadas (72%).
A maioria dos inquéritos que resultaram em denúncias foi aceita de
imediato pelo Ministério Público, sendo que em 89% deles havia apenas
uma pessoa indiciada. Os réus, em regra, tinham algum tipo de passa
gem pela polícia, tendo 62,8% deles já recebido algum benefício penal.
Esse padrão de atuação da polícia teve efeitos significativos sobre
a tramitação dos processos criminais, pois foram raros os casos de
118
CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL
relaxamento das prisões provisórias. A maior parte das pessoas presas
em flagrante teve sua prisão provisória mantida durante o processo
(73,3%), cujo tempo médio para os casos de réus privados de liber
dade foi de 21,4 meses. Também se verificou que a manutenção da
prisão provisória na fase judicial teve forte influência na produção
da sentença, pois apenas 17,3% dos réus presos foram absolvidos
ao final do processo.
Essas estatísticas servem para desconstruir outro mito sobre a
investigação criminal. De fato, o inquérito policial é a principal porta
de entrada do Sistema de Justiça, mas não é qualquer um que o ali
menta. Os que de fato abrem as portas são aqueles lavrados a partir
dos autos de prisão em flagrante feitos pelas polícias militares, sendo
poucas as denúncias oferecidas a partir de uma investigação criminal.
A crise das polícias civis
Há entre os policiais civis um sentimento geral de que sua insti
tuição está em crise, com reflexos que se materializam na redução dos
salários, efetivos, orçamentos e prerrogativas legais. Se, por um lado,
os efeitos dessa crise são visíveis, por outro, pouco se tem debatido
sobre suas causas. Algumas delas estão relacionadas ao “mito do inqué
rito policial”, que tentamos desconstruir aqui. A lógica do inquérito--mito acabou por penetrar em todas as funções desempenhadas pela
polícia civil, tornando-se hegemônica. Pois, afinal, numa delegacia de
bairro há várias situações que não precisam resultar necessariamente
no registro de um BO, APF ou TCO. Certamente, a função cartorial
relacionada a esses registros é uma das mais importantes dentro da PC.
Mas ela não é a única: os policiais civis também administram conflitos,
119
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
analisam e encaminham pessoas para outros órgãos, bem como se
ocupam da proteção dos grupos mais vulneráveis (mulheres, idosos,
crianças, LGBTQIA+ etc.). Entretanto, é essa lógica que predomina
nas delegacias de bairro.
O inquérito-mito também torna os saberes jurídicos hegemôni
cos dentro da PC, acabando por legitimar a existência uma carreira de
delegados-bacharéis em direito, que ocupam os principais cargos de
chefia na instituição. Isso acaba por gerar uma série de conflitos entre as
diferentes carreiras que compõem a polícia civil. Para alguns, o problema
se resumiria à figura delegado, o que parece um equívoco, pois toda
e qualquer organização precisa de pessoas para ocupar os cargos de
comando. Assim, a questão não é a chefia, mas os saberes que predo
minam nela, uma vez que os saberes jurídicos, embora hegemônicos,
não são os únicos necessários ao trabalho dos policiais civis. Este requer
também alguns conhecimentos de psicologia, administração, orçamento,
tecnologia, constituindo aquilo que podemos chamar de saberes policiais.
O princípio da obrigatoriedade do inquérito-mito exclui a possi
bilidade de reconhecimento da discricionariedade que, de fato, existe
na PC. E sem esse reconhecimento não é possível limitá-la e estruturá--la: a ideia de accountability só faz sentido quanto relacionada à noção
de discretion, e vice-versa. Sem discricionariedade, não há controle,
mas sim proibição. Isso acaba por inviabilizar a existência de uma
política criminal coerentemente articulada com o Ministério Público.
Além disso, o inquérito-mito afeta a atividade de investigação,
uma vez os trabalhos necessários para uma efetiva investigação,
como a coleta e a análise de informações, ganham um caráter secundá
rio vis-à-vis a elaboração formal do inquérito policial. Nele prevalece
a lógica de tratar cada crime individualmente, o que contrasta com as
120
CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL
abordagens mais recentes de investigação orientada por inteligência,
que requer análise de vários casos e capacidade de coordenação e articu
lação de ações. Assim, até mesmo as delegacias especializadas destinam
poucos recursos à produção de inteligência e à coordenação de ações.
Aquilo que chamamos de investigação, seus objetivos, seus méto
dos e suas rotinas, tem mudado profundamente ao longo da história.
Em boa medida, essas transformações resultaram das mudanças polí
ticas e das suas consequências sobre o processo criminal. Portanto,
para entender suas mudanças historicamente é necessário compreender
o contexto político, social e cultural no qual a investigação se insere
(COSTA, OLIVEIRA, 2016).
O inquérito policial foi instituído em 1871, tendo se mantido, desde
então, como mito legitimador das práticas da polícia civil. O problema
não está na existência do mito em si, pois todas as organizações com
plexas precisam de um (MEYER, ROWAN, 1977). A questão reside
na necessidade de atualizá-lo à realidade política e social. Apesar da
redemocratização, a partir de 1985, o inquérito-mito não foi atuali
zado, gerando as distorções que apontamos aqui. O resultado dessas
distorções foi o estabelecimento de um padrão de instrução criminal
baseado principalmente na prisão em flagrante, cujo protagonismo
principal cabe à polícia militar. É interessante notar que isso acontece
justamente na emergência do regime democrático, cujos pressupostos
incluem o direito ao devido processo legal (due process of law). O que
significa dizer que a punição deve passar obrigatoriamente pelo Sistema
de Justiça Criminal, cuja principal porta de entrada é a polícia civil.
121
CAPÍTULO 4
Antigos atores e novas configurações
A baixa capacidade das Secretarias de Segurança Pública para
coordenar redes de políticas públicas e o baixo grau de especialização
das polícias são obstáculos à melhoria das condições de governança
neste campo. Isso é resultado da forma como essas organizações se
desenvolveram ao longo do século XX. Ao contrário das expectati
vas, a emergência de uma nova ordem política, a redemocratização
do Brasil, iniciada em meados da década de 1980, não mudou esse
quadro. A Constituição Federal de 1998 manteve praticamente inalte
rada a estrutura da segurança pública. Entretanto, não é só o peso do
passado que dificulta melhoria da capacidade de governança das redes
de políticas públicas. A mudança dos papéis de outros atores ligados
ao campo tornou a configuração mais complexa ainda.
A Nova República marcou o início de profundas transformações
na área, mas, diferentemente de outros períodos, foram raras as expe
rimentações institucionais, como a criação de novas polícias, novos
órgãos do Sistema de Justiça Criminal e novas instituições prisio
nais. As principais mudanças ocorridas referem-se à reconfiguração do
campo, uma vez que alguns atores antigos, como o Ministério Público,
sofreram profundas transformações, ampliando seus poderes e prer
rogativas. Outros atores, como a União e os municípios, passaram a
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
buscar maior protagonismo. Dentro das polícias, o surgimento de sin
dicatos e associações tem alterado profundamente a relação de poder
entre as diferentes carreiras da segurança pública.
Na esfera da sociedade civil também se verificou o surgimento de
novos protagonistas: associações civis e grupos de pesquisa dedicados
aos temas e problemas do setor. Associados ao desenvolvimento das
tecnologias de informação, esses novos atores têm mudado radical
mente o enquadramento que a mídia usa para cobrir os problemas de
violência e criminalidade.
Todas essas transformações alteraram bastante as mentalidades
que regiam o funcionamento da Justiça Criminal e o balanço de pode
res entre os atores que compõem da segurança pública. Nas próximas
seções descrevemos essas mudanças, mostrando como elas afetaram
a governança do campo.
Ministério Público: novas funções, mesma estrutura
O Ministério Público que conhecemos hoje é bastante diferente
daquele que existia nos anos 1980. A Constituição alterou significati
vamente suas funções e prerrogativas, dotando o MP de independên
cia funcional, administrativa e financeira. O órgão também não pode
ser extinto ou ter suas atribuições transferidas para outra instituição.
Os procuradores e promotores têm as mesmas garantias da magistratura,
como a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.
Ao longo do século XX, coube tradicionalmente ao Ministério
Público duas funções principais: fiscalizar a aplicação da legislação e
iniciar a ação penal pública. Como fiscal da lei, cabe ao órgão acompa
nhar a sua aplicação em processos civis e administrativos; como titular
124
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
da ação penal pública, deve denunciar pessoas pelo cometimento de
crimes previstos na legislação brasileira. Nesses casos, compete exclusi
vamente ao MP desenvolver a acusação no processo criminal. Apenas de
modo subsidiário a vítima ou seu representante pode atuar nesse tipo de
processo. Além dessas funções, a Constituição deu-lhe outras, como o
controle externo da atividade policial, a supervisão da execução da pena
privativa de liberdade e a proteção e garantia dos direitos difusos.
Assim, o Ministério Público que emergiu ao final da década de
1980 é uma instituição suis generis, uma vez que sua atuação trans
cende a seara criminal. Se comparado com outros países de tradição do
civil law, o MP brasileiro é extremamente poderoso, posto que possui
enorme autonomia face ao Executivo, além de garantias e prerroga
tivas típicas da magistratura e funções que extrapolam a alçada da
ação penal (PAES, 2010). Assim, não há dúvida de que o Ministério
Público foi a instituição do campo da segurança pública que ganhou
mais poderes com a promulgação da Constituição, em 1988.
A despeito dessa ampliação de poderes, sua estrutura interna seguiu
quase inalterada sendo regida por três princípios: i) unidade; ii) indivi
sibilidade e iii) independência funcional. Pelo princípio da unidade os
procuradores e promotores integram um só órgão, equivalendo a manifes
tação de qualquer membro ao posicionamento de todos os outros. O prin
cípio da indivisibilidade assegura que os promotores não precisam ficar
vinculados aos processos em que atuam. O princípio da independência
funcional garante autonomia de atuação para cada membro, que não está
obrigado a sujeitar-se às ordens de superiores hierárquicos do próprio
Ministério Público ou de outra instituição (MACHADO, 2014).
A estrutura derivada desses princípios é extremamente ineficiente,
desarticulada e possui baixo grau de governança. Posto que todos os
125
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
membros podem se manifestar juridicamente em nome do MP, não há
um órgão único, mas sim inúmeras ilhas que formam um arquipélago
pouco conectado. Além disso, uma vez que não existe um promotor natu
ral do processo, são frequentes as trocas de promotores ao longo da ação
penal. Dado que os promotores não são obrigados a seguir diretrizes sobre
o padrão de provas necessárias à denúncia, a independência funcional
constitui-se sério obstáculo à governança interna do Ministério Público.
Assim, não há um padrão (ou jurisprudência) sobre o enquadramento legal
de um determinado crime, tampouco diretrizes de quais crimes devem
ter tratamento prioritário. Na prática, os promotores só têm o dever de
informar e fundamentar os seus atos, podendo decidir quase exclusiva
mente a partir da sua interpretação da lei. Desse modo a hierarquia interna
é frágil e apenas considerada para atos administrativos e protocolares.
Para tentar superar os problemas de governança, alguns MP têm
criado órgãos de coordenação e articulação de ações. O Ministério Público
Federal, por exemplo, criou um conselho superior, destinado a estabelecer
critérios para promoções, distribuições de inquéritos e elaboração orça
mentária. O MPF também criou câmaras de coordenação e revisão volta
das para a coordenação, integração e revisão da atuação funcional dos seus
membros. A despeito da sua importância, essas inovações têm esbarrado
nos princípios que norteiam a estrutura do Ministério Público. Na prá
tica, tanto os conselhos superiores quanto as câmaras de coordenação e
revisão não têm poderes para submeter seus membros às suas diretrizes.
Essa nova configuração tem gerado enorme desarticulação entre
as instituições que compõem o Sistema de Justiça Criminal. A seguir
descrevo três problemas que dela derivam: i) baixa efetividade da
Justiça Criminal, ii) impossibilidade de formulação de uma política
criminal e iii) precariedade no controle externo da atividade política
criminal e iii) precariedade no controle externo da atividade policial.
126
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
A baixa efetividade da persecução penal
A efetividade do Sistema de Justiça Criminal pode ser medida pela
relação entre o número de crimes denunciados pelo Ministério Público
e o número de condenações determinadas pela Justiça. No Distrito
Federal, por exemplo, apenas 32% das denúncias de homicídios apre
sentadas em 2004 resultaram na condenação dos réus. Ou seja, do total
de casos de homicídios em que os promotores julgaram haver provas
suficientes para a denúncia, em menos de um terço houve condenação.
Isso acontece devido a alguns fatores institucionais. Primeiro, na estru
tura do órgão não há nenhum mecanismo que incentive a cooperação entre
policiais e promotores nos trabalhos de investigação. Como sabemos,
o promotor é o “titular da ação penal” e, portanto, tem autonomia para jul
gar se os fatos relatados no inquérito policial devem ou não ser denuncia
dos. Isso implica dizer que promotor e delegado podem divergir sobre os
aspectos jurídicos dos casos apresentados. O mesmo acontece com o juiz
criminal, que pode divergir da interpretação do delegado e do promotor
e decidir não pronunciar o(s) acusado(s). O problema tende a se agravar
na medida em que promotores e delegados agem de forma desarticulada.
Segundo, de acordo com o princípio da indivisibilidade, não há
a figura do promotor natural do processo. Assim, as constantes trocas
desses agentes afetam a efetividade da Justiça Criminal, dado que cada
membro do MP pode interpretar as provas existentes nos inquéritos
policiais de forma distinta. Não são raros os casos em que um promotor
sugere ao juiz o arquivamento do processo por discordar da denúncia
inicial feita por outro colega.
Essa situação é agravada quando alguns membros seguem o prin
cípio “em dúvida, pró sociedade”. Ou seja, mesmo sem as provas
127
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
necessárias e suficientes para condenação, alguns promotores apre
sentam denúncias na expectativa de que ao longo do processo sur
jam novos elementos probatórios. Se isso não ocorrer, pede-se o
seu arquivamento. Obviamente essa prática contraria o princípio da
“presunção de inocência”, ou seja, ninguém é considerado culpado a
menos que se prove o contrário. Aqui vale a ideia de que mesmo sem
provas alguém pode ser culpado.
Finalmente, percebe-se uma grande desconfiança por parte dos
integrantes do Ministério Público e juízes com relação aos procedimen
tos de investigação adotados pela polícia. São frequentes as denúncias
de violências e arbitrariedades cometidas pelas polícias. Além disso,
ainda são frágeis os mecanismos de controle da atividade policial,
sendo poucos os estados que possuem procedimentos operacionais
padrão (POP) para a investigação. As Corregedorias de Polícia Civil
e os Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial do Ministé
rio Público, via de regra, concentram-se apenas na fiscalização dos
aspectos formais do inquérito, dando pouca atenção às práticas sociais
relacionadas à investigação. Juízes e promotores tendem a desconfiar
das provas produzidas pela polícia, especialmente das testemunhas e
dos depoimentos apresentados nos inquéritos. O resultado disso é uma
cultura do “denuncismo”, que privilegia o oferecimento de denúncias
sem que exista qualquer mecanismo de controle sobre sua efetividade,
posto que os membros do MP têm enorme independência funcional.
A impossibilidade de formulação de uma política criminal
Os estudos mostram que tanto delegados quanto promotores esta
belecem critérios para selecionar as ocorrências e os inquéritos que
128
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
merecerão atenção. Sem essa seleção de casos, o funcionamento do Sis
tema de Justiça Criminal seria muito mais caótico do que parece hoje.
Ocorre, porém, que essa seletividade é feita sem atender a uma política
criminal ditada pela direção-geral das polícias civis, pelo procurador--geral de Justiça ou pelas Secretarias de Segurança Pública.
Isso ocorre em função de dois aspectos. Primeiro, a legislação
brasileira obriga a instauração de inquérito policial sobre todas as
notícias-crime. Entretanto, sabemos que na prática não é bem assim
que acontece numa delegacia de polícia. Como já mencionado neste
livro, nem todas as notícias de crime se convertem em boletim de ocor
rência, assim como nem todos os BO são transformados em inquéritos
policiais. Fatores ligados à repercussão do crime e ao status social
das vítimas contribuem significativamente para a instauração dos IP.
De forma geral, porém, a lógica de seleção dos casos refere-se muito
mais à necessidade que os delegados e agentes de polícia têm de
administrar sua demanda de trabalho.
Segundo, dada a falta de diretrizes institucionais sobre como pro
ceder à seleção dos casos, frequentemente os crimes priorizados pelos
delegados não coincidem com aqueles escolhidos pelos promotores.
Em suma, existem diferentes filtros na Justiça Criminal, que seguem
lógicas distintas, tendo como resultado a ausência de uma política
criminal coerente.
A precariedade do controle externo da atividade policial
Dentre as novas funções atribuídas ao Ministério Público está o
controle externo da atividade policial. Embora tenha sido uma demanda
dos promotores, essa função nunca chegou a ser priorizada pelo órgão,
129
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
ao menos no que se refere ao seu prestígio e número de promotores dedi
cados a ela. Em 2015, uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos
de Segurança e Cidadania (CESeC) mostrou que os próprios membros
do MP avaliavam como insatisfatória a sua atuação na área de controle
externo da polícia: 88% dos promotores e procuradores não a viam
como prioritária para a entidade e 70% não se envolviam nem exclu
siva nem parcialmente nessa área. Ademais, 42% dos seus integrantes
reconheciam que o desempenho do órgão no controle externo da polí
cia era ruim ou péssimo e outros 35% o consideravam apenas regular
(LEMGRUBER, MUSUMESI, 2017).
Na prática, esse controle tem sido exercido por duas instân
cias: i) pelos Núcleos de Controle Externo da Atividade Policial e
ii) pelo Ministério Público Militar (MPM). Nem todos os MP estaduais
possuem Núcleos de Controle da Atividade Policial (NCAP), e mesmo
onde eles existem, se resumem quase exclusivamente ao controle for
mal dos inquéritos policiais. Além disso, um dos principais problemas
apontados pelos membros desses núcleos é a ausência de estímulos
para integrá-los e a dificuldade em encontrar promotores de justiça
com interesse em participar deles. Por esse motivo, as promotorias que
fazem parte dos NCAP foram basicamente ocupadas por promotores de
justiça adjuntos (MACHADO, 2011). Nos casos dos MPM estaduais,
há enormes dificuldades para exercer de fato o controle externo da ati
vidade policial. O foco principal desse órgão são as normas, os regula
mentos e os procedimentos internos das polícias militares. Pouca ênfase
é dada às relações entre os policiais e os cidadãos. Tampouco há locais
específicos de atendimento ao público para receber queixas.
A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Ministério Público
a responsabilidade exclusiva pelo controle externo das atividades
130
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
policiais. Isso tem dificultado que outros órgãos também exerçam
essa função, especialmente as ouvidorias de polícia, que é uma ten
dência mundial – nos EUA, Canadá e Inglaterra os primeiros civilian
control review boards foram criados na década de 1960. Mas foi a
partir dos anos 1980 que esses órgãos de controle externo se disse
minaram. Inicialmente os ouvidores eram malvistos pelos policiais,
mas com o tempo eles passaram a cooperar (SKOLNICK, FYFE,
1993; MENDEZ, 1999; GOLDSMITH, LEWIS, 2000).
A estrutura e a capacidade desses órgãos têm variado bastante.
Algumas ouvidorias apresentam uma ligação bastante próxima com as
instituições policiais, como, por exemplo, a ouvidoria de Los Angeles
(EUA); outras são totalmente desvinculadas do sistema policial, pos
suindo autonomia financeira, administrativa e equipe própria de inves
tigadores, caso das províncias canadenses do Quebec e Ontário.
Quanto ao aspecto político, alguns órgãos de controle externo têm
seus diretores eleitos diretamente ou nomeados pelos parlamentos,
como o Police Complaints Authority inglês; noutros seus diretores
são indicados pelo chefe do Poder Executivo. Há ainda ouvidorias de
composição mista (policiais e civis), como, por exemplo, Nova York.
Com relação às prerrogativas de cada órgão, alguns podem punir poli
ciais e decidir por mudanças institucionais no treinamento e códigos
de conduta, como a polícia de Toronto; outros podem apenas fazer
recomendações ao chefe de polícia, caso de Los Angeles (LAPD).
Apesar da enorme variação das ouvidorias, sua criação significou um
passo importante para o controle da atividade policial.
No Brasil, essa é uma exclusividade do Ministério Público, o que
tem impedido a estruturação das ouvidorias. Em 2013, só 18 esta
dos possuíam órgãos de controle externo da polícia, dos quais 16
131
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
não tinham autonomia política, financeira e administrativa, enquanto
em 11 os ouvidores não tinham mandato fixo. Em 16 unidades as
ouvidorias estavam vinculadas às Secretarias de Segurança Pública
(LEMGRUBER, MUSUMESI, RIBEIRO, 2014).
O governo federal e a indução de políticas públicas
Ao longo do século XX, no Brasil, questões relativas à segurança
pública foram tratadas essencialmente como responsabilidade dos
governadores. É bem verdade que a maior parte do trabalho é rea
lizada pelas polícias civis e militares estaduais. O tema, entretanto,
não é apenas de responsabilidade dos estados, uma vez que o exercício
e a divisão do trabalho policial são disciplinados pela Constituição
Federal. Além disso, a atividade também é condicionada pelo direito
penal e processual penal, assuntos de competência exclusiva da União.
As polícias sempre foram instituições centrais para pensar as auto
nomias estaduais ou a concentração de poderes no governo federal.
Na história republicana brasileira, o sistema policial acompanhou as
oscilações da federação. Essas instituições ora estavam submetidas
ao poder central, ora gozavam de grande autonomia, significando a
garantia da liberdade das elites políticas subnacionais. Formam raros,
porém, os casos de cooperação intergovernamental na área. Em boa
medida, isso se deveu à relutância dos governos centrais em criar
mecanismos institucionais de incentivo a essa cooperação.
A estrutura do campo da segurança pública no país tem sido caracte
rizada por uma forte concentração de recursos e competências no plano
estadual, pela impossibilidade de as instituições exercerem o ciclo com
pleto de policiamento e pela existência de limites constitucionais à reforma
132
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
das polícias. Essa estrutura secular foi consagrada pelo texto constitucional
de 1988. As principais agências encarregadas do trabalho de polícia são
organizadas e, legalmente, controladas pelas 27 unidades da federação.
Embora algumas dessas agências estejam sob o controle do nível central
e alguns municípios mantenham guardas municipais, dada as limitações
de competências e de recursos a maior parte das tarefas é desempenhada
pelas polícias militares e civis dos estados e do Distrito Federal.
Nos últimos anos verificou-se um aumento considerável das des
pesas governamentais com segurança pública. Entre 2000 e 2015,
elas saltaram de 38,4 bilhões de reais para 81,2 bilhões de reais,
representando um aumento de mais 111% (Gráfico 5.1). Apesar disso,
a sua distribuição quase não foi alterada. Em 2000, os estados respon
diam pela maior parte dos gastos na área (82%). Quinze anos depois,
eles seguiam arcando com 83,3% das despesas, enquanto a União e
os municípios gastavam, respectivamente, 11,1% e 5,6%.
Gráfico 4.1 – Despesas na função segurança pública, conforme
ente da federação,em valores de 2015 (IPCA) – em R$ bilhões.
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
União
Fonte: Peres, Bueno e Tonelli (2016)
Estados Municípios
133
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Esse padrão de relações federativas começou a mudar a partir dos
anos 1990. Diante do aumento alarmante dos índices de criminali
dade, o governo federal viu-se forçado a mudar sua postura, buscando
exercer um maior protagonismo na coordenação das ações e políticas
de segurança pública (COSTA, GROSSI, 2007; SÁ, SILVA, 2012).
Para tanto, em 1995 foi criada a Secretaria de Planejamento de Ações
Nacionais de Segurança Pública (Seplanseg), na estrutura do Minis
tério da Justiça, transformada em setembro de 1997 na atual Secreta
ria Nacional de Segurança Pública (Senasp). A criação da Seplanseg
destinou-se a articular iniciativas relacionadas à área, possibilitando
o incremento da cooperação intergovernamental.
Em junho de 2000, foi anunciado o Plano Nacional de Segurança
Pública (PNSP), cujo objetivo era articular iniciativas de repressão e
prevenção da criminalidade no país. O plano propunha 15 compromis
sos que se desdobravam em 124 ações, envolvendo temas relacionados
ao crime organizado, controle de armas, capacitação profissional e
reaparelhamento das polícias. Apesar dos esforços, o PNSP não logrou
êxito, pois era extremamente ambicioso nos propósitos e vago nas
medidas. Para dar apoio financeiro ao PNSP foi instituído, no mesmo
ano, o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), com a finalidade
de gerir recursos para apoiar projetos de responsabilidade dos governos
federal, estaduais e municipais.
Em 2003 foi lançado o Sistema Único de Segurança Pública
(SUSP), para definir competências e articular as ações das polícias e
outras instituições do Sistema de Justiça Criminal. Em 2007 foi criado
o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci). Este,
diferentemente do FNSP, que se limitava ao custeio de ações no âmbito
das polícias, podia financiar outras instituições estaduais e municipais,
134
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
desde que ligadas à área de segurança pública. Apesar das inovações pro
postas, o SUSP só foi instituído em 2018 e o Pronasci, extinto em 2011.
Em 2004 foi criada a Força Nacional de Segurança Pública,
um programa de cooperação criado pelo governo federal que mobiliza
profissionais da área nos estados. Estes ficam à disposição da União no
Distrito Federal e, além dos salários em suas respectivas unidades fede
rativas, recebem diárias da União, funcionando como uma espécie de
“polícia” a serviço do nível central. A Força Nacional é deslocada para
as unidades estaduais em casos de crises e calamidade pública, desde
que solicitada pelo pelos governadores. Segundo dados do Ministério
da Justiça, no ano de 2015, 1.446 agentes nessa condição estavam
mobilizados em todo o país, a um custo estimado em R$ 184 milhões.
Diferente dos períodos anteriores, a atuação da Senasp tem se pau
tado pelo respeito às autonomias federativas. Assim, seu principal papel
tem sido a indução de políticas públicas e de cooperação intergoverna
mental. O principal instrumento utilizado na busca desse objetivo tem
sido o fomento de ações estaduais e municipais através da transferência
de recursos federais, realizada por meio do FNSP e do Pronasci.
De fato, houve um aumento significativo dos gastos federais com
segurança pública, que saltaram de pouco mais de 5,8 bilhões de reais,
em 2000, para cerca de 9,04 bilhões de reais em 2015, o que signi
f
icou um aumento de 55%. Vale destacar que as despesas da União
nessa área aumentaram consistentemente entre 2002 e 2010, devido à
implementação do Programa Nacional de Segurança com Cidadania.
A partir de 2011, os recursos voltaram aos patamares de 2008, con
forme mostra o Gráfico 5.2.
Quanto à qualidade dos gastos, observou-se que, no geral, os inves
timentos cresceram menos que com pessoal e custeio. Isso se deveu
135
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
ao aumento dos efetivos e à melhoria dos salários dos profissionais
do Departamento de Polícia Federal (DPF) e do Departamento de
Polícia Rodoviária Federal (DPRF). Mais recentemente, verificou--se também um aumento significativo das com a Força Nacional
de Segurança Pública.
Gráfico 4.2 – Gastos da União na função segurança pública –
em R$ bilhões,em valores de 2015 (IPCA).
16
14
12
10
8
6
4
2
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
Fonte: Secretaria de Orçamento Federal
A despeito das mudanças incrementais verificadas, a persistên
cia de alguns problemas tem afetado substancialmente a capacidade
do governo federal de induzir e coordenar ações nessa área (PERES
et al., 2014). Dentre os principais problemas que reduzem sua capa
cidade de governança, podemos destacar: i) a fragilidade da estrutura
da Senasp; ii) a estrutura dos fundos; iii) a fragilidade do Sistema
136
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
Nacional de informações sobre Segurança Pública; e iv) ausência de
marco regulatório e planos nacionais.
A estrutura da Senasp
Nas últimas décadas, vários países fortaleceram a capacidade
dos governos centrais de coordenar e induzir políticas de segurança
pública. Essa tendência pode ser verificada tanto em Estados unitários,
(i.e. Reino Unido, França e Espanha) quanto nos federados (i.e. EUA,
Canadá e Alemanha). Esse fortalecimento não implicou a nacionali
zação do tema ou diminuição das competências dos entes subnacio
nais (estados e municípios). Tratou-se do aumento da capacidade de
governança sobre a área.
Nos Estados Unidos, onde as polícias são majoritariamente muni
cipais, foram criados diversos órgãos federais encarregados da coor
denação e indução de políticas relacionadas à segurança pública. Foi o
caso do Instituto Nacional de Justiça (1968), destinado ao fomento de
pesquisas científicas, da Agência Nacional sobre Delinquência Juvenil
(1974); do Escritório de Estatísticas Judiciais (1979); do órgão federal
para Apoio a Vítimas de Crimes (1988); da agência federal destinada a
induzir a inovação em estratégias de policiamento e gestão das forças
polícias (1994); da Agência Nacional de Violência Contra a Mulher
(1995); de uma agência federal voltada ao combate a crimes sexuais
(2006); e do Departamento de Segurança Interna (2002), para controle
de fronteiras e imigração (KOPITKKE, 2017).
No Reino Unido foram criados o Conselho Nacional de Polí
cias (1996), para a melhoria da gestão do policiamento; a Ouvido
ria Nacional das Polícias (2004), para receber todas as denúncias de
137
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
violência policial; o College of Policing (2012), para de estabelecer
padrões de formação das polícias; o órgão nacional de monitoramento
da remuneração dos policiais (2017); e a Agência Nacional de Pri
sões e Condicionais (2017), voltada para a qualificação dos serviços
de ressocialização prisional. Todos esses órgãos contam com pes
soal e recursos financeiros próprios para desenvolver suas atividades
(KOPITKKE, 2017).
No Brasil, essas atividades estão a cargo da Secretaria Nacional de
Segurança Pública, que em 2017 contava com pouco mais de 50 fun
cionários. Essa fragilidade institucional tem comprometido sobre
maneira os avanços de temas relevantes, bem como a capacidade do
governo federal de induzir e coordenar políticas de segurança pública.
A estrutura dos fundos
A estrutura dos fundos de financiamento do setor também difi
culta bastante a governança em função da sua falta de vinculação,
padronização e condicionalidades. Os recursos não são vinculados
a uma ou mais fontes de receita, gerando descontinuidades no fluxo
de alocação. Desde sua criação, o montante dos recursos alocados no
Fundo Nacional de Segurança Pública tem variado bastante. O auge
dos recursos do FNSP ocorreu em 2007, quando 1,3 bilhão de reais
foram disponibilizados. Nos anos mais recentes, esse fundo foi sendo
paulatinamente esvaziado, atingindo o valor de 377 milhões de reais
em 2015, uma redução de 48% em relação aos 724 milhões de reais
alocados em 2002.1
1 Valores corrigidos pelo IPCA (2015).
138
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
Há problemas também na classificação orçamentária desses gas
tos. Hoje, o modelo de repasses utilizado pelo FNSP implica a reali
zação de convênios entre o Ministério da Justiça e os entes federados.
A ausência de regras de contabilização dos gastos em segurança, entre
tanto, permite que estados e municípios os classifiquem de maneiras
diferentes. Assim, por exemplo, gastos previdenciários e com esco
las e hospitais administrados pelas polícias podem ser classificados
tanto como de segurança como de educação ou saúde. Isso acaba por
enfraquecer a coordenação e gerar ineficiência, além de dificultar a
prestação de contas.
Boa parte dos entes subnacionais dependem dos repasses fede
rais para investir em segurança pública. Em 2010, cerca de 57% de
total dos investimentos estaduais e municipais deveu-se aos repasses
do FNSP e do Pronasci, o que mostra a importância dos recursos da
União para induzir ações. A capacidade, no entanto, tem sido pouco
utilizada. Diferente de outras áreas, como meio ambiente e ciência tec
nologia, o governo federal não aplica condicionalidades aos convênios
no campo da segurança. Desse modo, os recursos são repassados para
apoiar ações sem que se exija a contrapartida de diagnósticos e planos
estaduais que as justifiquem e orientem. Além disso, os convênios são
renovados sem avaliações robustas das políticas adotadas.
Como resultado, o dinheiro tem sido utilizado majoritariamente
sem uma política previamente elaborada para articular as ações finan
ciadas. Em 2007, 86% do total de recursos repassados pela União
aos estados e municípios destinaram-se à compra de equipamentos,
viaturas, armamentos e material de comunicação, bem como à cons
trução de prédios. Somente 3% foram utilizados no treinamento e na
formação dos policiais e apenas 7% foram aplicados na implantação
139
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
de projetos inovadores, como policiamento comunitário, centros inte
grados de segurança e cidadania, ouvidorias de polícia e sistemas de
informações criminais (COSTA, GROSSI, 2007).
O Sistema Nacional de Informações de
Justiça e Segurança Pública
A gestão da informação em segurança pública tem sido um dos
maiores desafios do governo federal. Em função disso, em 1997 foi
criado o Sistema Nacional de Informações de Justiça e Segurança
Pública (Infoseg), cujo objetivo era sistematizar nacionalmente infor
mações sobre as pessoas, veículos e armas. Em 2004, ele foi reformu
lado para poder ser alimentado por uma ampla rede de organizações
e acessado por diferentes tipos de profissionais (policiais, agentes de
trânsito, fiscais e auditores).
A necessidade de formular políticas públicas de segurança fez
com que os gestores federais percebessem que era preciso um sistema
mais abrangente que o Infoseg. Por isso, em 2012 foi criado o Sistema
Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Dro
gas (Sinesp), cujo objetivo era sistematizar e tratar dados e informações
para auxiliar na formulação, implementação, execução, acompanha
mento e avaliação das políticas da área (sistema prisional e execução
penal, enfrentamento do tráfico de crack e outras drogas ilícitas).
Nos últimos 20 anos foram gastos mais de 100 milhões de reais
para implantar o Infoseg e o Sinesp. Apesar dos esforços, contudo,
o Brasil segue sem ter um sistema de informações de segurança pública
estruturado, com dados confiáveis e capazes de orientar as políticas
públicas. O país tampouco dispõe de um órgão capaz de tratar as
140
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
informações e analisar os dados adequadamente (FIGUEIREDO,
2017). E este tem sido um dos principais entraves à implantação de
políticas pública de segurança.
O caso do Programa de Segurança Comunitária do Distrito Fede
ral mostra que projetos inovadores não depende apenas de recursos
f
inanceiros e apoio político. É necessário assessoramento técnico
especializado2. Sem isso, iniciativas promissoras tendem a fracassar,
colocando em descrédito a ideia de inovação em segurança pública.
Embora imprescindível, a capacitação de policiais estaduais em pla
nejamento e gestão de políticas públicas não tem sido suficiente para
melhorar a qualidade dos programas. Pois nem sempre os profissionais
capacitados nesses conteúdos irão ocupar funções de planejamento.
Assim, os estados continuam ressentindo-se da falta de exper
tise para identificar problemas e formular projetos voltados para sua
resolução. Também há enorme dificuldade para construir indicadores
e estabelecer metas de acompanhamento. Nos raros casos em que ini
ciativas inovadoras são avaliadas, a metodologia utilizada é precária.
Via de regra, as avaliações são feitas a partir da simples compara
ção das taxas criminais antes e depois da implantação dos projetos.
Como não há controle sobre a validade interna dessas análises, as pro
postas não podem ser aperfeiçoadas e replicadas em outros estados.
Em resumo, não basta que o governo federal financie a compra de
armamentos, viaturas e equipamentos; cabe a ele induzir reformas
e apoiar a inovação em segurança pública. Para isso, é necessário
criar um órgão ou departamento específico para assessoria técnica
aos entes federados.
2 Ver capítulo 2.
141
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Ausência de marco regulatório
No Brasil, a União tem tradicionalmente induzido a cooperação
entre os atores envolvidos em diversas áreas de políticas públicas.
Na de saúde, por exemplo, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)
foi um marco. O mesmo pode ser dito com relação ao Sistema Único
de Assistência Social (SUAS) para as políticas de seguridade social.
Na educação, a reforma iniciada na década de 1990, com a criação
do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamen
tal e de Valorização do Magistério (Fundef), que continuou nos anos
2000, com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educa
ção Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb),
inovou ao criar um sistema de recursos para repasses entre as três
esferas de governo.
Diferentemente dessas áreas, porém, a da segurança pública não
conta com um marco regulatório capaz de fomentar cooperação entres
os entes federativos (União, estados e municípios) e os poderes da
República (Executivo, Legislativo e Judiciário). Até 2018 não existia
algo parecido com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB),
com a Lei 8.080, que regulamentou o SUS, ou a Lei Orgânica da Assis
tência Social (Loas). Assim, temas como cofinanciamento, sistema de
informações, formação e treinamento, participação social e controle
da atividade policial seguem sem regulamentação.3
O principal marco regulador da área é a própria Constituição
Federal de 1988. Apesar de ter alterado os princípios norteadores da
segurança pública, vários de seus capítulos e artigos ainda não foram
3 Em 2018, foi aprovada a lei do SUSP, que ainda precisará ser implantada.
142
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
regulamentados, o que permite a manutenção de práticas autoritárias.
O atual texto constitucional apenas reafirma os papéis das organizações
policiais que existiam na década de 1980. Ao fazer isso, a Constitui
ção reforçou, indiretamente, o modelo que ela mesma buscou romper
quando consagrou os direitos civis sociais, como direitos fundamen
tais (LIMA, 2011, 2018). Em suma, a estrutura do campo não foi
alterada pela ordem constitucional. Ela tampouco tratou de reduzir
os antagonismos que marcam o nosso Sistema de Justiça Criminal,
incluídas as polícias, o Ministério Público e o Judiciário. Além disso,
novos conflitos foram criados com a previsão da Constituição para que
os municípios participassem da formulação e execução das políticas
de prevenção à violência.
O município e a segurança pública
Um dos fenômenos mais emblemáticos das últimas décadas foi
o aumento da participação dos municípios na segurança pública.
Entre 2000 e 2015 verificou-se um crescimento de 327% no total de gas
tos na área, que saltaram de cerca de 1,1 bilhões reais para 4,5 bilhões
de reais (Gráfico 5.1). Essa participação, entretanto, varia significati
vamente de acordo com os estados. No ano de 2016, em alguns deles
mais da metade das cidades realizou despesas na área – por exemplo,
Santa Catarina (84%), Goiás (77%) e Minas Gerais (68%). Noutros,
como Rio Grande do Norte (5%), Paraíba (5%) e Amapá (6%), o per
centual foi baixo (FBSP, 2017).
Esse aumento deve-se a dois fatores. O primeiro, à mudança da
percepção do eleitorado com relação à responsabilidade pela segu
rança pública. Até a década de 1990, questões relativas ao setor eram
143
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
tratadas essencialmente como obrigação dos governadores. A partir dos
anos 2000 esse quadro começou a se alterar. Em 2002, uma pesquisa
do Instituto Datafolha apontou que, para o eleitorado, os governos
municipais (27%), estaduais (30%) e federal (32%) eram igualmente
responsáveis pela segurança dos cidadãos, aumentando, nesse sen
tido, a cobrança da sociedade por maiores investimentos, reforma
nas estruturas das polícias e implantação de políticas públicas mais
eficientes. Com relação à União, esperava-se maior participação na
gestão da segurança pública.
Segundo, houve uma forte indução federal para que os governos
municipais se engajassem mais no tema. No mesmo ano, o Fundo
Nacional de Segurança Pública (e mais o Pronasci) passaram a trans
ferir recursos para aquelas cidades que contassem com estruturas
administrativas voltadas para a área. O resultado foi o aumento sig
nificativo do número de guardas municipais – em 1980, pouco mais
de 120 municípios contavam com essas estruturas, um número baixo
se comparado às quase 1.900 existentes em 2005 e mesmo às 1.081,
em 2015 (Gráfico 4.3).
A Constituição estabeleceu que esses entes “[...] poderão consti
tuir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e
instalações, conforme dispuser a lei” (BRASIL, 1988, Art. 144, § 8º).
O que se verifica na prática, contudo, é uma disputa para ampliação
do mandato, organização e atribuições dessas forças de segurança.
De forma geral, as associações de policiais tentam impedir o “alarga
mento” das guardas municipais, ao passo que os guardas reivindicam
o status policial. Essa disputa identitária ganha concretude quando se
discute a possibilidade de os GM portarem armas.
144
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
Gráfico 4.3 – Evolução das guardas municipais no Brasil, 1980-2015.
2000
1800
1600
1400
1200
1000
800
600
400
200
0
1980
1985
1990
1995
Fonte: Pesquisa MUNIC/IBGE, 2015
2000
2005
2010
2015
Analisando as guardas brasileiras, podemos distinguir pelo menos
três funções desempenhadas por elas (VARGAS, OLIVEIRA, 2010;
MISSE, BRETAS, 2010). Algumas seguem o modelo de guarda patrimo
nial, com atribuições bem delimitadas: defesa do patrimônio e do espaço
público, além de proteção dos estabelecimentos municipais. Outras atuam
como se fossem forças públicas dos municípios, assumindo as funções
de policiamento ostensivo, de modo a substituir outras organizações
policiais. Elas realizam o patrulhamento das ruas, buscando aplicar a lei
aos comportamentos desviantes. Há também as guardas que atuam como
força apaziguadora, utilizando seu poder de polícia para administrar con
f
litos, prevenir crimes e solucionar problemas colocados pela população.
As atividades de repressão são raras e controladas.
Quanto à organização, embora os governos municipais tenham
liberdade para estruturar suas guardas da forma que acharem con
venientes, na prática eles seguem o modelo organizacional das polí
cias militares. Isso se deve aos processos de mimetismo a que essas
145
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
instituições foram submetidas. Em muitos casos, os primeiros coman
dantes das GM foram oficiais das PM, e acabaram por copiar as car
reiras, os manuais e os protocolos utilizados pelas suas organizações
de origem (OLIVEIRA, ALENCAR, 2016).
O papel dos municípios na segurança pública não se resume à
existência das guardas municipais. Há cidades que desenvolvem polí
ticas sociais de prevenção de violências, tendo algumas delas sido
relativamente bem-sucedidas, como em Canoas (RS), Diadema (SP)
e Lauro de Freitas (BA). Independente da forma como os governos
municipais têm atuado nessa área, sua participação se dá, como já dito,
num contexto de inexistência de marco regulatório que defina clara
mente as atribuições e prerrogativas dos entes federados. O resultado
disso é uma atuação descoordenada e desarticulada entre municípios,
estados e União.
O sindicalismo policial
Há 30 anos, na maioria dos países, os chefes e comandantes de
polícia tinham poderes quase ilimitados sobre seus subordinados.
Com o surgimento dos sindicatos e associações de policiais, esse qua
dro mudou radicalmente. Hoje, em muitos lugares o poder desses
dirigentes diminuiu consideravelmente, sendo constrangido pela ação
sindical, que exerce influência cada vez maior dentro das corporações
(MARKS, 2007).
O surgimento desses novos atores reconfigurou de modo signi
f
icativo o campo da segurança pública. Eles possuem suas próprias
agendas e frequentemente se opõem a novas políticas e programas,
deixando claro que qualquer ação pública de segurança precisa contar
146
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
com sua anuência. Iniciativas como a contratação de funcionários
civis, cooperação com organizações não governamentais e a adoção de
metas de desempenho têm encontrado grande oposição dos sindicatos.
O discurso gerencial, inspirado nos princípios da nova gestão pública,
tem servido para distanciar ainda mais superiores e subordinados,
reforçando o papel sindical. Sua importância é tamanha que alguns
estudiosos têm sugerido que o sindicalismo deveria ocupar o centro das
análises sobre reformas nas polícias (O’MALLEY, HUTCHINSON,
2007; WALKER, 2008).
O processo decisório dentro de uma organização dessa natureza
tornou-se tão complexo, com novos conflitos e tensões, que não pode
mais ser operado sob uma estrutura altamente militarizada e burocrá
tica. A ideia de que os comandantes representam seus subordinados em
todos os aspectos, inclusive nas demandas trabalhistas, passou a ser
bastante questionada pelos comandados, pois a relação entre superiores
e subordinados é bastante diferente daquela que envolve as polícias e
as Forças Armadas. Nas organizações policiais, os comandantes não
dirigem diretamente as atividades dos seus comandados. São raras as
situações em que o superior hierárquico toma parte direta na ação.
E mesmo nestes casos, sua participação dificilmente irá mudar o curso
da ação. Seu papel se limita a fornecer algumas orientações gerais e
supervisionar os trabalhos para que não haja erros ou problemas.
Exatamente por isso, nas polícias militares, não raro, os supe
riores encarregados de supervisionar esses trabalhos são vistos com
desconfiança pelos subordinados. E, portanto, os tipos de vínculos de
lealdade estabelecidos são bastante diferentes daqueles observados nas
organizações militares. Em muitas polícias, essa desconfiança muitas
vezes permeia as relações internas. E, com frequência, para ganhar
147
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
a confiança de seus subordinados, os superiores precisam se motrar capazes de contornar seus pequenos erros e desvios de conduta.
Ou seja, enquanto o apego às normas internas é pressuposto para a
construção de lealdades entre os militares, a capacidade de contorná-las
é essencial para as relações entre os policiais. E foi por esses motivos
que algumas organizações policiais militarizadas passaram a permitir
a sindicalização dos seus membros. É o caso, por exemplo, da gen
darmaria francesa, que criou seu sindicato em 2015.4
Desde o final da década de 1980 observa-se o acirramento dos
conflitos entre os superiores (oficiais) e os subordinados (praças) nas
PM brasileiras. É bem verdade que tais conflitos não são novidade no
campo da segurança pública, uma vez que quase todas as polícias do
país possuem carreiras com processos seletivos distintos, além plano de
cargos e salários diferentes. Entretanto, durante os 21 anos do regime
militar (1964-1985) essas tensões eram ocultadas pelas estruturas poli
ciais hierárquicas e disciplinares, pelo sufocamento dos canais de par
ticipação política e pela incapacidade do sistema jurídico de garantir os
direitos civis, sociais e políticos dos cidadãos, incluindo os policiais.
A redemocratização acentuou essas tensões. A Constituição de
1988 conferiu status legal de militar para os PM estaduais, com suas
implicações quanto aos direitos previdenciários e trabalhistas. No que
diz respeito à previdência, a propósito, os policiais militares têm direito
à aposentaria especial, como os militares das Forças Armadas. Mas,
por serem militares, eles não podem se sindicalizar e fazer greves.
Apesar da vedação à sindicalização, os PM têm constituído associa
ções e outros coletivos para reivindicar direitos. Esses grupos são
4 Ver https://www.gendxxi.org.
148
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
quasi-sindicatos e demandam o fim do militarismo nas polícias, o que
significaria, via de regra, acabar com os códigos disciplinares, criar
um plano de carreiras, melhorar os salários e valorizar a profissão.
As diferenças entre ambas as carreiras agravam os problemas asso
ciados à disciplina militar. Algumas polícias ainda mantêm os antigos
códigos disciplinares elaborados durante o regime militar. Na prática,
esses códigos são aplicados de maneira desigual aos oficiais e praças.
E são inúmeros os relatos de arbitrariedades e desmandos.
A existência de diferentes planos de carreiras e de regras de promo
ção também causam grandes tensões dentro das polícias. Geralmente a
carreira dos oficiais tem grande fluidez, enquanto as promoções de
praças são demoradas. O tempo médio para alcançar o posto de sub
tenente, em alguns casos, chega a ser o dobro do necessário à pro
moção ao posto de coronel. Isso tem gerado tamanha desmotivação
que muitas praças se aposentam por falta de perspectiva na carreira.
Exatamente por isso algumas associações que representam essa cate
goria demandam novos planos de carreira.
No que se refere aos salários, em alguns estados a remuneração
dos coronéis chega a ser até dez vezes superior aos vencimentos rece
bidos pelos sargentos. Essa grande diferença salarial existe porque,
diferentemente do que ocorre nas Forças Armadas, o salário de ofi
ciais e praças não estão vinculados. Assim, nos momentos de reajuste
salarial, os percentuais de aumento dos oficiais com frequência são
superiores aos concedidos às praças. Isso tem causado grandes confli
tos e desconfianças dentro das organizações policiais. Esse quadro tem
levado a várias greves que, via de regra, opõem ambas as carreiras.
Diferente de outras categorias profissionais, a pauta de reivin
dicações não é definida no âmbito de um único sindicato. Não raro,
149
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
ela é objeto de conflito entre os diversos grupos que representam
os policiais. Obviamente isso tornou o processo de negociação entre
governantes e policiais extremamente complexo e demorado.
Como esses profissionais não têm direito à greve, os movimentos
paradistas não são regulados pela justiça do trabalho, que por isso não
pode estabelecer percentuais mínimos de atividades e mediar as negocia
ções. Essas situações, de acordo como a legislação, são de competência
da justiça militar, geralmente bastante relutante em enquadrar essas
paralizações como motins. Por não ter regulação nem enquadramento
jurídico, essas greves tornam-se com frequência bastante radicais.
Assim, é comum que essas paralizações tragam pânico à popula
ção e resultem em crise de governo. Ao final das greves, tudo parece
voltar ao normal: o pânico se dissipa e as negociações chegam a um
bom termo. Normalmente os policiais punidos são anistiados, sendo
algumas das suas lideranças eleitas nos pleitos legislativos seguintes.
Mas também pode haver sequelas. Os governos ficam cada vez mais
reféns dos movimentos paradistas; o medo de uma nova greve conta
mina todas as decisões na área de segurança pública, o que, não raro,
vira moeda de chantagem política.
A mídia e a segurança pública
Nas modernas democracias contemporâneas, as mídias são um
dos principais produtores das representações que orientam as con
dutas dos atores sociais. Ou seja, elas não se resumem a apresentar a
realidade; e também a representa. Assim, para compreender a postura
midiática é necessário analisar a forma como ela produz a realidade,
construindo narrativas que chegam à sociedade na forma de notícias.
150
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
Desse modo, entender como ela processam certas representações sobre
violência, criminalidade e polícia é muito mais interessante do que
desmentir ou confirmá-las (PORTO, 2009).
Notícias sobre crime e polícia sempre ocuparam espaço importante
na mídia. Mas foi só a partir da década de 1950, com o surgimento
da televisão, que esse tipo de texto jornalístico passou a ganhar proe
minência em todos os meios de comunicação. Como sugeriu Patrick
Champagne (1993), as mídias se alimentam das mídias, logo, a hege
monia televisiva não age apenas sobre os telespectadores comuns,
mas também sobre as demais indústrias midiáticas.
A necessidade da televisão de produzir notícias e imagens rápi
das sobre crimes e violências alterou profundamente a relação entre
a mídia e as polícias. Por um lado, jornalistas e editores tomaram os
policiais como suas principais fontes primárias de informação sobre
crimes, passando a ser dependentes deles. Por outro, as mídias também
se tornaram uma das principais preocupações das polícias. As represen
tações sociais sobre o papel e a atuação policiais tornaram-se assunto
relevante na agenda dos diretores e comandantes (REINER, 1998;
MAWBY, 2002).
Isso ocorreu devido às características do processo de produção
de notícias. Uma boa história, na percepção dos redatores e repór
teres, é aquela que pode individualizar e dramatizar problemas que
ameaçam uma ampla audiência (ERICKSON, BARANEK, CHAN,
1991). A necessidade de criar boas histórias impõe algumas exigências
práticas no trabalho das redações. As informações precisam chegar de
maneira rápida e previamente filtradas. E quem pode fazer isso são os
policiais, especialmente os mais experientes, que sabem quais histórias,
personagens e contexto irão interessar aos jornalistas.
151
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
As lideranças policiais, por sua vez, também passaram a se esfor
çar para construir uma imagem da corporação como fonte essencial de
proteção da população contra ameaças cada vez mais graves. Por trás
dessa representação está a ideia de que a polícia é a principal (senão
a única) responsável pela ordem pública e segurança das pessoas.
Esse tipo de “fetichismo policial”, como descreveu Robert Reiner
(1990), acabou por ocultar a importância de outras instituições, práticas
e costumes na manutenção da ordem social.
Em função da sua crescente importância, desenvolveu-se uma vasta
área de estudos sobre os impactos midiáticos no campo da segurança
pública. Apesar dos esforços acadêmicos, as pesquisas não conseguiram
identificar claramente os efeitos da mídia na vida, seja para incentivar
comportamentos antissociais, seja para aumentar o medo do crime.
Não está claro se ela isoladamente é capaz de gerar condutas agressivas.
Já com relação aos conteúdos, os estudos têm mostrado que a
mídia exerce papel importante sobre o que pensamos a respeito de
outros grupos sociais. As representações midiáticas frequentemente
têm servido para criminalizar e rotular determinadas práticas socio
culturais, como o hip hop, funk, rap e grafite. Esse processo de cri
minalização incide nessas práticas, que passam a ser rotuladas como
ilícitas, imorais e antissociais (FERREL, 1999).
As pesquisas também têm mostrado que a forma como a notícia é
recebida vária de acordo com o grupo social, dependendo da sua capa
cidade de filtrar as narrativas produzidas midiaticamente (BOURDIEU,
1997). Embora a renda e o grau de instrução importem, os estudos
apontam para o local de moradia e as relações de vizinhança como
poderosos filtros noticiosos sobre crime e polícia. Não são as pessoas
mais instruídas, moradoras de bairros de classe média, que têm a
152
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
maior capacidade de crítica sobre notícias dessa natureza. Ao con
trário, são os moradores dos bairros pobres, cuja experiência de vida
permite se contrapor às representações da mídia acerca do seu mundo,
seus vizinhos e familiares. Eles sabem que as histórias narradas nos
noticiários “não são bem assim”.
Além disso, ela desempenha papel relevante na produção do medo
e do pânico. Como mostrou Stanley Cohen (2000), por meio dela,
às vezes um comportamento, um evento ou um grupo passa a ser
definido como um perigo para a sociedade. Arrastões, rolezinhos e
arruaças são estereotipados pela mídia de massa, que produz imagens
impactantes. Editores, bispos, promotores, policiais e políticos, dentre
outras lideranças socialmente prestigiadas, erguem barricadas morais
para a manutenção da ordem social supostamente ameaçada. O tipo
de ameaça e seus resultados podem variar. Às vezes é uma doença,
uma epidemia, um novo vírus. Noutras ocasiões refere-se à delin
quência juvenil, à guerra ao tráfico. Para a maior parte das pessoas,
a ameaça não é vivida; ela é apenas representada.
Mas o que caracteriza os episódios de pânico é a reação despropor
cional a essas ameaças. O risco é midiaticamente super-representado,
difundindo a percepção de que o caos é eminente. Às vezes, ela está
promovendo interesses de certos grupos, classes ou categorias pro
f
issionais; noutras, simplesmente está amplificando um sentimento
difuso de temor.
Apesar de desempenhar papel central na produção desses epi
sódios de pânico, não é a mídia que inventa o medo. Ele refere-se a
medos e preconceitos ancestrais contra certos grupos (negros, gays,
migrantes etc.). Ou seja, já havia um elevado nível de preocupação e
hostilidade em relação ao comportamento de determinado grupo social.
153
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Também já existia certo consenso entre os grupos e pessoas influentes
de que aquele comportamento implicava ameaça real. Os resultados
desses episódios de pânico variam: ora eles passam e são esqueci
dos; ora têm repercussões sérias e duradouras.
Leis são elaboradas para criminalizar novas condutas, aumentar a
pena de certos crimes ou reduzir as garantias legais de determinadas
pessoas. Instituições também podem ser criadas ou reestruturadas,
assim como determinadas profissões podem ser mais valorizadas.
Mas é importante notar que as soluções adotadas não resolvem neces
sariamente o problema, tampouco reduzem o medo e as ansiedades.
Em suma, a mídia tem é relevante na segurança pública porque
pode rotular determinadas práticas culturais, ajudar a criminalizar
certos comportamentos e amplificar desproporcionalmente as ameaças.
Mas ela não faz isso sozinha, tampouco de forma direta e determinista.
A mídia é fundamentalmente um importante ator, dentre outros que
compõem o campo.
E, ainda que seja complexo e difícil mensurar seu impacto, é ine
gável que a mídia é a principal responsável pelas percepções que
construímos sobre o crime e a polícia. É ela que nos fornece o enqua
dramento das representações sociais e os discursos sobre segurança
pública (GOFFMAN, 2012). Resta saber, portanto, quem fornece o
enquadramento para suas representações? Quais são suas fontes e qual
é a lógica de produção de notícias? A despeito das variações entre as
diferentes organizações midiáticas na construção das representações
sobre o crime e as polícias, há alguns padrões claramente identificáveis
(REINER, 2007).
Primeiro, com exceção da mídia especializada, as notícias em
torno do tema tendem a ganhar destaque em todos os veículos de
154
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
comunicação. Segundo, a cobertura tende a se concentrar em alguns
poucos tipos de crimes, que normalmente afetam os grupos social
e politicamente mais privilegiados. Terceiro, há um viés na cober
tura das vítimas (brancas, de classe média) e dos agressores (negros,
pobres, migrantes).
Esse padrão de relação entre mídia e polícia, porém, tem sido alte
rado pelas profundas mudanças socioculturais vivenciadas na virada
do século XXI. Assim como o surgimento da televisão no passado,
o desenvolvimento recente das novas tecnologias, principalmente a
internet, também tem impactado profundamente a produção de notícias
e narrativas sobre segurança pública. Com esse advento, as mídias
digitais se tornaram quase onipresentes e inescapáveis para a cons
trução social da realidade. Como sugeriu Anthony Giddens (1991),
elas alteraram intensamente a relação tempo-espaço.
A proliferação e a diversificação das oportunidades de acesso midiá
tico impactaram de modo profundo as esferas da moralidade e da auto
ridade, bem como aumentaram as sensibilidades ao risco e ao perigo.
O medo do crime tornou-se uma das principais preocupações da popu
lação, ao passo que as respostas dos governos e das polícias aos riscos
e perigos das sociedades pós-modernas são cada vez mais questionadas
pela opinião pública. Mais do que em qualquer outra época, a mídia
tornou-se um dos principais atores do campo da segurança pública.
Posto que ela é a principal arena onde a imagem da polícia é
construída e desconstruída, surgiram diferentes questionamentos sobre
o seu papel. Alguns grupos têm reclamado que a indústria midiática
subverte a autoridade e valoriza os estilos de vida até então marginali
zados. Outros se queixam do contrário: ao exagerar os riscos e perigos
ela acaba por enfraquecer o Estado de direito e a legitimar formas
155
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
autoritárias de policiamento. Embora, aparentemente contraditórias,
as duas percepções concordam que a mídia é um ator político autô
nomo, que segue sua própria lógica e busca seus próprios interesses.
Essa relação de cooperação entre polícia e mídia tem sido alte
rada. Surgiram novas fontes de informações para a cobertura do crime
e da instituição policial: as mídias digitais e suas redes sociais têm
permitido que moradores produzam e difundam imagens sobre crimes
e, em especial, sobre a atuação das polícias. Assim surgiram outras
narrativas de fatos que desafiam a hegemonia dos relatos policiais.
A emergência de estatísticas sobre os crimes, as vítimas e o trabalho
da polícia também têm mudado a cobertura midiática. As estatísticas
não produzem uma contranarrativa, mas sim um novo enquadramento,
uma vez que colocam em perspectiva a frequência, a importância e o
risco dos fatos narrados.
Se a emergência de novas fontes e novos enquadramentos tem
transformado a relação entre a mídia e a polícia, as críticas midiáticas
ao trabalho policial, cada vez mais frequentes, têm gerado distancia
mento e seletividade. Policiais fazem “greve de notícias” e passam a
escolher os jornalistas com quem pretendem cooperar. Os profissio
nais de mídia, por sua vez, podem escolher as fontes que irão usar e
o enquadramento que será produzido.
Independente das fontes de informações, se tradicionais ou novas,
as instituições midiáticas continuarão ocupando papel central no campo
da segurança pública. Qualquer política pública nesse campo depende
da cobertura e do enquadramento midiáticos. E quando a mídia faz
parte da rede de políticas públicas, suas chances de êxito aumentam.
Foi o que aconteceu com o Paz no Trânsito (ver capítulo 1). O seu
sucesso só foi possível graças à participação dos principais veículos de
156
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
comunicação do Distrito Federal no programa. Graças a isso, foi reali
zada durante quatro anos uma ampla cobertura dos acidentes de trânsito
fatais, e largamente discutidas suas principais causas. Também foram
veiculadas campanhas educativas para prevenir acidentes e situações
de risco. Toda essa campanha midiática seria muito cara e impossível
de ser financiada exclusivamente com recursos governamentais.
A sociedade civil e as demandas por participação
Como já ressaltado, a democratização iniciada nos anos 1980 abriu
novos espaços para a manifestação política, criando condições para a
organização e articulação de demandas sociais. Assim, surgiram nas
últimas décadas organizações e movimentos determinados a pressio
nar as autoridades por mudanças nas práticas da segurança pública.
Grupos de direitos humanos, associações de advogados, coletivos
populares e diversas outras instituições da sociedade civil passaram a
demandar mais participação nesse campo.
Uma das tarefas mais frequentes desempenhadas por esses atores
é dar visibilidade à violência policial. Ao contrário do que supõe o
senso comum, eles fazem esse tipo de fenômeno “aparecer” na agenda
política e na cobertura midiática. Sem essa pressão, ele continuaria
invisível. Além dessas manifestações, a sociedade civil também é
capaz de prover informações e documentação que comprovem esses
episódios. Não raro, casos de abuso e violência das polícias são retra
tados em relatórios sobre as condições dos direitos humanos no país.
Da mesma forma, algumas organizações passaram a registrar e
sistematizar dados sobre segurança pública. Em alguns casos, esse tra
balho permite a elaboração de estatísticas, viabilizando comparações
157
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
com outras forças policiais. Também é frequente o uso de pesquisas
de opinião para retratar como o trabalho das polícias é percebido pela
população. Desde 2007, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
organização da sociedade civil, produz o Anuário Brasileiro de Segu
rança Pública. Até o presente momento, a publicação é a mais com
pleta fonte de estatísticas sobre criminalidade, despesas e efetivos de
segurança pública existente no país.
Essa tarefa de coleta de informações não é, necessariamente,
exclusiva da sociedade civil. Outros órgãos estatais também podem
realizar essa função. Entretanto, quando a violência policial está insti
tucionalizada nas corporações, tais práticas são vistas como normais e
rotineiras e, portanto, não necessitariam de atenção especial. O mesmo
ocorre quando o Estado não admite o uso de práticas ilegais por parte
dos seus agentes. E, nesse caso, importantes informações deixam de
ser coletadas e sistematizadas.
Alguns grupos e ativistas internacionais de direitos humanos pro
piciam condições materiais e importante acesso aos meios de comuni
cação. A existência de uma rede internacional, cujo principal papel é
difundir essas informações no exterior, aumenta a capacidade de pressão
dessas organizações. Embora importante, esse apoio por si só não é
insuficiente para forçar reformas nas polícias. Nesse ponto, a pressão
dos movimentos sociais internos continua sendo fator fundamental.
A partir de meados da década de 2000, verificou-se um aumento
na participação da sociedade, especialmente depois do lançamento do
Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, que pre
via a realização da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública
(Conseg), em 2009. Houve também uma reforma no Conselho Nacio
nal de Segurança Pública (Conasp), que passou a incorporar pessoas
158
CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES
sem vínculos com as polícias e o judiciário. A criação desses espaços
de ampla participação permitiu um maior engajamento político de
diversos atores sociais ligados aos movimentos de direitos humanos,
feministas, negros e LGBTQIA+.
Esse envolvimento não se efetivou plenamente. Seu principal
entrave estava na estrutura dos conselhos de segurança pública, tanto
na esfera estadual quanto municipal e federal. Em geral, essas ins
tâncias têm poucos poderes deliberativos e reduzida capacidade de
supervisionar as ações governamentais. Tampouco têm acesso aos
dados sobre os gastos públicos em segurança (LIMA et al., 2012).
Mas, além de denunciar problemas, é preciso sugerir novas dire
ções. É necessário produzir conhecimentos novos sobre a atividade
policial, experimentar políticas alternativas às normalmente implanta
das e entender as dinâmicas da violência e criminalidade. Nesse ponto,
as universidades e os centros de pesquisas tornaram-se importantes
atores políticos. As principais universidades criaram programas de
pós-graduação e centros de estudos sobre o tema; o debate, aos poucos,
deixou o campo jurídico da criminologia tradicional e passou a incorpo
rar outras abordagens teóricas e metodológicas. Passadas mais de duas
décadas, pode-se constatar que esses trabalhos acadêmico-científicos
se constituíram em campo específico das ciências sociais brasileiras.
Deste então, o campo deixou de ser periférico na pós-graduação
nacional para se tornar prioridade em várias disciplinas e áreas.
Surgiram diversos estudos sobre violência, criminalidade e segurança
pública no Brasil. Essa produção não se resume apenas a teses e disser
tações. Em 2000, havia 41 grupos de pesquisas registrados no CNPq
ligados à área, ao passo que foram registrados 255 grupos em 2015.
159
CAPÍTULO 5
O Poder Local e a Segurança Pública
No Brasil, a despeito do aumento da participação da União e dos
municípios na segurança pública, as principais respostas aos seus pro
blemas continuam sendo de iniciativa dos governadores, assim como
as instituições que integram o campo são estaduais – as polícias militar
e civil, o Ministério Público, o Judiciário e o Sistema Penitenciário.
Além disso, na federação brasileira os estados também são a princi
pal arena de disputa política. Afinal de contas, das sete eleições que
acontecem periodicamente no país, quatro são disputadas no âmbito
estadual: governador, senador, deputado federal e estadual.
Os estudos sobre segurança pública têm destacado que a crimi
nalidade e a insegurança são fundamentalmente problemas locais.
É na esfera política local que se dá a formação da agenda e são os
governos estaduais que elaboram e implementam as principais políticas
públicas de segurança. Ou seja, as respostas aos problemas da área
dependem fundamentalmente da configuração da política local e do
funcionamento das suas instituições. É preciso, portanto, compreen
der como se dá a relação entre o poder local e a segurança pública.
Pois a governança do campo depende da forma como os diferentes
atores locais se relacionam, seja dificultando a articulação das ações,
seja induzindo a criação de instrumentos de coordenação e controle.
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Neste capítulo, analisaremos a configuração do campo da segu
rança pública do Distrito Federal, que chama a atenção, como veremos,
por sua singularidade. A despeito da privilegiada situação orçamen
tária, que se reflete nos salários e efetivos das polícias, até 2015 as
taxas criminais do DF não eram muito diferentes do restante do país,
em função da sua baixa capacidade de coordenação. O quadro come
çou a mudar a partir de 2015 quando foram implantadas medidas para
aumentar a capacidade de governança.
A segurança pública no Distrito Federal
No campo da segurança pública, o DF destaca-se por alguns aspec
tos singulares de seu Sistema de Justiça Criminal. Tanto as polícias
quanto o Ministério Público e o Judiciário são mantidos com recursos
federais. Assim, sua estrutura é suis generis: seus efetivos, salários e
orçamentos estão bem acima da média nacional.
Embora o efetivo da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF)
f
ixado por lei seja de 18.673 profissionais, em 2015 a corporação
contava com 14.452 homens e mulheres em seus quadros. Essa dife
rença tem sido objeto de crítica e demanda do comando da PMDF
para contratação de mais policiais. O número fixado pela legislação,
contudo, não seguiu nenhuma metodologia para definir o efetivo que
a cidade precisa. Portanto, ele não pode ser tomado como uma neces
sidade, mas sim como uma autorização administrativa para contratar.
Seja como for, o fato é que o DF tem uma das melhores proporções
de policiais militares do Brasil. Segundo a Senasp, em 2012 ele tinha
485,6 PM para cada 100 mil habitantes, taxa muito superior à média
nacional, de 209,4.
162
CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA
Gráfico 5.1 – Efetivo das polícias militares por 100 mil habitantes (2012).
Fonte: Pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública (SENASP, 2013)
O mesmo pode ser observado em relação à Polícia Civil. Em 2015,
a PCDF contava com 4.784 homens e mulheres, embora o efetivo pre
visto em lei fosse de 8.969 policiais. De acordo com a Senasp, em 2012
a capital federal contava com 185,0 policiais civis por 100 mil habi
tantes, enquanto a média nacional era de 56,9. Assim como na PMDF,
os policiais civis frequentemente se queixam da falta de efetivos. Aliás,
a contratação de novos agentes parece ser a principal resposta dos
governos do Distrito Federal aos problemas de segurança pública.
Gráfico 5.2 – Efetivo das polícias civis por 100 mil habitantes (2012).
Fonte: Pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública (SENASP, 2013)
163
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Apesar de dispor de grande efetivo, o Distrito Federal registrava um
elevado número de policiais militares e civis cedidos para outros órgãos
do governo. Parte deles desempenhava atividades junto à Secretaria de
Segurança Pública, Casa Militar e Subsecretaria do Sistema Peniten
ciário. Muitos, entretanto, atuavam em outros órgãos, como as Secre
tarias de Justiça e Cidadania, Transporte e Mobilidade e da Juventude,
bem como nas administrações regionais. Havia também policiais lotados
no Tribunal de Justiça, no Ministério Público e na Câmara Legislativa.
Apesar do evidente impacto na capacidade operacional das polícias,
os sucessivos governos não têm conseguido mudar esse quadro.
Além disso, tanto a PM quanto a PC do Distrito Federal também se
destacavam pelo elevado índice de confiança. De forma geral, ambas
gozavam da confiança dos brasilienses – de acordo com a Pesquisa
Distrital de Vitimização, em 2015, 82,1% dos cidadãos disseram con
f
iar na Polícia Militar e 87,4% na Polícia Civil.
Tabela 5.1 – Confianças nas polícias do Distrito Federal (2015).
Instituição
Polícia Militar
Polícia Civil
Confia Muito
24,4
Confia
Não confia
Total
57,7
28,0
Fonte: Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
59,4
17,9
12,6
100
100
Esse quadro era bem diferente daquele existente em outros estados,
cuja população confiava pouco nas polícias e se queixava do contato
com os seus agentes. Essa desconfiança aumentava o medo do crime
e diminuía a disposição dos cidadãos em colaborar com os policiais,
seja nas atividades de investigação, seja no policiamento ostensivo.
164
CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA
A população distrital também avaliava de modo positivo a maior
parte das atividades executadas pelas PM e PC. Cabe destacar que,
em relação à polícia civil, 59% consideravam ótima ou boa a investi
gação de crimes, enquanto 58% consideravam ótimas ou boas as abor
dagens de trânsito e revistas pessoais realizadas pela polícia militar.
Tabela 5.2 – Avaliação das atividades da Polícia Militar e da Polícia Civil (%).
Instituição
PMDF
PCDF
Atividade
Atendimento
emergencial
Abordagem
policial
Organização
do trânsito
Investigação
criminal
Ótimo/bom
45,0
58,4
56,7
Regular
35,0
31,8
Péssimo/Ruim
20,0
9,8
33,2
59,1
Rapidez e
qualidade do
atendimento
57,8
Fonte: Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
29,1
29,9
10,1
11,8
12,3
Total
100
100
100
100
100
As taxas de letalidade e vitimização policial no Distrito Federal
eram relativamente baixas. Em 2015, cinco pessoas morreram em
confronto com a PM, número bem inferior ao registrado pelo Rio de
janeiro (645), São Paulo (580), Bahia (299), Paraná (214) e Pará (146).
A vitimização dos policiais militares também era baixa se comparada
com outros estados: no mesmo período, oito policiais morreram no
DF, dos quais quatro em serviço.
165
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
As carreiras policiais no DF
A remuneração daqueles que ingressam nas carreiras policiais
no Distrito Federal também estava entre as mais elevadas do Brasil.
Tanto a PMDF quanto a PCDF exigia escolaridade superior para
ingresso em seus quadros. Como reflexo disso notou-se mudanças no
perfil dos novos policiais.
A exigência de nível superior na seleção dos candidatos era parte
do projeto “Policial do Futuro”, introduzido na PMDF, em 2009, com a
f
inalidade de aumentar o nível de escolaridade de toda a corporação.
Além de selecionar apenas candidatos graduados, o projeto também
previa a qualificação dos policiais mais antigos mediante parceria
com a Universidade Católica de Brasília (UCB), que criou o curso
de Tecnólogo em Segurança e Ordem Pública (TecSOP) (COSTA,
MATTOS, SANTOS, 2012).
A mudança proposta no processo de seleção teve reflexo nas
disputas de poder no campo da segurança pública da capital fede
ral, principalmente entre policiais civis e militares. A PM defendia a
valorização profissional de seus quadros e via no aumento do nível de
escolarização das praças uma estratégia de melhoria salarial. Na PC,
que já exigia o nível superior para o ingresso na carreira de agente,
contudo, o movimento dos militares era visto com cautela, já que
poderia dificultar as reivindicações salariais dos agentes e delegados.
Desde 2015, os salários em ambas as instituições são parecidos.
No que se refere ao perfil socioeconômico dos novos policiais,
podemos afirmar que eles eram predominantemente homens, de cor
negra e idade entre 25 e 30 anos; solteiros e sem filhos; majorita
riamente na faixa de renda familiar de até cinco salários mínimos,
166
CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA
responsáveis por pelo menos metade dos gastos familiares; nascidos
no Distrito Federal e residindo em casas próprias. Quanto ao trabalho,
a maioria dos novatos possuía pelo menos quatro anos de trabalho
prévio e oriunda da iniciativa privada. Antes de ingressar na carreira
policial, esses profissionais recebiam, majoritariamente, até cinco
salários mínimos.
A chegada de policiais com perfis tão diferente dos mais antigos
poderia gerar tensões no interior da corporação. As pesquisas reve
laram, entretanto, que possíveis conflitos com os sargentos supervi
sores foram contornados com a criação do TecSOP. Por outro lado,
esses levantamentos também mostraram que a ausência de normas
de condutas e procedimentos operacionais aumentou a importância
da experiência de rua dos veteranos. Afinal, são os mais antigos são
os que transmitem informalmente os saberes necessários às ativida
des cotidianas (COSTA et al., 2012).
Ao contrário da tendência mundial, a PMDF não adotava nenhum
tipo de procedimento operacional padrão. Assim, o treinamento
acontecia sem padronização, sendo realizado a partir de documen
tos e manuais escolhidos pelos instrutores dos cursos de formação.
Além disso, uma vez que não existia uma norma de conduta com força
legal, os policiais exerciam suas atividades sem respaldo jurídico.
Sem essas normas profissionais eles eram julgados a partir da noção de
imperícia, imprudência e negligência dos juízes e promotores. Ou seja,
a partir de critérios externos à profissão, que não necessariamente
coincidiam com a deontologia policial.
Apesar dos bons salários, eram frequentes os relatos de insatis
fação profissional e de vontade de mudar de carreira, tanto entre os
agentes da PM quanto da PC. Em junho de 2015 os sindicatos dos
167
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Policiais Civis (Sinpol-DF), dos Delgados de Polícia Civil (Sinde
po-DF) e dos Peritos Oficiais Criminais (Sindiperícia-DF) encomen
daram uma pesquisa ao Instituto Exata Op para avaliar a percepção
dos profissionais da PC sobre a segurança pública no Distrito Fede
ral. Esse levantamento indicou que 51,4% dos integrantes da PCDF
sentiam-se insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o seu trabalho e
72,6% declararam que sairiam da polícia, caso tivessem oportunidade.1
Em parte, essa insatisfação decorria da estrutura de carreira, espe
cialmente dos agentes de polícia. A maior parte deparava-se com um
excesso de tarefas burocráticas, sendo poucos os que se dedicavam às
atividades essencialmente policiais. As investigações, a despeito de ser
um mito fundador da polícia civil, não eram valorizadas na carreira.
Na Polícia Militar, a despeito das mudanças nos critérios de sele
ção, a carreira de praça seguia com poucos incentivos ao desempenho
profissional. Fazer cursos, se especializar ou ter desempenho desta
cado não implicava necessariamente promoção ou reconhecimento
institucional. O intervalo de tempo para promoção (interstício) das
praças era muito superior ao dos oficiais. E mesmo na carreira dos
oficiais eram poucos os incentivos ao bom desempenho profissional.
Frequentemente, as tarefas administrativas eram mais valorizadas que
as operacionais. Até 2015, os comandantes de unidades policiais rece
biam gratificações inferiores às dos chefes da administração da PMDF.
Seguindo o espírito da época, em 1990 a PMDF criou sua Acade
mia de Polícia Militar (APMB). Até então, a maior parte dos oficiais
da corporação era originalmente militares da reserva do Exército,
chamados oficiais R2. Alguns poucos policiais haviam se formado
1 Disponível em: http://sinpoldf.com.br/wpcontent/uploads/2017/06/2017_integra_pe em outras academias de polícia. A criação da APMB foi um marco
na Polícia Militar do Distrito Federal, que teve forte impacto na (re)
construção das identidades dos seus profissionais. A partir de 2015,
foram promovidos ao posto de coronel os primeiros oficiais formados
na academia e, com isso, iniciou-se um conflito entres os “oficiais R2”
e aqueles formados na APMB. O objeto de disputa era a ocupação os
principais postos de direção da instituição.
Apesar de reivindicarem uma nova identidade profissional, supos
tamente mais moderna, esses formandos pioneiros não tiveram uma
formação muito diferente daqueles oriundos do Exército. A exemplo
de outras academias, o currículo escolar, os conteúdos das disciplinas
e a estrutura de funcionamento eram inspirados na Academia Militar
das Agulhas Negras (Aman), escola de formação dos oficiais do Exér
cito. Ou seja, apesar de integrarem um novo grupo dentro da PMDF,
os primeiros oficiais oriundos da APMB foram formados a partir de
crenças, valores e saberes oriundos das Forças Armadas. Com o pas
sar do tempo, o currículo da Academia de Polícia Militar foi sendo
reestruturado, incorporando conteúdos sobre direitos humanos, ques
tões de gênero, raça. Os jovens cadetes também passaram a discutir
as principais obras de referência dos estudos policiais. Sem dúvida,
foi uma mudança significativa para a reconstrução da identidade pro
f
issional: agora mais policial do que militar.
Esse processo de mudança, porém, ainda está incompleto. A corpo
ração não desenvolveu uma doutrina própria para realizar as principais
formas de policiamento em uso noutros países, como o comunitário,
por hot spots e o voltado para a resolução de problemas. Os manuais
em uso na PMDF desde a década de 1990 limitam-se a orientar o
policiamento ostensivo geral.
169
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
A falta de doutrina específica pode ser verificada na implan
tação do Programa de Segurança Comunitária (PSC), em 2017.
Inicialmente apresentado nas eleições do ano anterior como uma pro
posta da campanha de José Roberto Arruda (DEM-DF) ao governo do
Distrito Federal, estava assentado na implantação de postos de segu
rança comunitários. Cada posto teria sala de atendimento ao público
e sistema de videomonitoramento. De acordo como o projeto, os PCS
serviriam como ponto de referência para a comunidade (SILVA, 2015).
O projeto original previa 300 postos com uma guarnição de
30 policiais em cada unidade, sendo 4 sargentos, 7 cabos e 19 sol
dados. Diferente da rotina da PMDF, as escalas seriam mensais e os
professionais neles alocados focariam suas atividades no atendimento
comunitário local. Além das rondas a pé, esses policiais dos PSC
deveriam realizar palestras, encaminhar solução de problemas para
outros órgãos de governo e lavrar termos circunstanciados. O pro
grama recebeu apoio do governo federal, que financiou a construção
de 127 postos e a aquisição de automóveis, equipamentos e mobiliário.
Seu custo total foi de R$ 5,4 milhões de reais.
Era um projeto ambicioso que visava a alterar radicalmente as
rotinas e doutrinas em vigor na Polícia Militar do Distrito Federal.
Isso certamente exigiria um planejamento complexo, com previsão de
diversas ações, tais como capacitação, elaboração de nova doutrina,
redistribuição e contratação de efetivos, aquisição de novos equipa
mentos, elaboração de plano de comunicação e desenvolvimento de
novas tecnologias, dentre outras ações. Considerando suas ambições –
mudar de forma radical a estrutura da PMDF –, seu planejamento
também deveria incluir a participação de vários setores da polícia.
170
CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA
Infelizmente, nada disso foi feito. As poucas ações previstas se
resumiram a uma breve capacitação e à construção dos postos de segu
rança comunitários. Claro que um projeto precário com objetivos tão
ambiciosos não poderia dar certo. Não havia efetivo suficiente para
trabalhar nos PSC, outros setores da polícia não foram consultados,
tampouco foi elaborada uma doutrina de policiamento comunitário
nem foi feita articulação com outros órgãos. Como resultado, paula
tinamente os postos foram sendo abandonados – muitos depredados e
incendiados. Assim, o Programa de Segurança Comunitária tornou-se
uma enorme dor de cabeça para a PMDF.
O financiamento da segurança pública
Desde sua criação, o Distrito Federal teve necessidade de orga
nizar e manter polícias capazes de fornecer segurança de qualidade
para uma cidade que era, sobretudo, a sede do governo federal, de 127
embaixadas e dos Poderes Legislativo e Judiciário, portanto, palco de
frequentes manifestações populares. O governo distrital, no entanto,
nunca conseguiu arcar sozinho com tais despesas, demandando da
União a responsabilidade pelos gastos com segurança.2
Além das forças de segurança, os cofres federais também repassa
vam recursos para os serviços de saúde e de educação, bem como para
o Judiciário e o Ministério Público distritais. Esses repasses, entretanto,
não eram automáticos. Os governos do DF tinham de negociar anual
mente com o Executivo Federal, mediante convênios, verbas para fazer
2 O financiamento federal da segurança pública também pode ser verificado nas capitais
de outros países, como o Território da Capital Australiana (ACT – Canberra/Austrália)
e o Distrito de Colúmbia (Washington (DC), nos Estados Unidos.
171
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
face aos serviços públicos. Para contornar essa situação, a Constituição
de 1988 criou o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF),
regulamentado em 2002.
Esse fundo tem a finalidade de prover os recursos necessários
à organização e manutenção da Polícia Civil, da Polícia Militar e
do Corpo de Bombeiros Militar do DF, bem como dar assistência
f
inanceira para a execução de serviços públicos de saúde e educação3.
Uma despesa que, apesar da destinação constitucional do FCDF prin
cipalmente para o custeio da segurança, vem aumentando ao longo
dos anos. Para se ter uma ideia, entre 2003 e 2017 49% dos recursos
do fundo foram utilizados para custear essas duas áreas.
A despeito do aumento de gastos com saúde e educação, o fato é
que o FCDF tem permitido que o orçamento de segurança na capital
federal seja um dos maiores do país. Segundo dados da Secretaria
de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, em 2015 o
DF apresentou o quarto maior orçamento da área entre os estados.
Em 2015, gastou em segurança pública 6 bilhões de reais, cifras
inferiores apenas às apresentadas por Minas Gerais (9,1 bilhão de
reais), Rio de Janeiro (9,4 bilhões de reais) e São Paulo (12,2 bilhões
de reais). Em termos proporcionais, o Distrito Federal teve o maior
gasto per capita (2.062 reais), bem superior à média nacional
(407,95 reais).
Apesar do significativo volume de recursos destinados ao setor,
observa-se que a maior parte dos gastos se concentra no pagamento
de pessoal ativo, inativo e no custeio das polícias. No período de
2003 a 2016 o aumento nas despesas de pessoal superou o reajuste do
3 Lei 10.633/2002.
172
CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA
fundo constitucional, com aumento das despesas de pessoal e encargos
sociais de 271%, ao passo que o FCDF foi reajustado em 258%.4
Gráfico 5.3 – Gastos com segurança pública,
por estados – 2015 (em bilhões de R$).
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional
Esse quadro tem afetado negativamente os investimentos realiza
dos em segurança pública, que entre 2003 e 2017 diminuíram 61,2%.
Para poder arcar com as crescentes despesas de pessoal, a Polícia Mili
tar do Distrito Federal cancelou 380 milhões de reais em investimentos,
entre 2014 e 2017. O mesmo tem acontecido na PCDF e no CBMDF.
Esse quadro de desinvestimento tem colocado em risco a capacidade
operacional das organizações de segurança pública, bem como impede
que inovações sejam realizadas. Assim, a construção de novos siste
mas de informação e de comunicação e a implementação de novos
programas de policiamento acabaram sendo adiadas.
O aumento das despesas com pessoal não se resume à contrata
ção e reajustes salariais. Ao contrário, embora o número de policiais
4 Relatório de auditoria do Fundo Constitucional do Distrito Federal do Tribunal de
Contas da União (TC 019.364/2017-2).
173
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
tenha diminuído nos últimos anos, o volume de gastos com a folha de
pagamento tem crescido. Isso se deve ao aumento das despesas com
auxílios e indenizações, de que são exemplo o vale transporte, auxílio--alimentação, auxílio-moradia, auxílio-fardamento, ajuda de custo etc.
Também se verifica um significativo crescimento dos gastos resul
tantes da política de promoções adotada pela PMDF. Isso acontece
porque a legislação permite que sejam promovidos ao posto de coronel
mais policiais do que prevê o seu quadro. Além disso, quando se apo
sentam, alguns coronéis incorporam aos seus salários as gratificações
de desempenho de função que receberam durante a carreira. O resul
tado é um aumento expressivo da folha de pagamento.
Esse quadro de execução orçamentária ocorre em função dos pro
blemas de governança do Fundo Constitucional do Distrito Federal.
Primeiro, esses recursos não estão incluídos nos limites de gastos com
pessoal do Distrito Federal. Desse modo, não há limites para nossa
expansão dos gastos com pessoal das polícias e do Corpo de Bom
beiros. Segundo, existem lacunas e omissões na legislação de promo
ções que permitem o crescimento do número de militares promovidos.
Terceiro, embora seja um fundo da União, o governo distrital pode
legislar sobre concessões de auxílios e indenizações. E, finalmente,
o detalhamento das despesas do FCDF não permite o efetivo acom
panhamento da sua execução orçamentária.
Criminalidade e o medo na capital federal
Apesar de possuir efetivos, salários e orçamento muito acima da
média nacional, até 2015 as taxas de criminalidade e medo registra
das no DF não diferiam muito dos outros estados. O que nos leva a
174
CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA
constatar que a estrutura suis generis de segurança não tem apresentava
efeitos muito distintos do restante do país.
Seguindo a tendência nacional, o Distrito Federal vinha apre
sentado elevadas taxas de homicídios. O que chamava atenção nessa
estatística era sua relativa estabilidade entre 2000 e 2014. Em 2005,
ele registrou a taxa mais baixa do período (22,3 homicídios por 100 mil
habitantes) e em 2009 a mais alta (30,1). Podemos notar também que
as taxas de mortalidade por homicídio no DF eram muito próximas
das nacionais. Até 2007, as taxas distritais eram um pouco inferiores
às taxas da média nacional; a partir daí, elas cresceram mais acele
radamente que as nacionais, alcançando em 2009 o patamar de 30,1.
Gráfico 5.4 – Taxa de homicídios do Distrito Federal e Brasil – 2000-2014.
Fonte: Atlas da Violência (IPEA e FBSP, 2018)
Em 2014, na comparação com as demais unidades da federa
ção, verificou-se que o Distrito Federal registrou 29,6 homicídios por
100 mil habitantes, taxa muito próximo da média nacional (29,8).
Nesse ano, somente São Paulo e Santa Catarina apresentaram taxas
inferiores a 20 homicídios/100 mil habitantes; outros oito estados,
inclusive o DF, apresentaram taxas entre 20 e 30; em nove elas foram
175
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
superiores a 30; e em oito, superiores a 40. Ou seja, no que se refere
aos homicídios, até então os números apresentados pela capital federal
não diferiam muito da média nacional.
Gráfico 5.5 – Taxas de homicídio por estados – 2014.
Fonte: Atlas da Violência (IPEA e FBSP, 2018)
Seguindo a tendência nacional, em 2015 os homicídios também
eram bastante concentrados em Brasília. Apenas seis regiões (Ceilân
dia, Planaltina, Santa Maria, Samambaia, Gama e Recanto das Emas)
responderam por 55% dos casos registrado naquele ano.
176
CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA
Gráfico 5.6 – Distribuição de homicídios dolosos
no Distrito Federal, por RA (2015).
Fonte: SSP/DF (2015)
No que dizia respeito aos crimes patrimoniais, em 2014 as taxas
registradas na capital federal estavam acima da média nacional.
Nesse ano, o DF registrou 449 veículos roubados para cada grupo de
100 mil veículos, muito superior à do Brasil (280). A mesma tendên
cia pode ser observada na taxa de furtos de veículos: 526 no Distrito
Federal e 311 na média nacionalGráfico 5.7 – Roubos de veículos, por 100 mil veículos – 2014. *
Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2017.
*Dados não informados para CE e PB.
O medo do crime no DF também não era muito diferente do
restante do país. De acordo com a Pesquisa Nacional de Vitimização,
realizada pelo Ministério da Justiça em 2011, 49% dos moradores do
DF declararam sentir medo de sair à noite no bairro onde residiam.
Esse percentual foi superior aos índices de 13 estados, incluindo Rio de
Janeiro, Espírito Santo e São Paulo. Além disso, 16% deles disseram
sentir medo de ficar em casa sozinhos, percentual superior ao de outras
12 unidades da federação, entre as quais novamente Rio de Janeiro e
São Paulo, além de Pernambuco.
178
CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA
A configuração da segurança pública no DF
Como vimos nas seções anteriores, a despeito da boa estrutura de
segurança pública de que o Distrito Federal dispõe, seus resultados
eram ruins. Até 2014 os brasilienses conviviam com elevadas taxas
de homicídios e altos índices de crimes contra o patrimônio, enquanto
uma significativa parcela da população dizia sentir medo de sair à rua
no seu bairro durante a noite. Esse fraco desempenho devia-se à baixa
capacidade de governança do campo.
Como nas outras unidades da federação, também no DF verificou--se crescimento das demandas de segurança pública. Desde o final da
década de 1990, o tema tem figurado como uma das principais preocu
pações do eleitor brasiliense. Foi nessa perspectiva que as campanhas
eleitorais passaram a incorporar discursos sobre modernização das
instituições policiais. Em 1998, Joaquim Roriz (PMDB) foi eleito
governador prometendo implantar o programa Segurança sem Tole
rância, inspirado no Tolerância Zero, de Nova York. Mas, ao longo
dos seus dois mandatos, verificou-se que a proposta não passava de
um discurso eleitoral (BELLI, 2004).
Em 2006, José Roberto Arruda (DEM) venceu o pleito com a
promessa de implementar o Programa Segurança Comunitária, que,
conforme já descrito, implantaria 300 postos comunitários, os PSC.
Na prática foram instaladas 110 unidades, sem, contudo, implementar
o programa, pois o planejamento inicial não havia previsto o aumento
de efetivo necessário. Em 2012, Agnelo Queiroz (PT) anunciou o pro
grama Ação Pela Vida, inspirado no Pacto pela Vida de Pernambuco.
Os problemas de planejamento igualmente levaram ao fracasso da
iniciativa. Ou seja, apesar de os discursos eleitorais apresentarem
179
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
propostas específicas para a área, até 2014 nenhuma havia sido trans
formada em política de governo.
A demanda por segurança pública não afetou apenas os votos
para governador. Ela impactou também o Poder Legislativo do Dis
trito Federal, que passou a ser integrado por deputados eleitos em
função da sua ligação com as organizações de natureza policial.
São delegados, agentes de polícia civil, bombeiros e policiais militares.
Embora tenham sido eleitos por diferentes partidos, esses deputados
compartilham uma agenda parlamentar essencialmente voltada para a
defesa dos temas de interesse corporativo, tais como aumento salarial,
aposentadorias, auxílio-moradia, meia entrada em cinemas etc. Dada as
suas limitações, nenhuma proposta para reestruturar as relações entre
as polícias foi apresentada à Câmara Legislativa do Distrito Federal.
A despeito dos governos prometerem uma política de segurança
pública efetiva, moderna e democrática, as escolhas dos principais
atores do campo foram feitas para atender interesses de grupos
específicos. É o caso da nomeação do comandante-geral da PMDF,
supostamente uma instituição baseada na hierarquia e disciplina, mas,
diferente das Forças Armadas, o critério da antiguidade raramente é
levado em consideração nessa escolha. Com frequência são nomeados
coronéis novatos, mas que contam com apoio de lideranças políticas
locais. Isso acaba por gerar conflitos dentro da corporação, enfraque
cendo bastante o comando. Entre 2002 e 2014, a PM distrital teve
13 comandantes gerais, cerca de um por ano.
O chefe da Casa Militar era outro ator importante no campo da
segurança pública local. No caso do governo do DF, era um órgão
com status de Secretaria de Estado, originalmente destinado a cuidar
da segurança e da logística do governador. Com o passar do tempo,
180
CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA
porém, a Casa Militar foi assumindo novas funções: inteligência, pro
moções e transferências. Isco fez com que o seu chefe se tornasse,
de fato, a principal autoridade da PM, esvaziando ainda mais o poder
do comandante-geral.
Um dos principais mecanismos utilizados pelo chefe da Casa Militar
para exercer sua influência era a promoção dos novos coronéis. Uma bre
cha na legislação permite que seja promovido um número de coronéis
maior do que o de vagas existentes no quadro da Polícia Militar. Assim,
em 2012, a PMDF contava com 61 coronéis, enquanto a Polícia Militar
do Estado de São Paulo, instituição sete vezes maior, possuía 59.5
Se a nomeação do comandante-geral da PMDF não seguia critérios
de desempenho ou antiguidade, o mesmo pode ser dito em relação à
nomeação do diretor-geral da Polícia Civil. Até 2014, essa escolha depen
dia da rede de apoios políticos que os candidatos conseguissem estabe
lecer. De certa forma, esse critério também era utilizado para a nomea
ção dos delegados chefes de algumas delegacias do Distrito Federal.
As nomeações do comandante do Corpo de Bombeiros e do diretor do
Departamento de Trânsito frequentemente seguiam a mesma lógica.
O secretário de Segurança Pública sem dúvida é um ator fundamen
tal para o planejamento e a coordenação das ações. Entretanto, de acordo
com a estrutura do governo distrital, a PMDF, a PCDF, o CBMDF e
o Detran não são órgãos subordinados, mas apenas vinculados à SSP.
Portanto, eles não precisam prestar contas de suas ações, submeter seu
orçamento, seu plano de distribuição de efetivos, de promoções etc.
A despeito do seu poder simbólico, o secretário não tinha efetivamente
poderes para coordenar a área. Ele era um primo interpares.
5 Pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública (2013).
181
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
A estrutura da SSP também dificultava a coordenação do campo,
não contava com pessoal próprio – seu quadro era preenchido por
policiais e bombeiros cedidos. Até 2014, as subsecretarias eram dis
tribuídas entre representantes das polícias e do Corpo de Bombei
ros. Dada a alta rotatividade e a baixa capacitação dos seus quadros,
sua capacidade de planejamento e de articulação com outras secretarias
do governo e com a sociedade civil era muito limitada.
No Distrito Federal as funções de fiscalização e manutenção da
ordem ficavam a cargo de dois órgãos distintos: a Secretaria de Ordem
Pública (SEOPS) e a Agência de Fiscalização do Distrito Federal
(AGEFIZ). Até 2014, a SEOPS era composta majoritariamente por poli
ciais militares que executavam tarefas relacionadas ao controle do uso
da terra e ao comércio ambulante, sem dispor, entretanto, de poder para
multar por infrações penais. Quem exercia o poder de fiscalização era a
AGEFIZ, que não contava com pessoal necessário para desempenhar suas
funções. Mas, apesar das funções complementares, não existia nenhuma
instância capaz de coordenar e articular para tanto os dois órgãos.
Em suma, a configuração do campo da segurança pública da capi
tal federal dificultava a sua governança. Os principais atores políti
cos não dispunham de poderes para executar adequadamente suas
atividades. A autoridade do comandante-geral da Polícia Militar e do
diretor-geral da Polícia Civil era bastante limitada, seja pela expansão
de poderes da Casa Militar, seja pela enorme interferência política do
Poder Legislativo. A fragilidade da Secretaria de Segurança Pública
afetava significativamente a capacidade de planejamento, coordenação
e a articulação das ações.
Essa configuração do campo era resultado de uma série de
práticas, discursos e representações sociais que enfatizavam quase
182
CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA
exclusivamente a ação das polícias no controle da criminalidade.
O resultado disso foi a reduzida capacidade do governo do DF de
criar redes de políticas públicas de segurança.
Até 2014, o Distrito Federal contava com poucos instrumentos de
governança das redes de políticas públicas. Embora já estabelecidas em
lei, algumas das AISP e RISP não coincidiam com as áreas de atuação
das delegacias e batalhões, dificultando o controle e a coordenação das
ações, tampouco o seu planejamento era realizado em função dessa
nova lógica territorial.
Também não havia um plano de segurança pública estabelecendo
em lei os objetivos da política, com metas e indicadores claramente
definidos. O sistema de indicadores e metas, criado em 2012, também
era incipiente. Ele possuía mais de uma dezena de objetivos, o que cau
sava grande confusão quanto às prioridades da política de segurança.
Os comitês gestores destinados à cobrança dos resultados funcionavam
de maneira intermitente, em geral sem a participação do governador.
Ainda que as polícias possuíssem planejamento estratégico,
boa parte das ações previstas nunca foi executada. Isso se deve, par
cialmente, à desarticulação entre as ações pactuadas pelas instituições e
seu planejamento orçamentário. Tampouco, a SSP-DF possuía qualquer
competência para coordenar esse planejamento e fiscalizar sua execução.
Nessa configuração, não é de estranhar a pouca efetividade das res
postas produzidas. A despeito das boas condições financeiras, dos gran
des efetivos e bons salários, o DF apresentava altas taxas de homicídios,
roubos e medo do crime. A partir de 2015 isso aparentemente começou
a mudar. Foi elaborado um plano de segurança pública com objetivos
claros, criou-se comitês de gestão, estabeleceu-se metas e indicadores de
desempenho. Também foi ampliada a capacidade da SSP de coordenar
183
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
ações, bem como de sistematizar e analisar dados. Entretanto, ainda é
cedo para avaliar se essas medidas representam, de fato, a ampliação
da capacidade de governança da segurança pública local.
Melhorando a governança
A partir de meados da década de 2010 o quadro de baixa gover
nança começou a mudar. Foram adotadas medidas e implantados meca
nismos visando a melhorar a capacidade governança da segurança
pública do Distrito Federal. A maior parte das ações se concentrou
na SSP-DF.6
Ao longo da década de 2000 eram poucos os estados que tinham
efetivamente um plano de segurança pública. Igualmente, o Distrito
Federal também não possuía um plano, com objetivos, metas e indi
cadores bem definidos. A partir de 2015, o quadro começou a mudar.
Nesse ano, o governo do DF apresentou o plano segurança Viva
Brasília, com dois objetivos gerais: redução dos crimes violentos letais
intencionais (homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de
morte) e aumento da sensação de segurança. Sua implantação previa
ações em três eixos: responsabilização, indicadores e governança.7
Para aumentar a responsabilização das ações, foram criadas as
Áreas Integradas de Segurança Pública e as Regiões Integradas de
Segurança Pública, integrando as ações das Polícia Militar e Civil.
As AISP e RISP faziam coincidir as áreas de atuação dos batalhões e
6 Em 2015, exerci a função de Secretário de Segurança Pública e Defesa Social do
Distrito Federal.
7 Em 2019, o governo anunciou o Plano Distrital de Segurança Pública e Defesa Social.
O novo plano também trazia objetivos, metas e indicadores bem definidos.
184
CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA
delegacias de polícia. Isso permitiu que os comandantes e delegados
que chefiavam as respectivas corporações fossem responsabilizados
pelo cumprimento dos objetivos e metas do plano.
Nesse escopo foi criada a Subsecretaria de Gestão da Informação
(SGI), destinada a produzir os dados e indicadores de criminalidade e
segurança pública. A unidade também produzia os relatórios técnicos
e as análises criminais para orientar o planejamento das ações. As ini
ciativas na área passaram a ter seus resultados avaliados.
Também foram criados os comitês gestores do plano de segu
rança pública, com a finalidade de aumentar a governança das ações.
No nível operacional, foram implantados os Comitês Gestores Regio
nais, integrados pelos comandantes e delegados de cada RISP. À coor
denação geral da política coube ao Comitê Executivo, presidido pelo
governador e composto pelo secretário de Segurança Pública, pelos
comandantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, pelos
diretores da Polícia Civil e do Departamento de Trânsito.
Para melhorar o desempenho da investigação dos crimes violentos
foi criada a Câmara Técnica de Homicídios composta por represen
tantes da PC, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Ali eram
discutidas soluções para mitigar os problemas de falta de integração
entre as instituições que compõem o Sistema de Justiça Criminal.
A instauração de áreas integradas de segurança pública, da SGI,
dos comitês gestores e da câmara técnica aumentou significativa
mente a capacidade de governança da área, ampliando o papel da
Secretaria de Segurança Pública. Isso impactou as taxas criminais,
especialmente aquelas previstas nos objetivos do plano de segurança.
A Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) avaliou
os impactos do plano implantado em 2015 (FIGUEIREDO FILHO,
185
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
FERNANDES, 2020). O estudo mostrou que o Viva Brasília interrom
peu a tendência histórica de estabilidade da taxa homicídios, que caiu
de 24,3 em 2014 para 11,8 em 2020, uma queda de 51,4%. As taxas
de crimes contra o patrimônio também tiveram redução significativa.
Gráfico 5.8 – Taxa de homicídio no Distrito Federal (2000-2020).
Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (2021)
186
CAPÍTULO 6
Os homicídios e a agenda
de segurança pública
Como temos sustentado, a baixa capacidade de governança do
campo da segurança pública, junto com sua histórica desarticulação,
tem impedido a elaboração de respostas efetivas para os problemas
que afligem a população. Este é o caso dos homicídios.
Os crimes desse tipo são uma das maiores tragédias já vivenciadas
pela sociedade brasileira. Segundo o Escritório das Nações Unidas para
Drogas e Criminalidade (Unodc), em 2016, dentre as 50 cidades com
maiores taxas de homicídios no mundo, 43 estavam localizadas na Amé
rica Latina, sendo 19 brasileiras (UNODC, 2016). Em 2017, essas mortes
violentas totalizaram 63.880 no país, número superior ao somatório de
todas as contabilizadas na Europa. Além da perda das vidas, esses homi
cídios são um trauma para os familiares, que passam a conviver com
problemas econômicos e psicológicos difíceis de superar. Mas o que mais
chama a atenção é que essa realidade se mantém há mais de 30 anos.
A partir de meados da década de 2010, o crescimento dos homi
cídios ganhou destaque na mídia brasileira. Diariamente os jornais e
as redes de televisão noticiam casos de mortes violentas e cobram das
autoridades respostas efetivas para o problema, ou seja, o tema entrou
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
no debate público. Expressões técnicas como taxa de homicídios,
taxa de elucidação criminal e letalidade policial foram incorporadas ao
discurso político. Mas, apesar dessa incorporação, esse número segue
aumentando sem que sejam elaboradas políticas públicas capazes de
reverter o quadro. Fundamentalmente, é necessário constituir diferentes
redes de políticas públicas voltadas para as especifidades do fenômeno.
Contando as mortes
Os homicídios tornaram-se uma das principais causas de mortali
dade da população brasileira. No cômputo geral, as mortes por causas
externas (homicídios, suicídios e acidentes) constituem atualmente
o terceiro grupo em importância, depois das doenças cardiovascu
lares e das neoplasias. Em 1980 as mortes violentas representavam
apenas 17,2% do total de óbitos nesse grupo, atrás dos acidentes de
trânsito, 32,0%. Em 2015, essas proporções foram, respectivamente,
de 38,3% e 25,0%. No mesmo ano, em números absolutos, o Sis
tema de Informações do Ministério da Saúde (SIM-MS) contabilizou
59.080, contra 13.910 em 1980. Nesses dois anos, essa taxa por 100
mil habitantes aumentou 147%, saltando de 11,7 para 28,9 (Gráfico
6.1). Considerando que muitas dessas mortes não são classificadas
como homicídios no SIM-MS, o número real é ainda superior.
Embora o crescimento desse tipo de crime seja uma tendência
geral, o quadro não é homogêneo, apresentando importantes variações.
Podemos observar dois períodos distintos. No primeiro, de 1980 a
2000, as taxas de homicídios tiveram um crescimento acentuado de
128,2%. A partir daí o ritmo diminuiu. No segundo, de 2000 a 2015,
essa taxa cresceu 8,2%, pouco se comparado com o período anterior.
188
189
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Gráfico 6.1 – Taxa de homicídios no Brasil – 1980-2015.
0
5
10
15
20
25
30
35
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2017.
As variações nas taxas de homicídios podem ser mais bem per
cebidas se compararmos as regiões brasileiras. Até 2005, Sudeste e
Centro-Oeste apresentavam taxas superiores à média nacional. A partir
2000, o quadro mudou bastante. Norte, Nordeste e Centro-Oeste pas
saram a apresentar taxas superiores à média nacional, enquanto Sul e
Sudeste registraram taxas menores.
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Tabela 6.1 – Taxa de Homicídios por região – 1995-2015.
Região
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
Brasil
2000
18,5
19,4
36,6
15,5
2005
25,1
25,4
2010
38,8
2015
31,1
35,5
27,6
20,8
29,3
26,7
Fonte: Datasus
28,2
26,1
20,5
23,6
31,7
27,8
33,8
16,9
14,4
26,3
28,9
Apesar do quadro geral ser desalentador, alguns es ta dos regis traram
diminuição considerável no número de homicídios. Entre 2000 e 2015,
observou-se a redução das taxas em sete deles: São Paulo (-44,3%);
Rio de Janeiro (-36,4%), Espírito Santo (-21,5%), Pernambuco
(-20,0%), Mato Grosso do Sul (-14,2%), Distrito Federal (-9,6%) e
Paraná (-9,3%). Nos três primeiros do ranking, essa redução parece
ser consistente, pois a taxa vem diminuindo há mais de cinco anos
consecutivos. Em Pernambuco, apesar da redução alcançada entre 2007
e 2013, ela voltou a crescer a partir de 2014.
Por outro lado, outros estados apresentaram um crescimento sig
nificativo na taxa de homicídios no mesmo período de 2005 a 2015:
Rio Grande do Norte (+232%), Sergipe (+134%), Maranhão (+130%),
Tocantins (+128%), Ceará (+122%) e Amazonas (+101%). É impor
tante notar que dentre os que registraram maior aumento, quatro per
tencem à região Nordeste (RN, SE, MA e CE)1. Em suma, embora os
homicídios no Brasil tenham aumentado significativamente, há uma
1 Para uma análise das variações nas taxas de homicídios na região Nordeste,
ver Nóbrega (2010).
190
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
grande variação entre os estados e regiões. Em alguns a queda do
número de homicídios é bastante consistente, enquanto noutros o cres
cimento se acentuou a partir de 2010.
Até 2000, o aumento dessa taxa foi mais acentuado nas dez maiores
regiões metropolitanas do país, que concentravam 35,6% da população
brasileira e respondiam por 59,3% do número total. Em 2010, elas res
pondiam por 36% dessas mortes violentas. Essa desconcentração levou
alguns analistas à interpretação equivocada de que estaria ocorrendo
uma interiorização do fenômeno, no lastro de uma potencial migração
do crime organizado nessa direção. A ideia é equivocada porque esse
fenômeno deveu-se principalmente à redução dos homicídios na Região
Metropolitana de São Paulo (ANDRADE, DINIZ, 2013). Considerando a
distribuição desse tipo de crime pelas cidades brasileiras, verificou-se
que eles seguem concentrados nas mesmas regiões metropolitanas, agora
não mais nas capitais e sim nos municípios que as compõem.
Se pudemos constatar uma mudança espacial significativa na distri
buição dessas mortes, o mesmo não pode ser dito quanto à sua demografia.
Quanto ao sexo, à idade e à raça das vítimas, essa distribuição demográfica
apresenta um quadro com poucas variações. Os estudos mostram que as
principais vítimas dos homicídios continuam sendo os homens jovens
negros e residentes na periferia das grandes cidades brasileiras, sendo a
arma de fogo o principal instrumento utilizado para a perpetração do ato
violento. Os bairros mais pobres, onde a prestação de serviços públicos é
mais precária, são aqueles que apresentam maior incidência de homicídios
(LIMA, 2002; VASCONCELOS, COSTA, 2005; SOARE, 2008).
De modo geral, os homens seguem como as vítimas mais fre
quentes desses crimes. Em 2005, eles representavam 91,9% do total,
percentual que tem variado muito pouco, uma vez que, em 2015,
191
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
eles representavam 92,2% dos mortos. O mesmo pode-se dizer do per
f
il etário. Em 2005, cerca de 55,7% das vítimas eram jovens entre 15 e
29 anos; em 2015, eles respondiam por 52,9% das mortes violentas.
Também em 2015 cerca de 71% das vítimas eram pessoas negras.
De acordo com o Ipea, o cidadão negro possui 23,5% mais chances
de sofrer assassinato, na comparação com cidadãos de outras raças/
cores, já descontado o efeito da idade, sexo, escolaridade, estado civil e
bairro de residência (CERQUEIRA, COELHO, 2017). Em 2005 a taxa
de homicídios das pessoas negras era de 31,8, número que aumentou
para 37,7 em dez anos.
A arma de fogo é o principal instrumento utilizado para causar
mortes violentas. Em 2005, 69,4% dos homicídios foram cometidos
com esse tipo de arma. O percentual segue praticamente inalterado.
Em 2015 elas eram 70,9% dos homicídios, percentual alto quando
comparado com outros lugares do mundo – na Europa, por exemplo,
apenas 21% dessas mortes foram provocadas por esse meio.
Os estudos têm demonstrado uma relação entre o aumento do
número de armas de fogo em circulação e o crescimento de homi
cídios (CUMMINGS et al., 1997; COOK, LUDWIG, 2003, 2006;
DAHLBERG, IKEDA, KRESNOW, 2004; KAPUSTA et al., 2007;
HEMENAY, 2014; CERQUEIRA, De MELLO, 2014). Cerqueira e de
Melo (2014) mostraram evidências de que a cada 1% de aumento na
quantidade dessas armas faz com que a taxa de mortes violentas cresça
em torno de 2% nas cidades. Isso acontece por três razões. Em primeiro
lugar, a maior disponibilidade de armas faz diminuir o seu preço no
mercado ilegal. Em segundo, de acordo com pesquisas empíricas,
aumentam as chances de um indivíduo armado sofrer homicídio ao
ser abordado por criminosos. Por último, muitos crimes letais (sejam
192
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
feminicídios, brigas de bar e de trânsito, seja conflito entre vizinhos
etc.) acontecem num ambiente conflituoso, em que o portador de uma
arma de fogo termina perdendo a cabeça e matando o seu oponente.
Em função disso, alguns pesquisadores têm sugerido que a apro
vação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, teria contribuído para
frear o crescimento dos homicídios no Brasil2. De fato, como observa
mos no Gráfico 6.1, o aumento de suas taxas diminuiu a partir de 2000.
Entretanto, é importante considerar que esse estatuto é apenas um
instrumento legal. Para implementá-lo efetivamente é necessário que
as polícias e as autoridades de segurança pública adotem políticas espe
cíficas voltadas para a apreensão e repressão do porte ilegal de armas.
Continua sendo uma grande incógnita os fatores que explicam o
espantoso crescimento da violência letal nas últimas décadas. Nem a
melhoria dos índices de escolaridade nem a redução da pobreza verifi
cadas nesse período afetaram a taxa de homicídio. Esse quadro indica
que precisamos reexaminar cuidadosamente a ideia de que haveria uma
estreita correlação entre escolaridade, pobreza e violência. A relação
automática entre desigualdade e violência também é contestada por
vários estudos. Afinal de contas, como explicar que a maioria das
pessoas pertencentes às famílias de baixa renda não ingresse na cri
minalidade e não cometa homicídios?
Tampouco a relação entre desemprego e violência se sustenta
empiricamente. Além disso, estudos têm verificado que a grande
maioria da população penitenciária brasileira é oriunda do mercado
informal de emprego – boa parte dela jamais teve carteira profissional
2 Ver o “Manifesto dos pesquisadores contra a revogação do Estatuto do Desarmamento”,
disponível em: http://agencia.fiocruz.br/sites/agencia.fiocruz.br/files/u34/manifesto_
contra_a_revogacao_do_estatut o_do_desarmamento.pdf.
193
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
assinada. Também não se verifica a relação entre a desigualdade social
e o aumento da violência. Embora o número de mortes violentas tenha
aumentado mais de 130% últimos 20 anos, a concentração de renda
no Brasil tem permanecido quase a mesma nesse período (BEATO,
1998; SAPORI, WANDERLEY, 2001).
A dificuldade para entender a dinâmica dos homicídios deve-se à
precariedade das informações sobre o fenômeno. A bem da verdade,
até agora nos satisfazemos em “contar as mortes”, conforme sugeriu
Alba Zaluar (1999). Os registros sobre as mortes violentas limitam-se
a apontar o número de homicídios, o lugar onde os crimes ocorreram,
o sexo e a idade das vítimas. Não há estatísticas confiáveis sobre as
motivações das mortes nem as situações em que elas aconteceram,
tampouco há dados sobre a relação entre vítimas e agressores.
Os homicídios e seus diferentes contextos
Os dados existentes sobre homicídios refletem as consequências
de uma variedade de situações e conflitos, cujo resultado é a morte
de alguém. A leitura das estatísticas, portanto, não pode dar lugar à
ideia simplificadora de reduzir o fenômeno a uma única situação.
As mortes violentas abrangem uma série de comportamentos sociais
cujas explicações repousam em diferentes dinâmicas e motivações.
De certa forma, as fragilidades das estatísticas oficiais sobre esses
crimes têm sido mitigadas pelos trabalhos qualitativos desenvolvidos
estudiosos do tema. As pesquisas apontam para o fato de que as seguintes
situações estão fortemente associadas a essas mortes: (1) atividades das
gangues, (2) disputas relacionadas ao negócio das drogas, (3) atuação de
grupos de extermínio e (4) mortes decorrentes de conflitos cotidianos.
194
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
As gangues e a violência
As gangues são um fenômeno antigo. Há relatos de atividades
dessa natureza na Roma Antiga e nas cidades europeias da Idade Média.
Mas foi com o surgimento dos Estados nacionais que elas passaram a ser
vistas como um problema de ordem social. Embora os primeiros estudos
nesse campo datem da década de 1890, nos EUA, foram as pesquisas
ligadas à Escola de Chicago, na década de 1950 que deram destaque
ao tema (WHYTE, 2005). No Brasil, ele só começou a receber aten
ção ao final nos anos 1990 (ABROMOVAY, 1999; ANDRADE, 2007).
De forma geral, os trabalhos nacionais e internacionais indicam que os
jovens das comunidades pobres ingressam nas gangues em função da
baixa oferta de oportunidades de trabalho, ensino e lazer.
Dessa forma, as pesquisas passaram a explorar dois aspectos asso
ciados ao fenômeno: a pobreza e a delinquência. A maioria das teorias
sobre gangues assumiu que elas emergem da pobreza e persistem
por causa da desorganização social das comunidades pobres (SHOW,
McKAY, 1942). Os estudos apontaram ainda que a delinquência deri
vava da ação delas.
Não resta dúvida de que há uma relação entre gangues, pobreza
e delinquência. Mas é preciso observar que a maioria dos jovens das
comunidades pobres não ingressa na criminalidade; e nem todos os
que ingressam na criminalidade são admitidos nas gangues. Portanto,
ainda que esses grupos pratiquem alguns crimes, nem todas as delin
quências estão associadas a eles.
Um dos estudos mais completos já realizados sobre gangues foi
feito por Martín Sánchez Jankowski, que acompanhou ao longo de dez
anos, as ações de 37 delas nas cidades de Nova York, Chicago, Boston
195
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
e Los Angeles (JANKOWSKI, 1991). Em boa medida, seus achados
se aplicam à situação brasileira. Segundo Jankowski, as gangues não
são simplesmente o resultado da desorganização social; elas são con
sequência de uma ordem social específica existente nas comunidades
pobres, que não são “desorganizadas”. Ao contrário, são organiza
das em função de uma intensa competição por recursos econômicos
escassos. Nesse cenário hobbesiano, as gangues são uma das respostas
organizacionais (não a única) que visam a aumentar as vantagens nessa
competição. Para entender esse fenômeno é necessário ir além das
condições socioeconômicas das comunidades nas quais as gangues
estão inseridas. É preciso compreender as dinâmicas entre os seus
membros, sua organização e suas relações comunitárias.
Como já mencionado, se é verdade que as gangues surgem em
comunidades de baixa renda, também é verdade que nem todos os
jovens se envolvem com atividades criminosas. Os membros das gan
gues vêm, quase todos, dos grupos de baixa renda e desenvolvem
aquilo que Jankowski (1991) chama de caráter desafiador . Eles se
juntam em bandos em busca de status social e pela necessidade de
satisfazer suas necessidades econômicas. Não é qualquer jovem que é
aceito por uma gangue, cujo recrutamento é feito de diferentes formas,
mas segue um padrão que busca identificar os seguintes atributos nos
candidatos: competitividade, desconfiança, autossuficiência, isola
mento social, instinto de sobrevivência e visão darwinista de mundo.
A capacidade de manutenção de seus membros depende da habi
lidade das gangues em proporcionar status, apoio financeiro e bens
materiais. E isso depende da sua eficiência econômica em um cenário
de escassez, o que, portanto, condiciona quase todas as dinâmicas rela
cionadas às gangues. É em função disso que elas procuram maximizar
196
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
sua coesão interna. Para tanto é preciso fortalecer sua estrutura de hie
rarquia através da definição de regras e papéis sociais. No seu estudo,
Jankowski identificou diferentes hierarquias. Em algumas gangues o
poder se concentra numa única pessoa; noutras, ele é exercido por um
pequeno grupo, que compartilha as decisões e as tarefas de supervisão.
Há ainda aquelas gangues cujo poder é compartilhado entre vários
membros. Nesses casos, a hierarquia é mais frágil e o controle exercido
sobre seus membros, mais fraco.
Além de uma organização que proporcione eficiência econômica
e coesão interna, é preciso que a gangue esteja integrada à comuni
dade. Isso assegura proteção contra outras gangues e agentes estatais,
mas também implica a necessidade de serem aceitas pelos moradores
como parte da comunidade. Para isso, as gangues tendem a evitar
conflitos com a comunidade, além de responder a algumas das suas
necessidades, especialmente de proteção. Se essa integração for bem--sucedida (e nem sempre é), as gangues passam a gozar de alguma
legitimidade e ganham a proteção por meio do silêncio e do compar
tilhamento de informações.3
O grau de estruturação de uma gangue condiciona sua capacidade
de sobrevivência. Dependendo do tipo de normas e códigos sociais,
algumas duram mais do que seus membros. No Distrito Federal,
por exemplo, há gangues que existem há mais de 20 anos, cujos antigos
membros já morreram ou abandonaram suas atividades. Nesse sentido,
elas são fatos sociais, como descreveu Emile Durkheim, pois são ante
riores e exteriores aos seus membros (DURKHEIM, 1995). É pouco
provável, contudo, que a perda de alguns integrantes leve ao seu fim.
3 Uma dinâmica muito parecida com essa foi descrita por Eric Hobsbawn (2010) ao
analisar o banditismo rural do início do século XX.
197
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
De acordo com os estudos, as gangues persistem apesar das mudanças
na ordem social.
De todos os aspectos relacionados a esses grupos, a violência
é certamente o que chama mais a atenção da polícia e da mídia.
Apesar disso, as diferentes formas de violência associadas a gangues
ainda são pouco conhecidas. Embora seja parte constitutiva do fenô
meno, a violência pode ser limitada (não eliminada). A qualidade das
regras e dos códigos internos condiciona o nível de violência asso
ciado às ações dos seus membros. Ao contrário do que sugere o senso
comum, quanto menos estruturada for uma gangue, maior o nível de
violência dos seus membros. Há pelo menos cinco situações de violên
cia associadas a elas: i) contra um membro da própria gangue, ii) contra
membros de outras gangues, iii) contra moradores da comunidade,
iv) contra outras gangues e v) contra outras organizações criminosas.
Há casos em que a violência é cometida contra membros da
própria gangue. Esse comportamento diz respeito à necessidade de
afirmar a autoridade ou preservar a honra e manter o respeito dos
demais. Noutras situações, a violência é desferida contra membros
de outras gangues sem, contudo, implicar uma disputa entre os dois
grupos. Isso acontece para exercer o controle territorial ou por vin
gança. Não raro, esse tipo de situação acarreta outras vinganças.
A Polícia Civil do Distrito Federal já identificou situações nas quais
uma morte resultou num círculo vicioso de vinganças que levaram a
mais de uma dezena de homicídios. Esse padrão também se repete
em outras cidades.
Em geral, as gangues evitam atacar moradores da comunidade,
uma vez que precisam da proteção que eles oferecem. Quando esses
ataques acontecem, normalmente estão associados ao medo que seus
198
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
membros têm de ser denunciados à polícia ou mesmo outra organi
zação criminosa. O descontrole e a frustração também podem levar à
violência contra moradores. Em geral essas situações envolvem sen
timentos de desrespeito e disputas amorosas. Há também casos de
ajustes de contas, devido a dívidas contraídas por moradores.
Os episódios relatados anteriormente referem-se a situações de
violência individual. Mas há situações de violência coletiva envol
vendo disputa por controle territorial. Por trás dessas disputas estão
circunstâncias de flutuação no mercado de drogas ou outras merca
dorias ilícitas. Nos momentos de escassez, uma gangue pode decidir
tomar a área de outra para manter seu nível de negócios.
Comumente, as gangues juvenis têm sido retratadas como escolas
preparatórias para o crime organizado. Essa percepção baseia-se no
fato de que os seus membros adquirem habilidades e conhecimentos
úteis para a criminalidade profissional. Os estudos mais recentes, entre
tanto, indicam que isso não é tão frequente assim. Especialmente no
que diz respeito ao negócio das drogas.
Enquanto algumas organizações controlam boa parte da cadeia de
suprimentos do mercado de drogas ilegais, as gangues se concentram
na fase da distribuição. O que implica a convivência entre os diversos
atores que compõem o negócio. Geralmente as gangues escolhem
manter algum grau de autonomia, enquanto as outras organizações
criminosas preferem que elas se tornem seus agentes. Esses conflitos
de interesses podem precipitar disputas violentas. Ou seja, ao contrário
do que sugere o senso comum, as gangues não são necessariamente
escolas preparatórias para o crime organizado. É mais interessante
pensá-las como atores autônomos de uma grande cadeia produtiva na
qual está estruturado o negócio das drogas.
199
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
O desconhecimento sobre o funcionamento das gangues e das diver
sas situações de violência associadas a elas tem levado pesquisadores e
autoridades a desenvolver visões distorcidas. Primeiro, as “guerras às
gangues” não implicam extinção dos grupos, pois o fenômeno é capaz
de persistir. Nessas situações é necessário que a polícia intervenha para
evitar uma escalada da violência. Segundo, nem todas violências asso
ciadas a esses grupos derivam de estratégias para manter o negócio das
drogas. Muitas violências resultam de aspectos simbólicos relacionados
às noções de honra, prestígio e consideração. Terceiro, embora não
possam eliminar a violência, as gangues e suas comunidades podem
limitá-la a partir de normas, códigos e acordos recíprocos.
Para reduzir as violências associadas a elas é necessário implantar
políticas públicas que incluam, além das polícias, atores das áreas
de educação, saúde, juventude, assistência social, trabalho, esporte e
cultura. É preciso também engajar o Judiciário, o Ministério Público
e a Defensoria Pública. A sociedade civil pode atuar junto à juven
tude dos bairros pobres das periferias das grandes cidades brasileiras.
Em suma, é necessário formar uma ampla rede de políticas públicas,
com elevada capacidade de governança.
As facções e o negócio das drogas
As pesquisas têm destacado a relação entre os homicídios e o
negócio das drogas (BEATO FILHO et al., 2001; ZALUAR, 2002,
2004). A probabilidade de morte violenta tende a aumentar quando se
verifica algum tipo de envolvimento com essas atividades. O negócio
das drogas compõe um importante setor da economia global que opera
a partir de diferentes estruturas organizacionais. Algumas delas são
200
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
fundadas em bases locais e étnicas, nas quais os aspectos culturais e
vínculos familiares desempenham papel fundamental. Outras organiza
ções, entretanto, não guardam vínculos com as comunidades nas quais
estão inseridas. Nesses casos, elas funcionam como filiais de uma estru
tura que pode ter base noutro bairro, cidade e até mesmo noutro país.4
A flexibilidade e a versatilidade são dois aspectos relevantes do
negócio das drogas. Além do envolvimento das gangues, observou-se
nas últimas décadas o surgimento de outros tipos de organizações
ligadas a ele. Dependendo do país, são chamadas de máfias, cartéis
ou marras. No Brasil, geralmente são chamadas pela mídia de facções
criminosas. Há várias delas em atuação no país: Primeiro Comando da
Capital, Comando Vermelho, Terceiro Comando, Amigos dos Amigos,
Bala na Cara, Família do Norte.
Diferente das gangues, as facções são um fenômeno recente.
Alguns relatos indicam que elas teriam surgido no Brasil a partir da
década de 1980. Seus membros, apesar de jovens, tendem a ser mais
velhos do que os integrantes de gangues juvenis. Elas não possuem neces
sariamente vínculos com as comunidades locais e apresentam um grau
de estruturação maior. Algumas têm códigos de condutas escritos e todas
possuem estrutura hierárquica bem definida. As facções se inserem em
várias etapas da cadeia produtiva e distributiva do negócio das drogas.
Seu modus operandi é a formação de redes em níveis locais, nacionais e
internacionais, como destacou Manuel Castells (1999). São essas redes e
seus conflitos de interesse que geram violência, especialmente homicídios.
No caso brasileiro, em especial nos últimos anos, pudemos perce
ber a melhoria da capacidade de coordenação e articulação das ações
4 Para uma análise das conexões entre as marras e as gangues dos EUA, ver Bruneau,
Dammert, Skinner (2011).
201
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
de diferentes facções criminosas (novas ou preexistente). Isso se deve,
em parte, às características do nosso sistema penitenciário. Há inúme
ros relatos sobre como o convívio nas prisões entre membros de grupos
criminosos deu origem às redes de crime organizado (DIA, 2013,
2014; ALVAREZ, SALLA, DIAS, 2013). A melhoria da governança
dessas redes é evidenciada pela sua capacidade de promover rebeliões
simultâneas em presídios.
Mais recentemente, temos assistido a ações violentas e espetacu
lares realizadas por essas facções criminosas contra estabelecimentos
policiais, transporte público, comércio e escolas. Isso tem chamado a
atenção das autoridades políticas, das lideranças policiais e dos mili
tares, bem como tem contribuído bastante para aumentar o sentimento
de insegurança da população em geral. Em função disso, tem crescido
a pressão para que as forças de repressão intensifiquem suas ativida
des e, também, para que sejam estabelecidas penas mais duras contra
esse tipo de crime.
A violência associada às facções deriva das características dos
conflitos existentes no negócio das drogas. Ao contrário das gangues,
não é necessariamente a situação de escassez que gera disputas entre
elas. Como em outras atividades econômicas, há uma tendência de
buscar ampliar a participação desses grupos no mercado de drogas.
Algumas facções têm diversificado sua atuação na cadeia produtiva,
desenvolvendo simultaneamente atividades ligadas à produção, ao trans
porte e à distribuição de drogas. Há casos em que elas estenderam sua
participação a ponto de exercerem quase um monopólio dessa distri
buição. É a busca pelo aumento de participação no mercado que tem
gerado a maioria dos conflitos que se observa atualmente. Como são
grupos bem estruturados, atuando num mercado ilegal – portanto,
202
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
não regulado – bastante lucrativo, os conflitos tendem a ser muito mais
violentos e espetaculares que as disputas entre gangues. Nas guerras entre
as facções é frequente a utilização de fuzis, granadas e metralhadoras.
Os efeitos desse tipo de crime organizado não desafiam apenas a
autoridade dos agentes estatais. Sua consequência mais grave é sentida
pelas pessoas que residem nas áreas onde esses grupos criminosos
se instalam. A expansão do negócio das drogas encontrou condições
favoráveis nas periferias e comunidades pobres dos grandes centros
urbanos brasileiros. No plano comunitário, a presença das facções veio
a deteriorar ainda mais o já frágil tecido social. Em alguns lugares,
elas se transformaram no poder central. Moradores incômodos foram
expulsos ou mortos, bem como as associações de bairro foram esva
ziadas e perderam substancialmente participação no debate político.
De modo geral, a sua presença alterou profundamente toda a rede de
sociabilidades locais, das famílias às igrejas, passando pelos blocos
de samba e times de futebol (ARIAS, 2007).
No plano individual, essas facções exercem uma grande influên
cia sobre a juventude pobre. Diferente das gangues, cuja escassez
material limita sua capacidade de recrutamento, a alta lucratividade
do negócio das drogas permite que essas organizações empreguem
uma grande quantidade de jovens em variadas funções e hierarquias.
Para esses jovens, o pertencimento a um grupo criminoso e a posse de
uma arma operam como mecanismos de reconhecimento num cenário
de exclusão social. Nesse contexto, a violência deixa de ser simples
mente uma estratégia de ação e passa a ser o próprio instrumento de
expressão social. Esse tipo de violência expressiva põe em cena uma
juventude pobre que aspira reconhecimento social (PERALVA, 2000;
WIEVIORKA, 2004)A falta de compreensão dos diferentes atores que compõem o negó
cio das drogas e a falta de clareza quanto a suas dinâmicas de expansão
e diversificação têm levado a respostas equivocadas por parte das auto
ridades. A “guerra às drogas”, inaugurada na década de 1970 nos EUA e,
posteriormente, incorporada no discurso brasileiro, mostrou-se ineficaz
por dois motivos. Primeiro, é praticamente impossível acabar com o
negócio agindo somente sobre o polo da oferta sem tratar da demanda
por drogas. Sejam lícitas ou ilícitas, elas fazem parte da cultura urbana
do século XXI. A criminalização do uso, porte e comércio de drogas não
gerou efeitos significativos sobre o negócio. E, é pouco provável que a
simples descriminalização do consumo mude significativamente esse
quadro. Por outro lado, as recentes iniciativas de regulação da cadeia pro
dutiva nos EUA, Uruguai e Canadá, disciplinando a forma de produção e
distribuição, podem trazer resultados melhores. Mas isso só o tempo dirá.
Segundo, embora a atuação das facções seja ditada pela economia
informal da droga, os seus conflitos podem e devem ser limitados
pelo Estado. Uma vez que as facções são bem mais estruturadas que
as gangues, elas podem limitar o conflito. Mas, para tanto, o poder
estatal precisa ampliar sua capacidade de intervenção nos conflitos
entre esses grupos. Ou seja, ser capaz de governar o crime.
As iniciativas mais bem-sucedidas para inibir a ação das facções
têm utilizado a lógica de formação de forças-tarefa que incluem tanto
atores federais quanto estaduais, como a Polícia Federal, as polícias
civis, o Ministério Público e os ministérios da Justiça, das Relações
Exteriores e da Economia. Esses atores participam de diferentes redes
para troca de informações, recuperação de ativos, proteção a teste
munhas e inteligência financeira e fiscal. E, como vimos, a eficiência
dessas redes depende da capacidade de governança do Estado.
204
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
Os grupos de extermínio
Embora as estatísticas criminais apontem um aumento no número
de furtos e roubos à residência, o comércio continua sendo o principal
alvo dos crimes contra o patrimônio. Além disso, eles não se distribuem
de forma homogênea pelo espaço urbano. Ao contrário, existe uma
concentração espacial que é influenciada pelas condições socioeco
nômicas e demográficas das áreas urbanas. Alguns locais concentram
uma proporção grande dos crimes contra o patrimônio (COSTA, 2011).
Os grupos mais afetados por essa forma de criminalidade têm
adotado diversas estratégias para mitigar o problema. Em alguns
casos, eles pressionam as autoridades a adotar programas especiais
de policiamento das áreas comerciais e residenciais. Também temos
verificado o crescimento e a sofisticação de sistemas de vigilância
privada. Acompanhando a tendência mundial, a sociedade brasileira
tem se deparado com o aumento do número de empresas de vigilân
cia privada. Devido às características do aparato legal e burocrático
nacional, boa parte delas é irregular e está submetida à fiscalização
precária (LOPES, 2014, 2015; ZANETIC, 2012, 2013).
Com relação às áreas residenciais, observamos nos últimos 20 anos
o surgimento de novos padrões de moradia, condomínios verticais e
horizontais, cuja característica comum é a centralidade da preocupação
com a segurança dos seus moradores. Esses condomínios são verda
deiros “enclaves fortificados”, como apontou Teresa Caldeira (2000).
As áreas comerciais dos bairros de classe alta e média, entretanto,
não são as únicas afetadas por essa modalidade criminosa. Ao con
trário, são as regiões menos nobres que concentram o maior número
de crimes contra o patrimônio. As principais vítimas são pequenos
205
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
comerciantes, que dificilmente contam com a atenção das autorida
des, tampouco dispõem de um sofisticado e caro aparato de segurança
privada. Nessas áreas, são frequentes os relatos sobre a atuação de
grupos de extermínio e justiceiros, que agem à margem da lei e, fre
quentemente, são integrados por policiais. Via de regra, contam com
apoio financeiro de comerciantes e empresários, vendendo a proteção
que o Estado é incapaz de proporcionar. Para isso, se encarregam de
“limpar” a área dos criminosos e delinquentes. São frequentes os relatos
de grupos de extermínio e justiceiros atuando nas periferias das gran
des regiões metropolitanas. Além desses grupos, verifica-se também o
surgimento de milícias, especialmente no Rio de Janeiro, que além de
vender proteção, também exploram a prestação de alguns serviços nas
comunidades pobres (i.e., televisão a cabo, internet, gás etc.).
O vigilantismo, como é conhecido esse fenômeno, tem sido empre
gado para conter o crime e controlar determinados estratos sociais,
como prostitutas, homossexuais e indígenas. Trata-se de grupos extrale
gais, organizados para manter a lei e a ordem pelos seus próprios meios.
Para tanto, eles se valem da violência para criar, manter ou recriar uma
ordem sociopolítica (ROSENBAUM, SEDERBERG, 1976). A atuação
desses grupos de extermínio e justiceiros não é um fenômeno novo,
tampouco exclusivo do Brasil. Há diversos relatos de ação similar
nos EUA até a década de 1960. Atualmente, sua presença também é
frequente em algumas cidades da América Latina.
É importante notar que o vigilantismo é uma forma de controle
social exercido por determinados grupos da sociedade. O Estado não
tem participação direta nas ações, relacionando-se com o fenômeno de
forma indireta, ao consentir tacitamente sua ocorrência. Nesse caso,
a sociedade civil cria mecanismos privados para desempenhar a função
206
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
coercitiva. Basicamente, esses grupos percebem os mecanismos formais
de controle social e de administração da justiça como fracos, inadequa
dos ou insuficientes. Tais deficiências justificariam “fazer a justiça com
as próprias mãos”. Ao longo da história, o vigilantismo tem sido empre
gado para conter o crime, controlar determinados grupos indesejados.
Para eliminar os grupos de extermínio é preciso a participação
das polícias civis e militares, do Ministério Público, da Justiça Militar,
das ouvidorias e corregedorias de polícia. Além disso, para enfrentá-los
é preciso programas de proteção a testemunhas. Em suma, é necessário
formar e coordenar uma rede de políticas públicas. Isso requer elevada
capacidade de governança.
Os conflitos intersubjetivos
Parte significativa dos homicídios registrados no Brasil pode ser
computada às tensões intersubjetivas não necessariamente relacionadas
às gangues, ao tráfico de drogas ou grupos de extermínio. Trata-se
de conflitos entre pessoas conhecidas, cujo resultado muitas vezes
é a morte de uma das partes. Essas situações compreendem confli
tos entre cônjuges, parentes, amigos, vizinhos e colegas de traba
lho. Resultam geralmente de conflitos cotidianos, nos quais os atores
sociais envolvidos são incapazes de administrá-los de forma a não
produzir aquelas mortes (COSTA, 2011).
Esses eventos historicamente fazem parte do cotidiano de boa
parte da sociedade brasileira (FRANCO, 1997). A noção de conflito
intersubjetivo aponta, portanto, para o contexto relacional do qual
emerge a discórdia. Inclui aqueles que ocorrem em espaços de rela
tiva intimidade, como os domésticos e conjugais, e, para além deles,
207
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
os que acontecem na vizinhança, nos espaços de lazer (especialmente
nos bares), de trabalho, de negócios, de culto religioso. Essa noção é
útil para distinguir os antagonismos abrigados nas relações cotidianas
daqueles que surgem de relações contingentes nas quais os objetivos
da ação são claramente definidos (COSTA, BANDEIRA, 2007).
Nos estudos sobre os homicídios existe uma concepção domi
nante a respeito da pacificação das sociedades modernas, bem como
sobre a crescente monopolização da força física por parte do Estado.
Nessas condições, os indivíduos estariam compelidos a reprimir seus
impulsos violentos, de forma que haveria uma tendência de se buscar
entender a violência em termos racionais e estratégicos. As questões
relativas ao que essa violência significa para seus autores e vítimas
(ou o que ela expressa) têm sido tratadas de forma secundária.
Desse modo, o comportamento violento é visto como uma estratégia
ilegítima para alcançar determinados objetivos. Por outro lado, estamos
inclinados a pensar que os casos em que essa estratégia e esses objetivos
não são claramente definidos como situações anormais, irracionais nas
quais a violência está desprovida de sentido. Isso talvez explique por que
frequentemente nos referimos a uma “violência sem sentido” quando
não conseguimos reconhecer facilmente os meios e fins daquela ação.
Ao invés de definir a violência a priori como irracional, porém,
é necessário considerá-la como uma forma de interação ou expressão.
Uma forma de ação que foi histórica e socialmente construída e é capaz
de dar sentido e significado à violência, que ao ser qualificada como irra
cional, sem sentido ou significado apenas reflete uma tendência de analisar
os casos em que ela ocorre de forma dissociada do seu contexto. De fato,
sem o conhecimento das suas circunstâncias e sem qualquer descrição do
seu contexto, é provável que muitos casos de violência sejam considerados
208
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
“irracionais” e “sem sentido”. Ironicamente, esse tipo de abordagem fecha
as portas para os estudos exatamente onde eles deveriam começar: na aná
lise da sua forma, do seu significado e do seu sentido (BLOK, 2001).
Essa visão instrumental é mais grave quando nós sabemos que
diversas formas de violência rotuladas com irracionais ou sem sentido
são orientadas por normas, protocolos e prescrições. Noutras palavras,
são estruturadas e ritualizadas. Sabemos, por exemplo, que muitos
casos de homicídios resultam de insultos e ameaças. Nós também
sabemos que o significado do insulto varia de acordo com o contexto
social e cultural, bem como do fato de algumas pessoas serem mais
sensíveis a eles que outras. Quando realizados em público, os insultos
podem incluir formas de violência verbal e agressão física. Isso é parti
cularmente válido naquelas sociedades que desenvolveram forte senso
de honra, como os cientistas sociais têm apontado. Especialmente para
os homens dessas sociedades, a forma mais recorrente de preservar a
sua honra e resguardar a sua reputação é o uso da violência.
As mortes decorrentes de conflitos intersubjetivos resultam das fra
gilidades das instituições destinadas à sua administração. Juizados espe
ciais criminais, programas de justiça restaurativa, comunitária e do tra
balho e de mediação nas escolas e de justiça do trabalho desempenham
papel importante no esforço para constituir redes de políticas públicas
destinadas à administração de conflitos.
A investigação criminal de homicídios
Investigar e elucidar homicídios é uma das principais estratégias
para reduzir esse tipo de crime. Assim, alguns países têm realizado
reformas a fim de melhorar o desempenho das unidades policiais
209
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
encarregadas da sua investigação. Em alguns casos, passou-se a inves
tir maiores recursos para melhorar os órgãos de perícia, num esforço
de priorizar as provas técnicas em detrimento das provas testemunhais.
Segundo o Estudo Global sobre Homicídios, elaborado pela ONU
em 2015, algumas nações apresentaram taxas elevadas de elucidação
de homicídios, como Alemanha (96%), Japão (95%), Inglaterra (81%),
Canadá (80%) e EUA (59%). No Brasil ainda não é possível determi
nar essa taxa, uma vez que não existe um sistema de indicadores que
permita mensurar o desempenho da investigação criminal.
Segundo um levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz em
2019, no Brasil apenas 12 estados brasileiros de estatísticas sobre
elucidação de homicídios5. Nesses estados as taxas de elucidação de
homicídios dolosos variaram entre 10,3% no Pará e 73,2% no Mato
Grosso do Sul. Apenas quatro estados esclareceram ao menos metade
dos homicídios dolosos registrados.
De forma geral, nos bairros pobres brasileiros com grande número
de homicídios as delegacias de polícia, quando existem, funcionam
em condições precárias. Elas não possuem efetivo policial suficiente
para investigar os crimes, tampouco dispõem de viaturas e instala
ções adequadas. Os investigadores dificilmente contam com apoio
f
inanceiro para desenvolver as atividades de busca de informações.
Nesse cenário, a maior parte dos inquéritos concluídos e enviados ao
Ministério Público são aqueles cujos agressores foram identificados
e capturados em flagrante pela população ou pela PM.
Além da falta de policiais, a precariedade dos órgãos de perí
cia também afeta a capacidade dos investigadores de juntarem aos
5 Instituto Sou da Paz. Onde mora a impunidade. Relatório de Pesquisa, 2019.
210
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
processos provas técnicas, mais robustas e bem aceitas nos tribunais.
Assim, as investigações, quando ocorrem, baseiam-se fundamental
mente nos depoimentos de testemunhas. E, mesmo nos casos com fato
material testemunhal, com frequência impera a lei do silêncio. Assim,
ainda que tenha sido possível identificar o agressor, a produção de
provas a partir de testemunhos e técnicas é uma raridade.
Isso acontece por dois motivos. Primeiro, muitos crimes estão rela
cionados à atuação de gangues ou ao negócio das drogas. E a certeza
de não poder contar com a proteção da polícia faz com que as teste
munhas se calem. Segundo, a falta de confiança nas polícias, por um
histórico de violências ou de extorsões, torna a busca de informações
mais difícil ainda.
Em regra, o treinamento dos investigadores é bastante precário.
O currículo das academias de polícia não contempla satisfatoriamente
os conhecimentos necessários à investigação criminal – por exemplo,
são raros os cursos específicos sobre perícia e técnicas de interroga
tório. Há poucos incentivos institucionais para o aperfeiçoamento
dos investigadores. Nesse contexto, os saberes relacionados à inves
tigação de homicídios são transmitidos aos novatos pelos policiais
mais experientes.
A articulação entre os diferentes profissionais envolvidos na inves
tigação é pequena. Em geral, investigadores, peritos, delegados e promo
tores não articulam nem coordenam suas ações, de forma que a investi
gação se torna uma verdadeira babel, onde diferentes atores sobrepõem
seus relatos e suas interpretações sobre o crime e seus autores. Não raro,
mesmo nos casos em que é possível determinar a autoria, o processo cri
minal não resulta em prisão, seja por falta de provas, seja por diferentes
interpretações de delegados e promotores ou porque o agressor fugiu.
211
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Apesar do quadro caótico, há boas iniciativas de reestruturação
da investigação de homicídios. Visando a aumentar a rapidez, inte
gração e coordenação dos trabalhos investigativos, alguns estados
criaram delegacias especializadas nesse tipo de crime. Normalmente,
essas unidades contam com maiores efetivos, destinados, em particular,
às atividades relacionadas à elucidação de mortes violentas. Os efetivos
são divididos em equipes que atuam em áreas específicas. Em algumas
dessas delegacias, as equipes encarregadas de investigar o local do
crime contam com a participação de peritos.
Outra iniciativa que tem melhorado o desempenho das polícias na
investigação de crimes violentos é a criação de câmaras técnicas integra
das por representantes das polícias, dos órgãos de perícia, do Ministério
Público, do Judiciário e da Defensoria Pública. O objetivo dessas instân
cias é resolver os problemas do fluxo do processo de persecução penal.
As políticas sociais de prevenção de violências
Em curto prazo a melhoria na investigação dos homicídios é capaz
de reduzir a incidência desse crime. Mas isso não assegura que essas
mortes não voltem a ocorrer em médio e longo prazo. Há um consenso
entre os pesquisadores segundo o qual para mitigar as causas dos
homicídios é necessário implantar políticas sociais de prevenção, cujos
efeitos alcançariam as novas gerações e, portanto, seriam sentidos no
longo prazo. O grande desafio é conferir efetividade a essas políticas.
De forma geral, as mortes violentas são um fenômeno espacial
mente concentrado. Segundo o Atlas da Violência no Brasil, em 2016
apenas 573 municípios que concentravam 70% dos crimes dessa natu
reza, dos quais 123 respondiam por cerca de 50% do total registrado
212
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
no país (IPEA, FBSP, 2017) Os estudos também mostram que em boa
parte desses municípios o fenômeno está localizado em poucos bairros
que respondem por uma grande quantidade homicídios.
A concentração espacial desses crimes evidencia uma lógica de
reprodução da violência urbana. Ela se reproduz nas comunidades
pobres, com precária infraestrutura urbana e baixa oferta de trabalho.
Nesses lugares, a falta de professores nas escolas e de médicos nas uni
dades de saúde acontece com maior frequência, assim como a disponibili
dade de equipamentos de cultura e lazer é pequena. Além disso, os mora
dores dessas comunidades são estigmatizados no mercado de trabalho.
É também nesses lugares que as relações dos policiais com os moradores
são mais tensas, marcadas por incidentes de arbitrariedade e violência.
Outro aspecto importante dessa violência é que, além de concen
trada, ela também é duradora. A concentração dos homicídios não é
uma fotografia tirada numa data específica. Ela é um filme que mostra
a repetição de padrões de comportamento por gerações. Fica claro,
desse modo, que tanto as análises quanto as iniciativas para tratar o
problema não podem se resumir aos indivíduos que cometem crimes.
É necessário considerar os efeitos do bairro e a importância dos vín
culos comunitários sobre a juventude pobre (SAMPSON, 2012).
Em função disso, gestores de segurança, policiais e pesquisadores
passaram a analisar o fenômeno a partir de uma abordagem epide
miológica, levantando os grupos, as situações e as áreas de risco.
Entretanto, ainda são poucas as políticas que concentram seus recursos
em determinados grupos sociais (jovens, mulheres, indígenas etc.),
em determinadas situações (brigas de bares, conflitos interpessoais e
conflitos fundiários, entre outros). Também são pouco frequentes as
políticas que concentram seus recursos numa área delimitada.
213
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Há várias experiências de políticas públicas preventivas que,
em função do sucesso, têm sido replicadas em outros bairros e cidades.
Uma delas é o projeto Promotoras Legais Populares, implementado
no Rio Grande do Sul em 1993. Desde então replicado em outros
estados, seu foco é a violência contra as mulheres, visando a transmitir
conhecimentos teóricos e práticos sobre aquilo que elas reconhecem
como situações de violência e de violação de direitos e apontando os
mecanismos jurídicos para sua proteção. O projeto realiza cursos de
capacitação para mulheres que frequentam oficinas de debates sobre
direito e cidadania, enfocando as questões de gênero.
O Programa Fica Vivo é outro exemplo. Trata-se de uma política
de prevenção com foco nos adolescentes e jovens de 12 a 24 anos.
Criado a partir de uma iniciativa da Universidade Federal de Minas
Gerais, ele foi inicialmente implantado em 2002 nos bairros de Belo
Horizonte que registravam maior concentração de homicídios. O pro
grama promovia oficinas de esporte, cultura e arte, articulando-se,
além disso, com outros serviços públicos para encaminhamentos de
adolescentes e jovens (SILVEIRA et al., 2010).
No âmbito internacional, o Programa Ceasefire tem sido replicado em
diferentes países, especialmente na América Central. Inicialmente implan
tado em Boston (EUA), em 1996, surgiu de uma parceria entre pes
quisadores e profissionais de segurança pública, com foco na violência
associada às gangues. Para isso, foi introduzido nos bairros com maior
incidência de violência juvenil e nos quais a atuação das gangues era
mais frequente (BRAGA et al., 2001).
Não faltam bons exemplos de programas de prevenção de violên
cia e de inserção de jovens. Embora muitos ainda precisem ser mais
bem avaliados, o maior desafio é a formação e a coordenação de uma
214
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
rede de políticas sociais de prevenção de violências. O que depende,
portanto, da capacidade de governança. A formação de uma rede desse
tipo está centrada na ideia de que os vários atores (públicos e privados)
encarregados de implantar essas políticas agirão de forma coordenada.
No caso das políticas de prevenção de homicídios, espera-se nos bair
ros mais afetados vários projetos e programas voltados para os grupos
e situações de risco. Fazer com que diferentes atores implantem seus
programas de prevenção nas mesmas áreas consideradas prioritárias
requer uma alta capacidade de governança.
Os problemas da agenda da redução de homicídios
Ao longo das últimas décadas, o governo federal apresentou cinco
planos para a área. Em junho de 2000, foi anunciado o Plano Nacio
nal de Segurança Pública (PNSP), cujo objetivo era articular ações de
repressão e prevenção da criminalidade no país. O plano compreendia
15 compromissos que se desdobravam em 124 ações, envolvendo temas
relacionados ao crime organizado, controle de armas, capacitação profis
sional e reaparelhamento das polícias. Em 2007, foi criado o Programa
Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci). Entre seus princi
pais eixos destacam-se a valorização dos profissionais de segurança
pública; a reestruturação do sistema penitenciário; o combate à corrup
ção policial; e o envolvimento da comunidade na prevenção da violência.
Em 2012 foi lançado o Brasil Mais Seguro, cujo objetivo geral era a
redução da criminalidade violenta no país. Ele previa ações voltadas
ao enfrentamento à impunidade, ao aumento da sensação de segurança,
ao controle de armas e ao combate a grupos de extermínio. Ou seja,
nenhum desses três programas tinha foco na redução dos homicídios.
215
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Em 2015 foi anunciado o Plano Nacional para Redução de Homi
cídios, que previa ações focadas nas áreas com maior concentração
de mortes violentas, integração de políticas públicas, mobilização e
participação social, bem como a articulação entre os governos subna
cionais. Em 2017, foi a vez do Plano Nacional de Segurança Pública,
que apresentava vários objetivos: redução de homicídios dolosos e
feminicídios; redução da violência contra a mulher; racionalização e
modernização do sistema penitenciário; e combate integrado à crimi
nalidade organizada transnacional. Apesar de apresentarem objetivos
específicos de redução de homicídios, nenhum dos dois planos con
seguiu se concretizar e implantar as ações previstas originalmente.
A falta de agenda política para o problema dos homicídios não se
resumiu aos governos federais. Até 2015, foram raros os estados que
adotaram planos voltados especificamente para a redução das mortes
violentas. Na maior parte dos casos, eles se limitaram a implantar
ações isoladas para lidar com o problema, normalmente a cargo das
polícias. A maioria das iniciativas estaduais tem fracassado devido à
falta de um planejamento abrangente capaz de envolver diversos atores
em uma rede de políticas públicas. Também raros foram as unidades
federativas que adotaram medidas para incrementar sua capacidade
de coordenar e articular ações de segurança pública. A ausência de
mecanismos de governança tem gerado problemas de dispersão e
incoerência dessas ações.
Com frequência, falta foco às iniciativas para redução de homicí
dios. Apesar do fenômeno se concentrar em algumas áreas, grupos e
situações de risco, as ações são dispersas. Os bairros com maior incidên
cia de mortes não são necessariamente aqueles que recebem maiores efe
tivos e equipamentos de polícia. Esses locais, geralmente, não possuem
216
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
delegacias especializadas em investigação de mortes violentas, tam
pouco contam com programas voltados para a prevenção de violências.
Há problemas de incoerências, uma vez que algumas ações têm
pouca relação como a redução dos homicídios. Não raro, os gover
nos implantam programas inovadores de policiamento comunitá
rio, vídeomonitoramento, rondas ostensivas, delegacias legais que,
embora sejam importantes, não têm efeitos diretos na redução desses
crimes. Também tem sido comum a adoção de estratégias tradicionais
de policiamento voltadas para a prisão em flagrante de criminosos,
rientadas por um discurso de guerra às drogas. Em alguns estados
também são adotadas ações de enfrentamento às facções criminosas.
E, em geral, os resultados são frustrantes porque essas estratégias tra
dicionais de policiamento têm mostrado pouca efetividade na redução
das mortes violentas.
Mas, apesar dos problemas de dispersão e incoerência, o princi
pal obstáculo para reduzir crimes dessa natureza é a falta de políticas
públicas específicas. A despeito dos números e discursos sobre o tema,
poucos governos elaboraram e implantaram políticas nesse sentido.
A ausência de uma agenda para a redução dos homicídios não é
decorrência da invisibilidade do problema, mas sim da sua especifici
dade. Desde a década de 2000, as mortes violentas no país deixaram
de ser invisíveis. Graças aos esforços de pesquisadores, elas ganharam
visibilidade nacional e passaram a fazer parte do debate público sobre
segurança. As cifras sobre os homicídios são amplamente conhecidas
pela mídia, pelas autoridades políticas e pelas lideranças policiais.
Como vimos, as mortes violentas são bastante concentradas: suas prin
cipais vítimas são jovens negros, moradores dos bairros mais pobres
das cidades que compõem as periferias das grandes cidades e regiões
217
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
metropolitana do Brasil. Portanto, um mesmo problema que atinge
de diferentes formas boa parte das famílias brasileiras.
No plano discursivo, os homicídios não têm sido tratados como
um fenômeno autônomo, com causas e dinâmicas próprias. De forma
geral, eles são vistos como parte de um problema mais amplo, apa
recendo como um indicador de segurança pública, junto com outras
modalidades, como roubos, furtos e fraudes. Esses indicadores têm
sido utilizados para descrever uma categoria mais abrangente chamada
de violência. Entretanto, ela, a violência, é um conceito polissêmico
que assume diferentes significados dependendo de quem fala. O desafio
da formação da agenda é fazer com que essas mortes deixem de ser
apenas um indicador da violência e se tornem um desafio cuja supe
ração requer políticas específicas.
Como dito antes, o quadro dos homicídios começou a mudar a
partir de meados da década de 2010. Entre 2011 e 2020, observou--se a redução dessas taxas nos seguintes estados: Distrito Federal
(-51,4%), Alagoas (-51,1%), Paraná (-34,7%), Paraíba (-34,3%),
Minas Gerais (-34,3%), Espírito Santo (-29,2%), São Paulo (-24,9%)
e Santa Catarina (-23,6%). Três capitais brasileiras – São Paulo,
Florianópolis e Brasília – registraram taxas inferiores a 15 homicídios
por 100 mil habitantes.
Esses estados têm em comum a adoção de políticas de segurança
públicas baseadas na gestão por resultados, sob três elementos: res
ponsabilização dos comandantes e delgados-chefes; elaboração de
indicadores e metas de desempenho; e criação de comitês gestores.
Isso só foi possível graças à criação das regiões e áreas integradas
de segurança públicas, as RISP e AISP, implantadas inicialmente no
Rio de Janeiro com o objetivo de coincidir a área de competência dos
218
CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA
batalhões e delegacias. Em geral, a área de atuação dos batalhões e
delegacias não coincidiam, o que tornava a coordenação e integração
das ações muito difícil. E, portanto, impossibilitava a responsabilização
dos gestores de polícia.
O passo seguinte foi o fortalecer a capacidade dos estados para
produzir indicadores criminais confiáveis e desagregados em cada
RISP e AISP. Isso permitiu que cada unidade federativa criasse seu
próprio modelo de produção de estatísticas. Alguns estados fortalece
ram as Secretarias de Segurança Pública para produzir os indicadores
criminais; outros criaram órgãos específicos para desempenhar a tarefa.
Finalmente, foram criados comitês gestores para monitorar
o desempenho das polícias. Em geral, esses órgãos são presididos
pelos governadores e reúnem, além das polícias, representantes da
educação, do planejamento, da infraestrutura, da saúde e da juven
tude. Também são convidados membros do judiciário e do Ministé
rio Pública para participar das reuniões nas quais os comandantes e
delegados-chefes são cobrados para alcançar metas de desempenho.
Esse modelo de gestão é uma solução caseira para o problema
crônico da falta de integração e de objetivos das políticas de segurança
pública. Em função dos bons resultados alcançados, nos últimos dez
anos ele tem sido implantado em diversos estados, onde foi rebatizado
como Pacto pela Vida, Estado Presente, Viva Brasília, Ceará Pacífico,
RS Seguro e Paraíba Unida pela Paz.
219
CAPÍTULO 7
A Segurança Pública e
o Medo do Crime
Não é apenas a criminalidade que tem afetado significativamente
a vida dos brasileiros. O medo do crime também é um problema de
segurança pública. Da mesma forma que os homicídios, as respostas
estatais ao medo exigem a formação de redes de políticas públicas e
alta capacidade de governança.
Ambos os fenômenos são alguns dos principais problemas enfren
tados pela população. O debate público em geral tende a tratá-los como
um único evento ou a considerá-los automaticamente associados. A cri
minalidade e o medo do crime, entretanto, são fenômenos autônomos.
Embora possa existir algum grau de correlação (dependendo do grupo
social e do lugar), eles têm dinâmicas próprias, causas e consequências
distintas (HALE, 1996).
Algumas pesquisas têm mostrado que o medo do crime é alto mesmo
em lugares onde as taxas de criminalidade são baixas (DAMMERT,
MALONE, 2002; MICELI et al., 2004; DAVIS, 2007; DAMMERT,
2016). O primeiro não é simplesmente o resultado do segundo evento
ou das imagens e notícias produzidas pela mídia. Ele diz respeito a
sentimentos difusos de ansiedades e incertezas que são resultado das
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
transformações das sociedades pós-modernas. Como um problema
central dos novos tempos, ele tem consequências que podem ser perce
bidas em diferentes níveis. Seus efeitos psicológicos negativos podem
causar algumas doenças mentais relacionadas a descrenças nos outros
e em insatisfações com a vida urbana. No plano social, o medo do
crime restringe alguns comportamentos, fragiliza os laços vicinais e
esvazia os espaços públicos.
Ele também tem consequências econômicas, porque leva ao aumento
de gastos das pessoas e empresas com segurança, produz processos de
gentrificação e especulação imobiliária e condiciona as formas de acesso
ao mercado. No plano político, o medo abre espaço para discursos puni
tivistas, sexistas, racistas e xenófobos. Ele é o combustível essencial
da política do ódio.
Neste capítulo, discutirei algumas das suas principais consequên
cias. Também analisarei quais são os grupos mais afetados pelo medo
do crime, discutindo ainda o papel do Estado e das redes de políticas
públicas no seu gerenciamento. Para isso utilizarei os dados da Pes
quisa Distrital de Vitimização (PDV), realizada em 2015 pela Secre
taria de Segurança Pública e Paz Social do Distrito Federal.
Medo do crime e percepção de risco
Há uma grande confusão acerca do significado e das formas de
medir o medo do crime. Por isso, é necessário distinguir três conceitos:
vitimização, medo em si e percepção de risco de crime. A vitimiza
ção diz respeito ao fato de alguém ter sido vítima de ato criminoso.
Obviamente, isso não implica a necessidade de o crime ter sido regis
trado na polícia, tampouco de o evento ter sidorealmente tipificado
222
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
como tal. Nem todos os crimes relatados nas pesquisas de vitimização
transformam-se em estatísticas criminais. Chamamos essa diferença de
cifra oculta, que varia de acordo com o perfil da vítima, tipo e lugar do
crime e da qualidade e legitimidade do serviço prestado pela polícia.
Apenas em caráter ilustrativo, cabe salientar que dentre as ameaças e
agressões que ocorreram no DF, naquele ano, somente 30,6% tiveram
registro policial.
O medo do crime é uma propriedade emocional e psicológica que
varia de intensidade em cada pessoa. Ele pode estar relacionado aos
sentimentos difusos de incerteza com a vida moderna, à percepção de
desordem e às dificuldades da vida urbana, bem como à violência e à
criminalidade. É, portanto, uma combinação de tempo e percepção,
de natureza efêmera e transitória e dependente das representações
sociais que fazemos dos riscos e perigos que nos cercam. Essas repre
sentações variam de acordo com o perfil dos indivíduos, classe social
e lugar onde residem (CHADDEE et al., 2016).
Já a percepção de risco refere-se a um julgamento ou cálculo indi
vidual sobre as chances de ser vítima de crime. Se o medo é emocional
e socialmente construído, a percepção de risco é racional e individual
mente calculada (CHON, WILSON, 2016). Enquanto vitimização e
medo não estão necessariamente associados, medo e percepção de
risco frequentemente aparecem correlacionados.
As estatísticas criminais produzidas a partir dos registros policiais,
embora sejam importantes, não contemplam todos os problemas rela
cionados à segurança pública. De certa forma elas focam nos crimes
e nos criminosos, revelando muito pouco sobre as percepções dos
cidadãos. Assim, para superar essa lacuna surgiram as pesquisas de
vitimização. Elas consistem na aplicação de um survey numa amostra
223
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
populacional para medir, em geral, três aspectos: vitimização, con
f
iança nas instituições (especialmente nas polícias) e o medo do crime
(COSTA, LIMA, 2017).
Os primeiros estudos nesse sentido surgiram nos EUA na década de
1960, sendo logo difundidas em diversos países europeus, como Inglaterra,
França e Noruega. No Brasil são raras as iniciativas governamentais que
abordam o tema. Em 1988, o IBGE introduziu pela primeira vez, em sua
Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD), um questionário
sobre vitimização. Em 2010, o Ministério da Justiça contratou o Instituto
Datafolha para realizar a primeira pesquisa nacional de vitimização. Até o
momento, esses são os dois únicos levantamentos nacionais.
Ao longo dos últimos 20 anos surgiram algumas pesquisas de abran
gência local e sem periodicidade em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo
Horizonte. Elas foram realizadas graças ao esforço de universidades
e instituições da sociedade civil, como a Universidade de São Paulo
(USP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Instituto Latino Americano das
Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente
(Ilanud), Instituto de Estudos sobre Religião (ISER) e Fundação Seade.
O universo da amostra variou: alguns levantamentos se limitaram às
capitais, outros abrangeram as regiões metropolitanas ou os esta
dos; foram raras as realizadas em municípios do interior (CRUZ et al.,
2011); enquanto algumas se basearam em amostragens domiciliares e
outras utilizaram o método de cotas. O período de referência também
variou: enquanto algumas pesquisas perguntaram ao entrevistado se ele
foi vítima de crime nos últimos 12 meses, outras utilizaram 5 anos como
recorte temporal. De qualquer forma, com base nesses levantamentos
buscou-se entender melhor os fenômenos associados ao medo do crime.
224
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
Em geral, para tal medição os pesquisadores perguntam se a
pessoa se sente seguras nas seguintes situações: i) em casa sozinha;
ii) em casa acompanhada pela família; iii) em casa acompanhada ape
nas pelo cônjuge; iv) no bairro onde reside de dia; v) no bairro onde
reside à noite; vi) nos outros bairros da cidade de dia; e vii) nos outros
bairros da cidade à noite.
Sobre percepção de risco, pergunta-se quais são as estratégias ado
tadas pela pessoa a fim de se proteger da violência e da criminalidade:
i) evitar ficar em casa sozinho; ii) evitar usar algum transporte coletivo;
iii) evitar frequentar locais onde haja consumo de bebidas alcoólicas;
iv) evitar conversar ou atender pessoas estranhas; v) evitar frequentar
locais com grande concentração de pessoas; vi) evitar sair à noite ou
chegar muito tarde em casa; vii) evitar frequentar locais desertos ou
eventos com poucas pessoas circulando; e viii) evitar sair de casa
portando muito dinheiro, objetos e pertences que chamem a atenção.
Medo do crime e vitimização
As explicações sobre o fenômeno partem de duas perspectivas.
Na primeira há uma ênfase nos aspectos que aumentam o medo,
tais como vulnerabilidades físicas, sociais e desordens. A segunda se
concentra na análise dos aspectos que reduzem o medo, como laços
sociais, vínculos comunitários e confiança nas instituições (FRANKLIN,
FRANKLIN, 2009).
Boa parte dos debates concentra-se na análise das vulnerabilida
des, que podem ser físicas ou sociais (GOODEY, 1997; SCHAFER,
HEUBNER, BRYNUM, 2006). O primeiro caso refere-se à percepção do
risco de sofrer algum tipo de violência em função de desvantagem física
225
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
relacionada à falta de mobilidade, força ou competência. Já as vulnerabi
lidades sociais estão relacionadas às condições sociais de moradia, educa
ção e renda (COHEN, FELSON, 2006, 1979; KILLIAS, CLERICI, 2000;
PANTATZIS, 2000; FRANKLIN, FRANKLIN, 2009). Noutras palavras,
as pessoas tendem a sentir mais medo se não são capazes de correr rápido,
não se sentem fortes o suficiente para reagir a agressões, não podem
comprar equipamentos de segurança para suas casas ou evitar áreas ou
contextos problemáticos. Quatro grupos se enquadram mais frequente
mente nessas situações: mulheres, idosos, negros e pobres.
Ao contrário do que supõe o senso comum, o medo do crime e a
vitimização não necessariamente estão associados. Essa relação depende
do tipo criminal e do número de vezes que a pessoa foi vitimada.
Nos crimes violentos ou de vários crimes as vítimas tendem a sentir
mais medo. Além desses aspectos, deve-se considerar também a viti
mização indireta: quando a vítima é um membro da família (ou alguém
com o qual mantém fortes laços afetivos), a associação entre vitimiza
ção e medo do crime tende a ser muito mais forte (WARR, ELLISON,
2000; TSELONI, ZARAFONITOU, 2008; GRAY et al., 2008).
Em resumo, o fenômeno não é delimitado apenas pela vitimização.
Essa relação depende de fatores psicológicos e sociais. Algumas pes
soas utilizam técnicas de neutralização para diminuir o impacto do
crime ou justificar ter sido vítima. Além disso, o medo do crime
depende igualmente da forma como o mundo é construído através de
representações produzidas e compartilhadas naquela sociedade (BOX,
HALE, ANDREWS, 1988; TSELONI, ZARAFONITOU, 2008).
A Pesquisa Distrital de Vitimização verificou que 33,8% da popu
lação do Distrito Federal havia vivenciado, em 2015, algum tipo de
crime. Desse total, 12,7% foram vítimas de crimes violentos como
226
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
roubos, agressões físicas e ofensas sexuais. A maior parte dos entre
vistados (66,2%) disse que não havia sido vítima de nenhuma natureza
criminal analisada. Por outro lado, 0,3% declarou ter sido atingido por
5 ou mais crimes.1
Tabela 7.1 – Percentual de população vitimada por crime (DF/2015).
Vitimização nos últimos 12 meses
Sim
Geral (furtos, roubos, agressões físicas, ameaças,
ofensas sexuais, fraudes e discriminação)
33,8%
Não
66,2%
Violenta (roubos, agressões físicas e ofensas
sexuais)
Fonte: Pesquisa de Vitimização Distrital (GDF/SSP, 2015)
12,7%
87,3%
No que se refere à sensação de segurança, os dados da pesquisa
revelaram que as situações de medo do crime eram mais comuns
durante a noite e em regiões desconhecidas da vítima (outros bair
ros da cidade). Por outro lado, as pessoas tendiam a se sentir mais
seguras em casa e no bairro onde residiam, principalmente durante
o dia. Apenas 16,1% dos entrevistados não se sentiam inseguros em
nenhuma situação, enquanto 13,3% declararam-se inseguras em todas
as situações analisadas.
A pesquisa mostrou que o fato de a pessoa ter sido vítima de crime
praticamente não afetava a sua percepção de risco. Ou seja, não é a
vitimização que faz alguém mudar suas condutas diárias. Além disso,
os números mostram que também é muito baixa a relação entre a
1 Envolveu a realização de um survey em uma amostra de 19.537 membros da população
residente no Distrito Federal com idade acima de 16 anos. A pesquisa, representativa
da situação do DF e de cada uma das suas 31 Regiões Administrativas em particular,
teve uma margem de erro de 0,7% quando retrata a situação de todo o território distrital.
227
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
vitimização e o medo do crime. As pessoas que declararam sentir mais
medo não foram necessariamente aquelas vitimadas por algum ato
criminoso. Por último, os dados da Pesquisa Distrital de Vitimização
mostraram que aquelas que sentem mais medo tendem a mudar suas
rotinas com mais frequência (COSTA, DURANTE, 2018).
Tabela 7.2 – Medo do crime por situações ou locais (DF – 2015).
Medo do Crime
Situações
Casa acompanhado apenas pelo cônjuge
Casa acompanhado familiares
Casa sozinho
Bairro onde reside durante o dia
Bairro onde reside durante a noite
Muito
seguro
15,2%
14,4%
Seguro
Inseguro
68,4%
68,6%
9,1%
5,5%
3,0%
Outros bairros durante o dia
Outros bairros durante a noite
1,4%
0,9%
Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
65,4%
53,9%
31,9%
33,3%
18,8%
14,1%
14,7%
22,2%
34,1%
43,4%
54,2%
53,6%
Muito
inseguro
2,3%
2,2%
3,3%
6,4%
21,7%
11,1%
26,7%
É fato que a criminalidade em geral afeta pouco o medo e a per
cepção de risco. Alguns tipos de crimes violentos, entretanto, afetam
significativamente a sensação de segurança dos cidadãos. Os roubos,
as ameaças e as agressões são os eventos que mais causam medo na
população. De acordo com a pesquisa, as pessoas vitimadas por roubo
tiveram 82,9% mais chance de sentir medo no bairro onde residiam
durante o dia do que as que não foram vítimas de roubo. Da mesma
forma, aquelas submetidas à discriminação tinham 40,2% de chance
228
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
de sentirem medo no seu próprio bairro de dia. Entre aquelas que
haviam sofrido algum tipo de ameaça esse percentual foi de 31,4%.
Tabela 7.3 – Razão de chance entre vitimização e medo do crime.
Tipos Criminais
Situações Medo
Bairro
onde
reside
Outros
bairros
Casa
Dia
Noite
Dia
Noite
Sozinho
Fraudes
Discriminação
Ameaças
22,7% 40,2% 31,4%
Agressões
Furto
Roubo
38,0% 82,9%
Ofensas Sexuais
28,3% 43,4% 23,5% 24,2% 12,7% 83,8% 55,4%
15,3% 17,0%
14,4% 22,3%
Acom
panhado
Familia
res
Cônjuge--
28,2% 45,6%
26,1% 44,7%
33,8% 49,0%
Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
18,5% 28,0% 52,5%
23,9% 27,7% 61,7% 46,6%--
Medo do crime, gênero, renda, raça e idade
28,8% 55,7%
37,8% 63,2%
30,6% 64,0%--
Os estudos apontam que as mulheres se destacam entre os grupos
mais vitimados, com mais medo e maior percepção de risco. As dife
renças de gênero se sobressaem em todos os grupos etários, faixas de
renda ou nível de escolaridade. Isso ocorre em função dos seguintes
aspectos. Primeiro, o temor de estupro influencia fortemente a percepção
de risco. Além disso, há na mulher uma preocupação sempre presente
de ser vítima de algum outro tipo de agressão sexual. Segundo, o medo
dessa agressão influencia também o temor de outros tipos de crime não
229
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
sexuais, mas que envolvam alguma forma de interação entre vítima e
agressor. Por último, essa percepção de risco implica diferenças no estilo
de vida e marcam profundamente a socialização feminina (HALE, 1996;
FERRARO, 1996; ÖZASCILAR, 2013).
O levantamento de 2015 mostrou que as mulheres constituíam o
grupo social majoritariamente vitimado. Em cinco das sete naturezas
criminais avaliadas elas foram mais vitimadas que os homens, sendo
sua vitimização significativamente maior nos crimes sexuais, discri
minações e ameaças. Eles foram mais vitimados apenas nos crimes
de fraudes e furtos.
As mulheres constituíram o grupo social com maior medo do
crime. Elas se destacaram em todas as situações analisadas, sendo
a insegurança significativamente maior em casa e no bairro onde
residiam. Também formaram o grupo com maior percepção de risco.
Em todas as situações analisadas, foram as que mais modificaram sua
rotina, especialmente envolvendo evitar ficar em casa sozinha, fre
quentar locais de consumo de bebida alcoólica ou conversar e atender
pessoas estranhas.
Os estudos também indicam que a renda familiar e a raça/cor das
pessoas estão significativamente associadas ao medo e à percepção de
risco. Isso acontece em função de fatores ambientais e sociais, uma vez
que esses grupos normalmente residem em áreas degradadas ou de
frágil infraestrutura urbana, com altas taxas de criminalidade e incivi
lidades. O medo e a percepção de risco existentes nessas localidades
afetam a confiança e a coesão social. Além disso, a estigmatização
dessas áreas aumenta o clima de desconfiança e a tensão entre os
agentes estatais (sobretudo os policiais) e a comunidade (BOX, HALE,
ANDREWS, 1988; HALE, PACK, SALKELD, 1994).
230
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
A Pesquisa Distrital de Vitimização apontou que as situações de
vitimização criminal estavam distribuídas de forma bastante desigual
entre os grupos sociais estratificados segundo renda familiar e raça.
Em relação à renda familiar, podemos destacar que as fraudes e furtos
vitimaram principalmente as pessoas com renda familiar acima de
15 salários mínimos, enquanto as discriminações e crimes sexuais
atingiram especialmente as pessoas com renda entre 5 e 15 salários
mínimos. No que se refere à raça, podemos afirmar que os negros
concentram as vitimizações por discriminação, ameaça e agressão e
os brancos, as vitimizações por fraudes e crimes sexuais.
No contexto do medo do crime, quando se trata de renda familiar,
encontramos um grupo (renda menor que 5 SM) que se destacou por ser
sempre o que apresenta o maior medo, independentemente da situação.
Em quatro situações, as pessoas com renda menor que 2 salários míni
mos apresentaram maior insegurança, sendo o medo significativamente
maior em casa e no bairro onde residiam. Os negros apresentaram mais
medo do crime do que os brancos, mas este não foi um padrão para
todas as situações analisadas. Em quatro situações os negros disseram
se sentir mais inseguros, sendo o medo significativamente maior em
casa e no bairro onde residiam. Por outro lado, à noite, fosse no bairro
de residência ou em outros, os pardos disseram-se mais inseguros.
Ainda de acordo com o levantamento, a percepção de risco do crime
apareceu distribuída de forma bastante desigual entre os grupos sociais
estratificados segundo renda familiar e raça. Podemos apenas destacar
que as pessoas com renda até dois salários mínimos foram as que mais
evitaram frequentar locais onde houvesse consumo de bebida alcoólica e
grande concentração de pessoas. Por outro lado, aquelas com renda fami
liar entre 2 e 5 salários mínimos foram as que mais evitaram frequentar
231
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
locais ou eventos com poucas pessoas ou sair de casa portando dinheiro
ou objetos que chamassem a atenção. Quanto à raça, destacamos que
os brancos foram os que mais evitaram algum transporte coletivo que
precisariam usar e atender ou conversar com pessoas estranhas; brancos
e negros foram os que mais disseram evitar sair à noite ou chegar tarde
em casa e frequentar lugares para o consumo de bebidas alcoólicas.
A idade é outro fator fortemente associado ao medo do crime e à
percepção de risco. Embora sejam menos vitimadas, as pessoas mais
idosas tendem a sentir maior insegura. Isso se deve à evidente vulne
rabilidade desse grupo etário, que afeta fortemente a sua percepção
de risco, alterando seu estilo de vida a fim de diminuir sua exposição
(WARR, 1984; CECCATO, BAMZAR, 2016).
A pesquisa de 2015 mostrou que as pessoas com idade até 24 anos
constituíam o grupo social majoritariamente vitimado. Dentre as sete
naturezas criminais avaliadas, em seis essas pessoas apareceram como
as mais vitimadas, sendo sua vitimização significativamente maior no
contexto das ofensas sexuais, roubos e ameaças. As pessoas com idade
entre 40 e 59 anos constituíram o grupo social com maior medo do
crime. Elas disseram se sentir mais inseguras em todas as situações
analisadas. Por fim, aquelas acima de 59 anos formaram o grupo com
maior percepção de risco. Elas relataram evitar especialmente algum
transporte coletivo que precisassem usar, frequentar locais onde hou
vesse consumo de bebida alcoólica e grande concentração de pessoas.
Medo, desordens e incivilidades
Além dos aspectos individuais, alguns fatores ambientais tam
bém tendem a aumentar a sensação de insegurança. Os estudos têm
232
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
apontado que as desordens e incivilidades estão fortemente associa
das ao medo do crime. Os moradores de regiões com baixas taxas de
criminalidade, mas altos índices de medo, consistentemente, apontam
que são essas incivilidades e desordens, e não a criminalidade em
geral, os maiores problemas da comunidade (LEWIS, SALEM, 1986;
BOX et al.,1988; DONNELLU, 1988; SKOGAN, 1990).
Alguns estudiosos têm diferenciado ambos os aspectos. Eles pos
tulam que as desordens estão mais fortemente associadas ao medo do
crime, enquanto as incivilidades referem-se às condutas criminosas
ou antissociais de alguns membros da comunidade. Locais com alta
frequência de crimes interpessoais (roubos, ameaças, tráfico de dro
gas e agressões) tenderiam a aumentar esse medo. Da mesma forma,
a presença de pessoas drogadas e alcoolizadas, bem como prostituição
e moradores de rua, estaria diretamente associada à sensação de inse
gurança. Já as desordens estariam relacionadas às características físicas
do ambiente: locais com infraestrutura deteriorada, áreas abandonadas,
sujas, barulhentas e mal iluminadas, tenderiam a aumentar essa sensação
(WIKSTRÖM, DOLMÉN, 2001; SAMPSON, RAUDENBUSH, 2004;
KERSHAW, TSELONI, 2005; CECCATO, 2016).
O ambiente social não impacta o medo do crime apenas devido
à presença de desordens e incivilidades. Ele também está associado
ao medo em função da coesão social de cada comunidade. Os estu
dos sugerem que haveria uma correlação negativa entre coesão
social e medo do crime, enquanto conhecer e confiar nos vizinhos,
bem como ter amigos no bairro, tenderia a reduzi-lo (BOX et al., 1988;
HALE et al., 1994; SAMPSON, RAUDENBUSH, 1999).
No momento do levantamento, as desordens e incivilidades mais
frequentes no Distrito Federal eram a combinação de ruído, música
2 alta, gritaria e cheiro ruim. De acordo com a pesquisa, 63,6% da
população teriam tido contato com esses fenômenos na sua vizi
nhança; outras situações também bastante frequentes eram pessoas
vivendo na rua, pedintes e vendedores ambulantes (63,0%) e barulhos
de tiro (48,8%). Por outro lado, apenas 10% disseram conviver com
f
lanelinhas e guardadores de carro e 14%, com imóveis ou veículos
abandonados ou destruídos nas ruas da vizinhança onde residiam.
Dentre as desordens e incivilidades analisadas, os barulhos de tiro
causavam o maior impacto na sensação de segurança. As pessoas que
ouviram tiros tinham 77,3% de chances de sentir medo. Conviver com
prostituição, som alto e arruaças também aumentava as chances de
sentirem-se inseguras. Por outro lado, a presença de flanelinhas ou
guardadores de carro e camelôs apareceram como fatores de dimi
nuição de medo do crime.
Cerca de 2,4% da população distrital viviam em regiões que
combinavam barulhos de tiro, música alta, ruído, cheiro ruim, pros
tituição, jogo e instalações irregulares que atrapalhavam a circulação
de pessoas. Nessas áreas, a sensação de insegurança e percepção de
risco foram bem mais elevadas que no restante do DF. Cerca 51% dos
moradores dessas áreas se sentiam inseguros de dia e 75% à noite,
ao passo que no restante do Distrito Federal esses percentuais foram,
respectivamente, de 40,5% e 64,1%. Além disso, 40% dos moradores
dessas áreas disseram se sentir inseguros em casa sozinhos, 32% se
sentiam inseguros em casa acompanhados, contra 25,5% e 16,9%,
respectivamente, para o restante do DF. Ou seja, algumas poucas
áreas concentravam um grande número de incivilidades e desordens.
Naquelas onde isso acontecia o medo e a percepção de risco foram
significativamente maiores.
234
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
Tabela 7.4 – Razão de chance expressando o impacto das
situações de desordem no medo (DF – 2015).
Contextos de medo
Bairro reside dia
Bairro reside noite
Outros bairros dia
Outros bairros noite
Medo
Casa Sozinho
Casa acompanhado
familiares
Pessoas pichando ou
fazendo arruaça
Imóveis ou carros
abandonados
27,1%
29,6%
Prostituição, jogo e
instalações irregulares
35,7%
Ruído, música alta
e cheiro ruim
30,3%
Moradores de rua,
pedintes e camelôs
Flanelinhas ou
guardadores de carro
Terrenos com
lixo e mato alto-23,1%
Barulhos de tiro-7,7% 77,3%
20,7%-14,6% 29,7% 39,4% 19,1%-35,4%
61,6%
24,5% 10,9% 38,7% 25,7%-18,3%-38,2%-9,2% 39,0%
24,2%
32,5%-48,9%
26,0%-10,9% 32,9% 18,1%-9,3%-33,9% 10,2% 76,5%
44,3%
Casa acompanhado
cônjuge
42,3%
Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)-22,6%-22,6% 10,0% 81,3%
12,7%-9,8%-16,8%
Medo do crime e qualidade dos serviços públicos
11,7% 83,9%
A percepção sobre a qualidade dos serviços públicos também
influencia a sensação de insegurança e o medo do crime. Dentre as
seis dimensões de serviços públicos, a iluminação (59,9%) e a coleta
de lixo (57,7%) receberam as melhores avaliações. Já a organização do
trânsito (35,2%) e a pavimentação de ruas e calçadas foram avaliados
como de qualidade moderada (35,8%); já as taxas de disponibilidade
de locais de esporte, cultura e lazer ficaram em 24,8% e o transporte
público, 23,1%.
Dentre essas dimensões, iluminação, pavimentação e manutenção
das ruas e calçadas e os locais de esporte, cultura e lazer foram os
itens que mostraram ter maior impacto sobre o medo da população,
235
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
especialmente a sensação de insegurança no bairro onde a pessoa resi
dia, fosse à noite ou durante o dia. Assim, 36,4% dos moradores que
avaliaram bem a iluminação pública no Distrito Federal disse sentir
medo no seu bairro durante o dia, percentual que subiu para 50,5%
entre aqueles que a avaliaram mal. O mesmo pode ser dito em relação
à pavimentação das ruas: entre os que avaliaram bem esse serviço
público, 33,7% sentiam medo no seu bairro de dia, enquanto 46,5%
daqueles que avaliaram mal o serviço disse sentir medo.
Tabela 7.5 – Impacto da qualidade dos serviços no medo 1 (DF – 2015).
Dimensões vitimização
Medo
Iluminação das ruas
Contextos de
medo
Bairro reside dia
Bairro reside noite
Outros bairros dia
Outros bairros
noite
Casa sozinho
Casa acompanhado
familiares
Bom
36,4%
61,4%
62,0%
77,8%
23,7%
Regular
44,3%
68,2%
67,1%
82,7%
ruim
50,5%
74,2%
74,9%
Pavimentação e manutenção
das ruas e calçadas
Dif.
ruim/Bom
14,1%
Bom
Regular
Ruim
33,7%
12,8%
12,9%
86,3%
25,8%
15,9%
Casa acompanhado
cônjuge
15,5%
16,9%
16,1%
31,7%
21,1%
20,5%
8,5%
8,0%
5,2%
5,0%
Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
57,2%
61,2%
76,0%
22,2%
15,3%
14,8%
41,8%
66,8%
65,1%
81,4%
26,8%
18,4%
17,6%
46,5%
71,6%
69,6%
83,8%
27,6%
17,5%
17,2%
Dif.
ruim/bom
12,8%
14,4%
8,4%
7,8%
5,4%
2,2%
2,4%
A qualidade dos equipamentos de esporte, cultura e lazer também
afeta a sensação de segurança. Na pesquisa de 2015, entre aqueles
que consideravam que esses locais no bairro onde residiam tinham
236
237
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
qualidade boa, 30% disseram ter medo durante o dia, enquanto os que
expressaram opinião contrária, 47% sentiam medo. Já o impacto dos
serviços de coleta de lixo na sensação de segurança foi menor.
Tabela 7.6 – Impacto da qualidade dos serviços no medo 2 (DF – 2015).
Contextos
de medo
Coleta de lixo e
entulho nas ruas Locais de esporte, cultura e lazer
Bom
Regular
Ruim
Dif.
Bom
Regular
Ruim
Dif.
Medo
Bairro reside dia 38,4% 42,6% 45,5% 7,1% 29,6% 40,1% 46,6% 17,0%
Bairro reside noite 64,1% 65,2% 68,7% 4,6% 53,6% 64,5% 71,5% 17,9%
Outros bairros dia 63,7% 67,1% 68,1% 4,4% 58,1% 64,7% 69,6% 11,5%
Outros bairros
noite 80,4% 80,4% 79,8%-0,6% 74,2% 80,4% 83,5% 9,3%
Casa sozinho 23,1% 27,2% 31,4% 8,3% 18,8% 23,9% 29,9% 11,1%
Casa
acompanhado
familiares
14,6% 18,9% 22,8% 8,2% 12,8% 16,3% 19,6% 6,8%
Casa
acompanhado
cônjuge
14,5% 17,6% 22,2% 7,7% 12,3% 15,3% 19,3% 7,0%
Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
Finalmente, com à relação a qualidade do transporte público,
33,5% daqueles que avaliaram bem o serviço declarou ter medo no
seu bairro de dia. Esse percentual subiu para 44,0% entre os que acha
vam esse serviço ruim. A percepção sobre a qualidade da organização
do trânsito impactou pouco a sensação de insegurança da população.
238
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Tabela 7.7 – Impacto da qualidade dos serviços no medo 3 (DF – 2015).
Dimensões vitimização
Contextos de medo
Transportes públicos Organização do trânsito
(placas, faixas, etc.)
Bom
Regular
Ruim
Dif.
Bom
Regular
Ruim
Dif.
Medo
Bairro reside dia 33,5% 42,5% 44,0% 10,5% 35,7% 43,5% 42,4% 6,7%
Bairro reside noite 58,4% 66,4% 68,7% 10,3% 60,1% 67,3% 68,2% 8,1%
Outros bairros dia 58,4% 64,8% 69,5% 11,1% 61,8% 67,5% 66,3% 4,5%
Outros bairros noite 76,4% 79,8% 83,0% 6,6% 77,3% 81,6% 82,3% 5,0%
Casa sozinho 21,3% 27,7% 27,2% 5,9% 21,9% 27,6% 27,2% 5,3%
Casa acompanhado
familiares 13,3% 19,7% 18,0% 4,7% 13,4% 20,0% 18,3% 4,9%
Casa acompanhado
cônjuge 12,7% 18,6% 17,8% 5,1% 13,3% 19,2% 17,6% 4,3%
Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
A polícia e o medo do crime
As pesquisas têm indicado que as polícias desempenham papel
importante na redução do medo (HALE, 1996). A sua simples presença
nas ruas pode ser suficiente para aumentar a sensação de segurança.
Exatamente por isso a saturação de área é a estratégia mais frequen
temente utilizada. Entretanto, ainda que relativamente bem-sucedido,
esse tipo de estratégia de policiamento tem sérias limitações de tempo
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
e espaço: não pode ser empregada por muito tempo, tampouco pode
ser aplicada a todos os bairros. Além disso, frequentemente são os
bairros mais ricos que recebem esse policiamento por tempo limitado.
Por esses motivos, a saturação de área tem sido apontada como uma
estratégia excludente, reforçando as desigualdades sociais (WINKEL,
1988; BENNETT, 1991).
As iniciativas que conseguiram maior sucesso na redução do medo
foram aquelas que aumentaram a presença física de policiais e que
buscaram maior envolvimento da polícia na vida das comunidades.
Elas incluem policiamento a pé, acompanhamento das vítimas, reali
zação de reuniões e apresentação de relatórios para a comunidade, ins
talação de postos policiais e visitas às residências (TRAJANOWICS,
1986; GOLDSTEIN, 1990).
Sem dúvida, independente da estratégia, as polícias têm papel
central na redução do medo: diminuindo a frequência de alguns crimes,
produzindo nas pessoas a sensação de que elas não estão sozinhas e
indefesas diante da ação dos criminosos, reforçando os laços de soli
dariedade e os mecanismos de coesão social. Mas, para isso, é neces
sário que elas gozem da confiança dos cidadãos. Sem isso as pessoas
não estarão dispostas a cooperar com as investigações ou a ajudar os
programas comunitários (SOUTLAND, 2001; MASTROFSKI et al.,
2001; DAVIS, HENDERSON, 2003). Nesse contexto, dentre os fatores
que mais impactam o medo estão a confiança e a satisfação com os
serviços policiais. Alguns estudos sugerem que pessoas que confiam
na polícia tendem a sentir menos medo (BOX et al, 1988; BENNETT,
1991; HANDOW et al., 2003; SCHEIDER et al., 2003).
Na América Latina, vale destacar a situação do Chile. Apesar de
a incidência da violência e criminalidade ser baixa e de a polícia
239
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
(carabineiros) ser a instituição pública mais bem avaliada no país,
o medo dos chilenos vem crescendo continuamente. A partir daí,
Lucia Dammert concluiu que o medo do crime constitui um pro
blema social autônomo em relação à criminalidade. Para explicar
essa situação contraditória, na qual uma boa avaliação da polícia
convive bem com um medo cada vez maior do crime, a autora destaca
que prevalece na população uma percepção de que a polícia está de
mãos atadas porque não tem as funções e capacidades para atuar e a
justiça libera a maior parte dos presos sem nenhum castigo. Por fim,
Dammert traz ainda a constatação de que as pessoas de maior nível
socioeconômico, justamente as menos vitimadas e, por conseguinte,
as que menos buscam os serviços policiais, são as que mais confiam
neles. Por outro lado, os menos privilegiados, que são de modo geral
mais vitimados, têm uma confiança menor e, entre essas pessoas,
aquelas que buscam o serviço da polícia são as que possuem a menor
confiança nela (DAMMERT, 2016).
O desempenho policial é algo difícil de medir. É preciso diferen
ciar a confiança na instituição da satisfação com os serviços prestados
pela instituição. Afinal de contas, podemos confiar nas polícias e não
estarmos satisfeitos com os seus serviços. Além disso, pode haver
percepções distintas sobre a qualidade da sua atuação entre aqueles
cidadãos que tiveram contato com policiais e aqueles que não tiveram
(OLIVEIRA, 2011).
A Pesquisa Distrital de Vitimização avaliou esse desempenho
a partir das seguintes dimensões: presença e qualidade do poli
ciamento na vizinhança onde a pessoa reside; o fato dela ter pre
senciado sua atuação, seja cliente ou não; a confiança na institui
ção; a qualidade da conduta dos agentes de polícia e do serviço
240
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
prestado por ela; e a presença da violência policial na vizinhança
onde a pessoa reside.
Presença e qualidade do policiamento e o medo do crime
No Distrito Federal, em 2015, 93,4% dos entrevistados afirma
ram ter visto policiamento motorizado e 37% viram policiamento a
pé na vizinhança. A primeira modalidade foi mais bem avaliada que
a segunda. Em relação ao policiamento em viatura ou moto, 32% o
consideraram ótimo/bom e 28%, ruim/péssimo, enquanto na moda
lidade a pé, 22% a avaliaram como ótima/boa e 49%, ruim/péssima.
A análise dos impactos desses fatores no medo dos indivíduos
sugere que as pessoas que percebem a presença de policiamento nas
vias públicas da vizinhança, especialmente a pé, sentem menos medo.
No caso do levantamento de 2015, o medo no bairro onde o entrevis
tado residia durante o dia esteve presente em 25% dos que considera
vam o policiamento a pé na vizinhança como bom/ótimo e 32% dos
que entendiam o policiamento em viatura na vizinhança como bom/
ótimo. Cabe salientar que quanto melhor a qualidade desse serviço,
independentemente de ser a pé ou em viatura, menor é o medo.
Os resultados da Pesquisa Distrital de Vitimização nos permitiram
concluir que a modalidade a pé tem impacto concentrado especial
mente no medo das pessoas em casa e nas vias públicas do bairro onde
elas residem. O policiamento em viatura/moto teve impacto menor que
o a pé, sendo mais homogêneo entre as diversas situações analisadas,
embora continuasse concentrado na casa e nas vias públicas do bairro
de residência. O menor impacto do policiamento, seja a pé ou em via
tura/moto, foi no medo nas vias públicas dos outros bairros da cidade.
241
242
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Tabela 7.8 – Medo do crime e presença e qualidade
do policiamento na vizinhança (DF – 2015).
Categorias
Policiamento a Pé Policiamento em Viatura
Ótimo/ bom
Regular
Ruim/ péssimo
Não existe
Dif. ótimo/não existe
Ótimo/bom
Regular
Ruim/péssimo
Não existe
Dif. ótimo/não existe
Bairro onde reside
durante o dia 25,3 35,4 38,5 44,2 42,8% 31,6 42,0 47,8 44,8 29,5%
Bairro onde reside
durante a noite 47,1 56,8 65,7 68,9 31,6% 57,6 67,1 71,1 64,7 11,0%
Outros bairros
durante o dia 50,4 62,5 64,1 68,3 26,2% 58,0 66,8 70,4 70,4 17,6%
Outros bairros
durante a noite 68,0 75,4 81,9 82,5 17,6% 76,7 82,4 81,2 82,0 6,5%
Casa sozinho 15,6 20,8 24,6 27,9 44,1% 18,3 25,3 33,3 27,4 33,2%
Casa
acompanhado
familiares
8,9 13,1 17,6 18,6 52,2% 10,4 16,8 23,9 19,9 47,7%
Casa
acompanhado só
do cônjuge
8,2 11,9 16,5 18,4 55,4% 10,2 16,5 22,6 19,7 48,2%
Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
A atuação da polícia na vizinhança e o medo do crime
No ano da pesquisa, parte significativa da população do Distrito
Federal viu a Polícia Militar executando alguma atividade em sua
vizinhança. Desta, 19% disseram ter visto a atuando em operações
de apreensão de armas ou drogas; 32%, revistando veículos; 49%,
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
revistando pessoas; e 32%, detendo pessoas. Os dados mostraram
que medo do crime foi maior entre aquelas pessoas que presenciaram
a atuação policial. Cerca de 36% dos entrevistados que não presen
ciaram essa ação disse que tinham medo no seu bairro durante o dia.
Esse percentual subiu para quase 44% entre aquelas que presenciaram
a atuação dos policiais.
Tabela 7.9 – Medo do crime e percepção da atuação
da PM na vizinhança (DF – 2005).
Presenciou a atuação da PM
Categorias
Bairro onde reside durante o dia
Bairro onde reside durante a noite
Outros bairros durante o dia
Outros bairros durante a noite
Casa sozinho
Não
36,2%
Sim
43,9%
60,1%
62,4%
76,9%
23,4%
Casa acompanhado familiares
Casa acompanhado apenas pelo cônjuge
16,0%
15,1%
Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
Contato com a polícia e o medo do crime
68,8%
67,4%
82,8%
27,0%
17,7%
17,5%
Dif. (%)-7,7%-8,7%-5,0%-5,9%-3,6%-1,7%-2,4%
Estabelecer um contato direto com a polícia é menos frequente do
que presenciar sua atuação. Na pesquisa do Distrito Federal, o maior
percentual (9%) da população que manteve esse contato o fez para
solicitar informações, 7% para comunicação de crime, 5% por meio
de blitz, 4% para solicitar assistência ou primeiros socorros e 3% por
acidentes de trânsito. Dentre essas pessoas, foi possível perceber um
243
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
aumento da sensação de insegurança, sendo maior o impacto de medo
no bairro onde elas residiam. Assim, o medo nas vias públicas nessas
áreas esteve presente em 45% dos respondentes que tiveram contato
com a polícia e 39% dos que não estabeleceram contato.
Tabela 7.10 – Medo do crime e contato estabelecido com a polícia (DF – 2015).
Contato com a polícia
Categorias
Bairro onde reside durante o dia
Bairro onde reside durante a noite
Outros bairros durante o dia
Outros bairros durante a noite
Casa sozinho
Casa acompanhado familiares
Não
39,3%
63,9%
Sim
45,0%
69,0%
64,8%
79,4%
25,3%
16,9%
Casa acompanhado
apenas pelo cônjuge
16,4%
Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
Confiança na polícia e o medo do crime
66,8%
83,4%
25,9%
17,1%
16,8%
Dif. (%)-5,7%-5,1%-2,0%-4,0%-,6%-,2%-,4%
A confiança da população do Distrito Federal tanto na Polícia
Militar quanto na Polícia Civil foi elevada. Apenas 17,8% disseram
não confiar na PM e apenas 12,7%, na PC. O impacto desse senti
mento mostrou ser significativo. Assim, foi possível perceber que em
relação ao medo no bairro onde residia durante o dia, dentre os que
disseram confiar muito na PMDF, 31% se sentiam inseguros e dentre
244
245
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
os que não confiavam, 50%. Outro ponto a ser salientado: o impacto da
confiança na Polícia Militar foi maior do que na Polícia Civil. Tal per
cepção exerceu um impacto maior no medo quando a pessoa estava
no bairro onde residia, tanto durante o dia quanto à noite. Por outro
lado, foi menor à noite quando a pessoa estava em casa acompanhada
ou em outro bairro, distinto daquele onde ela residia.
Tabela 7.11 – Medo do crime e confiança na PMDF e PCDF (DF – 2015).
Categorias
Confiança na Polícia Militar Confiança na Polícia Civil
Confia muito
Confia pouco
Não confia
Dif.
(Confia muito – Não confia)
Confia muito
Confia pouco
Não confia
Dif.
(Confia muito – Não confia)
Bairro onde reside
durante o dia 30,5% 42,0% 49,9%-19,4% 32,5% 42,4% 49,6%-17,1%
Bairro onde reside
durante a noite 55,8% 66,9% 71,9%-16,1% 58,0% 67,1% 71,1%-13,1%
Outros bairros
durante o dia 57,9% 66,7% 70,8%-12,9% 59,5% 66,7% 71,3%-11,8%
Outros bairros
durante a noite 76,0% 81,4% 82,7%-6,7% 77,0% 81,4% 82,8%-5,8%
Casa sozinho 18,9% 26,1% 32,6%-13,7% 20,0% 26,4% 33,3%-13,3%
Casa acompanhado
por familiares 12,4% 17,0% 23,3%-10,9% 13,4% 17,4% 23,0%-9,6%
Casa acompanhado
apenas pelo cônjuge 12,6% 16,4% 22,0%-9,4% 13,7% 16,5% 22,3%-8,6%
Fonte: GDF/SSP - Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
qualidade do serviço prestado pela polícia e o medo do crime
A população do Distrito Federal avaliou de modo positivo a maior
parte das atividades executadas pelas polícias militar e civil. Cabe des
tacar que, em relação à PCDF, 59% consideraram ótima/boa a investi
gação de crimes na comparação com a PMDF; 58% avaliaram como
ótimas/boas as abordagens em blitz e revistas pessoais.
De forma geral, aqueles que avaliaram positivamente os serviços
de ambas as instituições tendiam a ter menos medo que os que esta
vam insatisfeitos. No âmbito da Polícia Militar, as duas atividades
mais impactantes na determinação do medo foram a rapidez e a qua
lidade do atendimento emergencial; no da Polícia Civil, a qualidade
da investigação dos crimes. As atividades menos impactantes foram
a abordagem da PM em blitz e as revistas pessoais e a elaboração de
documentos pela PC (“nada consta” e “registro de ocorrências”).
O impacto da qualidade do serviço prestado foi mais forte fora
do ambiente doméstico, especialmente durante o dia e no bairro onde
a pessoa residia. Por outro lado, esse impacto foi muito pequeno no
ambiente doméstico, sobretudo quando a pessoa estava acompa
nhada em casa.
246
247
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
Tabela 7.12 – Medo do crime e qualidade do serviço
prestado pela PMDF (DF – 2015).
Categorias
Rapidez e qualidade no
atendimento emergencial
Abordagem policial em
blitz e revistas pessoais
Trabalho na organização
e ordenamento do trânsito
Ótimo/bom
Regular
Ruim/péssimo
Dif. ótimo/ruim
Ótimo/bom
Regular
Ruim/péssimo
Dif. ótimo/ruim
Ótimo/bom
Regular
Ruim/péssimo
Dif. ótimo/ruim
Bairro onde reside
durante o dia 35,6 41,9 51,4-15,8 37,5 42,1 47,9-10,4 36,9 42,6 49,3-12,4
Bairro onde reside
durante a noite 59,4 67,2 74,8-15,4 61,9 66,4 69,6-7,7 61,8 67,4 71,9-10,1
Outros bairros
durante o dia 60,6 66,8 74,0-13,4 61,7 67,4 72,6-10,9 61,6 67,9 74,4-12,8
Outros bairros
durante a noite 76,2 82,1 86,5-10,3 78,0 81,4 83,0-5,0 78,0 82,4 85,2-7,2
Casa sozinho 23,6 25,7 31,3-7,7 23,4 26,5 31,0-7,6 22,9 27,3 31,7-8,8
Casa acompanhado
familiares 16,0 16,8 21,2-5,2 15,5 18,4 22,5-7,0 15,2 18,9 21,7-6,5
Casa acompanhado
pelo cônjuge 15,8 16,3 20,5-4,7 15,2 17,8 21,3-6,1 14,6 18,4 22,0-7,4
Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
248
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Tabela 7.13 – Medo do crime e qualidade do serviço
prestado pela PCDF (DF – 2015).
Categorias
Investigação do crime Rapidez e qualidade na
elaboração de documentos
Ótimo/bom
Regular
Ruim/péssimo
Dif. ótimo/ruim
Ótimo/bom
Regular
Ruim/péssimo
Dif. ótimo/ruim
Bairro onde reside
durante o dia 36,9% 43,9% 50,9%-14,0% 37,5% 43,3% 47,7%-10,2%
Bairro onde reside
durante a noite 62,1% 68,3% 71,4%-9,3% 62,5% 67,2% 70,1%-7,6%
Outros bairros
durante o dia 61,8% 68,6% 74,4%-12,6% 61,9% 67,9% 71,6%-9,7%
Outros bairros
durante a noite 77,4% 83,7% 85,1%-7,7% 77,7% 82,7% 84,6%-6,9%
Casa sozinho 23,8% 26,8% 31,0%-7,2% 23,9% 26,6% 30,6%-6,7%
Casa acompanhado
familiares 15,8% 17,9% 21,3%-5,5% 16,1% 17,5% 19,8%-3,7%
Casa acompanhado
apenas pelo cônjuge 15,6% 16,7% 21,0%-5,4% 15,6% 16,7% 19,7%-4,1%
Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
qualidade da conduta dos policiais e o medo do crime
A população distrital, de forma geral, avaliou positivamente a
conduta dos policiais militares. A maior parte dos entrevistados con
cordou com as seguintes afirmativas: i) sabem como agir em situa
ções de risco e perigo (65%); ii) atendem as pessoas com cortesia,
rapidez e segurança (52%); e iii) abordam suspeitos de forma segura
e dentro da lei (56%). Por outro lado, uma pequena parte concor
dou com as afirmativas: i) os PM não estão preparados para usar
armas de fogo (48%); ii) fazem “vista grossa” à desonestidade de
seus colegas (37%); e iii) são preconceituosos quando abordam as
pessoas na rua (40%).
A análise da relação entre o medo e a avaliação da conduta dos
agentes da PMDF pela população evidenciou que as pessoas que
concordaram que eles sabiam agir em situação de risco e perigo,
atendiam com cortesia, rapidez e segurança e abordavam suspeitos
de forma segura e dentro da lei eram as que menos tinham medo.
No entanto, foi possível identificar que para os entrevistados que
concordaram que os policiais abusam do uso da força e autoridade
fazem vista grossa à desonestidade dos colegas e são preconceituosos
na abordagem de ruas foram os que menos tinham medo. Apenas o
argumento de que os PM não estão preparados para usar armas de
fogo teve um resultado neutro no sentido de que nem concordar e
nem discordar dessa afirmativa produzia sensação de insegurança.
Além disso, a qualidade da conduta dos policiais teve impacto maior
nas situações envolvendo o trânsito das pessoas nas vias públicas
fora do ambiente domésticoViolência policial e o medo do crime
Em 2015, 7,7% da população do Distrito Federal ficou sabendo da
presença de policiais ameaçando, agredindo ou extorquindo pessoas.
Desse total, 2,6% souberam da presença de extorsão e 7,2%, da ocorrên
cia de ameaça e agressão. Ter conhecimento de ocorrências de violência
policial na vizinhança aumentou o medo, especialmente na dimensão da
sensação de segurança. Assim, no tocante ao bairro onde residiam durante
o dia, em relação a essa violência, dentre os que ficaram sabendo, 48%
se disseram inseguros e os que não ficaram sabendo, 40% se sentiam
inseguros. Dos que ficaram sabendo de episódios de agressão por poli
ciais ou de ameaças, 47% se disseram inseguros, enquanto entre que não
f
icaram sabendo 40% se declararam inseguros. Por fim, entre aqueles
que ficaram sabendo de policiais extorquindo pessoas, 50% se sentiam
inseguros e entre os que não ficaram sabendo esse percentual foi de 40%.
O medo do crime e a agenda de segurança pública
Como vimos, de forma geral, as explicações sobre o medo do
crime recaem sobre duas perspectivas: aquela que enfatiza a experiên
cia da vitimização criminal, seja ela direta ou indireta, e a que foca
nos medos e nas ansiedades relacionadas ao ambiente urbano, tanto
em termos de incivilidades quanto de desordens. Não surpreende,
portanto, que as principais estratégias para reduzir o medo sigam o
mesmo esquema. Algumas enfatizam a diminuição da vitimização e
focam na redução de determinados crimes; outras buscam melhorar
o ambiente urbano, resolvendo os problemas relacionados ao medo
(WINKEL, 1988; BENNETT, 1991).
250
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
As iniciativas centradas exclusivamente na redução de crimes
(crime oriented policing) podem, às vezes, aumentar a sensação de
insegurança, sobretudo quando enfatizam prisões em flagrante e troca
de tiros. Em localidades de baixa renda e com altas taxa criminais,
os moradores vêm a criminalidade inexoravelmente associada à falta de
oportunidades de trabalho e carência de espaços de lazer. Nesses luga
res, as estratégias que têm obtido mais sucesso são aquelas voltadas para
a resolução de problemas (problem oriented policing) (CORDNER,
1986; CONVINGTON, TAYLOR, 1991; TAYLOR, CONVINGTON,
1993). Nelas, os policiais devem se aproximar das comunidades, aju
dar a resolver os problemas locais e focar a administração de conflitos
para diminuir as incivilidades e desordens (KELLING, COLES, 1996;
SCHEIDER e al., 2003; RENAUER, 2007).
Apesar das diferenças, os dois tipos de estratégias baseiam-se
quase que na atuação das polícias para reduzir o medo e promover a
sensação de segurança. Por isso há quem critique essa visão restrita
de controle social alegando que outros atores e aspectos da vida social
também deveriam ser levados em conta, como as famílias, igrejas,
escolas. As pessoas que defendem essa tese defendem, ainda, que os
projetos de urbanização e recreação desempenham papel impor
tante na promoção da confiança entre os membros da comunidade
(DUFFEE et al, 2000), enquanto outros reforçam o papel do controle
social informal exercido comunitariamente. Alguns estudos sugerem,
por fim, que as comunidades podem conviver com diferentes tipos de
ordem política e moral (TAYLOR, 2002; SILVER, MILLER, 2004;
ZALUAR, RIBEIRO, 2009).
Assim, surgiram nas últimas décadas políticas públicas voltadas
principalmente para a melhoria da sensação de segurança e redução do
251
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
medo do crime. Em diversos países tem sido cada vez mais frequente a
adoção de programas de qualidade de vida, como ficaram conhecidas
essas políticas. Em geral, eles compartilham os seguintes aspectos:
i) envolvem a participação de diversos atores públicos e privados, for
mando uma rede de políticas públicas; ii) adotam novas estratégias de
policiamento; e iii) são focados na melhoria da sensação de segurança.
Nesses programas é frequente a articulação de redes de vizinhos,
empresas de segurança privadas e agentes públicos. Originalmente cha
madas de neighbors watch, em essência, essas iniciativas buscam
articular atores para uma intensa troca de informações sobre as ativi
dades cotidianas dos bairros residenciais. No Brasil, para intensificar
essa troca entre moradores e policiais, algumas cidades implanta
ram os programas Rondas do Quarteirão, Segurança Comunitária e
Vigilância Comunitária.
Também são comuns as parcerias entre os setores de negócios e
o Estado para a melhoria das condições ambientais de áreas públicas,
como praças, centros comerciais e parques. Essas parcerias, conhecidas
como business district improvement (BDI), articulam formas específi
cas de policiamento com vistas à melhoria das condições de urbaniza
ção e aumento da fiscalização sobre o funcionamento de bares, boates
e comércio de rua. Inspirados nessa ideia surgiram programas brasi
leiros como o Centro Presente, Bairro Presente e o Choque de Ordem
(CARUSO, 2016).
Tanto as redes de vizinhos quanto as parcerias entre atores públi
cos e privados necessitam da atuação estatal para a criar e articular
redes de políticas públicas. Como discutido no capítulo 2, a forma
ção dessas redes não é espontânea, tampouco há consenso entre os
atores sobre as ações que devem ser priorizadas. A participação das
252
CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME
Secretarias de Segurança Pública, no âmbito estadual, e de órgãos de
ordem pública, no nível municipal, é fundamental nesse processo.
Nas últimas décadas surgiram importantes inovações nas estra
tégias de policiamento que têm impactado de modo significativo o
medo do crime: o comunitário; o orientado para problemas e o de
manchas criminais (WEISBURD, ECK, 2004). Essas estratégias sur
giram como respostas ao modelo tradicional, que é baseado na satu
ração de áreas, no patrulhamento aleatório e nas prisões em flagrante.
Estudos mostram que a saturação de área e o patrulhamento aleató
rio, embora tenham efeitos positivos sobre a sensação de segurança,
não têm necessariamente impacto na redução dos crimes violentos
(ECK, MAGUIRE, 2000).
Embora ainda seja a estratégia mais frequente, o policiamento
tradicional tem sido alvo de críticas por ser reativo e concentrar seus
objetivos exclusivamente na redução da criminalidade. Ele também
é criticado por ser genérico, pois é empregado em todos os bairros e
comunidades da cidade independente das suas especificidades. Por fim,
esse modelo enfatiza a ideia de eficiência e produtividade policiais com
base em metas de apreensões, abordagens e flagrantes, dispensando
pouca atenção à avaliação da sua efetividade (BAYLEY, 1994).
O policiamento comunitário, como vimos no capítulo 3, baseia-se
na descentralização e na aproximação com a comunidade. Na verdade,
ele é mais uma filosofia que uma estratégia, que inspira um grande
número de programas. Um deles é o policiamento voltado para a solu
ção de problemas, um tipo de estratégia que consiste na identificação
dos problemas que estão por trás da criminalidade (má iluminação,
prédios abandonados, som alto etc.). Estes, uma vez identificados,
demandam medidas para sua solução. Para isso é necessário que os
253
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
policiais se aproximem da comunidade e consigam acionar as agências
de governamentais responsáveis. Os estudos têm apontado que esse
policiamento apresenta resultados bastante satisfatórios no que tange
à redução do medo do crime, pois diminui as vulnerabilidades e as
incivilidades (WEISBURD, 1997; ECK, 2002).
O surgimento daquilo que se convencionou chamar de policia
mento por manchas criminais (hotspots policing) deve-se à evolução
tecnológica dos anos 1990. Essa modalidade foca na atuação da polícia
a fim de obter maior efetividade. Isso implica a seleção de um tipo de
crime a ser priorizado (roubos, agressões, furtos etc.), bem como veri
f
icação das áreas e dos horários de sua maior incidência. As pesquisas
têm demonstrado que esse tipo de policiamento é bastante efetivo.
Além disso, os estudos mostram que o descolamento das manchas para
áreas próximas não é tão automático como se supõe, nem acontece com
a mesma intensidade (WEISBURD, GREEN, 1995; GREEN et al.,
1998; BRAGA et al., 1999).
A formação de redes de políticas públicas e a adoção de novas
estratégias de policiamento são componentes fundamentais para uma
política de redução do medo. Para que isso ocorra é necessário reco
nhecer que este é um fenômeno relativamente autônomo da crimi
nalidade, e, portanto, demanda uma política própria, com metas e
indicadores específicos. É nesse ponto que esbarram as principais
iniciativas existentes no Brasil para lidar com o problema. De forma
geral, as raras iniciativas nacionais são desarticuladas, baseiam-se
fundamentalmente na atuação das políticas e assumem que o medo
deriva do aumento da criminalidade. Em suma, embora seja uma das
maiores preocupações dos cidadãos, o medo do crime não faz parte
da agenda de políticas públicas de segurança.
254
Conclusão
Conceber a segurança em termos de políticas públicas ao invés
de limitá-la a estratégias de policiamento requer uma mudança radi
cal de mentalidade na direção de um novo paradigma. Essa mudança
inclui diferentes aspectos. Primeiro, as respostas são concebidas na
forma de políticas públicas que não se resumem ao emprego das polí
cias e que exigem alta capacidade de governança. Em segundo lugar,
as respostas não se destinam exclusivamente ao controle da criminali
dade; elas também são pensadas para reduzir o medo do crime e geren
ciar os riscos cotidianos. Terceiro, tanto a formulação dessas políticas
quanto sua implantação requerem a ampla utilização de dados, análises
e diagnósticos para definir os problemas e avaliar os resultados.
O novo paradigma das políticas públicas de segurança implica pro
fundas mudanças institucionais, ao qual, mais do que nunca, elas pre
cisam se adequar. E isso requer mentalidades inovadoras e um ele
vado grau de especialização para executar estratégias de policiamento
igualmente inovadoras. Da mesma forma que a crescente participação
de outros atores na implementação de políticas inovadoras exige uma
elevada capacidade de governança.
Ao longo do século XX, os problemas de segurança foram pen
sados simplesmente em termos criminalidade e aplicação de algu
mas estratégias de policiamento. E suas principais respostas foram
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
inspiradas por uma mentalidade punitivista, baseada fundamentalmente
na necessidade de conter e castigar os criminosos. Para isso, o poder
coercitivo das polícias era o principal instrumento do Estado.
A implantação de regimes democráticos, iniciada na década de
1950 na Europa, afetou profundamente esse paradigma punitivista.
A democracia pressupõe o respeito aos direitos fundamentais e ao
devido processo legal, o que significa impor limites à atuação das
polícias e ao uso da força. Assim, desde a década de 1980 assistimos
em diversos países o aumento das demandas pelo controle da ativi
dade policial. A sociedade civil, especialmente os movimentos sociais,
desempenharam papel fundamental nessa luta, que acabou por limi
tar significativamente a capacidade estatal em promover a segurança
demandada pela população nos termos do antigo paradigma.
Ao mesmo tempo que as demandas por segurança aumentaram,
a capacidade coercitiva dos Estados nacionais diminuiu. A necessidade
de manter a ordem dentro dos limites legais tornou-se um enorme
desafio para as autoridades públicas do final do século XX. Não é por
acaso que surgiram grupos de policiais, promotores, juízes e outros
empreendedores morais discursando contra o excesso de garantias
democráticas, que estariam comprometendo a capacidade das polícias
de responder aos problemas de segurança. Os discursos por endureci
mento penal passaram a ser frequentes em quase todas as democracias.
Para alguns, o “excesso de democracia” seria um empecilho ao policia
mento. Sem o relaxamento dos limites legais e garantias individuais,
as polícias não seriam capazes de resolver os problemas.
Por outro lado, o discurso garantista parece perder força nos dias
atuais. Apesar das vitórias iniciais para impor limites ao uso da força
policial, aqueles que advogam a favor da manutenção das garantias
256
CONCLUSãO
constitucionais não têm sido capazes de propor respostas efetivas aos
problemas cotidianos da população. Em boa medida, o garantismo con
tinua centrado na denúncia do caráter discriminatório do sistema de jus
tiça criminal. Assim, os debates entre os garantistas e os punitivistas são
intermináveis, cada lado com posições aparentemente inconciliáveis.
Há 40 anos, as discussões no campo da criminologia se davam em
torno do “problema do Estado”. Os estudos denunciavam a seletivi
dade do Sistema de Justiça Criminal e sua incapacidade de processar
adequadamente toda a demanda por punição. Agora, com o surgimento
do novo paradigma, o debate mudou de perspectiva. A discussão se dá
em torno da (in)capacidade do Estado de prover sozinho a segurança
da população. Se antes a orientação teórica era claramente marxista,
com forte crítica ao funcionamento da Justiça Criminal, agora a fonte
de inspiração é foucaultiana. O problema do Estado passou a ser visto
como o problema dos governos: dos limites e das modalidades de
governar uma população.
No fundo, o dilema entre a lei e a ordem, que resume o embate
entre punitivistas e garantistas, é falso, pois ele pressupõe uma única
forma para lidar com os problemas de ordem e criminalidade. A tensão
só existe se as mentalidades que orientam as ações se mantiverem
inalteradas. Na medida em que as respostas passam a ser orientadas
por um novo paradigma, a democracia deixa de ser um problema e
passa a ser parte importante da solução. É dizer, ao invés de simples
mente limitar a ação coercitiva das polícias, os princípios do Estado
de Direito passam a legitimar a ação tanto das polícias quanto dos
outros atores envolvidos na solução dos problemas.
Esse paradigma é bastante diferente do anterior. Primeiro, ele não
se baseia mais exclusivamente na atuação do Estado e, principalmente,
257
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
das polícias. Ao contrário, implica a atuação coordenada de vários atores
públicos e privados. Segundo, a atuação desses múltiplos atores, cada um
como sua própria lógica, requer o desenvolvimento da capacidade de
governança estatal. Terceiro, exige uma mentalidade bastante diferente,
que enfatiza a prevenção proativa no lugar da simples reação punitiva;
implica um cálculo atuarial ao invés da prescrição moral das condutas.
Quarto, enquanto o punitivismo depende fundamentalmente da capaci
dade coercitiva do Estado, o novo paradigma requer outras capacidades.
É necessário que o Estado seja capaz de gerar e analisar informações a
f
im de identificar e justificar a escolha dos problemas e suas possíveis
respostas, exercendo sua capacidade regulatória para induzir a ação dos
atores privados. E, finalmente, exige uma enorme capacidade estatal de
articular e coordenar ações dos diferentes atores que compõem as redes
de políticas públicas, o que demanda o desenvolvimento de instrumentos
inovadores de controle, monitoramento e avaliação.
A adoção de um novo paradigma de segurança pública implica
um enorme desafio. Por um lado, é necessário mudar a forma como as
pessoas veem o mundo e a maneira como reagem às situações e aos
desafios do campo. Essa mentalidade é muito mais implícita do que
explicita, uma vez que faz parte do habitus dos indivíduos e deriva
de um longo processo de socialização profissional no qual as identi
dades e os mitos institucionais desempenham importante papel. Daí a
mudança das mentalidades passar necessariamente pela reconstrução
das identidades profissionais e atualização dos mitos que organizam as
rotinas institucionais. Por outro lado, também é necessário desenvolver
novas capacidades para que o Estado possa responder adequadamente
aos desafios contemporâneos da segurança. Isso implica a criação de
órgãos destinados à análise de informações, elaboração de indicadores
258
CONCLUSãO
e metas, desenvolvimento de sistemas de acompanhamento, monito
ração e avaliação de ações, implantação de arenas de coordenação e
articulação, dentre outras medidas.
Há uma relação dialógica entre a mudança de mentalidades e as
novas capacidades necessárias para a implantação do novo paradigma,
pois o desenvolvimento destas igualmente exige uma mudança daque
las. Sem isso, as iniciativas na direção de aumentar a capacidade de
governança do Estado são obstruídas ou descontinuadas. Em contrapar
tida, só é possível mudar mentalidades se as autoridades responsáveis
se convencerem de que é possível responder aos problemas de forma
diferente e mais efetiva.
Essa mudança já é uma realidade em muitos países, nos quais é
cada vez mais frequente a adoção de políticas públicas para resolver os
problemas da população. Importante destacar que não é só o padrão de
respostas que tem mudado, mas a própria identificação dos problemas.
No novo paradigma, a segurança é vista como um bem coletivo,
provido por uma variedade de instituições, profissões e grupos sociais
que pertencem tanto à esfera pública quanto à privada. Os problemas
não se restringem ao controle da criminalidade e ao exercício da fun
ção de punir; eles envolvem também a necessidade de administrar os
medos e as expectativas da população.
Boa parte desse debate trata de analisar o papel do Estado, ao qual
pode caber, dependendo do tema, um papel central na regulação dos
serviços ou a execução das ações de repressão e prevenção. Ele pode
também dedicar-se à formação, coordenação e articulação das redes de
259
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
políticas públicas. Seja qual a temática, o Estado continua a se fazer
necessário. O que muda é a forma como ele exerce seu protagonismo.
Se, por um lado, é necessário reconhecer a variedade de papéis
estatais exercidos no campo da segurança, por outro, é preciso discutir
qual é a sua capacidade de governança. E o que explica as variações
nessa capacidade?
A implementação de políticas públicas de segurança depende dos
seguintes aspectos: i) novas estruturas de coordenação e controle;
ii) mentalidades que orientam as respostas; iii) construção dos pro
blemas; iv) formação de redes de políticas públicas; e v) configura
ção do campo.
O novo paradigma requer instituições com alta capacidade de
coordenação e articulação de ações. Os tradicionais instrumentos de
monitoramento das atividades policiais nem sempre são adequados
a essas tarefas. Para isso é preciso construir outros instrumentos de
governança. Tanto é que cada vez mais países adotam sistemas de
metas, órgãos especializados em análise de dados, comitês gestores e
centros de comando e controle. A implementação desses instrumentos,
entretanto, depende de uma profunda mudança das mentalidades que
permitam o surgimento de um novo padrão de respostas, baseado na
ideia de políticas públicas e orientado por evidências empíricas.
Não há dúvida que o novo paradigma requer novas mentalida
des para buscar respostas mais abrangentes e efetivas. Respostas que
vão muito além da adoção de uma ou outra forma de policiamento.
E sua adoção passa pela redefinição das identidades policiais e dos
mitos institucionais. Certamente esse não é um processo fácil. As anti
gas identidades, originalmente derivadas do campo militar, têm se
mostrado inadequadas. Primeiro, porque pressupõem uma forma de
260
CONCLUSãO
atuação centrada quase exclusivamente no uso da força. Em segundo
lugar, as identidades profissionais que foram desenvolvidas ao longo
do século XX assumem que os saberes policiais são genéricos e pouco
especializados – daí a possibilidade de as polícias serem substituídas
pelos exércitos. Terceiro, a ênfase na identidade militar resulta em
modelo de supervisão baseado numa rígida hierarquia e disciplina.
O mesmo acontece com os mitos institucionais. Embora neces
sários à manutenção das instituições, eles precisam ser atualizados
para se adequar aos novos tempos, uma vez que a legitimidade das
instituições que compõem o novo campo da segurança pública está
baseada em outros termos. A implementação de políticas públicas
de segurança exige muito mais do que o uso da força. Tais políticas
requerem capacidade de sistematizar e analisar dados e informações,
alto grau de especialização e supervisão flexível, capaz de lidar com
a discricionariedade inerente à atividade policial.
As novas políticas de segurança têm deixado progressivamente
de ser orientadas em termos de combate à criminalidade (crime
oriented policing), dando ênfase à resolução de problemas (problem
oriented policing). Talvez esta seja uma das principais mudanças no
campo: a construção de respostas voltada para a prevenção de violên
cias e à administração do medo.
Os problemas de políticas públicas não estão dados, mas são cons
truídos. Logo, a sua definição não é um processo consensual. Muito pelo
contrário, há uma intensa disputa sobre quais temas, grupos sociais e
áreas devem entrar na agenda das prioridades da segurança. Ou seja,
a definição dos problemas deixou de ser prerrogativa exclusiva das polí
cias e dos governos. Ela passou a ser resultado de um processo negociado
entre os diversos atores que compõem o campo da segurança pública. A resposta para cada desafio implica a formação de uma rede
de responsáveis por implantar as políticas públicas e suas ações.
Ocorre que esse processo não é automático, tampouco sua sustenta
bilidade é garantida. As redes precisam ser induzidas e instituciona
lizadas, cabendo fundamentalmente ao Estado definir sua formação
e torná-la sustentável.
Finalmente, a capacidade de governança depende da configuração
da segurança pública. Como já dito, a atual é resultado do paradigma
tradicional, que possui baixa capacidade de coordenação e ausência
de instrumentos de governança. Para se adequar ao novo paradigma
é necessário assimilar e processar os interesses dos diversos atores
do campo, como o Ministério Público, a União, os estados, os muni
cípios, os sindicatos, a mídia e a sociedade civil. Se as mentalidades
compõem o habitus dos profissionais de segurança pública, a configu
ração de atores derivam da estrutura do campo. Logo, não é possível
reconfigurar o campo sem mudar o habitus e vice-versa.
A baixa capacidade de governança da segurança pública no Brasil,
descrita ao longo deste livro, deve-se a vários fatores. Por um lado,
ela decorre da permanência de uma mentalidade punitivista centrada no
combate à criminalidade; por outro, sua precariedade resulta da configu
ração e da fragilidade das instituições destinadas a coordenar e articular
ações. A consequência desse quadro é a incapacidade do Estado brasi
leiro de responder adequadamente aos principais problemas do campo.
Por sua vez, a fragilidade das Secretarias Estaduais de Segurança
Pública dificulta a formação de redes de políticas públicas capazes
262
CONCLUSãO
de responder efetivamente aos problemas. E mesmo nos raros casos
em que são formadas redes, elas não se institucionalizam. Em geral,
esses órgãos articulam suas ações quase exclusivamente com as polí
cias, o Ministério Público e o Judiciário. São raras as articulações
com outras áreas de governo, como as Secretarias de Saúde, Educa
ção, Esportes e Trabalho. Praticamente não existe articulação com os
municípios e os outros estados. Da mesma forma, a articulação com
a sociedade civil é incipiente.
Verificamos também que a mudança das mentalidades tem esbar
rado nas dificuldades que os policiais encontram para construir novas
identidades profissionais. O fato de os policiais militares brasileiros
terem se identificado, ao longo do século XX, com o campo militar
explica apenas parte do problema. Isso porque as PM brasileiras não
foram as únicas que se originaram de unidades do exército; em alguns
países que historicamente as polícias guardam fortes aspectos milita
res houve crescente diferenciação entre os campos policial e militar,
como resultado do surgimento e consolidação dos regimes democráticos.
No Brasil, embora esse processo de diferenciação tenha se iniciado
a partir dos anos 1990, a construção de uma nova identidade policial tem
esbarrado na pressão para acabar com a criminalidade e por demandas
corporativas. O status militar estabelecido pela Constituição Federal
de 1988 garantiu às polícias as mesmas prerrogativas previdenciárias
das Forças Armadas. Ao mesmo tempo que os policiais começaram a
se diferenciar dos militares, alguns estados passaram a exigir formação
jurídica para ingresso no quadro de oficiais como estratégia de luta sala
rial. A ideia era equiparar os PM aos policiais civis para exigir paridade
salarial. O resultado foi desastroso, pois vinculou os policiais militares
ao campo jurídico, enfraquecendo a sua identidade policial.
263
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
Nas Polícias Civis, a manutenção do mito do inquérito policial
dificulta as práticas de investigação. Ao confundir os procedimentos
burocráticas de elaboração do inquérito com as atividades de inves
tigação, as polícias civis deixam de exercer adequadamente sua prin
cipal função: elucidar crimes e instruir o processo criminal. Se em
tese, eles não podem escolher os casos que mereceram mais atenção,
na prática exercem sua discricionariedade para estabelecer as priori
dades do trabalho cartorial em detrimento da investigação.
O resultado não poderia ser pior. Nos últimos anos verificou-se o
surgimento de um novo padrão de instrução criminal. A maior parte das
denúncias realizadas pelo Ministério Público baseia-se nas prisões em fla
grante realizadas pela PM. Portanto, não causa espanto que as polícias civis
vivam uma grave crise institucional em razão da persistência do inquérito--mito, que privilegia os saberes jurídicos vis-à-vis os saberes policiais.
Os problemas de governança do campo da segurança pública, con
tudo, não resultam apenas dessas fragilidades institucionais e identitá
rias das polícias. Eles também derivam da sua reconfiguração. A atual
Constituição reconfigurou significativamente o campo, estabelecendo
novas funções e prerrogativas a antigos atores políticos. O papel do
MP foi profundamente alterado: além da tradicional função de titular
da ação penal, os promotores passaram a desempenhar também fun
ções de proteção dos direitos difusos e controle externo da atividade
policial. Ganharam, ainda, um novo instrumento: a ação civil pública.
Apesar dessas novas funções, a estrutura do Ministério Público não
foi alterada. O resultado é uma atuação pouco efetiva, desarticulada,
que é incapaz de ditar uma política criminal.
Nas últimas décadas também se assistiu ao aumento do protagonismo
do governo federal nesse campo, com a criação da Secretaria Nacional
264
CONCLUSãO
de Segurança Pública (Senasp) e do Fundo Nacional de Segurança
Pública (FNSP), com a missão de induzir, coordenar e articular ações
no âmbito do federalismo brasileiro. Essa tarefa, no entanto, tem esbar
rado na fragilidade institucional da Senasp, na estrutura inadequada do
FNSP, na precariedade do Sistema Nacional de Estatísticas de Segu
rança Pública (Sinesp) e na ausência de um marco regulatório para área.
Igualmente, os municípios tornaram-se importantes atores no
campo. Muitos deles criaram guardas municipais e órgãos de defesa
social com status de secretaria. Apesar do seu potencial para execu
tar políticas preventivas, eles esbarram na indefinição constitucional
sobre o seu papel nos temas de segurança pública. Isso resulta em
desarticulação e conflitos com os estados.
No âmbito da sociedade civil, se verifica o aumento da ativi
dade dos sindicatos no âmbito policial. Embora já existissem, essas
instituições passaram a ser mais ativas após promulgação da Consti
tuição. Se os sindicatos de agentes e delegados são legalmente reco
nhecidos, por outro, a atuação sindical dos clubes e associação de
policiais militares não possuem respaldo legal. Na prática, tantos os
sindicatos quanto os quase-sindicatos passaram a desempenhar papel
importante na definição, implementação e legitimação das políticas
públicas de segurança.
A mídia sempre foi ator importante no campo. As mudanças tec
nológicas dos últimos anos, entretanto, alteraram profundamente a
relação entre ela e as polícias. Se antes os policiais eram as principais
fontes de informações dos jornais e telejornais, agora eles dividem esse
papel com ativistas sociais e associações civil e centros de pesquisa.
O mesmo pode ser dito em relação à sociedade civil, cujas demandas
por participação têm aumentado significativamente a pressão sobre as
265
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
autoridades policiais apresentarem-no sentido de dar respostas mais
efetivas aos problemas da área.
A segurança pública é fundamentalmente um tema de política
local. E cada estado tem uma configuração específica para o campo.
No modelo federativo brasileiro, essas variações são significati
vas: em alguns os comandantes e diretores de política têm o mesmo
status do secretário de Segurança; noutros as polícias são subordina
das às secretarias ou sequer contam com elas. Em alguns estados as
secretarias acumulam as funções de coordenação de segurança em
parceria com as de administração penitenciária; em outros essa tarefa
é executada especificamente por órgão próprio.
Essas diferentes configurações são resultado de conflitos e articu
lações das décadas passadas, mas, geralmente, foram estruturadas a
partir do antigo paradigma de segurança. Seja como for, a articulação
e a coordenação de ações são precárias; os instrumentos de gover
nança, quando existem, são frágeis e incipientes. As principais res
postas aos problemas do campo, chamadas genericamente de políticas
de segurança pública, são orientadas para o combate à criminalidade,
e raramente articulam redes ou são baseadas em evidências empíricas.
O resultado é a baixíssima efetividade dessas políticas.
Com frequência, os governantes e as autoridades policiais justifi
cam a incapacidade de responder aos problemas à falta de policiais e às
limitações orçamentárias. Por isso o caso do Distrito Federal é interes
sante. A capital do Brasil conta com elevada proporção de policiais por
habitantes. Eles têm salários superiores aos colegas dos outros estados,
enquanto os gastos do DF com o setor estão entre os mais altos do país.
Ou seja, do ponto de vista do paradigma tradicional, as polícias distritais
gozam de condições privilegiadas. Apesar disso, até 2014, o Distrito
266
CONCLUSãO
Federal apresentava taxas de homicídios muito próximas às da média
nacional. As causas para o fraco desempenho não eram, portanto, a falta
de efetivos e recursos. O desempenho decepcionante era resultado da
precária capacidade de governança da segurança pública local.
O resultado mais dramático da baixa governança do campo da
segurança pública brasileira é a sua incapacidade de responder aos
problemas que persistem há décadas. É o caso dos homicídios. O Brasil
responde pelo maior número de homicídios do planeta, a taxas que
crescem quase initerruptamente, apesar das variações regionais. Não se
trata de um problema invisibilidade, pois todos reconhecem a gravi
dade da solução. Trata-se da ausência de uma agenda de políticas públi
cas que articulem ações de repressão com ações preventivas focadas
nas áreas, nas situações e nos grupos de risco.
Se o número assustador de crimes violentos é o problema típico
do século XX, o medo e a insegurança são problemas da agenda de
segurança do novo milênio. Da mesma forma que os homicídios,
as políticas públicas para redução do medo e aumento da sensação de
segurança requerem a criação de redes coordenação e articulação de
ações, elaboração de meta e indicadores.
Apesar do quadro desalentador, é possível verificar novidades.
Algumas Secretarias de Segurança Pública implementaram importantes
instrumentos de governança. Foram criadas áreas integradas de segu
rança pública, sistemas de metas, órgãos de análise de dados, comitês
gestores e centros integrados de comando e controle. Em alguns esta
dos, as novas gerações iniciaram um processo consistente de constru
ção de identidade profissional a partir da ideia de desenvolver a ciência
policial. Também foram criadas unidades especiais de investigação
criminal, cujo desempenho tem impressionado as autoridades.
267
SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA
No âmbito da sociedade civil, o surgimento de centros de pesquisa
e organizações não governamentais dedicadas à elaboração de diag
nósticos e formulação de políticas públicas baseadas em evidências
tem mudado radicalmente o quadro nacional da segurança pública.
Esses novos atores, articulados com algumas lideranças policiais,
têm exigido das autoridades públicas resposta mais efetivas, orienta
das pelo novo paradigma.
Essa mudança é um processo longo, que depende das iniciativas
dos comandantes e diretores para construir novas identidades, da alte
ração de mentalidades das autoridades políticas, bem como da parti
cipação dos governos federal, estaduais e municipais e da sociedade
civil. É das tensões e coalizões entre esses atores que resultará a nova
configuração do campo da segurança pública.
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Base eleitoral refere-se ao conjunto de eleitores, um grupo de apoio ou uma região geográfica específica, onde um determinado candidato, partido político ou corrente ideológica tem um apoio consistente e significativo.
Trata-se de um conceito fundamental na política, que pode ser entendido de duas formas principais:
Geográfica/Regional: É a localidade (cidade, bairro, estado) onde um político é mais conhecido e popular, e de onde provém a maioria dos seus votos. Geralmente, é onde ele concentra seus esforços de campanha e mantém vínculos mais próximos com a comunidade.
Grupo de Apoio/Segmento Social: Pode se referir a um grupo específico de eleitores com interesses, características ou afiliações em comum (ex: agricultores, sindicalistas, membros de uma determinada religião, ou classe social) que tendem a votar de forma similar em determinado candidato ou partido.
A manutenção e organização da base eleitoral são cruciais para a carreira política de um candidato, pois garantem um ponto de partida sólido e previsível de votos em cada eleição, o que permite focar a expansão da campanha para outras áreas ou grupos de eleitores.
O termo também pode ser usado em referência aos partidos que dão suporte ao governo vigente no Congresso Nacional ("partidos da base do governo
Direita Esquerda e Centro. Alimentam suas basse eleitorais em discurso sobre seg urança pública.
Confira a noticia na Folha de São Paulo .https://www1.folha.uol.com.br/
E assim caminha a humanidade.
Imagens; Folha de São Paulo .

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