segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Direita Esquerda e Centro.

  direita esquerda e centro

"Direita", "esquerda" e "centro" são termos usados para descrever posições no espectro político, que indicam diferentes ideologias e abordagens sobre como a sociedade deve ser organizada. 

Esquerda

Princípio fundamental: Defesa de maior igualdade social e econômica.

Crenças e propostas: Geralmente envolve uma preocupação com os cidadãos em desvantagem, buscando reduzir ou abolir desigualdades consideradas injustificadas. Defende frequentemente maior intervenção do Estado na economia e a promoção de políticas públicas (como saúde e educação gratuitas) e direitos sociais.

Valores: Progressismo, coletivismo, justiça social. 

Direita

Princípio fundamental: Envolve, em graus variados, a rejeição de objetivos igualitários da esquerda, defendendo que a desigualdade econômica é natural ou até benéfica.

Crenças e propostas: Apoia a ordem social e tende a defender a limitação da intervenção estatal na economia, valorizando a liberdade individual, o mercado livre e o direito à propriedade privada (liberalismo ou neoliberalismo). Também pode estar associada a visões conservadoras ou reacionárias sobre costumes e tradições.

Valores: Liberdade individual, ordem, tradição, propriedade privada. 

Centro

Princípio fundamental: Posição intermediária que busca equilibrar elementos da esquerda e da direita.

Crenças e propostas: O centro tende a adotar uma abordagem pragmática, tentando conciliar a eficiência do mercado com a necessidade de alguma intervenção social e regulamentação estatal. Partidos e políticos de centro frequentemente defendem consensos e moderação, evitando posições extremas de ambos os lados. Segundo o Sociólgo, Mestre e Doutor Cesar Portantiolo Maia, no Quarto Periodo da Habilitação em Jornalismo na Comunicação Social, pelas Faculdades Integradas Alcantara Machado (FIAAM FAAM).

Confira o artigo na fundação Perseu Abrano. Do autor Arthur Trindade M. Costa 

Segurança pública, redes e governança 

Arthur Trindade M. Costa 

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros 

COSTA, A. T. M. Segurança pública, redes e governança [online]. Brasília: 

Editora UnB, 2023, 302 p. ISBN: 978-65-5846-096-1. ISBN: 

https://doi.org/10.7476/9786558461708. 

All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative 

Commons Attribution 4.0 International license. 

Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a 

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SEGURANÇA PÚBLICA, 

REDES E GOVERNANÇA

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 Enrique Huelva

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 Germana Henriques Pereira (Presidente)

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 César Lignelli

 Fernando César Lima Leite

 Gabriela Neves Delgado

 Guilherme Sales Soares de Azevedo Melo

 Liliane de Almeida Maia

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 Roberto Brandão Cavalcanti

 Sely Maria de Souza Costa

Arthur Trindade M. Costa

 SEGURANÇA PÚBLICA, 

REDES E GOVERNANÇA

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 Coordenadora de produção editorial

 Revisão

 Marília Carolina de Moraes Florindo

 Cláudia Malinverni

 © 2021 Editora Universidade de Brasília

 Direitos exclusivos para esta edição: 

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sem a autorização por escrito da Editora.

 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 

(Biblioteca Central da Universidade de Brasília – BCE/UnB)

 C837

 Costa, Arthur Trindade M.

 Segurança pública, redes e governança /

 Arthur Trindade M. Costa. - Brasília : Editora

 Universidade de Brasília, 2023.

 304 p. ; 23 cm.

 Inclui bibliografia.

 ISBN 978-65-5846-097-8.

 1. Segurança pública. 2. Política pública.

 3. Governança pública. 4. Polícias. I. Título.

 CDU 351.78

 Heloiza Faustino dos Santos – Bibliotecária – CRB1/1913

Para Gabi, Manu e Pedro.


Agradecimentos

 Este livro é resultado de vários anos de reflexões e pesquisas 

sobre o funcionamento das instituições que compõem o campo da 

segurança pública no Brasil. Ao longo desses anos contei com o apoio 

de algumas instituições. A Capes, o CNPq, o Ipea e o Ministério da 

Justiça forneceram o apoio financeiro necessário aos estudos utiliza

dos aqui. O Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília 

(SOL/UnB) propiciou um ambiente de debate acadêmico importante 

para a reflexão crítica e plural acerca dos mais diversos temas da vida 

social e política do país.

 Felizmente pude contar com a colaboração de professores e alu

nos que discutiram ideias, sugeriram leituras e apontaram atalhos. 

Sou especialmente grato aos colegas do Núcleo de Estudos sobre Vio

lência e Segurança (NEVIS/UnB). Lá pude debater com Maria Stela 

Grossi Porto, Cristina Zackseski, Bruno Amaral Machado, Haydée 

Caruso e Analia Batista os vários aspectos das questões aqui abordadas.

 Também agradeço ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 

pela pluralidade de ideias e olhares em torno do tema. Sou grato ao 

Renato Sérgio de Lima, à Paula Poncioni, à Samira Bueno, ao Daniel 

Cerqueira e à Isabel Figueiredo pelas críticas e troca de ideias. Além da 

parceria com os integrantes do SOL, do NEVIS e do FBSP, me beneficiei 

também das trocas de ideias com Bruno Grossi, Andréia Macedo, Márcio 

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Mattos, Gilvan Gomes da Silva, Marcelo Durante, Almir de Oliveira, 

Laiza Spagna, Rodrigo Suassuna, José Nivaldino (in memoriam), 

Marcelo Berdet, Cláudio Dantas e Welliton Maciel.

 Apesar de toda ajuda e apoio recebidos, certamente o livro apresenta 

lacunas e imprecisões. E elas são de minha inteira responsabilidade.

 Brasília, 27 de julho de 2021.

 8

Sumário

 Introdução ..............................................................................13

 Os estudos sobre polícia, criminalidade e segurança ...............14

 A sociedade de risco e o novo paradigma da segurança pública  17

 A (re)configuração do campo da segurança pública no Brasil  21

 Das políticas de segurança pública às políticas públicas de 

segurança ..................................................................................24

 A governança da segurança ......................................................30

 Os limites da governança do campo da segurança ...................35

 Fontes, dados e estrutura do livro ............................................37

 CAPÍTULO 1: 

As redes de políticas públicas de segurança .........................39

 A construção das redes de políticas públicas ...........................42

 Programa Paz no Trânsito do Distrito Federal .........................45

 As Secretarias de Segurança Pública e a governança ..............51

 Os instrumentos de governança ...............................................60

 CAPÍTULO 2: 

Militarização e Profissionalização das Polícias Militares ........67

 O processo de militarização das polícias .................................69

 As dimensões da militarização .................................................77

 Os dilemas das polícias militares .............................................90

CAPÍTULO 3: 

As Polícias Civis e o Mito do Inquérito Policial .......................95

 A investigação criminal e o inquérito policial .........................99

 Os saberes jurídicos e os saberes policiais .............................103

 Discricionariedade, seletividade e política criminal ..............105

 Delegacias generalistas e especializadas ................................108

 O inquérito e a inteligência policial .......................................112

 Novos padrões da instrução criminal no Brasil .....................116

 A crise das polícias civis ........................................................119

 CAPÍTULO 4: 

Antigos atores e novas configurações ..................................123

 Ministério Público: novas funções, mesma estrutura .............124

 O governo federal e a indução de políticas públicas ..............132

 O município e a segurança pública ........................................143

 O sindicalismo policial...........................................................146

 A mídia e a segurança pública ................................................150

 A sociedade civil e as demandas por participação .................157

 CAPÍTULO 5: 

O Poder Local e a Segurança Pública ..................................161

 A segurança pública no Distrito Federal ................................162

 As carreiras policiais no DF ...................................................166

 O financiamento da segurança pública ...................................171

 Criminalidade e o medo na capital federal .............................174

 A configuração da segurança pública no DF ..........................179

 Melhorando a governança ......................................................184

CAPÍTULO 6: 

Os homicídios e a agenda de segurança pública .................187

 Contando as mortes ................................................................188

 Os homicídios e seus diferentes contextos .............................194

 A investigação criminal de homicídios ..................................209

 As políticas sociais de prevenção de violências .....................212

 Os problemas da agenda da redução de homicídios ..............215

 CAPÍTULO 7: 

A Segurança Pública e o Medo do Crime .............................221

 Medo do crime e percepção de risco ......................................222

 Medo do crime e vitimização .................................................225

 Medo do crime, gênero, renda, raça e idade ..........................229

 Medo, desordens e incivilidades ............................................232

 Medo do crime e qualidade dos serviços públicos .................235

 A polícia e o medo do crime ..................................................238

 A atuação da polícia na vizinhança e o medo do crime .........242

 O medo do crime e a agenda de segurança pública ...............250

 Conclusão ...........................................................................255

 Bibliografia ..........................................................................269


Introdução

 Atualmente, no Brasil, parece haver um consenso de que a segu

rança pública é um dos principais problemas que afetam os diversos 

aspectos da vida social, política e econômica. A despeito dos esfor

ços em aumentar os gastos e contratar mais profissionais para a área, 

presidentes, governadores e prefeitos eleitos nos últimos 35 anos, 

de modo geral, têm fracassado em prover a segurança demandada 

pela população.

 A violência, a criminalidade e o medo, cada vez mais presentes 

no cotidiano das pessoas, dificultam ainda mais a complexa constru

ção da cidadania. Os direitos civis, em especial dos grupos vulnerá

veis, seguem sistematicamente desrespeitados. Ainda são frequentes 

as situações de abusos e arbitrariedades cometidas por agentes do 

Estado. A economia também tem sido afetada – de acordo a Con

federação Nacional da Indústria (CNI), em 2015 os gastos na área 

representaram 5,5% do Produto Interno Bruto (CNI, 2018). No campo 

político, a incapacidade das autoridades públicas em responder satis

fatoriamente às demandas por segurança tem acentuado a descrença 

nos políticos e seus partidos. Em suma, a Nova República parece ter 

fracassado nesse tema.

 Alguns atribuem esse fracasso ao excesso de garantias previstas na 

legislação. Para estes, as polícias estão amarradas por um ordenamento 

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 legal extremamente permissivo com os criminosos. Outros, ao con

trário, atribuem o problema à relutância das forças policiais em se 

adequar aos princípios do Estado de Direito. Embora ocupem posição 

antagônica em relação ao diagnóstico, ambas as visões compartilham 

a ideia de que as polícias são as principais, e às vezes as únicas, ins

tituições encarregadas de resolver o problema. E ao colocarem os 

problemas nesses termos, esquecem que há uma grande variedade de 

instituições, públicas e privadas, que têm responsabilidade direta ou 

indireta no controle da criminalidade.

 Esta obra não trata dos “problemas” de segurança pública, mas sim 

analisa as “respostas” a eles. Tampouco é um livro sobre as respostas 

certas, ainda que eu acredite que algumas sejam melhores que outras. 

Ele analisa por que a capacidade do Estado brasileiro de responder aos 

problemas de segurança é tão precária. Ou seja, analisamos os motivos 

do fracasso da Nova República em responder satisfatoriamente aos 

problemas de violência, criminalidade e medo.

 Os estudos sobre polícia, criminalidade e segurança

 Desde a década de 1960, especialmente nos Estados Unidos, 

Canadá e Inglaterra, tornaram-se frequentes pesquisas sobre as polí

cias: sua função, organização, carreiras, estruturas, cultura e identida

des. Esses trabalhos deram origem a um campo que hoje é conhecido 

como police studies. Fundamentalmente, caracteriza-se pela aplicação 

de teorias e metodologias em uso nas ciências sociais, na psicologia e 

na administração pública ao estudo das polícias (MANNING, 2005).

 É um campo vasto e consolidado. Possui revistas especializadas, 

obras e autores de referência. É importante notar que as pesquisas 

14

INTRODUÇãO

 policiais não se confundem com uma área muito mais ampla chamada 

criminologia. A despeito de existir um intenso diálogo, as agendas de 

pesquisa se distinguem. No caso da polícia, os estudos não necessa

riamente se ocupam do amplo fenômeno da punição e do funciona

mento do Sistema de Justiça Criminal, tampouco buscam entender as 

complexas causas da violência e da criminalidade.

 Recentemente, no Brasil, também temos assistido ao surgimento 

de pesquisas sobre violência e conflitualidade, que em geral focalizam 

o funcionamento da Justiça Criminal e suas instituições, bem como as 

novas dinâmicas sociais que emergem da intensificação de práticas vio

lentas (ZALUAR, 1999; KANT et al, 2000; BARREIRA, ADORNO, 

2010). A despeito dessa variedade teórico-metodológica, podemos 

agrupar esses estudos em três eixos temáticos: polícias e políticas 

públicas de segurança; violências e sociabilidades; e punição e prisões 

(CAMPOS, ALVAREZ, 2017).

 O primeiro, polícias e políticas de segurança pública, nos interessa 

mais especificamente, pois trata, em essência, das respostas estatais 

aos problemas de segurança pública. De forma geral, as pesquisas 

pioneiras foram marcadas pelas “descobertas” das polícias por parte 

da academia (MUNIZ, CARUSO, FREITAS, 2017), momento em que 

os trabalhos trataram de desconstruir modelos normativos de funcio

namento das instituições policiais e seu relacionamento com a comu

nidade, evidenciando a imensa lacuna entre as práticas das polícias 

e a imagem idealizada delas. Com isso, descobriu-se que os acertos 

informais são muito mais comuns do que prevê (ou admite) a norma 

legal. Muito embora conte com grande liberdade de ação, a legislação 

reluta em admitir a discricionariedade policial. Também se verificou 

que a opinião pública, a cultura organizacional e a pressão para atender 

15

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 à demanda de trabalho têm muito mais influência sobre as polícias 

que juízes e promotores.

 Esses estudos mostraram, ainda, que o controle da criminalidade é 

apenas uma das várias tarefas empreendidas pelas instituições policiais, 

que incluem também a manutenção da ordem, o manejo de protestos, 

a regulação do trânsito e de outras atividades cotidianas. Por outro 

lado, o controle da atividade policial pelos tribunais e pelo Ministério 

Público é eminentemente formal e pouco eficiente. Constatou-se, nesse 

sentido, que as estratégias de policiamento têm efeitos muito menores 

sobre as taxas de criminalidade que estávamos preparados para admitir.

 Além dessas descobertas sobre as práticas policiais, as pesqui

sas também se debruçaram sobre as funções que essas instituições 

desempenham nas sociedades modernas. Para tanto, buscou-se defi

nir o que é polícia, emergindo daí duas definições que se tornaram 

muito influentes. Na primeira delas Ergon Bittner (2003) sugere que 

as instituições policiais são mecanismos de força justificada destina

dos à manutenção da ordem. Outra definição importante é de David 

Bayley (2006), que propõe que as polícias são instituições de controle 

social com autorização para o uso da força, caso necessário.

 Apesar de distintas, ambas as definições destacam o uso da força 

como aspecto diferenciador das forças policiais. Exatamente por isso, 

alguns estudiosos passaram a discutir os limites e a necessidade de rea

lizar a manutenção da ordem social dentro dos princípios que orientam 

os regimes democráticos. O controle das atividades policiais passou a 

ser uma das principais preocupações das democracias (COSTA, 2004). 

Assim, parte importante dos estudos sobre polícias concentrou-se em 

debater o funcionamento dessas instituições nos regimes democráticos. 

Mais do que isso, eles revelaram como o surgimento das democracias 

16

INTRODUÇãO

 afetou profundamente o papel e o funcionamento das instituições 

policiais. Hoje são inegáveis os efeitos das transformações na esfera 

política sobre as polícias.

 Ainda que esse seja um aspecto importante nos debates sobre 

segurança pública, nossa preocupação aqui é outra. Pretendemos mos

trar que, além das mudanças políticas, as transformações na estru

tura da sociedade e do Estado também têm afetado profundamente 

as rotinas, as estratégias e os objetivos das forças policiais. Isso por

que, se o surgimento das democracias, a partir da segunda metade do 

século XX, transformou as polícias, a emergência da sociedade de risco 

e as mudanças nas estruturas estatais as estão afetando profundamente 

no início do século XXI (ERICKSON, HAGGERTY, 1997).

 A sociedade de risco e o novo paradigma 

da segurança pública

 A manutenção da ordem, o controle social e o uso da força não 

são mais os únicos aspectos diferenciadores das forças policiais. O seu 

funcionamento tem sido profundamente transformado nas socieda

des contemporâneas organizadas para detectar e gerenciar os riscos 

da vida moderna. As funções das polícias agora vão muito além da 

manutenção da ordem e do controle da criminalidade. Elas incluem 

a necessidade de lidar com o medo do crime. Ou seja, somaram-se 

às tarefas tradicionais de polícia a necessidade de gestão de riscos. 

Não é apenas uma mudança semântica; é principalmente uma mudança 

f

 ilosófica. Enquanto os problemas de ordem e criminalidade são defi

nidos em termos de desvio moral, os riscos são pensados em termos 

probabilísticos. O objetivo não é mais alcançar uma ordem moralmente 

17

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 (ou socialmente) definida, mas tornar as sociedades mais seguras, 

com menos riscos de violências, crimes, acidentes e incidentes.

 Para isso a capacidade de coação das polícias, progressivamente 

limitada nas sociedades democráticas, não é suficiente. Para produ

zir segurança, as forças policiais são obrigadas a trabalhar cada vez 

mais em colaboração com outras instituições públicas e privadas. 

Nessa nova configuração social, sua capacidade de vigilância e de 

produção de informações ganha importância. Se antes era imperativo 

prender os criminosos e controlar os desviantes, agora o que importa 

é reduzir as taxas de risco. E, para tanto, a prisão dos criminosos nem 

sempre é a única, tampouco a principal estratégia.

 Um exemplo. Durante as últimas décadas, algumas cidades brasi

leiras viram-se às voltas com o crescimento dos sequestros relâmpagos, 

que consistiam em obrigar as vítimas, mediante ameaça, a sacarem 

dinheiro nos caixas eletrônicos. Depois de alguns anos, a incidência 

do problema diminuiu bastante. A sua solução não passou pela simples 

prisão dos criminosos, mesmo porque eles não pertenciam a um grupo 

socialmente homogêneo ou a uma única organização. As respostas 

mais efetivas foram de outra natureza. Os caixas eletrônicos foram 

retirados das ruas e calçadas e instalados em shopping centers, postos 

de gasolina e outros estabelecimentos comerciais. Os equipamentos 

deixaram de funcionar 24 horas, incorporando limites de horários e 

de saque. Todas essas medidas eram responsabilidade dos bancos. 

Às polícias coube elaborar um bom diagnóstico do problema e propor 

medidas para resolvê-lo. Não foi um papel menor, mas definitivamente 

foi um papel diferente.

 Em muitos países, os policiais, aos poucos, estão se tornando 

especialistas em produzir, coletar, sistematizar e difundir informações. 

18

INTRODUÇãO

 Investimentos cada vez maiores têm sido feitos para aquisição de novas 

tecnologias e equipamentos da informação que vão desde programas 

capazes de analisar enormes bases de dados (Big Data) até a compra 

de sofisticadas redes de comunicações e sistemas de atendimento e des

pacho. Viaturas com computadores embarcados, por exemplo, agora 

fazem parte da rotina dos policiais em algumas cidades do mundo.

 Resta saber, contudo, por que as polícias estão mudando nesta dire

ção. Será que estamos diante de uma transformação mais ampla, fora do 

mundo policial? A resposta é sim. Estamos diante da emergência de uma 

nova sociedade, que tem sido descrita por autores das mais variedades 

matizes teóricas como pós-moderna, líquida ou de risco (GIDDENS, 

1991; BAUMAN,1999; BECK, 2010). Um traço distintivo dessa nova 

configuração é a emergência de um discurso sobre a necessidade de 

limitarmos os perigos e problemas que afligem o cotidiano das pessoas. 

É um discurso sobre o risco: de sofrer um acidente de carro, de ser assal

tado, de ser infectado por uma doença, de se envolver em incidentes 

arriscados. A maior parte desses riscos decorre de mudanças sociais 

provocadas pelo progresso econômico e social, fortemente assentado 

no desenvolvimento e avanço tecnológico e científico. Apesar das dife

rentes formas como os autores descrevem esse novo mundo, todos 

concordam em um ponto: as expectativas sobre as formas pelas quais 

o controle social deve ser exercido mudaram radicalmente. E isso tem 

afetado as polícias, pois para lidar com esses riscos é necessário também 

a participação de outros atores estatais e privados.

 Mais, agora os problemas não se resumem apenas ao controle 

da criminalidade e das desordens, cujas respostas eram orientadas 

por um paradigma punitivista com ênfase nas polícias e nas prisões. 

Novos problemas foram sendo paulatinamente incorporados à agenda 

19

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 de segurança: proteção de grupos vulneráveis, administração de confli

tos e do medo. Por conseguinte, a natureza das respostas também está 

mudando. Se antes elas eram orientadas pelo controle da criminalidade 

(crime oriented policing), agora é frequente a adoção de respostas mais 

abrangentes para a solução dos problemas (problem oriented policing).

 A produção da segurança, portanto, não é mais vista como res

ponsabilidade exclusiva das polícias. É preciso governar através de 

uma ampla e diversificada rede de autoridades. Como sugeriu Michel 

Foucault, as práticas de governo não se restringem ao Estado e às suas 

instituições. Elas envolvem também famílias, escolas, igrejas, pro

f

 issões e várias outras autoridades que se engajam no controle das 

condutas individuais. Ao colocar a questão do governo nesses termos, 

a perspectiva foucaultiana dissolve a rígida distinção entre Estado e 

sociedade civil (GARLAND, 1997; FOUCAULT, 2008).

 O exercício do governo, ou da governamentalidade, nos termos de 

Foucault, implica num conjunto de instituições, procedimentos, lógicas e 

tecnologias que permitem governar uma população. Para o filosofo fran

cês, assistimos uma crescente governamentalização do Estado. Ou seja, 

a sua função tem sido cada vez mais governar populações, em contraste 

com a antiga, que era estabelecer a soberania sobre um território.

 A busca das causas da violência e da criminalidade deu lugar às 

análises epidemiológicas sobre as principais áreas, situações e grupos de 

risco que não podem ser completamente controlados ou extintos; podem, 

no máximo, ser governados. Para tanto é preciso acionar uma série de 

saberes e autoridades, e, cada vez mais, coordenar os esforços de poli

ciais, professores, promotores, juízes, estatísticos, médicos, psicólogos 

e assistentes sociais para governar o risco e o crime. O ingresso desses 

outros atores impactou profundamente o campo da segurança pública.

 20

INTRODUÇãO

 A (re)configuração do campo da segurança pública no Brasil

 Segurança pública é um conceito difícil, cuja definição pode 

variar, dependendo das nossas posições sobre as noções de ordem e 

garantias legais, bem como em função das nossas expectativas sobre 

o papel do Estado em nos proteger. Trata-se, portanto, menos de um 

conceito teórico e mais de um campo organizacional que estrutura as 

relações de instituições e profissionais encarregados da manutenção 

da ordem e do controle da criminalidade (COSTA, LIMA, 2015).

 Um campo organizacional corresponde a um grupo de instituições 

que, no agregado, constituem uma área reconhecida da vida social, 

política ou econômica. São exemplos de campos organizacionais o 

sistema financeiro, o sistema partidário e as universidades. A segurança 

pública constitui, assim, um campo formado por diversas organiza

ções que atuam direta ou indiretamente na busca de respostas para 

problemas relacionados à manutenção da ordem pública, controle 

da criminalidade e prevenção de violências. Nesse sentido, ela não 

se confunde com o Sistema de Justiça Criminal nem se resume às 

instituições policiais, por mais que estas tenham papel importante no 

debate público sobre o tema.

 Como tal, o campo da segurança pública é um espaço social de 

disputas entre diversos atores em torno das melhores soluções e prá

ticas mais legítimas de manutenção da ordem, controle da criminali

dade e prevenção de violência. Para entender as dinâmicas próprias de 

um campo organizacional é necessário observar como determinadas 

práticas foram institucionalizadas, como as identidades profissionais 

foram formadas, como os novos conceitos e atores são incorporados 

e como os conflitos internos estão estruturados.

 21

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Ao mesmo tempo que as relações sociais existentes num deter

minado campo condicionam as estratégias e práticas adotadas pelos 

atores políticos, tais relações são moldadas pelos diferentes processos 

de socialização a que foram submetidos esses atores. Ao passo que são 

estruturadas por práticas passadas e estruturam as ações do presente, 

as relações sociais entre os atores de um determinado campo também 

são afetadas por mudanças ocorridas noutros campos da vida social 

(BOURDIEU, 1990).

 No Brasil, a estrutura do campo da segurança pública é carac

terizada por uma forte concentração de recursos e competências no 

plano estadual e pela impossibilidade de as instituições policiais exer

cerem o ciclo completo de policiamento em sua atuação, que vai do 

policiamento ostensivo à investigação criminal. Além disso, existem 

limites constitucionais à reforma das polícias, uma vez que a estrutura 

construída ao longo do século XX, e fortalecida no período autori

tário (1964-1985), foi consagrada pela Constituição Federal de 1988 

(COSTA, LIMA, 2015).

 As principais agências encarregadas do trabalho de policiamento 

são organizadas e legalmente controladas pelas 27 unidades da fede

ração. Embora algumas polícias estejam sob controle do governo 

federal e alguns municípios mantenham guardas municipais, dada as 

limitações de competências e de recursos, a maior parte das tare

fas é desempenhada pelas polícias militares e civis dos Estados e do 

Distrito Federal.

 As PM estaduais são responsáveis pelas tarefas relacionadas ao 

policiamento das ruas. A despeito de reproduzirem alguns símbolos e 

normas militares, elas não pertentem à estrutura das Forças Armadas. 

Já as PC estaduais são encarregadas da investigação policial e da 

22

INTRODUÇãO

 instrução do processo criminal. Por esse motivo, são também cha

madas de polícias judiciárias, ainda que não pertençam à estrutura do 

Poder Judiciário. Em função disso, nenhuma dessas agências policiais 

estaduais realiza o chamado “ciclo completo de policiamento”. Isto é, 

suas atividades são limitadas por funções: as polícias civis exercem as 

funções de polícia judiciária e as polícias militares são encarregadas 

do policiamento ostensivo e da preservação da ordem pública.

 Outro aspecto importante a ser considerado: apesar das PM e 

PC serem organizadas e controladas pelos estados, suas funções são 

definidas pela Constituição Federal. Assim, as unidades federativas 

não podem, isoladamente, transformá-las ou extingui-las. Além dos 

limites constitucionais, os obstáculos à reforma das polícias também 

resultam de arranjos do poder local, uma vez que, no plano adminis

trativo e funcional, os governadores têm autonomia para definir cargos 

e planos de carreiras. Como forma de aumentar o controle sobre suas 

corporações, a maior parte dos estados as vincula às Secretarias de 

Segurança Pública ou de Defesa Social, o que permite integrar ações, 

otimizar recursos e estabelecer mecanismos de governança e coope

ração. Esses órgãos, em geral, têm baixa capacidade institucional para 

gerenciar e supervisionar as atividades das duas instituições policiais 

(as militares e as civis).

 Algumas das normas, práticas, identidades e mitos institucionais 

existentes no campo são anteriores à Constituição de 1988, tendo sido 

influenciadas por concepções de policiamento e segurança pública 

desenvolvidas ao longo do século XX. Assim, nos últimos anos, várias 

propostas foram apresentadas ao Congresso Nacional visando a mudar 

essa estrutura legal e institucional. Até hoje, porém, nenhuma logrou 

êxito em chegar até o final do processo legislativo. A maior parte dos 

23

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 projetos tem encontrado resistência na burocracia pública, que impede 

a mudança de práticas organizacionais.

 A despeito desses obstáculos, é possível observar algumas alte

rações na (re)estruturação da segurança pública. Novos atores da 

sociedade civil passaram a demandar maior participação nas tomadas 

de decisões. O Ministério Público teve suas funções e prerrogativas 

alteradas constitucionalmente, passando a exigir novos padrões de 

relacionamento com as polícias. No plano federativo verificou-se o 

aumento da participação da União e dos municípios em assuntos até 

então vistos como exclusivos dos estados. Nas PM a manutenção da 

identidade militar tem gerado atritos e problemas para sua profissio

nalização e modernização; o mesmo pode-se dizer das polícias civis, 

em que o mito do inquérito policial impede a melhoria do desempenho 

da investigação criminal.

 Neste livro descreveremos como as características e a configu

ração de atores do campo da segurança pública brasileiro resultaram 

numa baixa capacidade de governança. E isso tem tornado o Brasil 

incapaz de produzir respostas efetivas para os principais problemas 

que afligem a população, como o aumento significativo nas taxas de 

homicídios, o crescente medo do crime e a superlotação das prisões.

 Das políticas de segurança pública às 

políticas públicas de segurança

 As transformações na segurança pública não se limitam ao ingresso 

de novos atores e ao surgimento de novos problemas. Uma das mais 

importantes mudanças na área refere-se à forma como o controle social 

é exercido. A ideia de apenas punir os comportamentos criminosos 

24

INTRODUÇãO

 através da aplicação da legislação penal tem dado lugar a uma abor

dagem mais ampla, que visa a mitigar as causas das adversidades. 

Trata-se de uma nova mentalidade voltada para solução de problemas 

que tem afetado profundamente as expectativas sobre o funciona

mento do campo.

 Essa abordagem ficou conhecida como policiamento orientado 

para a resolução de problemas (GOLDSTEIN, 1990). Segundo Herman 

Goldstein, tal estratégia envolve a identificação e análise de desafios 

específicos de violência, criminalidade e desordens a fim de elaborar 

respostas mais efetivas. Trata-se de uma mudança de paradigma no 

padrão de respostas tradicionalmente produzidas pelas polícias, baseado 

quase exclusivamente no emprego de alguma forma de policiamento. 

As respostas produzidas pela estratégia de solução de problemas são 

muito mais complexas e envolvem uma rede de atores que se estende 

muito além das instituições policiais. Dependendo do tipo de dificul

dade, as respostas incluem atores como escolas, assistência social, 

rede de saúde e agências de infraestrutura urbana.

 Como em outras áreas, as principais políticas públicas de segu

rança implicam a participação de diversas organizações e atores políti

cos, tanto governamentais quanto não governamentais, que compõem 

as redes de políticas públicas. Essas redes, por sua vez, podem ser 

definidas como o conjunto de relações relativamente estáveis entre 

esses atores (públicos ou privados), que interagem através de uma 

estrutura não hierárquica e interdependente para alcançar objetivos 

comuns (BONAFONTE, 2004).

 Para discutir o funcionamento das redes de políticas públicas 

na área de segurança é necessário distinguir os seguintes conceitos: 

polícias (police); estratégias de policiamento (policing); e políticas 

25

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 públicas de segurança (policy). As polícias são aquelas organizações 

destinadas ao controle social e autorizadas ao uso da força, caso neces

sário (BAYLEY, 1994). As organizações policiais, entretanto, não são 

as únicas a possuir poder de polícia – agências de vigilância sanitária, 

guardas municipais e departamentos de trânsito, dentre outras, também 

o possuem. O traço definidor das instituições policiais, portanto, não é 

esse poder, mas sim a autorização legal para usar a força.

 As estratégias de policiamento (policing) referem-se às diferen

tes formas de empregar os efetivos, os recursos e os equipamentos. 

Embora façam parte do seu cotidiano, elas não são exclusividade das 

polícias. Outras organizações públicas também podem, sob certas con

dições, fazer algum tipo de policiamento, tais como as guardas muni

cipais, os departamentos de trânsito e as Forças Armadas. Além disso, 

em algumas situações, por exemplo, shows, jogos de futebol e festivais, 

também se verifica a existência de formas de policiamento realizadas 

por empresas de segurança privada, que igualmente policiam espaços 

quase públicos, entre os quais shopping centers, clubes e condomínios.

 As políticas públicas de segurança (policy), por sua vez, referem--se a um conjunto de ações e procedimentos que visam a dar conta de 

determinada demanda ou problema por meio da alocação de bens e 

recursos públicos e privados. Na área de segurança pública, especifica

mente, elas envolvem outras organizações. Ou seja, as políticas públi

cas de segurança não se resumem às polícias e às suas estratégias de 

policiamento; elas frequentemente implicam a participação de outras 

organizações e atores de dentro ou de fora do campo da segurança.

 Em torno de cada problema específico formam-se diferentes redes 

de políticas públicas. Cada rede abarca diversos conflitos, uma vez 

que podem existir diagnósticos distintos sobre as dificuldades a 

26

INTRODUÇãO

 serem enfrentadas e para as quais, consequentemente, haverá dife

rentes soluções. Os atores posicionam-se em relação a esses conflitos, 

convergindo ou divergindo na sua forma de caracterizar e interpretar 

esses problemas, atribuir relevância, propor estratégias e ações para 

lidar com eles.

 Duas características são essenciais para entender o funcionamento 

dessas redes: autonomia e interdependência. Na maior parte dos casos, 

os atores políticos não possuem de fato relações hierárquicas entre si. 

Entretanto, eles são interdependentes, ou seja, o resultado da política 

depende da participação de todos. Numa estrutura social dessa natu

reza, o desafio é estabelecer práticas e espaços sociais não hierárquicos 

de coordenação, capazes de planejar e articular as ações dos atores 

que compõem a rede. Chamaremos essa capacidade de governança.

 O termo pode significar muitas coisas. Neste livro, significa a capaci

dade de governar, ou seja, de coordenar e articular ações de diversos atores 

públicos e privados, por meio de uma estrutura de leis, normas e práti

cas que conferem legitimidade ao processo decisório. Hoje, podemos 

identificar pelo menos três modos distintos de coordenação: as regras 

contratuais do mercado; a hierarquia das instituições burocráticas e 

as reciprocidades derivadas das redes. Fundamentalmente, cada um 

desses modos incorpora uma racionalidade distinta que serve para 

organizar as ações. A racionalidade do mercado é contratual, enfatiza 

a eficiência na busca de resultados econômicos ótimos. O objeto de 

troca é claramente definido e facilmente mensurado. As relações são 

descontínuas e os acordos, garantidos por sanções legais. Já a raciona

lidade da burocracia é baseada nas hierarquias funcionais que definem 

de modo explícito os papéis e as competências de cada um dos atores 

envolvidos. Não há troca, mas sim relações de poder orientadas por 

27

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 objetivos políticos predeterminados. Enquanto os mercados são bas

tante flexíveis, as burocracias são rígidas.

 As redes não são um meio termo entre o mercado e a hierarquia. 

Muito pelo contrário, elas possuem uma lógica própria, organizada 

em torno da confiança e da reciprocidade entre os múltiplos atores, 

enquanto suas relações são sequenciais e de longa duração. O objeto 

de troca não é facilmente mensurável, tampouco previamente definido. 

Nas redes, as relações são mantidas pela expectativa de que haverá 

algum tipo de reciprocidade (JESSOP, 2000; TOMPSON, 2003).

 Existem, portanto, variados arranjos institucionais destinados a 

maximizar a capacidade de governar uma população. Os diferentes 

modos de governança refletem a variedade de formas possíveis para 

implementar políticas públicas, bem como os papéis atribuídos às 

instituições do Estado e da sociedade civil. Essa variedade também 

reflete a necessidade de responder aos novos problemas e aos desafios 

de administrar os riscos nas sociedades contemporâneas. Essas formas 

de governar buscam, igualmente, promover processos decisórios capa

zes de atender à crescente demanda por participação social.

 Apesar de não ser uma novidade, só recentemente o conceito 

de governança passou a ser objeto de pesquisa (PIERRE, PETERS 

2000), tendo sua noção aparecido nos livros e artigos apenas a partir 

da década de 1980, a ponto de tornar-se um novo campo de estudos. 

Tal movimento refletiu sobre diferentes áreas, como saúde, educação, 

meio ambiente, criminologia e economia, a primeira a focar na noção 

de governança corporativa. Oliver Williamson (1979) foi um dos pri

meiros a chamar a atenção para a sua importância ao demonstrar como 

os atores econômicos adotam diferentes formas de governança para 

minimizar seus custos de transação.

 28

INTRODUÇãO

 A partir daí outros autores esforçaram-se para descrever novas 

formas de coordenação de ações, num ambiente marcado pela cons

tituição de redes de políticas públicas (POWELL, 1990; RHODES, 

1990). Talvez por isso muitos trabalhos têm se referido à governança 

como uma nova forma de governar, diferente dos mercados e das 

burocracias estatais. Mas, é importante lembrar, tanto aqueles quanto 

estas pressupõem formas específicas de ação que ainda existem e são 

bastante úteis nas sociedades contemporâneas. A novidade, portanto, 

não é a governança, mas sim o desafio de exercê-la em um ambiente 

marcado pela diversidade de redes de políticas públicas.

 De forma geral, a literatura atribui quatro significados diferentes ao 

termo governança: i) uma estrutura; ii) um processo; iii) um mecanismo; 

e iv) uma estratégia (LEVI-FAUR, 2012). Enquanto estrutura, ela se 

refere a uma configuração de instituições, públicas e privadas, desti

nadas a responder um determinado problema. Como veremos, deter

minadas configurações do campo da segurança pública dificultam 

a governança.

 Como processo, o termo refere-se às dinâmicas e aos processos 

de elaboração de políticas públicas. A forma como estas são elabo

radas, incluindo diferentes atores e estabelecendo arenas de coor

denação, pode facilitar o exercício da governança. Por outro lado, 

políticas públicas formuladas inicialmente para ser implementadas 

exclusivamente pelas polícias terão muita dificuldade para incorporar 

e coordenar novos atores. Para ser exercida, a governança implica a 

existência de mecanismos ou instrumentos destinados a estruturar o 

processo decisório, bem como induzir as ações dos diversos participan

tes de uma rede de políticas públicas. Existem diversos instrumentos, 

como sistemas de metas, fundos para financiamento de ações, sistemas 

29

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 de monitoramento da execução orçamentária, câmeras técnicas de 

coordenação etc., sem os quais a governança das redes de políticas 

públicas seria muito difícil.

 Por fim, ela também se refere às diferentes estratégias que deter

minados atores (normalmente estatais) adotam para reformar as orga

nizações e seus mecanismos, bem como para fornecer novos enquadra

mentos para as escolhas de preferências individuais. Essas estratégias 

requerem um planejamento que explicite os objetivos da política 

pública de segurança, estabeleça metas e indicadores, bem como des

creva as diversas ações que deverão ser implantadas pelos diferentes 

atores que compõem a rede.

 Neste livro, descreveremos as principais dificuldades encontra

das no campo da segurança pública brasileiro para essa mudança de 

paradigma. A persistência de uma mentalidade que prioriza estra

tégias de policiamento sem a necessária articulação com ações de 

outros atores é resultado de uma configuração do campo herdada de 

períodos anteriores.

 A governança da segurança

 As profundas transformações no campo da segurança pública 

têm sido objeto de intenso debate criminológico nos últimos 30 anos. 

A reconfiguração dos mecanismos pelos quais ela tem sido realizada 

tornou-se o foco central do debate. Autores influentes da disciplina têm 

se dedicado a descrever, explicar e avaliar as implicações das tendências 

identificadas conceitualmente sob os vários rótulos, como, por exem

plo, pluralização, multilateralização, governança em rede, governança 

nodal e governança da segurança (SHEARING, WOOD, 2000, 2006).

 30

INTRODUÇãO

 Sem dúvida, umas das grandes transformações na segurança pública 

é o crescimento significativo das empresas privadas. Para alguns estu

diosos, estaríamos diante de uma revolução silenciosa nos sistemas de 

policiamento e controle social em muitos países do mundo. A revolução 

compreenderia a expansão incremental dos serviços privados de segu

rança, com foco na proteção do patrimônio, orientada por uma lógica 

preventiva de ação. Acompanhando a tendência mundial, a sociedade 

brasileira tem se deparado com o crescimento do número de empresas 

de vigilância privada. Mas, devido às características do aparato legal 

e burocrático nacional, boa parte delas é irregular e está submetida à 

f

 iscalização precária (SILVA, 2013, 2015; ZANETIC, 2013).

 Com relação às áreas residenciais, observamos nas últimas déca

das o surgimento de novos padrões de moradia, condomínios ver

ticais e horizontais, cuja característica comum é a centralidade da 

preocupação com a segurança dos seus moradores. Esse padrão de 

moradia é cada vez mais frequente nos bairros de classe média e alta. 

Os condomínios são verdadeiros “enclaves fortificados”, que intro

duzem uma nova lógica de segurança e controle social, com base no 

emprego de serviços privados e orientada pela segregação social do 

espaço (CALDEIRA, 2000).

 O surgimento de atores privados, entretanto, não se restringe às 

áreas de maior renda, tampouco a práticas reguladas por leis. A preo

cupação com os crimes contra o patrimônio também está presente nos 

bairros pobres, especialmente entre os comerciantes locais, tais como 

donos de bares, açougues, padarias etc. Nesses casos, os moradores 

dificilmente contam com a atenção das unidades policiais tampouco 

podem dispor de um sofisticado e caro aparato de segurança privada. 

Nessas áreas, são frequentes os relatos sobre a atuação de grupos 

31

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 de justiceiros e milícias, ambos atuando à margem da lei, frequen

temente integrados por ex-policiais, via de regra, com apoio finan

ceiro de comerciantes. Enquanto a presença de justiceiros em alguns 

bairros é antiga, o surgimento das milícias é relativamente recente. 

Elas controlam determinadas áreas, estabelecendo normas de convívio 

e explorando alguns serviços (gás, internet, transporte etc.). Tal qual 

os grupos de justiceiros, os milicianos contam com a colaboração ou 

tolerância de policiais.

 As transformações no campo não se restringem à expansão da 

segurança privada. Há também uma crescente percepção de que o 

Estado tem fracassado nos esforços para conter uma tendência inexorá

vel de ascensão do crime, das desordens e das incivilidades (LOADRE, 

SPARKS, 2002). Tal percepção está associada à intensificação do medo 

do crime e ao surgimento de uma nova consciência de risco, que incita 

os atores sociais a buscarem novas estratégias destinadas a afastar a 

possibilidade de vitimização criminal (SHEARING, 1992; BAYLEY, 

SHEARING, 1996; LEADR, 2000).

 Associado à emergência de novos atores e expectativas, podemos 

também verificar o esvaziamento do Estado, que se dá na medida em 

que sua capacidade governamental se diluiu em variadas esferas de 

poder, nos níveis sub e supranacionais. Todos esses fatores têm gerado 

uma intensa discussão sobre qual é, ou deveria ser, o papel do Estado 

nessa nova configuração do campo da segurança pública.

 Na literatura há pelo menos duas perspectivas sobre esse papel 

na era da governança de redes. A primeira refere-se à necessidade 

de preencher com novos atores privados as lacunas deixadas pelo 

Estado cada vez mais esvaziado. Posto que ele teria se tornado uma 

coleção de redes inter-organizacionais, com atores públicos e privados, 

32

INTRODUÇãO

 nenhum ator seria capaz de dirigi-lo ou governá-lo sozinho (RHODES, 

1997). O surgimento das redes teria reduzido de modo significativo 

a capacidade dos governos para responder com efetividade aos pro

blemas sociais, cabendo-lhes fundamentalmente o papel de regulação 

desses múltiplos atores.

 Em oposição a essa perspectiva, há autores que reconhecem as 

profundas transformações da organização do Estado e suas consequen

tes limitações. Por isso, é necessário reconhecer o papel dos atores 

privados, o que implica elaborar novas formas de relação e parcerias 

público-privadas. Para esses estudiosos, entretanto, é exatamente por 

causa da reconfiguração das relações público-privado que o Estado 

ganha maior importância (PIERRE, PETERS, 2000). O paradoxo da 

redução da efetividade da ação dos agentes estatais implicaria a necessá

ria melhoraria das formas de governança, cuja legitimidade depende da 

participação do governo nos processos decisórios. A simples presença 

de atores públicos na estrutura de governança não necessariamente lhe 

confere legitimidade (BÖRZEL, RISSE, 2010; LEVI-FAUR, 2011).

 Aqui cabe uma distinção importante entre governo e Estado. 

Os atores estatais não se resumem a administrar as orientações forne

cidas pelos governos democraticamente eleitos. Ao contrário, muitas 

instituições estatais têm adquirido razoável autonomia em relação às 

autoridades governamentais. Há uma crescente pressão para torná--las parte do Estado e não de governos. Para isso são elaborados 

estatutos, regulamentos e processos de escolhas de seus dirigentes, 

o que conferem enorme autonomia política, funcional e orçamentá

ria às instituições estatais. Essa ideia visa a blindá-las da influência 

política dos governos, estratégia especialmente válida na segurança 

pública. Portanto, a participação de instituições estatais nas redes 

33

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 de políticas públicas não confere a legitimidade que só os gover

nos eleitos possuem.

 Assim, o debate e as análises sobre as transformações do campo 

têm gerado grandes divergências sobre qual seria o papel do Estado 

nesta nova configuração. Essas posições podem ser agrupadas em 

duas grandes abordagens.

 A primeira parte de uma visão bastante cética dos esforços centra

dos quase exclusivamente no Estado para fornecer segurança à popu

lação e vê no surgimento dos novos atores privados uma oportunidade 

única para responder com mais eficácia às necessidades da comuni

dade (BAYLEY, SHEARING, 1996; SHEARING, WOOD, 2003; 

JOHNSON, SHEARING, 2003). Clifford Shearing (1992), por exem

plo, argumenta contra uma “visão de governo centrada no Estado 

que exclui, ou pelo menos obscurece, os atores privados”. Para ele, 

essa posição é questionável porque subestima a importância desses 

sujeitos, limitada por um pensamento normativo que não atende mais 

a realidade do século XXI. O autor reconhece a polícia como um ator 

dentre muitos outros encarregados de prover segurança. Dispensando a 

descrição hobbesiana do Estado como Leviatã, Shearing defende um 

papel regulatório para o Estado, encarregado de fornecer os limites e 

princípios sob os quais a segurança será exercida pelos atores privados 

e comunitários, que passariam a operar a partir das regras do mercado.

 A segunda abordagem adota uma postura normativa e crítica às 

transformações no campo, apontando os problemas advindos do recuo 

do Estado no controle social. Isso implicaria uma série de problemas, 

incluindo a baixa accountability da segurança pública, bem como 

a falta de legitimidade de alguns novos atores privados. Eles tam

bém denunciam a desigualdade na distribuição da segurança como 

34

INTRODUÇãO

 um bem social, postulando que o mercado seria incapaz de superar a 

lacuna entre pobres e ricos (LOADER, WALKER, 2001, 2004, 2006; 

ZEDNER, 2006, 2007).

 Nos parece equivocada a tendência de alguns estudiosos pensarem 

uma forma de governança sem a coordenação central dos governos, 

uma vez que o conceito é essencialmente político. São raros os casos 

nos quais esse papel pode ser resumido à regulação dos atores priva

dos que produzem segurança. Em geral, cabe aos governos indicar os 

problemas a serem tratados e os meios (públicos ou privados) a serem 

empregados. Não acredito ser possível fugir da dimensão política das 

escolhas no campo da segurança, tampouco da necessidade simbólica 

de legitimá-las.

 Os limites da governança do campo da segurança

 Apesar das diferenças de avaliação, a maior parte da literatura 

tende a concordar que a segurança é, para o bem ou para o mal, resul

tado das interações de uma rede de atores públicos e privados, na qual 

a governança é realizada. Há um aspecto, entretanto, que tem sido 

relegado nas discussões: qual é capacidade de governança de um 

determinado campo de segurança pública? Essa capacidade requer 

o preenchimento dos seguintes requisitos: i) seleção de objetivos; 

ii) coordenação; iii) implementação; e iv) avaliação (PETERS, 2012).

 Se a governança implica dirigir e não comandar, então a seleção 

dos objetivos é uma atividade essencial para o funcionamento de uma 

rede de políticas públicas. Para isso é preciso uma boa capacidade de 

levantar e analisar informações, pois não basta realizar um diagnós

tico. É necessário convencer os diversos atores que compõem uma 

35

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 rede sobre a seleção de objetivos e a adoção de prioridades. É fun

damental convencê-los a remar na mesma direção. Isso implica um 

complexo processo decisório com a participação de vários atores e 

suas respectivas lógicas e interesses corporativos. Também envolve 

a definição de noções abstratas de justiça social, ordem pública e 

participação social. Em suma, a seleção de objetivos é um processo 

eminentemente político.

 Como dissemos, os múltiplos atores têm seus próprios objetivos 

e interesses. Não é raro que as ações desenvolvidas por um determi

nado ator não estejam alinhadas com os objetivos gerais definidos. 

Uma governança efetiva implica coordenar as ações de acordo com as 

prioridades estabelecidas. Para que isso aconteça são devem elabora

dos instrumentos capazes de induzi-las, tais como o desenvolvimento 

sistemas de metas e o estabelecimento de áreas e grupos prioritários, 

além da coordenação da execução da orçamentária.

 As decisões tomadas nos estágios anteriores precisam ser imple

mentadas. É preciso vencer as resistências culturais e os obstáculos 

institucionais. Isso significa reconhecer a necessidade de reformar 

algumas instituições. Entretanto, não basta reformá-las; é necessário 

também criar e fortalecer as estruturas e os mecanismos de governança.

 Nas redes de políticas públicas os mecanismos tradicionais de 

avaliação e responsabilização não cumprem adequadamente sua fun

ção. São muitos os atores envolvidos, cuja interdependência cria novos 

desafios e, consequentemente, demandam novos instrumentos de ava

liação e acompanhamento.

 O objetivo deste livro é discutir as transformações, as tensões e os 

dilemas da segurança pública, que sob esse contexto vêm ocorrendo 

desde 1988. Para tanto, iremos analisar como os dilemas identitários e a 

36

INTRODUÇãO

 permanência de determinadas lógicas e mitos institucionais, bem como 

o surgimento de novos atores políticos que têm afetado a segurança 

pública. Dentre os vários problemas existentes, um nos interessa mais 

especificamente: sua baixa capacidade de governança.

 Nosso argumento central é que a forma como o campo se estru

turou no Brasil afetou drasticamente sua capacidade de governança, 

seja pelas dificuldades de reformar algumas instituições, seja pela 

ausência de mecanismos de coordenação, seja pela incapacidade de 

articulação. Também descreveremos como as dinâmicas políticas atra

palham o aperfeiçoamento da governança e comprometem as novas 

estratégias para governar a segurança pública.

 Fontes, dados e estrutura do livro

 Nosso objetivo aqui é relacionar dois fenômenos sociais: a estru

turação da segurança pública e a construção de um novo modelo de 

governança do campo, com base na atuação das redes de institui

ções. Analisar a capacidade de governar requer um enorme esforço 

metodológico. O mesmo pode ser dito quanto aos esforços para 

compreender estruturação.

 Obviamente, esse tipo de análise pode ser feito de diferentes 

formas, abrangendo níveis distintos. Neste trabalho, são utilizados 

dados e evidências produzidos a partir de pesquisas qualitativas e 

quantitativas que realizei nos últimos anos. Elas empregaram uma 

pluralidade de técnicas, tais como survey, grupos focais, entrevistas 

e análise documental. Essas pesquisas foram coordenadas por mim e 

contaram com a participação de diversos alunos de graduação e pós--graduação. Também foram utilizados dados produzidos em estudos 

37

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 realizados por outros estudiosos do campo. Estabeleci como limite 

temporal o ano de 2015.

 Esta obra está estruturada em duas partes. A primeira trata dos 

atores e das configurações específicas que a área pode tomar em cada 

Estado. Discutiremos as fragilidades das Secretarias de Segurança 

Pública, os problemas identitários das polícias militares e os osbs

táculos para a melhoria da capacidade de investigação das polícias 

civis. Ainda na primeira parte, apresento as transformações de antigos 

atores, como o Ministério Público e a mídia. Também explicaremos 

como o ingresso de novos sujeitos (União, municípios, sindicatos e 

sociedade civil) tem reconfigurado o campo.

 Na segunda parte, descrevo como a configuração política estadual 

impacta a governança da segurança pública. Por fim, discuto como o 

enfrentamento dos problemas relacionados aos homicídios e ao medo 

do crime dependem da ação coordenada de redes de políticas públicas.

 38

CAPÍTULO 1  

As redes de políticas 

públicas de segurança

 Nas últimas décadas, a segurança pública tem sido apontada como 

um dos principais desafios do Brasil. A partir de 1998, ela se tornou 

um problema político-eleitoral. As diversas pesquisas eleitorais têm 

revelado que a falta de segurança, junto com o desemprego e a saúde, 

são as três maiores preocupações da população. Além disso, o elei

torado acredita que os governadores, os prefeitos e o presidente da 

República são igualmente responsáveis pela área. Ou seja, a segurança 

tornou-se um dos temas mais problemáticos para todos os níveis de 

governo nos últimos 20 anos.

 Se isso é verdade, resta saber quais são os problemas da segu

rança? Eles são muitos e complexos: precárias condições de trabalho 

dos policiais, sensação de insegurança crescente, taxas de homicídios 

elevadas, superlotação carcerária, mau funcionamento do Sistema 

de Justiça Criminal e aumento das ações de organizações crimino

sas, dentre outros. Não há, entretanto, um consenso sobre quais deles 

deveriam ser prioritariamente atacados, tampouco as soluções mais 

adequadas para resolvê-los.

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Ao contrário, há uma intensa disputa entre os diversos atores que 

integram o campo da segurança pública para determinar seus problemas 

e suas soluções. Assim como em outras áreas (i.e., saúde, educação, 

mobilidade, meio ambiente etc.), a formação de agenda das políticas 

públicas de segurança, ou seja, a escolha dos temas prioritários, é um 

processo político e socialmente construído (COBB, ELDER, 1983; BIR

KLAND, 2001). Os grupos competem para formar a agenda porque 

nenhuma sociedade ou sistema político é capaz de processar e solucionar, 

ao mesmo tempo, todos os problemas. Na área segurança pública, a des

peito da segurança ser um bem comum, há vários interesses em disputa. 

Por exemplo, quais bairros receberão maiores efetivos ou equipamentos, 

quais carreiras serão priorizadas, quais grupos sociais receberão as prin

cipais atenções e cuidados e, obviamente, quem irá financiar a política?1

 Mais do que isso. O fluxo dos problemas não antecede necessa

riamente o fluxo das soluções (KINGDON, 1995). Às vezes, estas são 

apresentadas (e compradas) antes mesmo que aqueles tenham sido 

claramente definidos. Isso acontece com mais frequência quanto se 

trata da aquisição de sistemas tecnológicos e equipamentos. É o caso 

de alguns estados que adquiriram sistemas de videomonitoramento 

(CCTV). Em determinadas situações, esses sistemas foram implan

tados sem que antes fosse elaborado um projeto que definisse clara

mente os objetivos e as metas almejadas. De forma geral, os projetos 

apresentados não passavam da descrição e justificativa para aquisição 

dos equipamentos, sem previsão de todas as ações necessárias ao seu 

funcionamento adequado (i.e., treinamento de equipes, elaboração de 

protocolos e desenvolvimento de doutrina). Assim, a “solução” foi 

1 Para uma análise do processo de formação de agenda na segurança pública ver: 

Poncioni (2017).

 40

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 comprada antes mesmo do problema que pretendia resolver ter sido 

definido. Os resultados não poderiam ser mais desastrosos: desperdício 

de recursos, subutilização dos equipamentos e abandono do projeto. 

Foi o que aconteceu, por exemplo, no Distrito Federal e no Rio de 

Janeiro (CARDOSO, 2013, 2014).

 Noutras situações foram implantados projetos que já existiam, 

mas haviam sido jogados na “lata de lixo” por algum motivo (COHEN 

et al., 1972). Desse modo, iniciativas de outros governos foram reto

madas, mesmo que renomeadas, para dar resposta às pressões polí

ticas sofridas pelas autoridades de segurança pública. Via de regra, 

tais soluções foram reintroduzidas sem a necessária readequação dos 

projetos originais, tanto no que diz respeito aos seus objetivos e metas 

quanto ao seu cronograma. Esse foi o caso das Unidades de Polícia 

Pacificadoras (UPP) no Rio de Janeiro.2

 E, mesmo quando esses desafios e suas soluções estão claramente 

definidos, a implantação de políticas públicas de segurança encontra 

sérios obstáculos. Alguns deles referem-se à cultura organizacional 

e derivam da resistência dos profissionais em mudar suas rotinas de 

trabalho. Outros obstáculos estão relacionados com a inadequação da 

estrutura das organizações encarregadas de executar as ações. Ambas as 

situações, resistências culturais e inadequação organizacional, têm sido 

apontadas como alguns dos principais empecilhos para a implantação 

de projetos de policiamento comunitário no Brasil (OLIVEIRA, 2002).

 Todas essas dificuldades de formulação e implementação não 

são novidade e estão presentes nas políticas públicas de segurança 

(SOUSA, 2006). Mas há uma outra dimensão que gostaríamos de 

2 As UPP, implantadas a partir 2008, basearam-se no projeto dos Grupo de Policiamento 

em Áreas Especiais (GPAE), estabelecido em 2000. Ver Cardoso (2010) e Misse (2014).

 41

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 abordar neste capítulo: trata-se dos desafios relacionados à gover

nança. Os problemas dessa natureza não são exclusivos da área de 

segurança pública, mas nela adquirem enorme importância em fun

ção da necessidade de se constituir redes de políticas públicas que 

exigem a participação de diversos atores políticos, tanto governa

mentais quanto não governamentais. Tais redes, caracterizadas pela 

interdependência e autonomia, não surgem naturalmente, tampouco 

dispõem, a priori, de grande capacidade de governança. Na verdade, 

elas variam significativamente quanto à capacidade de coordenação 

e articulação de ações.

 A construção das redes de políticas públicas

 Um dos principais objetivos dos estudos sobre redes de políticas 

públicas tem sido a identificação e classificação dos diversos tipos de 

redes nos Estados contemporâneos. Elas se sobrepõem e interagem 

entre si, caracterizando uma dinâmica complexa que alguns chamaram 

de Estado organizacional (LAUMANN, KNOCKE, 1987). Esses tra

balhos, geralmente, tratam de analisar e classificar as redes a par

tir da análise dos atores envolvidos. Para isso, elegem as seguintes 

variáveis de classificação: número e tipo de atores; arenas de intera

ção; funções que elas desempenham; tipo de interações que predomi

nam entre os participantes; normas de procedimentos; e relações de 

poder entre os atores.

 Assim, não há dúvida de que para entender as redes de políticas 

públicas é fundamental analisar os atores que as compõem, bem como 

a forma como eles interagem. Entretanto, podemos aprender bem mais 

sobre elas se as tomarmos como uma estrutura social que não se limita 

42

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 aos seus membros. Muitas vezes, as propostas e os resultados das 

políticas públicas não são claramente identificáveis com os interesses 

de qualquer dos atores de uma rede. Elas têm dinâmicas próprias, 

que prevalecem sobre as vontades individuais dos seus membros. 

Portanto, para entendê-las é necessário antes analisar os aspectos que 

condicionam as interações entre os participantes.

 Marsh e Rhodes, em estudo das relações entre o poder central e o 

poder local, realizado na Grã-Bretanha, desenvolveram uma tipologia 

de redes de políticas públicas (MARSH, RHODES, 1992). A classifi

cação sugerida pelos autores descreve dois tipos ideais de rede, a partir 

dos quais emergem inúmeras combinações possíveis.

 No primeiro tipo, policy networks, as redes são compostas por 

poucos atores e se caracterizam pela estabilidade das relações, com alto 

grau de interdependência e grande autonomia no que se refere às outras 

redes. Elas são bastante integradas e, normalmente, originaram-se 

de temas de interesse governamental, tais como segurança, saúde, 

educação, ciência e tecnologia. Marsh e Rhodes (1992) enfatizam 

o papel predominante dos atores estatais, uma vez que concentram 

os principais recursos de poder. O desafio dessas redes é abrir-se à 

participação de outros membros fora da comunidade política tradi

cionalmente estabelecida. Nesse sentido, ampliar a participação de 

atores para além das polícias e demais órgãos de segurança, incluindo 

representantes da educação, saúde e trabalho, bem como da sociedade 

civil, tem sido um dos desafios mais frequentes das redes na área.

 As redes temáticas (issue networks) são um tipo ideal oposto. 

Elas possuem grande número de participantes que se reúnem em torno 

de temas específicos. São pouco estáveis, com estrutura atomizada e 

baixo grau de integração entre seus membros. Em uma rede temática 

43

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 a distribuição de recursos entre atores dentro e fora do governo é 

assimétrica, embora não exista predominância a favor de nenhum 

deles. O desafio é institucionalizá-las de forma que a estrutura social 

continue a produzir políticas públicas coerentes.

 Em função da natureza das relações estabelecidas entre os ato

res, as redes de políticas públicas podem exercer diferentes funções 

(AGRANOFF, 2007). Na segurança pública são pelo menos três tipos 

de funções: i) fomen tar a troca de informações; ii) ampliar a capaci

dade de vigilância e monitoramento; e iii) aumentar a capacidade de 

responder adequadamente aos problemas.

 Algumas redes visam a fomentar a troca de informações. Nesses 

casos, os atores unem-se exclusivamente para trocar dados e refe

rências sobre políticas, programas, tecnologias. As ações executi

vas cabem apenas aos atores isoladamente e não são compulsórias. 

É comum a criação de “frentes” em defesa de determinada política 

pública ou pela revogação de certo estatuto legal. Nestas situações, 

os diversos atores que compõem as “frentes” compartilham informa

ções que justificam suas posições políticas.

 Existem as redes voltadas à ampliação da capacidade de vigilância 

e monitoramento de determinados grupos sociais. Quando isso ocorre, 

os parceiros compartilham informações bancárias, fiscais, telefônicas 

dos seus “clientes”. Na era da sociedade informacional, são cada vez 

mais frequentes as demandas por parcerias que visam a compartilhar 

dados e informações sensíveis sobre os cidadãos, a fim de aumentar 

da capacidade do Estado de responder aos novos riscos e ameaças. 

Essas demandas por mais monitoramento, entretanto, têm obrigado 

os estudiosos a rediscutir os limites e perigos desse tipo de vigilância 

(MARX, 1988).

 44

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 Por fim, há as redes específicas para a solução de problemas. 

Nestas, os participantes unem-se para realizar tarefas interorganiza

cionais e implementar ações que permitam a produção conjunta de 

bens e serviços.

 Programa Paz no Trânsito do Distrito Federal

 A violência no trânsito tem sido apontada como um dos principais 

problemas de segurança pública das cidades brasileiras. Os estudos 

deixam claro que os acidentes de trânsito são uma questão de saúde 

pública, devendo o setor público atuar prioritariamente para a preser

vação da vida e bem-estar – físico e mental – das pessoas que sofrem 

os impactos físicos, emocionais e econômicos desse tipo de ocorrência.

 Em 2005 morreram cerca de 34.381 pessoas vítimas de aciden

tes de trânsito no Brasil. Tendo em vista a elevada subnotificação de 

mortes desse tipo, os números eram tão alarmantes quanto as cifras 

de homicídios (55.312), registradas no mesmo período. Segundo o 

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), naquele ano os 

custos anuais decorrentes desse tipo de evento no país ultrapassaram 

a cifra de R$ 27 bilhões, o equivalente a 1,4% do PIB.

 Em Brasília, o problema não era diferente das outras grandes 

cidades brasileiras. Até meados da década de 1990 as taxas de mortes 

no trânsito do Distrito Federal eram mais do que o dobro das taxas 

nacionais. Em 1994, a taxa de óbito por acidente de trânsito no DF foi 

de 39,7/100.000 pessoas, ao passo que a média nacional foi de 19,4. 

O ano de 1995 foi ainda mais violento, tendo o DF alcançado a catas

trófica taxa de 44,7/100.000 pessoas mortas no trânsito, mais que o 

dobro da taxa nacional, de 21,4 (WAISELFILSZ, 2006).

 45

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Em função desses números, a população do Distrito Federal pas

sou a pressionar as autoridades locais a buscarem soluções para um 

quadro que se apresentava tenebroso. Nesse contexto, em fevereiro 

de 1995 foi lançado um conjunto de medidas, que mais tarde ficaram 

conhecidas como Programa Paz no Trânsito. Elas traziam duas novi

dades em relação às políticas tradicionais voltadas para o trânsito 

implantadas nas cidades brasileiras: focavam na segurança ao invés 

da fluidez do trânsito e implicavam a participação de vários atores.

 Frequentemente, essas políticas se concentravam apenas no com

portamento dos motoristas e pedestres. Entretanto, eles não são os 

únicos atores sociais envolvidos na questão. O trânsito é constituído 

por um grupo bem maior de papéis, os quais devem ser considerados 

no planejamento da circulação: pedestres, ciclistas, motoristas, passa

geiros, policiais, legisladores, planejadores e operadores, dentre outros  

(VASCONCELOS, 2001). Para melhorar as condições de segurança, 

o programa buscou o maior número possível de atores envolvidos 

no trânsito do DF.

 Seus principais eixos eram: i) coibir o excesso de velocidade; ii) 

controlar o consumo de bebidas alcoólicas; iii) intensificar a educação 

no trânsito; iv) melhorar as condições da malha viária; v) melhorar 

o atendimento médico no trânsito; e vi) normatizar o acompanha

mento estatístico no trânsito. Inicialmente, foram adotadas as seguin

tes medidas no sentido de consolidar a ação: i) criação do Núcleo do 

Batalhão de Policiamento de Trânsito; ii) aperfeiçoamento da Escola 

Pública de Trânsito; iii) promoção de cursos de formação para pro

fessores da rede pública; iv) instalação de equipamentos de vigilância 

eletrônicos; v) definição dos principais pontos críticos de acidentes; 

vi) instalação de conjuntos semafóricos; vii) instalação de passarelas 

46

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 e faixas para pedestres; e viii) adoção de medidas de segurança para 

os transporte coletivos.

 De modo geral, o Paz no Trânsito surgiu das convergências dessas 

diferentes iniciativas no âmbito governamental e da sociedade civil. 

A princípio, as medidas planejadas para a segurança no trânsito não 

seguiam uma diretriz formal da gestão do Distrito Federal. Tratava-se 

de um grupo de pessoas, ligadas ou não ao governo local, que pas

saram a se reunir e elaborar propostas sobre segurança no trânsito. 

À época, o quadro funcional da administração pública contava com 

vários especialistas na área. Ao mesmo tempo que os técnicos gover

namentais trabalhavam por soluções para os problemas do trânsito no 

DF, representantes da universidade, da mídia impressa e da sociedade 

civil desenvolviam atividades cujos objetivos convergiam com os 

especialistas do governo (RODRIGUES, 2007).

 Apesar da convergência de objetivos, faltava ainda o apoio da popu

lação. Em 15 de setembro de 1996 ocorreu uma grande mobilização, 

a segunda maior da história de Brasília, até então. Aproximadamente 25.000 

pessoas foram às ruas e promoveram a Caminhada pela Paz no Trânsito. 

O programa, enfim, contava com a participação da população brasi

liense. Quatro dias depois, 18.000 alunos das escolas da cidade também 

foram às ruas pelo mesmo motivo. A partir daí o movimento estudantil, 

sindicatos, empresários, autoridades do governo federal, do judiciário, 

igrejas e universidades se integraram às propostas existentes.

 Foi criado, também, o Fórum Permanente pela Paz no Trânsito. 

Destinado a coordenar as propostas dos diferentes segmentos da socie

dade civil e do Estado, firmou-se como espaço de debate e reflexão. 

Suas reuniões, que aconteciam na Universidade de Brasília (UnB), reu

niam aproximadamente 80 entidades representativas da sociedade civil 

47

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 brasiliense: representantes das Igrejas (Conselho Nacional das Igrejas 

Cristãs, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Legião da Boa 

Vontade, Comissão de Justiça e Paz); da mídia (Correio Braziliense, 

Rede Globo, CBN, Jornal de Brasília); do governo (Secretaria de 

Transportes, Detran, Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal, 

Departamento de Estradas e Rodagens e Secretaria de Comunica

ção); de organizações de trabalhadores (Central Única dos Trabalhado

res, Sindicato dos Professores, conselhos de classe profissional); de uni

versidades (de Brasília, Católica); e de entidades civis (Associação de 

Ciclistas, Associação de Pedestres, Associação Comercial).

 Além dessas medidas, governo e mídia promoveram campanhas 

educativas. Em outubro de 1996, foi lançada a Pare na Faixa, visando 

a sensibilizar a população para o cumprimento da legislação de trânsito 

que obriga os motoristas a dar passagem às pessoas que atravessam 

as ruas nas faixas de pedestre. Graças ao apoio midiático e à intensa 

f

 iscalização, a campanha foi um sucesso: os motoristas começaram a 

parar nas faixas como forma de participação direta na ação. Foi criado 

também o Placar da Vida, um dispositivo eletrônico instalado numa 

das principais vias da cidade que informava aos moradores da cidade 

os resultados positivos na redução no número de mortes no trânsito. 

O símbolo da iniciativa virou adesivos em carros, bottons, sacolas de 

compras, cartazes. Noutras palavras, parte significativa da sociedade 

aderiu aos seus objetivos.

 Mesmo tenho sido implantado antes da reforma do Código Bra

sileiro de Trânsito, em 1998, os resultados do Paz no Trânsito logo 

foram observados. Em 1995, 652 haviam morrido no trânsito do Dis

trito Federal, número que caiu para 430 três anos depois, uma queda 

de 34%. Se considerarmos a taxa de óbitos para cada grupo de 10 mil 

48

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 veículos a queda foi ainda mais acentuada: de 11,8 em 1995 para 5,8 

em 1998, uma redução de 50,8%.

 As medidas tiveram efeitos distintos sobre os principais grupos de 

vítimas (Gráfico 1.1). Em 1995, os pedestres eram as vítimas fatais mais 

frequentes (304), seguidos por condutores (191) e passageiros (152). 

O quadro mudou significativamente depois a implantação da maior 

parte das iniciativas do programa. Do total de 430 mortes registradas 

em 1998, a maior parte das vítimas era composta por condutores (158), 

seguidos por pedestres (153) e passageiros (119). Em termos de taxas 

de óbitos por 10 mil veículos, os pedestres registram a maior queda 

(62,2%), seguidos pelos passageiros (41,1%) e condutores (39,8%).

 Gráfico 1.1. Taxa de mortes em acidentes de trânsito por 10 mil veículos – DF.

 Fonte: Detran/DF

 Dentre as medidas implementadas pelo Paz no Trânsito destacam-se 

a implantação das faixas de pedestres e a instalação dos sensores eletrô

nicos de velocidade, bem como a melhoria das condições de supervisão 

49

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 e vigilância com a criação do Batalhão de Trânsito. Mas, certamente, 

a adesão dos brasilienses foi o aspecto de maior destaque do programa.

 Seus resultados evidenciaram a necessidade de uma ampla partici

pação da sociedade civil tanto na discussão dos problemas e alternativas 

quanto na sua implementação. O respeito às faixas de pedestres só foi 

possível porque a população aderiu aos objetivos do Paz no Trânsito 

e a mídia, em especial, ajudou a divulgar a ideia. Não seria possível 

promover essa mudança de comportamento dos motoristas se as autori

dades contassem apenas com os tradicionais instrumentos de repressão.

 Gráfico 1.2. Vítimas fatais por tipo de envolvidos – 1995-2005.

 350

 300

 250

 200

 150

 100

 50

 0

 1995

 1996

 Fonte: Detran/DF

 1997

 1998

 Condutores

 1999

 2000

 20012

 Passageiros

 002

 2003

 Pedestres

 2004

 2005

 A polícia, embora tenha tido um papel importante, não era o único 

ator envolvido. A Secretaria de Transportes, a mídia e as universi

dades também foram relevantes no processo de construção da rede 

e no planejamento das iniciativas. Apesar do sucesso do programa, 

o Fórum Permanente pela Paz no Trânsito, principal responsável pela 

50

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 articulação dos diversos atores envolvidos, foi encerrado em 1999. 

Então, a rede que se formou a partir dele não conseguiu se institucio

nalizar e se extinguiu, e com isso o programa deixou de existir.

 As Secretarias de Segurança Pública e a governança

 Como vimos, no Programa Paz no Trânsito os policiais não eram 

os únicos atores envolvidos, tampouco o emprego de estratégias de 

policiamento (policing) foi a principal ação implantada. O caso nos 

revela a importância das redes de políticas públicas nos problemas de 

segurança. Sua estruturação não é espontânea, tampouco sua continui

dade está garantida. Elas atuam em um domínio específico, definindo 

a agenda, formulando propostas, disputando o acesso aos recursos, 

defendendo e promovendo novas propostas, organizando eventos e 

resolvendo problemas próprios de uma determinada área, como edu

cação, saúde, segurança etc.

 Nesse sentido, as redes de políticas públicas possuem grande 

potencial para promover soluções também na área de segurança 

pública. Sua atuação pode ser bastante eficaz na troca de informa

ções, no diagnóstico de novas dificuldades, na criação de capacidades, 

na adaptação de soluções já existentes e no desenvolvimento de novas 

soluções, assim como na formulação e implementação de programas e 

políticas conjuntas. O seu sucesso, no entanto, não implica subestimar 

as dificuldades da sua gestão. Redes são consideravelmente diferen

tes das demais organizações e sua gestão implica novos obstáculos. 

Por mais que os atores sejam autônomos e interdependentes, elas pre

cisam aumentar sua capacidade de governança para que seus objetivos 

sejam alcançados.

 51

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Na área de segurança pública, em tese, caberia às Secretarias 

Estaduais de Segurança Pública (SSP) formular, implantar e coordenar 

as políticas públicas da área. Embora desempenhem papel relevante, 

esses órgãos são muito pouco conhecidos e estudados. Sua estrutura 

e o perfil dos profissionais que nela trabalham variam a cada estado. 

Além disso, há importantes diferenças no que diz respeito ao seu sta

tus político vis-à-vis as polícias civis e militares. Há casos em que as 

polícias são formalmente subordinadas aos secretários de Segurança 

Pública; noutros, os comandantes e chefes de polícia têm as mesmas 

prerrogativas que estes. Tais diferenças acabam por repercutir na capa

cidade de governança das SSP, analisada nesta seção.

 As informações sobre as Secretarias Estaduais de Segurança 

Pública foram levantadas através de um survey, realizado em 2010 

pelo Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade 

de Brasília (NEVIS), com o apoio da Secretaria Nacional de Segu

rança Pública do Ministério da Justiça ((Senasp/MS), responsável pelo 

envio do questionário a todas as SSP (ou similares) dos 26 estados e 

do Distrito Federal.3

 Os resultados mostraram que, de forma geral, a estrutura desses 

órgãos era inadequada para executar razoavelmente suas atribuições 

e competências. A despeito da enorme variedade de arranjos organi

zacionais, os problemas mais frequentes eram: i) carência de pessoal 

para desempenhar suas funções; ii) baixa capacitação; e iii) articulação 

limitada somente às polícias.4

 3 Das 27 secretarias pesquisadas, 22 responderam o questionário: Acre, Amazonas, 

Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, 

Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, 

Rondônia, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Sergipe, São Paulo e Tocantins.

 4 Os resultados da pesquisa foram publicados em Costa (2015).

 52

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 Pessoal

 Em 2010, boa parte das Secretarias Estaduais de Segurança 

Pública era responsável pela gestão penitenciária (40,9%). A mesma 

situação foi verificada nas áreas de defesa civil (31,8%) e de justiça 

(18,2%). No que se refere à defesa social, aqui entendida como polí

ticas de prevenção, apenas 50% das SSP possuíam algum tipo de 

gestão sobre o tema.

 Foi possível depreender que o excesso de atribuições contribuía 

para enfraquecer a capacidade desses órgãos de formular, coordenar e 

avaliar políticas públicas. Isso porque, de forma geral, a distribuição do 

pessoal numa secretaria acabava por privilegiar as atividades de exe

cução em detrimento das de planejamento e coordenação. Isso ocorre 

porque a distribuição dos cargos segue uma lógica de priorização das 

atividades de execução.

 Com relação ao pessoal que executava as tarefas cotidianas, obser

vamos que a maior parte dos profissionais que trabalhavam numa Secre

taria de Segurança Pública era policiais militares, policiais civis, bom

beiros militares, comissionados e servidores cedidos de outros órgãos. 

Eram poucas as que contavam com pessoas contratadas pela própria 

instituição, fosse através de concurso ou de contratos temporários.

 Os policiais militares somavam o maior quantitativo de profis

sionais de segurança pública atuando nas SSP, cedidos de quase todas 

as patentes: soldados, cabos, sargentos, tenentes, capitães, majores e 

coronéis. O mesmo valia para os bombeiros militares. As secretarias 

também contavam com delegados, agentes e escrivães cedidos pelas 

polícias civis. Alguns órgãos contavam com agentes penitenciários 

em seu quadro, entre os quais os do Distrito Federal e de São Paulo.

 53

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 De forma geral, os diretamente contratados atuavam em áreas bastante 

específicas (i.e., tecnologia, administração e orçamento). Apenas algumas 

SSP apresentavam uma diversidade de perfis profissionais no seu quadro 

de servidores concursados. Eram poucas as que contavam com psicólo

gos, assistentes sociais, gestores e estatísticos. Em 2010, em apenas três 

unidades da federação, esses órgãos possuíam profissionais contratados 

a partir de processo seletivo exclusivo para preenchimento de cargos 

específicos de seus quadros. No restante dos estados, isso não acontecia.

 Todas as SSP dispunham de um número de cargos de livre nomea

ção e provimento, os chamados cargos comissionados. Importante dizer 

que a prevalência de policiais sobre os demais profissionais nos qua

dros desses órgãos é reforçada pela lógica de distribuição de cargos. 

Em 2010, a maioria contava com comissionados de baixa remuneração. 

Excluindo os postos de secretários e secretários-adjuntos, eram pou

cas as secretarias que podiam pagar melhor seus profissionais. Se por 

um lado o valor dessas remunerações não era atrativo para contratar 

profissionais qualificados em outras áreas, por outro ele servia perfei

tamente à contratação de policiais, uma vez que estes somariam essa 

remuneração aos seus salários.

 Capacitação

 De forma geral, as Secretarias de Segurança Pública conta

vam com poucos profissionais capacitados em temas estratégicos. 

Das 22 SSP que responderam o questionário, 5 informaram não possuir 

nenhum deles em qualquer uma das áreas. Menos da metade (45,5%) 

dos respondentes contava com pelo menos um profissional capacitado 

em direitos humanos e apenas 31,8% dispunham de especialistas em 

54

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 gestão financeira e de recursos humanos. Apesar da necessidade de 

se promover políticas para melhoria das condições de trabalhos dos 

profissionais de segurança pública, poucas secretarias contavam com 

pelo menos um profissional capacitado em saúde ocupacional (36,4%) 

e segurança no trabalho (13,6%). O mesmo pode ser dito com rela

ção aos temas de políticas públicas e análise criminal. A despeito 

das demandas por melhor atuação, raramente as SSP dispunham de 

profissionais capacitados nesses temas.

 Tabela 1.1. Capacitação de pessoal nas SESP.

 Área

 Segurança no trabalho

 Direitos humanos

 Saúde ocupacional

 Gestão financeira

 Gestão de recursos humanos

 Políticas públicas

 Frequência

 3

 8

 %

 13,6

 36,4

 10

 7

 7

 5

 Análise criminal

 Fonte: Pesquisa Senasp/Nevis, 2010

 Articulação

 7

 45,5

 31,8

 31,8

 22,7

 31,8

 Uma vez que algumas das políticas públicas para prevenção de 

crimes e violências demandam o envolvimento de outras agências gover

namentais e da sociedade civil, é importante verificar a capacidade de 

articulação das Secretarias de Segurança Pública com as demais insti

tuições que têm atuação na área. No que diz respeito a essa articulação 

no âmbito estadual, pode-se dizer as SSP tinham boa articulação com as 

55

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 polícias militar, civil e técnica, conforme mostra a Tabela 1.2. Nos três 

casos, mais de 80% delas afirmaram possuir boa ou ótima articulação.

 Tabela 1.2. Articulação das SESP com as polícias estaduais.

 Polícia Técnica

 Frequência

 Polícia Militar

 % Frequência

 Ótimo/Bom

 Regular

 Inexistente

 N/R

 Total

 18

 1

 1

 81,8

 4,5

 20

 %

 Polícia Civil

 Frequência

 90,9

 0

 4,5

 2

 22

 Fonte: Pesquisa Senasp/Nevis, 2010

 9,1

 100

 0

 2

 22

 0

 0

 9,1

 100

 19

 1

 0

 2

 100

 %

 86,4

 4,5

 0

 9,1

 100

 O mesmo pode ser dito com relação à Polícia Federal e à Polícia 

Rodoviária Federal (Tabela 1.3). Nos dois casos, mais de 70% das 

secretarias responderam ter boa ou ótima articulação com os órgãos 

de segurança federal.

 Tabela 1.3. Articulação das SESP com a Polícia 

Federal e Polícia Rodoviária Federal.

 Polícia Federal

 Frequência

 Ótimo/Bom

 Regular

 Inexistente

 N/R

 Total

 16

 3

 3

 %

 72,7

 13,6

 Polícia Rodoviária Federal

 Frequência

 16

 3

 13,6

 0

 22

 Fonte: Pesquisa Senasp/Nevis, 2010.

 0

 100

 3

 0

 22

 %

 72,7

 13,6

 13,6

 0

 100

 56

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 De forma geral, a articulação com as instituições que compõem 

o Sistema de Justiça Criminal era boa. Mais de 77% das secretarias 

estaduais afirmaram ter boa ou ótima articulação com o Ministério 

Público. No que se refere ao Poder Judiciário, mais de 68% apre

sentavam uma boa ou ótima articulação, enquanto com a Defen

soria Pública ela foi apontada pela maioria das SSP como boa ou 

ótima (54,4%). Já a articulação com outras secretarias e agências 

estaduais foi apenas regular.

 Tabela 1.4. Articulação das SESP com outros órgãos estaduais.

 Frequência

 Ótimo/bom

 Regular

 Inexistente

 N/R

 Total

 16

 3

 %

 72,7

 13,6

 3

 0

 22

 Fonte: Pesquisa Senasp/Nevis, 2010

 13,6

 0

 100

 Pode-se dizer que no plano das relações intergovernamentais, 

de forma geral, a articulação entre as Secretarias da Segurança Pública 

era fraca. Apenas 27% das SSP afirmaram que ela era boa ou ótima 

articulação. Em 45% dos casos essa articulação era apenas regular e 

em 13% inexistente (Tabela 1.5). A situação era semelhante quanto 

à cooperação com entre estados e municípios. Em apenas 36% dos 

casos a articulação era boa ou ótima. Mais de 31% das unidades da 

federação consultadas declararam não possuir qualquer tipo de ação 

articulada com os órgãos municipais equivalentes.

 57

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Tabela 1.5. Articulação das SESP com outros secretarias de segurança.

 Secretarias Estaduais

 Frequência

 Ótimo/bom

 Regular

 Inexistente

 N/R

 Total

 6

 10

 3

 %

 27,3

 Secretarias Municipais

 Frequência

 %

 8

 45,5

 13,6

 3

 22

 Fonte: Pesquisa Senasp/Nevis, 2010

 13,6

 100

 2

 7

 5

 22

 36,4

 9,1

 31,8

 22,7

 100

 De forma geral, a articulação das SSP com a sociedade civil tam

bém era fraca. Apenas 27,3% afirmaram ter boa ou ótima atuação 

articulada com associações civis que atuavam na prevenção de crimes 

e violências. Em 45% dos casos a essa articulação era regular e em 

13% inexistente, conforme mostra a Tabela 1.6. A situação era parecida 

com relação às universidades. Apenas 27% das secretarias estaduais 

possuíam boa ou ótima articulação com a academia. Em 40% dos 

casos ela era regular e em 18% inexistente.

 Tabela 1.6. Articulação das SESP com a sociedade civil.

 Associações Civis

 Frequência

 Ótimo/Bom

 Regular

 Inexistente

 N/R

 Total

 6

 10

 %

 27,3

 Universidades

 Frequência

 6

 45,5

 3

 3

 22

 Fonte: Pesquisa Senasp/Nevis, 2010

 13,6

 13,6

 100

 9

 4

 3

 22

 %

 27,3

 40,9

 18,2

 13,6

 100

 58

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 O grande número de atribuições, com grande concentração nas 

tarefas executivas, aliado à baixa capacitação dos seus quadros e à 

reduzida capacidade de articulação com órgãos de fora do sistema 

policial, acabaram por reduzir consideravelmente a capacidade de 

governança das Secretarias de Segurança Pública. Essa avaliação foi 

confirmada pelo levantamento de governança de segurança pública rea

lizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2017. De acordo 

com o órgão, nenhuma das SSP possuía nível avançado de governança, 

sendo que 20 delas possuíam capacidade de governança intermediária 

e as demais apresentam nível baixo.5

 As redes são fundamentais para a implementação de políticas 

públicas de segurança. Em função dos múltiplos atores envolvidos e 

da inexistência de hierarquias nas suas relações, essas redes exigem 

uma alta capacidade de governança. Entretanto, verifica-se nas Secre

tarias Estaduais de Segurança pública uma estrutura frágil, com baixa 

capacidade de governança.

 As atividades desses órgãos são, em geral, desenvolvidas por agentes 

cedidos pelas polícias e pelo corpo de bombeiros. A capacitação dos seus 

profissionais para esse fim, contudo, é inadequada, uma vez que pou

cos possuem formação em planejamento, gestão e avaliação de políticas 

públicas. Além disso, são raras as secretarias que utilizam mecanismos 

de contratação de mão de obra qualificada por meio de concursos públi

cos e seleção de consultores por projeto. À época da pesquisa, as SSP 

possuíam boa ou ótima articulação com as instituições de segurança 

pública: Polí cia Civil, Polícia Militar, Instituto Médico Legal, Polícia 

Federal e Polí cia Rodoviária Federal. A ação articulada com as instituições 

5 Ver TCU, Acordão 811/2017.

 59

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 que compõem o Sistema de Justiça Criminal (Ministério Público, Poder 

Judiciário, Defensoria Pública e penitenciárias) também era boa ou ótima. 

Já no que se refere aos demais órgãos e secretarias estaduais, essa arti

culação era apenas regular. No plano das relações intergovernamentais, 

a ação articulada das SSP com outras secretarias equivalentes nos estados 

e municípios era fraca, assim como com as organizações não governa

mentais e universidades que tinham atuação na área de segurança pública.

 Os instrumentos de governança

 A estrutura deficiente de governança foi resultado de uma confi

guração do campo da segurança pública em que a ideia de políticas 

públicas de segurança estava ausente. O campo era pensado quase 

exclusivamente a partir dos efetivos e recursos policiais. Nesse con

texto, o papel das SSP era fundamentalmente administrar os conflitos 

entre as diferentes instituições policiais. Ao longo da década de 2010, 

entretanto, o quadro começou a mudar incrementalmente.

 A criação e a consolidação de redes de políticas públicas não são 

um processo espontâneo. Exatamente por isso os governos se valem 

de uma variedade de instrumentos para criar, manter e coordenar essas 

redes. A sua proliferação tem tornado obsoletos os antigos instrumen

tos de gestão baseados em hierarquia, comando e controle, dando lugar 

a outros, voltados fundamentalmente para a fomentar a cooperação, 

coordenação e articulação de ações de múltiplos atores.

 Podemos agrupar os instrumentos de governança em três grandes 

categorias: cenouras, chicotes e sermões (ZEHAVI, 2012). Os clas

sificados como cenouras são baseados em incentivos (normalmente 

econômicos) para a implementação de determinadas ações. Os chicotes 

60

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 são aqueles instrumentos legais que exigem ou proíbem determinadas 

ações. Os sermões referem-se a arenas e discursos utilizados para per

suadir e negociar um conjunto de ações com os atores que compõem 

uma rede de políticas públicas.

 Em um ambiente de redes, as cenouras são consideradas os ins

trumentos mais efetivos. Seus custos financeiros, entretanto, podem 

torná-los insustentáveis nos períodos de austeridade fiscal. Os chicotes, 

embora tenham baixo impacto financeiro, podem ser desvantajosos, 

uma vez que têm potencial para despertar resistências dos atores da rede. 

Por fim, os sermões são muito convenientes e pouco custosos. Baseiam--se no uso intensivo de dados e informações que servem para gerar 

cooperação. Contudo, eles podem se resumir ao plano simbólico dos 

discursos políticos se não forem acompanhados de outros instrumentos.

 Integração territorial

 O fato do policiamento no Brasil ser realizado por duas polí

cias distintas redunda em dificuldade para planejar e articular ações. 

Além disso, durante muitos anos, as áreas de atuação dos batalhões 

e delegacias não coincidiam, o que aumentava ainda mais o grau de 

desarticulação. Visando a diminuir esses problemas, alguns estados 

criaram as Áreas Integradas de Segurança Pública e as Regiões Integra

das de Segurança Pública. As AISP e RISP, como ficaram conhecidas, 

tinham por finalidade integrar as áreas de atuação das unidades das 

polícias militares (batalhões e companhias) com as áreas de atuação 

das delegacias de polícia. Esse primeiro passo viabilizou a organiza

ção territorial das polícias, acabando com um quadro caótico, quase 

impossível de administrar.

 61

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Sistemas de metas e comitês gestores

 A partir da criação dos AISP e RISP, algumas unidades federativas 

criaram sistemas de indicadores e metas para avaliar o desempenho 

policial. Para isso, a produção das estatísticas criminais teve de ser 

repensada. Os dados passaram a ser elaborados para cada AISP e RISP, 

permitindo aos policiais civis e militares conhecerem essas estatísticas 

em suas respectivas áreas de atuação.

 Também foram criados comitês gestores para coordenar ações e 

cobrar resultados. Em geral, os estados que adotaram sistemas de metas 

estabeleceram diferentes níveis para a gestão do sistema: operacional, 

intermediário e estratégico. No nível operacional, os comitês buscam 

articular ações dos batalhões e delegacias de polícia. No nível interme

diário é dada ênfase aos aspectos logísticos e de planejamento. Mas são 

nos comitês estratégicos que a política é gerida. A participação dos 

governadores nesses comitês tem se revelado fundamental para superar 

os problemas de desarticulação no campo da segurança pública.

 Supervisão e controle

 A realização da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, induziu 

algumas melhorias na integração das operações. Nos doze estados que 

sediaram jogos foram implantados Centros Integrados de Comando e 

Controle Regionais (CICCR), que dispunham de modernos sistemas de 

comunicação e de monitoramento por imagens. Essa base tecnológica 

facilita a troca de informações, melhorando a articulação das ações.

 Apesar do grande investimento tecnológico, a maior inovação 

dos CICCR diz respeito à metodologia de planejamento e trabalho, 

62

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 cujo principal instrumento é elaboração de uma matriz de responsa

bilidade. Essa é uma tarefa conjunta das Secretarias de Segurança 

Pública, das policiais e de outros órgãos da administração pública, 

responsáveis por áreas, por exemplo, de limpeza urbana, água e esgoto, 

eletricidade, saúde, transporte e justiça.

 Na matriz de responsabilidade são listadas diversas situações 

e incidentes com alto potencial de impacto na segurança pública: 

atentados terroristas, incêndios, acidentes de grandes proporções, 

manifestações, bloqueios de vias etc. Para cada uma dessas situações 

são relacionadas as atribuições de cada ator envolvido, bem como é 

estabelecido o responsável pela coordenação das ações. Durante os 

eventos, cada órgão envolvido envia seus representantes para ocu

par seus postos no CICC, o que facilita bastante essa coordena

ção e articulação.

 Os resultados desse tipo de planejamento e coordenação foram 

visíveis. Os poucos incidentes que ocorreram durante os jogos foram 

rapidamente resolvidos, pois todos os envolvidos estavam em contato. 

Foram raros os conflitos de responsabilidade entre os diversos atores, 

pois a maior parte das situações já estava planejada na matriz.

 O aparente sucesso dessa metodologia de trabalho fez com que 

algumas autoridades passassem a apostar nos CICCR como a solução 

dos problemas de coordenação da área de segurança pública. De fato, 

essa estratégia funciona em eventos e operações com datas e locais 

previstos para acontecer. A segurança dos grandes eventos, das mani

festações, de shows pode e deve ser planejada dessa forma. As ações 

de defesa civil também podem ser coordenadas a partir dos Centros 

de Comando e Controle. Entretanto, é pouco provável que o cotidiano 

da segurança pública possa ser administrado dessa maneira.

 63

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Informação e análise

 Além da integração territorial e da implantação dos CICCR, alguns 

estados reestruturaram os órgãos responsáveis por sistematizar as infor

mações e produzir as análises, uma vez que o planejamento e a imple

mentação das ações demandam um fluxo de informações confiáveis e 

detalhadas. Ainda, essas informações precisam ser analisadas e disse

minadas em tempo hábil, de maneira a subsidiar o processo de tomada 

de decisão. A sistematização e a análise envolvem as seguintes fases: 

i) coleta de informações; ii) apresentação dos dados; iii) interpretação 

e iv) implantação das ações (COPE, 2008).

 A coleta de informações de segurança pública envolve a identifi

cação das fontes disponíveis e a cooperação interagência para acessá--las. Elas são obtidas nos sistemas da Polícia Civil, Política Militar, 

Ministério Público, Poder Judiciário, Secretaria de Saúde e Sistema 

Penitenciário. O acesso às informações, dada a sua natureza, é difícil 

e encontra vários obstáculos. Coletá-las a partir de diferentes fontes 

demanda necessariamente o emprego de tecnologia capaz de conciliar 

as diferenças nas bases existentes. Além do investimento tecnológico, 

também exige habilidade dos envolvidos em negociar os termos de 

acesso aos diferentes tipos de sistemas de informação. E, pode-se dizer, 

também depende enormemente da construção de relação de confiança 

entre os diversos atores envolvidos nesse processo.

 Uma vez coletadas, as informações precisam ser transformadas em 

dados, que, por sua vez, devem ser apresentados de forma simples e acu

rada. Para isso, precisam receber algum tipo de tratamento metodológico. 

Nesse ponto, os novos programas de computador têm impactado bastante 

a capacidade de sistematização e apresentação dos dados. Geralmente, 

64

CAPíTULO 1: AS REDES DE POLíTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

 eles são expostos de forma a descrever os dias e horários mais frequentes 

para incidência criminal. Os dados também podem ser expostos como 

mapas criminais, capazes de descrever os locais de maior incidência de 

crime. Por último, eles podem ser apresentados na forma de redes que 

descrevem os vínculos existentes entre diferentes crimes e pessoas.

 A interpretação dos dados implica analisá-los a fim de elabo

rar inferências e tirar conclusões. O que significa dizer que a análise 

criminal precisa ir além da sua mera apresentação gráfica, devendo 

necessariamente fornecer sugestões e linhas de ação que sejam úteis 

à prevenção de crimes e redução de riscos. A formação de analistas 

criminais é fundamental para que todo esse sistema de informação e 

análise entre em funcionamento.

 A última etapa da implantação desses sistemas refere-se à uti

lização das análises por parte dos encarregados de tomar decisões. 

Na linguagem da área, não basta produzir boas análises, elas precisam 

ser consumidas. Mas não é tão simples assim. Há barreiras organiza

cionais e culturais que impedem a sua utilização.

 Ao contrário da integração territorial que se difundiu bastante, 

ainda são raros os estados brasileiros que desenvolveram uma razoável 

capacidade de informação e análise. São muitas as dificuldades encon

tradas para uma gestão de informações de segurança pública: falta de 

acesso às bases de dados, desconfianças entre as partes envolvidas, 

obstáculos tecnológicos, falta de pessoal qualificado e relutância em 

utilizar os dados analisados no planejamento das ações. Em parte, essas 

dificuldades derivam de uma cultura organizacional que confere pouca 

transparência às informações que são apropriadas individualmente 

pelos policiais (LIMA, 2011). Mesmo assim, algumas unidades da 

federação desenvolveram uma razoável capacidade nessa área.

 65


CAPÍTULO 2  

Militarização e Profissionalização 

das Polícias Militares

 Como vimos, as políticas públicas de segurança (policy) não se 

baseiam exclusivamente nas estratégias de policiamento (policing). 

Ao contrário, tais políticas dependem da formação de uma ampla rede 

de atores das mais variadas áreas, como saúde, educação, transporte, 

infraestrutura etc. E para coordenar essas redes é preciso uma alta 

capacidade de governança.

 A competência para responder aos problemas de segurança pública 

também depende da existência de polícias altamente especializadas. 

É cada vez mais importante o emprego de novas formas de policia

mento: policiamento por hotspots, policiamento orientado para proble

mas, policiamento comunitário etc. A introdução dessas novas formas 

passou a exigir um elevado grau de profissionalização das organizações 

policiais. Tal profissionalização tem esbarrado, porém, no alto grau de 

militarização das polícias brasileiras.

 Não é de hoje que há um intenso debate sobre a necessidade de 

desmilitarizar as forças policiais1. O rol dos que defendem a urgência 

 Uma versão reduzida desse capítulo foi publicada em Costa (2021).

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 da desmilitarização é extenso: lideranças políticas, pesquisadores, ati

vistas sociais, associações da sociedade civil, organizações não gover

namentais e organismos internacionais. Entidades como a Organização 

das Nações Unidas (ONU), a Ordem os Advogados do Brasil (OAB) 

e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) já se manifestaram nesse 

sentido. Até mesmo entre os policiais militares há uma forte demanda 

pela desmilitarização. Uma pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro 

de Segurança Pública (FBSP), em 2014, apontou que 73,7%% dos PM 

eram favoráveis a ações para desmilitarizar a corporação (FBSP, 2014).

 Posto dessa forma, poderíamos dizer que haveria um forte con

senso sobre a necessidade de desmilitarização das polícias brasileiras. 

Mas a situação não é bem como parece. Será que todos estão falando 

sobre a mesma coisa? O que significa desmilitarizar as polícias? 

Por que é tão difícil desmilitarizá-las? Existem polícias totalmente 

desmilitarizadas? Para responder a essas perguntas é necessário dis

cutir os processos de militarização das polícias, suas dimensões e 

seus problemas.

 Esse é, antes de tudo, um processo de construção de identidades 

profissionais. O que implica a sensação de pertencimento a um grupo 

de organizações que compartilham crenças, valores e saberes militares. 

Dessa forma, a militarização diz respeito ao grau de identificação das 

polícias com o campo militar. O fenômeno é, portanto, um gradiente, 

no qual as corporações podem se identificar em muitos ou poucos 

aspectos com as organizações militares, notadamente os Exércitos.

 Desmilitarizar, por sua vez, refere-se ao grau de diferenciação das 

polícias em relação ao campo militar. Para isso, é necessário construir 

uma identidade profissional própria que, além dos aspectos normativos, 

envolve também atributos, saberes e valores específicos desse grupo 

68

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES

 social. Em certa medida, a desmilitarização implica a profissionaliza

ção das polícias (PONCIONI, 2004).

 O processo de militarização das polícias

 O surgimento das polícias modernas está ligado a dois macropro

cessos sociais: a formação dos Estados nacionais e o crescimento das 

cidades, que marcaram o século XIX (MONET, 2001). Como con

sequência, assistiu-se à criação dessas corporações tal qual nós as 

conhecemos hoje: instituições públicas e especializadas (BAYLEY, 

1994). Boa parte delas era altamente centralizada, atuando sob o con

trole dos governos nacionais e inspiradas no ideal de hierarquia e 

disciplina dos seus exércitos. Esse foi o caso de algumas polícias 

europeias – como a gendarmaria francesa, os carabineiros espanhóis 

e os carabineiros italianos – que adotaram o modelo militar em função 

das condições políticas que predominavam na época de sua criação 

(Loubet de Bayley, 1992).

 Mesmo o protótipo de uma polícia desmilitarizada, a Scotland 

Yard londrina, apresentava certas características militares. Robert Peel, 

seu idealizador, recorreu ao modelo militar para organizar algumas 

unidades de controle de protestos. Ele também nomeou um oficial 

do Exército britânico – o coronel Charles Rowan – como o primeiro 

comissário que recorreu ao saber e aos modelos militares para orga

nizar a força policial de Londres (MILLER, 1977).

 Na América do Sul, algumas polícias passaram por um processo 

parecido. A PM do Rio de Janeiro, por exemplo, tem suas origens 

no Corpo de Guardas Municipais Permanentes, criado em 1831, 

a partir de um batalhão do Exército. Um dos seus comandantes foi o 

69

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 tenente-coronel Luís Alves de Lima e Silva, que mais tarde se tornaria 

o Duque de Caxias, patrono do Exército brasileiro2. Na Argentina, 

quando a polícia de Buenos Aires foi amplamente reformada, no iní

cio do século XX, seu comandante – o coronel do Exército argentino, 

Ramon Falcón – optou pela forma militar de organização. No Chile, 

o Corpo de Carabineiros também foi criado a partir do desdobra

mento de uma unidade do Exército (KALMONOWIECKI, 1995; 

ROCHA, 2013).

 Durante um longo período, as polícias e os exércitos pertence

ram ao mesmo campo organizacional em função das suas origens 

e, também, pelo fato de terem autorização legal para usar a força. 

Obviamente, as forças policiais pertencem a outros campos organiza

cionais, como o de atendimento de emergências e, mais importante, 

aqueles que compõem o Sistema de Justiça Criminal.

 O fato de no passado os policiais se identificarem como militares 

fez com que eles estruturassem as polícias aos moldes dos exércitos, 

seguindo assim uma tendência de homogeneização entre as organiza

ções de um mesmo campo. Essa tendência foi resultado de um processo 

de isomorfismo que envolve um conjunto de constrangimentos institu

cionais que – sob as mesmas condições – forçam algumas organizações 

a parecerem com o restante do grupo. Há três difvo e o coercitivo 

(POWELL, DiMAGGIO, 1991). 

Não chega a ser novidade que as soluções para os problemas orga

nizacionais sejam copiadas: bancos, supermercados e universidades 

fazem o mesmo. O que importa é saber de onde essas “soluções” são 

2 Antes do Corpo de Permanentes existia a Guarda Real de Polícia, extinta em 1831 

depois de uma rebelião. Ver Holloway (1997).

 70

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES

 copiadas: de outras organizações vistas como parecidas ou irmãs, geral

mente do mesmo campo organizacional (MARCH, OLSEN, 1984). 

A identificação com outras organizações de um campo, portanto, é fun

damental nesse processo de isomorfismo.

 O intercambio de pessoal é um dos fatores que explicam esse 

mimetismo. São as pessoas encarregadas de tomar decisões que têm 

de dar respostas aos problemas e desafios organizacionais. A troca de 

ideias e experiências é fundamental nesse processo. Afinal, só podemos 

copiar as soluções que conhecemos ou sobre as quais ouvimos falar.

 No Brasil, o intercâmbio entre o Exército e as polícias militares 

foi, tradicionalmente, intenso. No passado, muitos estados recrutavam 

seus oficiais nos quadros do Exército, sendo conhecidos como R2 

(reserva não remunerada). Eles eram formados nos Centros e Núcleos 

de Formação de Oficiais da Reserva (CPOR e NPOR). Além disso, 

era frequente a matrícula de PM nos cursos ministrados pelas escolas 

militares, nas mais diversas áreas: educação física, técnica de ensino, 

paraquedismo, operações na selva, comunicações etc.

 Não é de se estranhar, portanto, que uma série de rotinas que ainda 

hoje estruturam o funcionamento das organizações policiais tenham sido 

inspiradas no Exército, do qual foram copiados ou adaptados a estrutura 

das carreiras, os regulamentos e manuais em uso nas polícias e os regi

mentos disciplinares. Até recentemente os conteúdos dos cursos de for

mação eram muito similares aos currículos adotados nas escolas militares.

 Em suma, ao longo do século XX, em função do intenso intercâm

bio de pessoas, foi grande a identificação das polícias brasileiras com 

o campo militar. Eles se identificavam como militares e buscavam as 

soluções dos seus problemas organizacionais nos modelos e rotinas 

adotados pelas Forças Armadas. Por muito tempo a identidade militar 

71

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 não foi questionada pelos policiais. Ao contrário, parecia obvio que 

era o caminho certo a ser tomado.

 O mimetismo não é a única força que leva as organizações de 

um mesmo campo se tornarem homogêneas. A especialização e a 

profissionalização também exercem papéis importantes (POWELL, 

DiMAGGIO, 1991). A necessidade de profissionalizar seus quadros 

levou algumas polícias a criarem suas próprias escolas de formação, 

as academias da PM. Via de regra, elas possuíam estrutura, currículos 

e rotinas muito parecidas com das Forças Armadas. Em alguns casos, 

muitos dos seus professores e instrutores eram militares do Exército. 

Assim, a existência de academias de polícia servia para reforçar a 

identidade militar dos policiais. Neste ponto é importante lembrar 

que os membros de diferentes organizações, que são formados sob o 

mesmo currículo e aprendem os mesmos conteúdos, tendem a adotar 

estratégias e soluções organizacionais semelhantes.

 A distância entre o que é ensinado nas academias e as necessidades 

dos policiais no seu cotidiano, entretanto, fez com que surgisse uma 

demanda pela revisão curricular. “Esqueça o que você aprendeu”, 

é uma frase que os recém-egressos das academias frequentemente 

ouvem dos colegas mais antigos. Foi a partir da década de 1990 que 

muitas polícias criaram ou reestruturaram suas escolas de formação, 

tentando torná-las mais adequadas à realidade do novo regime demo

crático. Essas mudanças tiveram enorme impacto nas identidades pro

f

 issionais dos policiais militares brasileiros.

 Tentando mudar esse sistema de formação, o governo federal esta

beleceu, em 2003, a matriz curricular nacional, que indicava os novos 

conteúdos a serem adotados pelas academias de polícia, adequando-as 

aos novos tempos (SENASP, 2014). Atualizada em 2014, a matriz foi 

72

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES

 dividida em oito áreas temáticas, a saber: i) Sistemas, Instituições e 

Gestão Integrada em Segurança Pública; ii) Violência, Crime e Con

trole Social; iii) Conhecimentos Jurídicos; iv) Modalidades de Gestão 

de Conflitos e Eventos Críticos; v) Valorização Profissional e Saúde do 

Trabalhador; vi) Comunicação, Informação e Tecnologias em Segu

rança Pública; vii) Cultura, Cotidiano e Prática Reflexiva; e viii) Fun

ções, Técnicas e Procedimentos em Segurança Pública.

 Apesar dos esforços, a mudança na formação policial tem esbar

rado na precariedade das academias de polícia e no modelo buro

crático das organizações policiais. Algumas sequer possuem insta

lações adequadas, como bibliotecas, salas de estudo e alojamentos. 

Quase nenhuma dispõe de um corpo de instrutores exclusivamente 

dedicado às atividades de ensino. Normalmente, esses instrutores são 

policiais que servem em outras unidades da corporação e ministram 

aulas nas academias. Por fim, são raros os manuais de doutrina desti

nados a essa formação (PONCIONI, 2007).

 Outra fonte de homogeneização de um campo organizacional é 

a capacidade de coerção que uma organização exerce sobre as outras 

(POWELL, DiMAGGIO, 1991), o que acontece quando uma passa a 

controlar as outras por força de lei, estabelecendo assim uma hierar

quia. Embora as polícias brasileiras tenham sido criadas e estruturada 

a partir de valores, crenças e saberes militares, até a década de 1930 

elas não tinham relação de subordinação com as FFAA. Isso mudou 

depois da Revolução Constitucionalista de 1932. Naquela ocasião, 

tropas da Força Pública de São Paulo enfrentaram o Exército nacional. 

Para derrotá-las, as forças federais tiveram de contar com a ajuda de 

outra corporação, a Polícia Militar de Minas Gerais. O episódio dei

xou clara a capacidade bélica dos estados vis-à-vis o governo federal.

 73

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Terminado o levante paulista, restou a ideia de que era necessário 

estabelecer maior controle sobre as forças estaduais. Em 1934, a nova 

Constituição Federal declarou as polícias militares “reservas do Exér

cito” (art. 167, CF/34) e garantiu a competência privativa da União 

para legislar sobre “organização, instrução, justiça e garantias das 

forças policiais dos estados e condições gerais da sua utilização em 

caso de mobilização ou de guerra” (BRASIL, 1988, art. 5o, XIX, l). 

A partir daí as PM (também chamadas de forças públicas) passaram de 

fato a ser controladas pelo governo federal, por intermédio do Exército 

(MEDEIROS, 2005).

 Em 1964, o golpe de Estado que pôs fim à experiência democrática 

brasileira dos anos 1950 estabeleceu um regime autoritário, conduzido 

por militares, que iria se estender até 1985. O governo militar restrin

giu a participação política e ampliou o poder das Forças Armadas. 

Os militares introduziram uma nova ordem política justificada a partir 

da noção de inimigo interno inscrita na doutrina de segurança nacional.

 Assim, a exemplo do Estado Novo, as forças de segurança foram 

utilizadas pelo governo autoritário para conter a oposição política. 

Para tanto, os militares usaram a repressão policial, a prisão e a tortura 

de opositores do regime. Entretanto, diferentemente do que ocorrera no 

Estado Novo, foram as Forças Armadas e não as polícias que passaram 

a controlar a repressão. Nesse período, elas detiveram o monopólio da 

coerção político-ideológica (D’ARAÚJO, SOARES, CASTRO, 1994).

 Nesse contexto, foi necessário reorganizar o aparato policial exis

tente, expandindo seu papel e submetendo-o ao controle do Exér

cito. A reforma constitucional de 1967, seguindo a tradição, manteve 

as polícias militares como forças auxiliares do Exército. Entretanto, 

introduziu uma novidade: a fim de facilitar o controle desse aparato, 

74

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES

 extinguiu as guardas civis e incorporou seus efetivos às PM, que pas

sariam a ser as únicas forças policiais destinadas ao patrulhamento 

ostensivo das cidades.

 No mesmo ano foi criada, também, a Inspetoria-Geral das Polícias 

Militares do Ministério do Exército (IGPM), destinada a supervisio

nar e controlar as PM estaduais. Cabia à IGPM estabelecer normas 

reguladoras da organização, controlar os currículos das academias de 

polícia militar, dispor sobre os programas de treinamento, armamentos, 

manuais e regulamentos utilizados pelas forças públicas, além de se 

manifestar sobre as promoções dos seus agentes. Além disso, competia 

ao Ministro do Exército aprovar a nomeação dos comandantes das 

corporações, feita pelos governadores. Oficiais das Forças Armadas 

frequentemente eram apontados para dirigir as Secretarias de Segu

rança Pública e as suas respectivas forças públicas.

 Em abril de 1977, transferiu-se para a Justiça Militar (Federal) 

a competência de julgar policiais acusados de cometer crimes contra 

civis (ZAVERUCHA, 1999), medida que completou um amplo pro

cesso de redefinição do seu papel. O caráter militar da polícia foi ainda 

mais acentuado. Sua missão de promover uma guerra contra o crime 

foi confirmada pelo Código Penal Militar. Dada essa “hipermilitari

zação”, as fronteiras entre as PM e o Exército tornaram-se cada vez 

mais tênues (PINHEIRO, 1991).

 Para levar adiante a repressão política, foi desenvolvido um apa

rato paralelo às estruturas policiais e militares já existentes. A Ope

ração Bandeirantes (Oban), empreendida em São Paulo, em 1969, 

para a captura e desmonte de grupos armados de oposição ao regime, 

com o uso de métodos violentos, serviu de inspiração a essa estru

tura paralela. A Oban – que contava com a participação de oficiais 

75

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 do Exército, Marinha, Aeronáutica e agentes federais de segurança e 

informação, bem como das polícias paulista, recebeu recursos oficiais 

e doações de empresários. Sua filiação institucional ambígua deu-lhe 

enorme autonomia operacional.

 Aos poucos, o aparato repressivo foi se sofisticando. Em 1970 

foram criados os Centros de Operações de Defesa Interna (CODI), 

atuando sob jurisdição militar. Esses centros, compostos por repre

sentantes de todas as Forças Armadas, das polícias militares e civis, 

eram controlados pelo chefe do Estado-Maior do Exército. A fim de 

implementar as ações planejadas nos CODI, foram criados os Desta

camentos de Operações de Informação (DOI), grupos especializados 

e altamente móveis encarregados em primeira instância da repressão 

à dissidência política. Era nos DOI-CODI que militares e policiais 

trocavam experiências, técnicas de ação e informações. Era lá também 

que acontecia boa parte das torturas, estupros, seviciamentos e toda 

sorte de atrocidades cometidas naquele momento.

 A ditadura dispunha de um complexo sistema de informações para 

ampliar a capacidade de vigilância contra seus inimigos. Ainda no pri

meiro ano do golpe militar, em 1964, foi criado o Serviço Nacional de 

Informações (SNI), destinado a assessorar o presidente da República. 

Também foram criados os serviços similares em cada força, ligados 

diretamente aos ministros militares. Além desses, compunham o sis

tema os órgãos de informação de cada polícia. Dada a complexidade 

e o tamanho desse sistema, não se pode dizer que havia um controle e 

uma razoável coordenação geral. Cada agência atuava com alto grau de 

autonomia dentro do seu próprio subsistema. Na verdade, por diversas 

vezes essa complexa estrutura gerava atritos e divergências entre as 

instituições envolvidas (D’ARAÚJO, SOARES, CASTRO, 1994). 

76

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES

 As PM deveriam integrar o sistema de informações do Exército, 

conforme dispusessem os comandantes militares nas suas respecti

vas áreas de jurisdição.

 Com o fim do regime militar e a transição política, em 1985, 

grande parte desse aparato repressivo foi desmontado. Já no que diz 

respeito às polícias, entretanto, quase toda estrutura existente foi man

tida. A Constituição Federal de 1988 manteve os vínculos formais entre 

as PM e o Exército ao reafirmar que as polícias militares eram suas 

forças auxiliares. Além disso, embora tenha assegurado aos estados o 

controle das PM pelos governadores, o texto constitucional estabeleceu 

que a sua organização e funcionamento seriam regulados por legislação 

federal. Mais ainda, reconheceu o status militar dos policiais estaduais. 

Desse modo, eles conquistaram paridade com os agentes das Forças 

Armadas em termos de aposentadorias e pensões.

 Na prática, os governadores recuperaram a prerrogativa de nomear 

os comandantes, mas lhes foi vedada a possibilidade de reestruturar 

individualmente o aparato policial. De acordo com a norma constitu

cional vigente, as polícias militares são as únicas corporações compe

tentes para o policiamento ostensivo. Ainda, os policiais se sujeitam a 

regime jurídico militar, o que gera consequências em termos trabalhis

tas e previdenciários. Ademais, a Constituição possibilitou a criação 

da justiça militar estadual para de julgar os PM.

 As dimensões da militarização

 Como já foi dito, muitas polícias foram moldadas a partir das 

organizações militares. É inegável, portanto, que elas sejam militari

zadas em alguma medida. Entretanto, é variável em que grau elas se 

77

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 identificam com o campo militar, sendo importante, por isso, analisar 

a extensão desse processo.

 A partir da metade do século XX observou-se uma tendência das 

polícias de se diferenciarem cada vez mais dos exércitos. Algumas, 

altamente militarizadas no passado, de modo progressivo passaram 

a se diferenciar do campo militar, incorporando uma identidade emi

nentemente policial. Em boa medida, esse processo foi resultado do 

surgimento dos modernos regimes democráticos, a cujas regras as 

polícias precisaram se adaptar.

 Há pelo menos três dimensões em que essas organizações têm pro

gressivamente se diferenciado das Forças Armadas: i) no ethos do uso 

da força; ii) nos mecanismos de supervisão e controle; e iii) nas for

mas de emprego.

 O ethos do uso da força

 As polícias são “aquelas organizações destinadas ao controle social 

com autorização para utilizar a força, caso necessário”, como definiu 

David Bayley (1975). Na mesma linha, Egon Bittner (2003) as des

creve como um “mecanismo para a distribuição da força circunstan

cialmente justificada em uma sociedade (...) Toda intervenção policial 

concebível projeta a mensagem de que a força poderá ser utilizada, 

ou terá de ser utilizada, para atingir um determinada objetivo”. É, 

portanto, a possibilidade de usar a força que distingue as polícias de 

outras instituições que exercem funções de controle social.

 As definições anteriores, porém, não explicam a diferença entre 

polícia e Forças Armadas: tanto os policiais quanto os militares têm 

autorização legal para usar a força. Então, qual é a diferença entre o 

78

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES

 uso da força policial e militar? Uma primeira distinção diz respeitos 

às situações nas quais elas são empregadas. Idealmente, nos regimes 

democráticos as Forças Armadas são acionadas excepcionalmente, 

dentro de limites estabelecidos, enquanto as polícias atuam no dia 

a dia. Partindo dessa diferenciação caberia um esforço para regula

mentar situações excepcionais. Ou seja, é necessário expressar em 

lei quem define essas situações, quais suas implicações políticas e 

consequências jurídicas.

 No Brasil tem sido frequente o emprego das Forças Armadas em 

situações típicas de polícia. O seu uso tem extrapolado a segurança de 

grandes eventos, como Jogos Pan-Americanos, Copa do Mundo e Olim

píadas. Às vezes as tropas militares são empregadas em substituição 

às polícias, especialmente nos casos de greves, como já aconteceu na 

Bahia (2012), Pernambuco (2016) e Espírito Santo (2017). Noutras oca

siões, os militares são empregados em apoio a operações policiais, 

caso da ação no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em 2010.

 Mas também há situações que estão longe de ser excepcionais. 

Entre 2014 e 2015, por exemplo, unidades militares ocuparam o Com

plexo da Maré, também no Rio de Janeiro, por 14 meses3. A justificativa 

foi a necessidade de preparação para a instalação de uma Unidade de 

Polícia Pacificadora (UPP), que não chegou a ocorrer. Em janeiro de 

2017, depois de uma onda de rebeliões nos presídios, os militares foram 

empregados para fazer revistas nas instalações penitenciárias dos estados 

do Amazonas e Rio Grande do Norte. Nesses casos, parece claro que as 

Forças Armadas não foram usadas para lidar com uma situação excep

cional, mas sim como alternativa às mazelas das organizações policiais.

 3 Para uma análise da presença das FFAA na comunidade da Maré, ver Silva (2017).

 79

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 A inserção de militares em atividades cotidianas de segurança não 

é apenas inadequada. Ela é sobretudo imprudente, pois os expõem a 

situações para as quais não foram treinados nem equipados. A Lei Com

plementar 97/1999, que regula as operações de Garantia de Lei e Ordem, 

não isenta os militares dos controles existentes sobre o exercício do 

poder de polícia. Portanto, a despeito do emprego das Forças Armadas 

estar limitado às situações extraordinárias, os militares estão sujeitos à 

legislação ordinária (GARCIA, 2009).

 Todavia, a diferença entre ambas as forças não diz respeito apenas a 

situações. Desmilitarizar o seu uso é muito mais do que limitar o emprego 

das FFAA. Num regime democrático, a diferença fundamental entre 

policiais e militares reside na maneira como empregam a força (COSTA, 

MEDEIROS, 2002). Refere-se, portanto, ao ethos do seu uso, ou seja, 

ao espírito e valores característicos de uma organização para definir os 

meios mais adequados para alcançar seus objetivos. Controlar a atividade 

policial, especialmente nesse aspecto, tem sido uma das principais preo

cupações das democracias. Por isso alguns países, além de mudar a legis

lação penal e processual, têm introduzido normas de condutas, bem como 

criado órgãos de controle externo da atividade policial (COSTA, 2004).

 Obviamente, exércitos podem ser empregados como polícias e 

vice-versa, mas essas são exceções que confirmam a regra. Do ponto 

de vista estrutural, ambas estão sempre de prontidão para lançar mão 

da força. A polícia, entretanto, deve considerar a possibilidade de não a 

usar ou usá-la limitadamente, mesmo quando isso implique o emprego 

de mais recursos humanos e materiais. O controle social através da 

força militar é inapropriado para as sociedades democráticas.

 Até recentemente, o controle da força não era uma preocupação 

central para as Forças Armadas. Entretanto, para as polícias é justamente 

80

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES

 tal controle que as torna compatíveis com a democracia. Assim, o treina

mento militar não enfatizava a necessidade de controlar a força, tampouco 

seus regulamentos e códigos de conduta sublinhavam limites – e as estra

tégias de emprego do Exército não necessariamente levavam esses limites 

em consideração. Quando a conduta militar é avaliada – em tribunais 

militares, por exemplo – o controle da força não é o problema central.

 Daí não se segue, porém, que a existência de organizações poli

ciais com estrutura e símbolos militares signifique sempre um ethos 

militar. Algumas democracias possuem polícias cujos membros têm 

status jurídico-militar e sua estrutura é moldada a partir dos respectivos 

Exércitos. É o caso da gendarmaria francesa, que tem se diferenciado 

cada vez mais das Forças Armadas. Desde 1981, seu comandante (civil) 

responde diretamente ao ministro da Defesa, sem passar pelo Estado--maior das Forças Armadas, e goza de independência orçamentária. 

Por outro lado, ainda há tropas de gendarmes, como a Gendarmaria 

de l’Air, que estão estacionadas em dependências do Exército francês. 

Além disso, as Forças Armadas daquele país exercem papel importante 

na supervisão dos gendarmes em suas inúmeras missões no estran

geiro. Ainda, a distribuição geográfica da gendarmaria é organizada 

de acordo com as zonas de defesa militar da França (ALARY, 2000).

 Limitar o uso da força, em especial a letalidade policial, tem sido 

um dos maiores desafios das polícias militares brasileiras. Em 2015, 

enquanto no Brasil morreram 2.702 civis em confronto com as poli

ciais, nos Estados Unidos foram registradas 442 mortes.

 Há uma grande variação regional no que se refere à letalidade 

policial brasileira. Em 2015, cinco estados responderam por 69,7% das 

mortes de civis: RJ, SP, BA, PR e PA. No Rio de Janeiro, o número 

de pessoas mortas em confronto com a PM equivalia a 15,4% do total 

81

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 de homicídios. Esse percentual foi de 15,0% no Amapá, 14,6% em 

São Paulo, 8,9% no Paraná e 6,8% no Mato Grosso do Sul.

 Mas não só a letalidade de algumas PM que é elevada. A vitimiza

ção policial também é alta. Em 2015 morreram 296 policiais militares 

em confrontos. A vitimização também varia bastante: cinco estados 

concentram 65,5% das mortes entre policiais – RJ, SP, PE, PA e BA. 

Cerca de 76% desses óbitos (226) aconteceram quando o agente estava 

fora de serviço, frequentemente realizando atividade de segurança 

privada. Em algumas unidades da federação, por exemplo, Pará e 

Bahia, o número de policiais mortos fora de serviço chegou a ser seis 

vezes maior que o total de vitimados em serviço.

 Os mecanismos de supervisão e controle

 Ao contrário das operações militares, em que os cabos e soldados 

estão sob intensa supervisão dos sargentos e tenentes, as atividades 

policiais são marcadas pela distância entre superiores e subordinados e 

por grande autonomia. Eles estão entre os profissionais que gozam de 

maior discricionariedade no exercício das suas funções devido à grande 

variedade de situações que encontram no seu cotidiano. Esse poder 

discricionário lhes permite várias possibilidades de ação, tornando o 

processo decisório muito mais complexo. Por isso, alguns estudos têm 

apontado o modelo de supervisão e controle tradicionalmente utilizado 

nos exércitos como inadequado para a maior parte das atividades de 

polícia. Isso porque ele busca regular de maneira minuciosa, por meio 

de normas internas, o comportamento de indivíduos que são, pela natu

reza de seu trabalho, obrigados a tomar decisões complexas e imediatas 

em diversas situações (SKOLNICK, FYFE, 1993; BAYLEY, 1994).

 82

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES

 No passado, o policial era retratado como um mero agente do 

Estado encarregado de fazer com que os cidadãos cumprissem a lei. 

Prevalecia a ideia de que a polícia não dispunha de liberdade discri

cionária ou, pelo menos, não deveria possuí-la. A ele não competia 

fazer interpretações sobre a validade dos estatutos legais vigentes. 

Acreditava-se também que não cabia à força pública decidir aplicar 

ou não a lei. Em geral, a atividade de policiamento era vista com uma 

aplicação técnica do Sistema de Justiça Criminal.

 Essa idealização começou a ser desconstruída na década de 1960, 

quando alguns estudos pioneiros demonstraram que a polícia não ape

nas aplicava a lei, mas também a interpretava (SKOLNICK, 1962; 

GOLDSTEIN, 1963; WALKER, 1993). Desde então, novas pesquisas 

têm apontado que os policiais decidem quando e como a norma legal 

deverá ser empregada, sendo suas escolhas profundamente influencia

das também por outros fatores, como idade, raça, classe social, etnia e 

religião. Esses trabalhos têm desafiado o mito do policial neutro, reali

zando uma tarefa técnica (RAMOS, MUSUMESI, 2005; SILVA, 2009; 

DUNHAM et al., 2005).

 Um dos maiores desafios enfrentados pelas polícias, portanto, 

tem sido estruturar a discricionariedade, melhorando seus mecanismos 

de supervisão e controle. Não se trata, porém, de acabar com esse 

poder discricionário, uma vez que isso seria inviável e indesejável. 

Em síntese, sem ele, não seria possível aos agentes desempenhar as 

funções de polícia. Por outro lado, em alguns casos esse poder pode 

perfeitamente ser limitado e estruturado.

 O não reconhecimento dessa liberdade de escolha tem gerado 

inúmeros problemas no interior das organizações policiais. De forma 

geral, essa situação tem forçado seus agentes a agir sem orientações 

83

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 claras sobre como proceder. Em alguns casos, eles exercem sua auto

ridade sem o respaldo da lei, gerando uma situação de enorme insegu

rança, tanto para a população quanto para a polícia (MUNIZ, 1999). 

Casos de abuso de autoridade e de uso desnecessário da força são 

mais frequentes quando não existem normas que orientem e impo

nham limites à ação.

 Diante desses dilemas, no final do século XX alguns países come

çaram a adotar medidas a fim de limitar e estruturar a discriciona

riedade policial. De forma geral, podemos identificar dois tipos de 

iniciativas que tentaram lidar com o problema: i) buscou-se melho

rar o nível de instrução e o processo de formação e ii) se estabele

ceu normas de condutas para orientar a atividade dos policiais em 

situações especificas.

 Primeiramente, atendeu-se à antiga demanda pela melhoria no 

nível instrução e formação dos agentes. Em alguns países, diversas 

lideranças políticas, ativistas sociais e pesquisadores passaram a exigir 

que as forças policiais modificassem seus critérios de recrutamento, 

a fim de elevar o grau de escolaridade dos seus agentes. Uma vez 

que desempenhavam funções com grande autonomia na tomada de 

decisões, a ideia era que seria mais adequado contar com uma força 

de trabalho altamente instruída. Depois de alguns anos, as avaliações 

indicaram que a educação universitária não necessariamente redundou 

em um padrão diferente de prática profissional (LINT, 1998).

 Alguns países também incluíram na formação policial discipli

nas de conteúdo humanista. Dado que os policiais desempenhavam 

inúmeras tarefas além daquelas relacionadas com a legislação crimi

nal, o objetivo era preparar melhor o profissional para essas outras 

funções. Apesar dos esforços para adequar os currículos às inúmeras 

84

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES

 tarefas da polícia, verificou-se que a simples inclusão de disciplinas 

não habilitava os agentes a desempenhar satisfatoriamente suas fun

ções. Era necessário apresentar-lhes um conjunto de conhecimentos, 

habilidades e capacidades mais próximas às suas atividades diárias, 

como administração de conflito, relações de gênero e raciais e mul

ticulturalismo. Apesar desses esforços, ainda não se sabe ao certo 

os efeitos das mudanças propostas. Isso porque não basta mudar os 

conteúdos ministrados na formação policial, como apontaram as 

avaliações. É necessário também mudar a própria metodologia de 

ensino (BRADFORD, PYNES, 1999; BIRZER, TANNEHILL, 2001; 

HENSON et al., 2010).

 Uma segunda iniciativa para limitar a discricionariedade policial 

foi a criação de normas de condutas. Assumindo que seria inevitável 

algum tipo de poder discricionário, buscou-se limitá-la e estruturá-la. 

Os estudos têm apontado que a melhor forma de lidar com a questão 

é criando normas administrativas destinadas a regular o exercício da 

atividade (DAVIS, 1971), fornecendo orientações claras aos policiais 

para enfrentar situações sensíveis, tais como uso de armas de fogo, 

abordagem de pessoas e veículos e entrada em residências.

 A adoção dessas normas realmente tem permitido um equilíbrio 

entre o trabalho prescrito e o trabalho real das polícias. Elas trou

xeram segurança jurídica à atividade, sujeita a inúmeras situações 

não prescritas na lei que têm enorme repercussão no exercício da 

atividade policial. Pode-se dizer que a arcabouço legal prescreve o 

que deve ser feito, mas não diz quase nada sobre quando e como 

fazê-lo. Exatamente por isso a adoção de normas de conduta tornou-se 

uma das medidas mais frequentes para controlar a discricionariedade 

(WALKER, 1993; DAS, PALMIOTTO, 2002).

 85

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Para que essas normas limitem e estruturem de fato a discriciona

riedade é necessário, contudo, adequar o sistema de treinamento e de 

avaliação das condutas individuais. É preciso estabelecer um sistema 

de avaliação que faça os policiais mais responsáveis por seus atos. 

A estruturação do poder discricionário aumenta também a capacidade 

de controle dos administradores de polícia sobre o pessoal operacio

nal. Ou seja, facilita a supervisão da atividade, bem como permite a 

melhoria do treinamento. A supervisão passa a ser mais específica, 

uma vez que os policiais recebem orientações claras e objetivas sobre 

como proceder nas situações que encontrarão nas ruas.

 Em 2017, a maioria das polícias militares brasileiras não adotava 

nenhum tipo de norma de conduta. O treinamento continuava a ser 

feito sem padronização, a partir de documentos e manuais escolhidos 

pelos instrutores dos cursos de formação. Além disso, na ausência de 

uma norma de conduta com força legal, os policiais continuaram a 

exercer suas atividades sem respaldo jurídico. Sem essas diretrizes 

profissionais, eles são julgados por juízes e promotores a partir de uma 

noção de imperícia, imprudência e negligência. Ou seja, são julgados 

por critérios externos à profissão, que não necessariamente coincidem 

com a deontologia policial (PORTO, COSTA, 2014).

 Seguindo a tendência internacional, algumas poucas forças públi

cas do país implantaram normas de condutas, que ficaram conhecidas 

como Procedimentos Operacionais Padrão (POP). Esses procedimentos 

foram elaborados com base na experiência acumulada pelos profissio

nais de polícia, em conformidade com a legislação. Eles são utilizados 

nos cursos de formação e contemplam diversas situações, como abor

dagens de veículos e de pedestres, busca e apreensões. Algumas polí

cias, como a PM de Goiás, incorporaram os POP no treinamento e 

86

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES

 no sistema de promoção. Para serem promovidos ou matriculados 

em cursos, os policiais da PMGO precisam realizar treinamentos de 

atualização dos procedimentos operacionais.

 Porém, mesmo onde foram implantados, esses procedimentos são 

classificados por algumas forças públicas como documentos sigilosos. 

É o caso da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Contrariando o 

padrão internacional, os POP adotados pela PMESP não são de conhe

cimento da sociedade civil nem do Ministério Público e da mídia. 

Desse modo, embora sejam utilizados no treinamento, as normas da 

PM paulista não servem para orientar a avaliação que a sociedade faz 

das suas ações. Consequentemente, a ação policial não é julgada a 

partir de critérios profissionais, mas sim da percepção da mídia sobre 

o fracasso ou sucesso de uma determinada operação.

 As formas de emprego

 Há uma grande diferença entre as polícias e os exércitos quanto à 

forma de empregar os efetivos e equipamentos. Por exemplo, ambos 

possuem unidades de cavalaria e seus membros exibem enorme orgu

lho de serem cavalarianos. As competições de hipismo e confrater

nizações que reforçam o sentimento de pertencimento à confraria 

do cavalo não são muito diferentes, o que reforça uma falsa ideia de 

que são iguais. As semelhanças, entretanto, acabam aí. No Exército, 

os cavalos estão restritos às atividades cerimoniais e aos desfiles mili

tares. Já nas polícias o seu emprego é uma das formas mais eficientes 

para lidar com multidões, como na entrada de estádios e shows e 

no policiamento de áreas públicas – por exemplo, parques, praças e 

centros comerciais. Mais importante: há uma doutrina própria para 

87

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 a ação de policiar a cavalo. É justamente o desenvolvimento de uma 

doutrina específica de policiamento que tem diferenciado cada vez 

mais as duas forças.

 Importante dizer que existem unidades militares destinadas ao 

policiamento, como os batalhões de polícia do Exército. Mas elas 

são empregadas principalmente na proteção de áreas militares e no 

enfrentamento de protestos e manifestações políticas. Neste último 

caso, em alguns países, como o Brasil, a doutrina e o treinamento 

das unidades militares não diferem muito daqueles verificados nas 

policiais. A diferença é que nessas situações os militares atuam como 

unidades de reserva das polícias.

 Algumas divisões das Forças Armadas também realizam atividades 

de policiamento como forças de paz em áreas de conflito. Nessas situa

ções, visam principalmente à desobstrução de avenidas e rodovias, 

à proteção de prédios públicos e de pontos sensíveis, como aeroportos, 

estações de água, energia e comunicações. Essas unidades militares, 

entretanto, não possuem nenhuma doutrina para realizar policiamento 

comunitário ou administração de conflitos cotidianos.

 O desenvolvimento de uma doutrina de policiamento comunitário 

é considerado um dos maiores avanços das polícias contemporâneas. 

Trata-se de uma filosofia de emprego do efetivo policial cujo objetivo 

é melhorar as condições de segurança a partir da aproximação da 

organização com a sociedade, baseada numa maior interação entre 

polícia e comunidade, na descentralização da cadeia de comando 

e na autonomia dos policiais para identificar e resolver problemas 

coletivos (GOLDSTEIN, 1990; ROSENBAUM, 1994; DIAS NETO, 

2000; SKOLNICK, BAYLEY, 2002). A adoção dessa filosofia e o 

desenvolvimento de uma doutrina de policiamento comunitário (ou de 

88

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES

 proximidade) significou uma verdadeira mudança de paradigma na 

forma tradicional de emprego dos efetivos.

 Dada sua natureza filosófica, podemos encontrar uma enorme 

variedade de formas de policiamento que se autointitulam comuni

tário, que incluem policiamento a cavalo, ronda a pé e motorizada, 

além de bases de polícia comunitária. Algumas dessas experiências 

são bem-sucedidas; outras nem tanto. O sucesso não depende da forma 

de emprego, mas sim da clara definição de objetivos e da elaboração 

de uma doutrina própria.

 Exatamente por ser uma novidade, a implementação do policia

mento comunitário tem encontrado diversos obstáculos (MAGUIRE, 

MASTROFSKY, 2000; 0’SHEA, 2000; OLIVER, 2000). A adoção 

dos seus princípios frequentemente esbarra na resistência assentada na 

cultura policial, que não valoriza atividades não diretamente ligadas ao 

“combate do crime”. Essa resistência afasta policiais e impõe um dilema 

na forma de avaliar o seu desempenho. A descentralização da cadeia de 

comando contraria a estrutura organizacional das polícias, especialmente 

daquelas mais próximas do modelo militar. A maior autonomia conferida 

aos efetivos também redundou em grande problema para o controle e 

a supervisão das suas atividades, especialmente naquelas organizações 

que ainda mantinham sistemas inspirados nas Forças Armadas.

 A mudança de paradigma decorrente da implantação do policia

mento comunitário reflete a tendência de diferenciação entre polícia 

e militares. Por outro lado, também é possível observar uma mudança 

no sentido oposto, qual seja, maior militarização do emprego dos efe

tivos. Trata-se de tendência de criação de unidades policiais paramili

tares, observada em muitos países (KRASKA, 1996, 1999; KRASKA, 

KAPPELER, 1997).

 89

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Paramilitares, incialmente essas unidades constituíam uma pequena 

porção do efetivo policial, mantendo sua atuação limitada a algumas 

situações de alto risco e complexidade, como sequestros, resgates, 

enfrentamento a grupos armados, terrorismo e explosivos. Elas diferem 

das outras pelo treinamento altamente normatizado, que utiliza equi

pamento e armamento semelhantes àqueles usados pelas unidades de 

operações especiais das Forças Armadas. O treinamento das unidades 

paramilitares de polícia também é bastante semelhante ao das Forças 

Armadas, sendo frequente o intercâmbio de alunos e instrutores nos 

cursos e treinamentos. Em suma, são unidades bastante militarizadas.

 Elas constituem um grupo à parte nas polícias brasileiras, com forte 

identidade profissional e grande coesão social. Pertencer a essas unidades 

é uma das estratégias profissionais mais bem-sucedidas para superar as 

mazelas relacionadas à ideia de trabalho sujo (CASTRO, 2011). O curso 

de operações especiais que forma policiais paramilitares serve como rito 

de passagem para ingressar no seleto grupo de lealdades e solidariedades. 

Mas a especialização e o treinamento acontecem de fato após o curso, 

no dia a dia dessas unidades. Seu emprego é fundamental para lidar 

com algumas situações excepcionais; entretanto, têm se verificado o uso 

cada vez mais frequente de paramilitares em situações normais, como o 

policiamento de estádios e manifestações, o que distorce sua finalidade. 

Elas também têm sido empregadas na intensificação do combate à cri

minalidade, o que implica uma lógica militar no policiamento cotidiano.

 Os dilemas das polícias militares

 Há poucas dúvidas quanto às semelhanças entre as organiza

ções policiais e as Forças Armadas. A ideia de que as polícias são 

90

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíCIAS MILITARES

 organizações quasi-militares, como sugeriu Ergon Bittner (2003), 

desempenhou um papel importante na estruturação do seu trabalho. 

De fato, são muitas as semelhanças entre as FFAA e polícias.

 A primeira e mais marcante delas diz respeito ao fato de que 

todas são organizações autorizadas a usar a força, especialmente a 

letal. Segundo, como as organizações militares, as polícias são estru

turadas por muitas normas internas, via de regra mais importantes na 

avaliação de desempenho dos seus membros do que o efetivo resul

tado do seu trabalho. Por último, a necessidade de reforçar o controle 

interno fez com que a maior parte das polícias optasse pelo modelo 

militar de disciplina. Em função dessas semelhanças, muitas delas 

se estruturaram à imagem dos exércitos. Esse processo foi reforçado 

pela construção de uma identidade militar por parte dos policiais. 

Em alguns países, como o Brasil, a militarização foi acentuada durante 

os regimes militares.

 Mas, obviamente, há também inúmeras diferenças entre ambas as 

organizações. As funções de controle da criminalidade e manutenção 

da ordem, embora possam ser excepcionalmente desempenhadas pelos 

militares, são o leitmotiv das organizações policiais. Exatamente por 

isso os resultados mais visíveis do trabalho das polícias são as prisões 

de suspeitos que serão julgados pelos tribunais. Isso faz com que 

elas integrem necessariamente o Sistema de Justiça Criminal, sendo 

também submetidas às suas normas e lógicas. Ou seja, elas estão 

diretamente relacionadas ao funcionamento desse sistema, o que não 

ocorre com as FFAA.

 Fundamentalmente, a desmilitarização é o resultado de um processo 

de diferenciação social. Como já dito, foi a emergência dos regimes 

democráticos que levou as forças públicas se diferenciarem das Forças 

91

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Armadas. Nos países onde esse processo foi mais intenso, construiu-se 

uma nova identidade profissional autônoma do campo militar.

 No caso do Brasil essa diferenciação profissional tem esbarrado 

em alguns dilemas. O ethos do uso da força, por exemplo, tem mudado 

em muitas polícias – elas têm se preocupado em empregar a menor 

força possível, caso seja necessário. Mas, para isso, foi necessário 

abandonar a lógica militar de guerra ao crime e trocá-la pela ideia 

de controle da criminalidade. Obviamente, alguns crimes receberão 

maior atenção, como os violentos, cujos agressores serão punidos 

com mais severidade.

 Esse é um dos dilemas brasileiros. Algumas polícias militares regis

tram números elevados de mortes de civis. A frequência e a intensidade 

de confrontos armados têm servido de justificativa para esses óbitos, 

classificados como autos de resistência. Em alguns casos parece haver 

uma política deliberada de confrontos; noutros, ocorre justamente o con

trário – os confrontos se repetem sem que o comando das polícias elabore 

uma política específica para essas situações. Independente do preparo, 

todas as unidades policiais estão autorizadas a se engajar em confrontos 

armados, não havendo restrição de horários e lugares. O resultado é um 

número elevado de policiais e civis mortos. Importante dizer que não 

são apenas as unidades especializadas que se engajam em confrontos 

armados. Eles acontecem próximos às escolas, moradias e aglomerações, 

resultando em muitas mortes por balas perdidas.4

 O segundo dilema nacional refere-se à dificuldade de substituir o 

modelo militar de hierarquia e disciplina por outra estrutura de supervi

são e controle. Inadequado para as polícias, esse modelo, como vimos, 

4 Para uma análise da participação dos policiais do Rio de Janeiro que se engajam em 

confrontos armados, ver Magaloni e Cano (2016).

 92

CAPíTULO 2: MILITARIzAÇãO E PROFISSIONALIzAÇãO DAS POLíC MILITARES

 não prevê as situações de discricionariedade, tão frequentes no dia 

a dia policial; ele baseia-se na preponderância das normas internas 

e de uma cadeia de comando bem definida. Por isso alguns países 

passaram a desenvolver novos mecanismos de supervisão e controle 

de suas polícias.

 A adoção de outras formas de policiamento implica a elaboração 

de uma doutrina específica. Além de planejamento e financiamento, 

isso requer o desenvolvimento de saberes profissionais muito especí

f

 icos, que não podem ser copiados de outras áreas. O que tem levado 

muitas organizações policiais a mudar os conteúdos e as metodolo

gias utilizadas nas suas escolas de formação, diferenciando-as das 

escolas militares.

 O terceiro dilema diz respeito à necessidade de criar uma identi

dade profissional própria. O desenvolvimento de um campo específico 

de ciências policiais vem acontecendo em diversos países. Em geral, 

o surgimento desse novo campo resulta da cooperação entre as uni

versidades e as polícias. Nos EUA, por exemplo, os saberes policiais 

começaram a se transformar em ciência aplicada a partir da década 

de 1950. No início os estudos eram voltados exclusivamente para o 

aperfeiçoamento da administração das forças públicas. Em seguida 

verificou-se a proliferação de programas e cursos universitários volta

dos para as polícias e o Sistema de Justiça Criminal. Mais recentemente 

o desenvolvimento desse campo permitiu a criação de novas formas 

de policiamento (HOOVER, 2005).

 Desde os anos 2010, temos assistido várias alterações nos proces

sos de seleção das polícias militares. Algumas delas passaram a exigir 

diploma de nível superior para o ingresso em seus quadros. Mas, dife

rente de outros países, no Brasil as mudanças nos processos de seleção 

93

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 não necessariamente tiveram por objetivo o fortalecimento da identi

dade e a criação do campo das ciências policiais. Outras corporações 

passaram a exigir o bacharelado em direito como critério de seleção 

de oficial. Em 2017, 14 estados exigiam essa graduação para ingresso 

em suas academias de polícia militar5. Em alguns casos, essa exigência 

era parte da estratégia que as PM adotavam para reivindicar aumento 

salarial (RUDNICKI, 2008). Longe de criar uma identidade própria, 

essas iniciativas enfraquecem a profissionalização das polícias.

 5 RS, SC, RJ, MG, ES, MS, MT, RO, AC, AM, PE, SE, RN e PI.

 94

CAPÍTULO 3  

As Polícias Civis e o Mito do 

Inquérito Policial

 Nos capítulos anteriores sustei que a boa governança das políticas 

públicas de segurança depende de órgão capaz de coordenar uma ampla 

rede de atores. Apontei também que essas políticas requerem polícias 

profissionalizadas e altamente especializadas.

 Se nas PM a persistente vinculação ao campo militar é o princi

pal obstáculo à especialização, nas polícias civis é a prevalência dos 

saberes jurídicos sobre os saberes policiais que atrapalha a profissio

nalização. Isso é especialmente válido para a investigação criminal 

que, além de novas tecnologias, requer saberes próprios.

 Aquilo que chamamos de investigação criminal, seus objetivos, 

seus métodos e suas rotinas, tem mudado profundamente ao longo da 

história. Para entender o que vem a ser essa área e suas mudanças, 

é necessário compreender o contexto político, social e cultural no qual 

elas se inserem.

 Historicamente, podemos encontrar exemplos de práticas associadas 

à investigação criminal em várias sociedades. Entretanto, aquilo que 

nomeamos como tal – a aplicação de rotinas e técnicas por parte de um 

corpo policial, para identificação de suspeitos e produção de provas 

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 jurídicas – data do final do século XIX. Antes disso, a produção de 

provas e a identificação de suspeitos eram realizadas por indivíduos e 

agentes privados pagos. Foi apenas com a criação das modernas polí

cias que a atividade passou a ser entendida como obrigação do Estado. 

Quer dizer, embora elas tenham inicialmente orientado suas tarefas para 

a manutenção da ordem e vigilância das ruas, aos poucos a função de 

investigar crimes foi incorporada às suas atribuições. Dessa forma, desde 

o início do século passado boa parte das polícias ocidentais já contava 

com grupos ou unidades dedicadas a essa atividade. Daí em diante, 

tornou-se uma das principais funções desempenhadas pelas polícias, 

que passaram a se incumbir das seguintes tarefas: identificar e interro

gar suspeitos; produzir provas jurídicas e instruir o processo criminal.

 Ao longo do século XX, a atividade de investigar crimes baseou--se fundamentalmente na entrevista de suspeitos e testemunhas para 

produção de evidências jurídicas que pudessem resultar em denúncias 

criminais. Esse modelo, entretanto, passou a ser fortemente criticado 

nas últimas décadas. As denúncias frequentes de ilegalidades e bruta

lidade nas práticas investigativas e a pouca eficiência na condenação 

de suspeitos acabaram por gerar uma crise de legitimidade dessa ati

vidade. Assim, visando à modernização de seus processos, algumas 

polícias criaram manuais e introduziram procedimentos operacionais 

para melhorar o desempenho dos investigadores, caso do Murder 

Investigation Manual, implantado pela polícia inglesa. Também foram 

criados sistemas de indicadores das investigações, como o National 

Incident Based Report System (EUA), o Canadian Homicide Survey 

(Canadá) e o Volume Crime Management Model (Inglaterra).

 Apesar da sua importância, no Brasil a investigação não se moder

nizou. Aqui nos acostumamos a pensar que compete fundamentalmente 

96

CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL

 às polícias civis realizar atividades de investigação criminal, que serão 

postas a termo em um inquérito policial, confeccionado para instruir 

o processo judicial, enquanto juízes e promotores utilizarão de outras 

fontes para elaborar suas denúncias e sentenças. Essa ideia sobre o 

trabalho das PC é corroborada pela Constituição Federal, que determi

nou: “às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, 

incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polí

cia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares” 

(BRASIL, 1988, art. 144, § 4º). Segundo o Código de Processo Penal, 

o inquérito policial, previsto nos artigos 4º a 23º, é o instrumento for

mal de investigações, compreendendo todas as diligências realizadas 

para apurar o fato criminoso e descobrir sua autoria.

 A ideia que fazemos da organização, confirmada pela legislação 

brasileira, na verdade deriva de um mito institucional que desempenha a 

função simbólica de legitimar seu trabalho, tanto para o público interno 

quanto para o externo. Ou seja, o inquérito desempenha uma função 

simbólica dentro da PC e é voltado para legitimar suas práticas e rotinas.

 Isso, contudo, não é exclusividade das polícias civis. Muitas organi

zações complexas frequentemente incorporaram mitos institucionais para 

aumentar sua legitimidade e suas chances de sobrevivência. Tais mitos 

refletem os sistemas classificatórios e as ideias correntes na sociedade. 

E podem apoiar-se na opinião pública ou ser definidos por força da lei 

(MEYER, ROWAN, 1977). A sua incorporação tem efeitos na estrutura 

organizacional e no desempenho das atividades cotidianas, uma vez que 

definem papéis e hierarquias, legitimam saberes e orientam prioridades.

 A adoção desses mitos com frequência, contudo, entra em con

f

 lito com os critérios de eficiência que supostamente orientaria as 

atividades de uma organização. Assim, para mantê-los, elas tornam-se 

97

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 desarticuladas e aumentam a distância entre o trabalho real e o trabalho 

prescrito. Posto dessa forma, o sucesso de algumas delas baseia-se 

mais na sua legitimidade do que na eficiência da sua coordenação e 

do controle das suas atividades. Isso acontece de modo recorrente nas 

organizações que pertencem a ambientes altamente institucionalizados. 

Esse é o caso das PC e do Sistema de Justiça Criminal brasileiro.

 Mas, afinal o que faz o polícia civil? Existem, pelo menos, três dife

rentes formas de verificar o trabalho que ela realiza: pela análise das suas 

competências legais, pelo tipo de situações com as quais os policiais se 

deparam no seu cotidiano e pelo tipo de ações empreendidas por eles.

 As competências legais são aquelas tarefas que a legislação lhes 

atribui. Não é difícil descobrir quais são: elas podem ser encontradas 

no ordenamento jurídico, nos manuais e regulamentos internos. Já as 

situações em que os policiais civis se deparam no seu trabalho coti

diano podem não estar previstas na legislação, tais como conflitos 

domésticos, orientação para a comunidade, detenção de pessoas etc. 

Finalmente, elas se referem às ações que os policiais têm de tomar: 

prisões, relatórios, formaturas, mediação de conflitos etc. Essas ações, 

bem como as situações com as quais eles se deparam no seu cotidiano, 

não se resumem às competências que a legislação lhes confere.

 Para compreender o papel da polícia civil na sociedade moderna 

é necessário entender sua relação com o Sistema de Justiça Crimi

nal (BITTNER, 2003). Uma parte significativa do trabalho da Justiça 

tem início com a atividade policial. Entretanto, muitas vezes isso não 

se desdobra em processo criminal. No que diz respeito ao Sistema 

Criminal, a ação da PC é muito maior e mais livre do que admite a 

legislação. De fato, juízes e promotores têm muito menos controle 

sobre a atividade policial do que costumam pensar.

 98

CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL

 A ideia equivocada de que as polícias civis brasileiras são basica

mente uma organização voltada para elaborar um inquérito policial – 

supostamente orientado por uma investigação – tem consequências 

importantes para o desempenho das suas funções. E isso têm trazido 

consequências nocivas para o atendimento das demandas da população. 

Primeiro, podemos constatar os efeitos deletérios sobre outras atividades 

“menos nobres” desempenhadas pela PC, tais como administração de 

conflitos, encaminhamento de pessoas para outros serviços públicos e 

atenção aos grupos vulneráveis (mulheres, idosos, crianças, adolescen

tes e negros). Em segundo lugar, a própria investigação criminal acaba 

sendo prejudicada, pois o inquérito torna-se uma razão em si mesma.

 A investigação criminal e o inquérito policial

 De acordo com o Código de Processo Penal brasileiro, o inquérito 

policial destina-se a reunir os elementos necessários à apuração da 

prática de uma infração penal e sua autoria (CPP, Art. 4º). Posto dessa 

maneira, o inquérito parece se confundir com a investigação criminal, 

dado que o código penal contemplaria um conjunto de atividades 

relacionadas ao processo investigativo, tais como oitivas, perícias, 

campanas, interceptações telefônicas e seleção de testemunhas. Então, 

ao final do processo investigativo, os documentos comprobatórios des

sas atividades seriam juntados ao inquérito, cuja conclusão (relatório 

f

 inal) apontaria o autor e o crime cometido. Em função do seu caráter 

oficial, todas as atividades relativas ao inquérito deveriam ser dotadas 

dos formalismos previstos na legislação.

 A prática policial, entretanto, é bem distinta do que prevê o arca

bouço legal. Instaurar um inquérito não é o mesmo que proceder uma 

99

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 investigação. Há inquéritos sem investigações e investigações sem 

inquéritos. Investigar é uma prática eminentemente policial, enquanto 

as formalidades dos inquéritos seguem uma lógica judicial.

 Tomar o inquérito como investigação é, portanto, um mito insti

tucional. Ambas as atividades desempenham funções distintas rela

cionadas à promessa estatal de segurança. O inquérito é a principal 

“porta de entrada” do Sistema de Justiça Criminal. Embora existam 

outras situações que prescindam da polícia, a maioria dos processos 

criminais se inicia com um inquérito policial. O que acaba por con

ferir enorme poder às PC, pois sem a instauração do inquérito não há 

processo criminal. Como me disse certa vez um magistrado: “O juiz, 

na prática, só condena quem o delegado indiciou no inquérito”.

 A investigação criminal, por sua vez, desempenha papel central 

na função de dissuadir a prática de crimes. Ela é uma das iniciativas 

mais visível dos esforços policiais para dar uma resposta convincente 

à sociedade. Assim, desde sua criação, a tem sido objeto de enorme 

interesse do público em geral, o que pode ser verificado na literatura e 

no cinema. Esse interesse não pode ser explicado apenas pelo glamour 

relacionado à ideia de prender criminosos; ele também se evidencia 

pela importância que a investigação assumiu ao dar forma à promessa 

do Estado moderno capaz de prover segurança para todos os cidadãos 

(GARLAND, 1996, 2001).

 Dada sua dimensão simbólica, a investigação tem sido retratada 

ao longo do tempo como a forma mais efetiva de elucidar crimes e 

punir os criminosos. Para isso, criaram-se mitos sobre a investigação 

que envolvem uma sequência de ações: i) alguém relata um crime 

à polícia, ii) os investigadores examinam a cena do crime e interro

gam pessoas e iii) o suspeito é identificado e confrontado com provas 

100

CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL

 irrefutáveis sobre sua culpa, resultando numa confissão e posterior 

denúncia criminal (MAGUIRE, 2003).

 As pesquisas mostram, no entanto, que a prática investigativa cons

titui um quadro radicalmente diferente. Nem sempre os crimes são rela

tados à polícia pelas vítimas. Frequentemente, os policiais tomam conhe

cimento deles através da mídia e de terceiros. Além disso, em grande 

parte dos casos o simples relato de eventos criminosos não implica o 

início de uma investigação. Alguns casos serão arquivados e outros serão 

processados na forma de estatísticas criminais (MINGARDI, 1992). 

Noutras palavras, a investigação é uma atividade altamente seletiva.

 No Brasil, a legislação indica a necessidade de instauração de 

inquérito policial sobre todas as notícias-crime. Ou seja, do ponto de 

vista legal, o inquérito é obrigatório. Na prática não é bem assim que 

acontece numa delegacia de polícia (MISSE, 2010a). Nem todas as 

notícias de crime se convertem em boletins de ocorrência; e nem todos 

os BO são transformados em inquéritos policiais (COSTA, 2011). 

Na maioria das delegacias de polícia, portanto, a investigação não é 

regra, mas, sim, exceção.

 O exame da cena do crime também não é frequente na investiga

ção, sendo raros os casos em que os investigadores se dirigem a ela, 

entrevistam pessoas e realizam diligências para identificar os suspei

tos. Com frequência, os autores são denunciados diretamente pela 

população. Nesses casos, o trabalho da polícia se limita a formalizar 

no inquérito os elementos que servirão para instruir o processo cri

minal. Ou seja, ele pode ser instruído sem que tenha de fato ocorrido 

uma investigação.

 A instauração de um inquérito policial implica a realização de 

bastante trabalho burocrático, tais como controle e pedidos de dilação 

101

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 de prazos, convocação de testemunhas, tomada de depoimentos etc. 

Por esse motivo, apenas algumas poucas ocorrências são convertidas 

em inquéritos; em alguns lugares, apenas nos casos de prisão em fla

grante ou de homicídios os inquéritos são obrigatoriamente instau

rados. Nos demais, os policiais priorizam os boletins de ocorrência 

que já trazem elementos de prova necessários para a conclusão de um 

inquérito. Ou seja, se existem informações sobre a autoria do crime 

(i.e. filmagens, depoimentos, testemunhas). Nessas situações, não se 

realiza de fato uma investigação criminal para identificar suspeitos e 

produzir evidências, pois essas informações já foram fornecidas pela 

vítima. O trabalho da polícia, assim, será reproduzi-las no inquérito, 

agregando alguns outros elementos formais. É a repercussão ou a 

necessidade de administrar o volume de trabalho, portanto, que rege 

a seleção dos casos a serem investigados. Existindo informações sufi

cientes no BO, instaura-se inquérito sem a realização de investigação. 

Do contrário arquiva-se a ocorrência.

 A polícia não procede de forma neutra na busca da verdade. 

Tampouco os fatos relatados e as provas coletadas durante a investiga

ção são irrefutáveis. Não raro os suspeitos são identificados (ou eleitos) 

previamente. Nessas situações, o trabalho da policial é produzir provas 

que sustentem aquela incriminação realizada antes. A despeito da legis

lação e doutrina jurídica brasileiras enfatizarem que não compete aos 

policiais a tarefa de incriminar suspeitos, na prática sabemos que ao 

investigar um crime elas partem de lógica inversa. As evidências que 

serviram para instruir o processo e, portanto, para incriminar os sus

peitos, são produzidas pela polícia depois da sua identificação. Logo, 

a investigação exerce papel central na formação da culpa (MISSE, 

2010a; KANK de LIMA, 1995, 2004).

 102

CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL

 O relatório final de uma investigação criminal não é uma sim

ples descrição dos fatos, mas sim uma narrativa produzida pela PC a 

partir da interpretação das informações coletadas. As circunstâncias 

que cercam alguns crimes repetem certos padrões, permitindo aos 

investigadores classificá-las de acordo com categorias preestabele

cidas pela prática. Na verdade, são essas categorias que irão orientar 

a prática investigativa. Afinal de contas o crime, seus motivos e as 

circunstâncias têm de se encaixar num padrão previamente conhecido 

e socialmente compartilhado.

 As linhas de investigação são escolhidas de acordo com essas cate

gorias socialmente construídas, e a investigação é conduzida para com

provar essa escolha. A instrução do processo criminal que resulta dessa 

investigação seguirá a mesma lógica: sustentar, com base em relatos 

e evidências, aquilo que já se sabia: os motivos do crime. Em suma, 

nem todos as ocorrências resultam em inquéritos; nem todos os inqué

ritos resultam em investigações. O inquérito não busca a verdade dos 

fatos, mas sim a formação da culpa (MISSE, 2010b). Para ganhar 

legitimidade é necessário que ele seja tomado como uma investigação 

criminal. Essa é mais uma das funções do mito institucional.

 Os saberes jurídicos e os saberes policiais

 A relação entre o inquérito policial e a investigação criminal 

guarda, em essência, uma disputa entre duas formas de saber bastante 

distintas: os saberes jurídicos e os saberes policiais. Afinal de contas, 

os conhecimentos necessários para desse investigar um crime são dife

rentes daqueles utilizados num procedimento inquisitório, que como 

mito da investigação distorce o resultado dessa disputa.

 103

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Certamente, há necessidade de conhecimentos jurídicos para reali

zar investigações capazes de produzir provas que possam instruir os pro

cessos criminais. Ou seja, provas com validade jurídica. Parece bastante 

questionável, entretanto, a necessidade de o policial ser um bacharel em 

direito para realizar esse trabalho. Além disso, a exigência desse tipo de 

formação acaba por conferir caráter hegemônico a um saber diferente 

dos “saberes policiais”. Assim, as atividades de investigação, policia

mento comunitário, atendimento a grupos específicos (mulheres, crian

ças, idosos) e a administração de conflitos acabam se tornando secundá

rias dentro da polícia civil. A confecção do inquérito policial é, de fato, 

a principal atividade numa delegacia. Trata-se, portanto, da imposição 

de um tipo de saber típico do campo jurídico à organização policial.

 Sem dúvida, existe uma diversidade de atividades e papéis dentro 

de uma DP circunscricional que requerem diferentes tipos de saberes: 

jurídicos, administrativos e policiais. A divisão pragmática com relação 

ao desempenho desses saberes típicos, contudo, é bastante visível, 

variando não somente quanto à repartição onde o policial trabalha, 

mas também de acordo com sua posição hierárquica e funcional.

 De forma geral, os delegados e escrivães estão mais voltados 

ao desempenho dos ditos “saberes jurídicos”. Alguns poucos agen

tes de polícia desempenham tarefas ligadas aos “saberes policiais”. 

Quanto aos “saberes administrativos”, eles são dominados por quase 

todos, tendo em vista que o próprio modelo do inquérito incorpora uma 

gama enorme de procedimentos também administrativos, como trâ

mites e cargas (COSTA, 2010).

 A necessidade dos saberes jurídicos, materializada na figura do 

bacharel em direito, tem sido justificada pelos delegados de duas 

formas. Em primeiro lugar, eles seriam necessários para instruir o 

104

CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL

 inquérito, ou seja, transformar o relatório de investigação em peça 

de instrução processual. Tal justificativa é frequentemente posta em 

dúvida por juízes, promotores e agentes de polícia. Segundo, caberia 

ao delegado-bacharel o controle da atividade policial. As peculiarida

des do trabalho desses agentes, próximos demais dos fatos, exigiriam 

um tipo específico de controle jurídico. Os delegados realizariam o 

primeiro filtro judicial do trabalho, seguidos pelos promotores e juízes.

 Aqui parece que há uma confusão quanto ao controle da atividade 

policial. Embora não haja dúvida quanto à importância desse controle, 

juízes e os promotores reconhecem que seu domínio sobre essa ativi

dade é muito pouco efetivo. O controle exercido pelos delegados pode, 

de fato, ser mais eficiente, mas não por causa dos saberes jurídicos, 

mas sim pela figura do supervisor ou chefe. Ocorre que, dado o distan

ciamento entre delegados e agentes, essa supervisão é muito precária.

 Na verdade, é o inquérito policial, com todas as suas formalidades, 

que torna os saberes jurídicos hegemônicos dentro das delegacias de 

polícia. Isso acontece porque o trabalho das seções e equipes é orien

tado para a elaboração desse procedimento. É o caso, por exemplo, 

do cartório, que administra prazos e cargas, e das equipes de plantão, 

responsáveis pelo registro dos boletins de ocorrência, dos autos de 

prisão em flagrante e dos termos circunstanciados.

 Discricionariedade, seletividade e política criminal

 Outro mito institucional refere-se ao princípio da obrigatoriedade do 

inquérito policial. Apesar da legislação determinar a sua instauração em 

todas as notícias-crime, na prática não é bem assim que acontece numa 

delegacia de polícia. Como vimos, nem todas as notícias de crime se 

105

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 convertem em boletim de ocorrência; e nem todos os BO são transforma

dos em inquéritos. Certamente a sua instauração implica a realização de 

muito trabalho, tanto no que diz respeito à investigação policial, quanto 

aos procedimentos cartoriais. O número de inquéritos instaurados numa 

DP circunscricional normalmente é muito grande – em geral, nela são 

milhares de inquéritos sobre roubos, latrocínios e homicídios.

 Por óbvio, é impossível administrar esse volume de trabalho. 

Assim, somente nos casos de flagrante ou homicídios dolosos eles 

são obrigatoriamente instaurados. Nos demais casos, cabe ao delegado--chefe selecionar aqueles que serão convertidos em inquérito. Para isso, 

ele verifica se no boletim de ocorrência já existem elementos de prova 

necessários para a conclusão de uma peça de instrução processual. 

Ou seja, se existem informações sobre a autoria do crime (i.e., filma

gens, depoimentos, testemunhas).

 Tanto delegados quanto promotores estabelecem critérios para 

selecionar os inquéritos e processos que merecerão atenção. Sem essa 

seleção de casos, o funcionamento do Sistema de Justiça Criminal seria 

muito mais caótico do que parece. Ocorre que essa seletividade é feita 

sem atender às diretrizes de uma política criminal. Assim, não raro os 

crimes priorizados pelos delegados podem não coincidir com aqueles 

escolhidos pelos promotores. Em suma, existem diferentes filtros e 

lógicas nesse sistema, cujo resultado é a ausência de uma política 

criminal coerente (COSTA, 2011).

 Essa situação é agravada pelo baixo grau de interação e a exces

siva formalidade nas relações entre delegados e promotores. Tal dis

tanciamento é frequentemente justificado pela necessidade de os 

promotores exercerem o papel de “fiscal da lei” – seria importante 

marcar ao máximo a distância entre estes e delegados, uma vez que 

106

CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL

 cabe também ao Ministério Público zelar pela legalidade dos proce

dimentos de investigação.

 Em parte, essa desarticulação deve-se ao não reconhecimento da 

discricionariedade de que gozam os operadores da Justiça Criminal, 

em especial os policiais. Ao contrário, a seletividade de casos é vista 

por muitos como uma espécie de corrupção do sistema, que deveria ser 

evitada ao máximo. Essa seletividade, entretanto, diz respeito ao poder 

discricionário que delegados, promotores e juízes possuem de fato. 

Sem ela não seria possível administrar o trabalho de uma delegacia 

de polícia ou de uma promotoria de justiça. Assim, seletividade (dis

cricionariedade) está relacionada às atribuições desses profissionais.

 Se, por um lado, é impossível eliminá-la da Justiça Criminal, 

por outro é possível estruturá-la estabelecendo limites e diretrizes para 

o seu emprego. Mas, antes de limitar e estruturar o poder discricionário, 

é forçoso reconhecer a sua existência. Samuel Walker (1993) mostrou que, 

no caso dos EUA, esse reconhecimento só aconteceu no final da década de 

1960. E foi apenas em meados dos anos 1970 que alguns departamentos 

de polícia daquele país tomaram medidas visando a limitá-la e estruturá-la, 

o mesmo ocorrendo no Canadá e na Inglaterra. Pode-se dizer, portanto, 

que a discricionariedade do sistema, especialmente nas polícias, é uma 

“descoberta” relativamente recente nesses países. Desde então, essa dis

cussão tem girado em torno das áreas onde é possível e necessário impor 

limites discricionários, bem como formas mais adequadas de estruturação.

 Estruturar o poder discricionário no Sistema de Justiça Criminal 

significa definir as áreas e atividades que precisam de certa liberdade 

de ação, estabelecer seus limites e preparar adequadamente os diversos 

profissionais que nele atuam. Ocorre que a estruturação da discricio

nariedade não é tarefa fácil, uma vez que não é possível estabelecer 

107

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 orientações sobre todas as atividades e situações com as quais os 

policiais se deparam. Na prática, somente algumas situações mais 

sensíveis têm sido objeto de atenção das autoridades policiais, juí

zes e promotores.

 Em algumas áreas os policiais civis e demais operadores da Jus

tiça Criminal exercem com frequência sua capacidade discricionária, 

como no enquadramento legal dos casos que são levados às delegacias, 

na escolha dos boletins que se tornarão inquérito e na seleção dos 

objetivos e prioridades para as políticas de segurança.

 Delegacias generalistas e especializadas

 De forma geral, podemos identificar nas polícias civis duas estru

turas organizacionais para investigar crimes. Existem as unidades gene

ralistas de investigação, encarregas de elucidar vários tipos de crimes. 

São as delegacias de bairro, que normalmente empregam um grande 

número de policiais e têm sua jurisdição delimitada territorialmente.

 O trabalho dessas unidades é voltado fundamentalmente a res

ponder as ocorrências que são relatadas pela população. A sua rotina 

consiste no atendimento ao público, que procura a polícia para tra

tar das mais diversas situações, não necessariamente de natureza 

criminal (DANTAS, 2013). Muitas vezes essas situações referem-se 

a atos de desconsideração e conflitos interpessoais, cujo principal 

enquadramento não é a lei, mas as noções específicas de honra e moral 

(CARDOSOS de OLIVEIRA, 2008). As vítimas mais frequentes são 

mulheres, crianças, idosos, negros e a comunidade LGBTQIA+. Em fun

ção disso, algumas polícias civis têm implantado projetos de mediação 

de conflitos e proteção de grupos vulneráveis.

 108

CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL

 Esses esforços, entretanto, esbarram em outras atividades desen

volvidas no âmbito das delegacias de bairro: a necessidade de preen

chimento dos boletins de ocorrência, dos autos de prisão em flagrante 

(APF) e dos termos circunstanciados de ocorrência (TCO). Na divi

são do trabalho de uma unidade desse tipo, o preenchimento desses 

documentos demanda os maiores efetivos e atenções, em detrimento 

das demais atividades.

 O boletim de ocorrência destina-se a registrar as notícias sobre 

algum crime que suspostamente tenha sido cometido (notitia criminis). 

Esse registro é uma das respostas que a polícia dá aos cidadãos. 

No fundo, o seu preenchimento é orientado para uma possível elabora

ção do inquérito policial, pois, como me disse um agente, “um BO bem 

preenchido vale meio inquérito”. Portanto, esse documento não pode 

ser dissociado do inquérito.

 Uma vez preenchidos, alguns poucos boletins de ocorrência serão 

selecionados e darão início a uma investigação, por sua vez realizada 

por pequenas equipes de policiais. Não há divisão clara de trabalho 

entre os investigadores, que são responsáveis pela execução de todas 

as tarefas ligadas à investigação, tais como interrogar suspeitos, entre

vistar pessoas, examinar a cena do crime, preencher relatórios, soli

citar exames periciais e encaminhar requerimentos. Os policiais que 

trabalham nessas unidades generalistas não seguem necessariamente 

uma ordem de casos a serem investigados. Não raro, os investigadores 

desenvolvem atividades simultâneas relacionadas a vários casos, o que 

notadamente afeta seu desempenho (MAGUIRE, 1994).

 Talvez seja por isso que boa parte do trabalho dessas unidades 

esteja voltado para a busca dos suspeitos já conhecidos dos inves

tigadores. Trata-se de uma forma de “policiamento por suspeição” 

109

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 (MATZA, 1969; MISSE, 2010b). Assim, as atividades de investigação 

concentram-se na coleta e sistematização de informações sobre as 

pessoas com registros criminais e tentativa de estabelecer uma relação 

entre as suas atividades com as ocorrências criminais relatadas.

 Outro trabalho frequente nas delegacias generalistas é o preen

chimento dos autos de prisão em flagrante, que se destina a registrar 

informações sobre as prisões flagranciais. A exemplo do BO, o registro 

do APF também é orientado para a elaboração do inquérito policial. 

O inquérito, nesse caso, será obrigatoriamente instaurado.

 O preenchimento desse documento é uma das principais fontes 

de conflitos entre policiais civis e militares. A maioria das prisões 

em flagrante é feita por PM, que precisam se dirigir a uma delega

cia para efetivá-las. Dada a sua gravidade, o registro de uma prisão 

envolve tomadas de depoimentos e juntada de provas, que acabam 

por reter as guarnições de policiais militares por muito tempo nas 

delegacias. São frequentes os relatos de conflitos e tensões decorrentes 

dessa espera. Visando a superar esse problema, algumas polícias civis 

criaram centrais de flagrante, onde supostamente o registro dos APF 

seria mais rápido.

 Outra fonte de conflito entre ambas as polícias é o registro dos 

termos circunstanciados das infrações de menor potencial ofensivo, 

cuja pena máxima são dois anos de prisão. As informações contidas no 

TCO destinam-se à instrução dos casos que serão encaminhados aos 

juizados especiais criminais (i.e., brigas de rua, desacatos, perturbação 

da ordem etc.) (BRASIL, 1995).

 A exemplo dos APF, o registro dos termos circunstanciados 

demanda tempo e retira os profissionais da PM do policiamento osten

sivo. Por isso, algumas polícias militares têm demandado autorização 

110

CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL

 para registrar os TCO diretamente, sem a necessidade de deslocamento 

até as delegacias1. Boa parte das associações de delegados civis, entre

tanto, é contrária à delegação de poderes. São corriqueiros relatos de 

brigas e prisões de PM por usurpação de funções. O conflito em torno 

do termos circunstanciados de ocorrência não se limita à necessidade 

de melhor atendimento da população ou ao registro de informações 

nas bases de dados das polícias. O que está em disputa é o poder de 

abrir as portas do Sistema de Justiça Criminal.

 Se as delegacias generalistas se destinam a atender à população e 

a registrar as ocorrências criminais, as especializadas, como o próprio 

nome diz, têm por objetivo investigar crimes específicos. Nelas não há 

atendimento direto à população. O principal argumento para criação 

dessas unidades é que certos tipos criminais seguem lógicas próprias 

e, portanto, requerem rotinas e procedimentos particulares.

 Em alguns casos, como nos crimes ambientais e tributários, não é 

frequente o recebimento de denúncias da população, o que demanda 

uma postura proativa da polícia. Já nos crimes de roubo de veículos e 

fraudes, a polícia age de forma reativa. Em ambas as circunstâncias, 

as atividades de investigação envolvem grandes esforços na produção 

de inteligência, cujas informações não são necessariamente voltadas 

para o esclarecimento de ocorrências ou para instrução do processo 

criminal. As atividades de investigação das unidades especializadas 

concentram-se na busca de informações sobre as rotinas, os contatos 

e os negócios dos grupos suspeitos de atividades criminosas. Esse tipo 

de tarefa impõe aos policiais a necessidade de contatos próximos com 

1 A Polícia Militar de Santa Catarina registra diretamente os termos circunstanciados 

de ocorrência desde 1998 e a Brigada Militar do Rio Grande do Sul adota o mesmo 

procedimento em alguns municípios.

 111

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 pessoas ou grupos criminosos. Sem um sistema de controle e fisca

lização adequado, tais tarefas acabam possibilitando a ocorrência de 

casos de corrupção.

 Há também as unidades especializadas em investigação de homi

cídios. Diferente das outras de igual perfil, seu trabalho é fundamental

mente reativo, tendo início apenas após a ocorrência do crime. Nelas, 

as investigações concentram-se na busca de conhecimentos capazes 

de esclarecer aquela morte e na produção de evidências úteis para 

a instrução do processo criminal. O trabalho dessas unidades espe

cializadas difere daquele realizado pelas generalistas, envolvendo 

atividades que exigem elevado grau de coordenação, capacitação e 

experiência. Além disso, as rotinas e protocolos enfatizam a rapi

dez para iniciar a investigação. Na prática, são elas que realizam as 

investigações criminais.

 O inquérito e a inteligência policial

 Uma das principais atividades desempenhadas pelas polícias civis 

é a coleta e a gestão de informações. Isso implica alimentar e manter 

bancos de dados. Trata-se de trabalho altamente rotinizado e estruturado, 

que não se limita à investigação (MANNING, 1988; INNES, 2003; 

MINGARDI, 2006, 2007). Ao contrário do que prevê a legislação bra

sileira, nem todas essas informações destinam-se ao inquérito policial 

e, portanto, seu uso na instrução do processo criminal não é obrigatório. 

Há pelo menos quatro tipos de informações que são largamente utiliza

das pela polícia: i) conhecimento, ii) perícia, iii) inteligência e iv) dados.

 O conhecimento refere-se àquelas informações obtidas por meio 

de investigação, cuja validade e confiabilidade foram confirmadas pordiferentes fontes. Seu principal objetivo é estabelecer “quem fez o quê, 

para quem, quando, onde, como e por quê”. A produção de conhecimento 

é, portanto, uma atividade eminentemente reativa, voltada para a instru

ção criminal. Suas atividades, via de regra, têm sido orientadas pela lógica 

do controle da criminalidade. Normalmente esse tipo de informação é 

obtido a partir de relatos de testemunhas, vítimas, parentes e informan

tes. Sua coleta depende do grau de confiança que a população deposita 

na polícia: quanto maior ela é, maior a possibilidade de cooperação das 

pessoas com a investigação criminal. Os moradores de bairros em que 

as relações entre policiais e comunidade são tensas e conflitivas tendem 

a cooperar pouco com as investigações; o mesmo acontece nos lugares 

onde eles se sentem inseguros e sem proteção da polícia. Nesses bairros 

impera o que os policiais chamam de “lei do silêncio”. Nessas duas situa

ções são poucas as pessoas dispostas a relatar fatos ou acontecimentos 

aos policiais. E, dentre as poucas testemunhas que colaboram com eles, 

são raras aquelas dispostas a depor diante de promotores e juízes.

 Em alguns países a utilização desse tipo de informação tem sido 

cada vez mais restringida. De certa forma, isso também tem sido verifi

cado no Brasil. Observamos que as novas gerações do Sistema de Justiça 

nacional têm sido cada vez mais relutantes em aceitar inquéritos basea

dos exclusivamente em testemunhos, confissões e delações. Há muitas 

dúvidas sobre a legalidade dos procedimentos investigatórios destinados 

a obter esse tipo de informação. E isso tem induzido os policiais a bus

carem informações de outras naturezas para fundamentar a investigação.

 As perícias têm sido apontadas como as substitutas dos depoimentos 

e confissões. Elas podem ser elaboradas a partir de diferentes fontes. 

Algumas se originam do material coletado na cena do crime ou outras 

locações relacionadas a ele; outras são produzidas a partir de documentos 

113

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 contábeis, declarações fiscais e movimentação financeira. Há também as 

interceptações telefônicas e de mensagens. Para elaborar laudos periciais 

capazes de instruir o processo criminal é necessário que exista uma 

estrutura de perícia adequada de coleta e análise. Também é necessário 

estabelecer procedimentos que visem a preservar a cena do crime e a 

identificar a cadeia de custódia dos materiais e documentos coletados. 

Apesar da relevância que as perícias têm assumido nas últimas décadas, 

sua estrutura ainda é bastante precária em muitos estados brasileiros.

 A inteligência diz respeito às informações de variadas procedên

cias, que podem ser utilizadas pela polícia no planejamento das ações. 

Sua finalidade não é necessariamente a instrução do processo crimi

nal, mas sim estabelecer se determinadas pessoas ou grupos estão ou 

não engajados em atividades criminosas e tentar preveni-las antes 

que ocorram (MAGUIRE, 2000). Com frequência, as operações de 

inteligência resultam em prisões em flagrante. Implica dizer que as 

atividades de determinadas pessoas ou grupos já vinham sendo moni

toradas há tempos. Dada a indispensabilidade de consideráveis efeti

vos e equipamentos, as atividades de inteligência são, por natureza, 

seletivas quanto aos seus “alvos”, exigindo a priorização de objetivos. 

Daí porque dizemos que são voltadas para o controle de risco.

 Há outro tipo de inteligência, cujo objetivo é monitorar as ativida

des de alguns grupos. Sua justificativa é a necessidade de antecipar as 

ações desses grupos a fim de melhorar o planejamento do policiamento 

de protestos, greves e ocupações. Atividades dessa natureza despertam 

enormes suspeitas, em função dos interesses políticos nelas envolvidos. 

É muito difícil delimitar onde termina a vontade de planejamento das 

ações e onde começam os interesses daqueles que estão no governo. 

Portanto, é preciso enorme controle sobre essa atividade (MARX, 1988).

 114

CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL

 Idealmente, a produção de inteligência e de conhecimento, por se 

basear em lógicas distintas, deveria estar separada. Mas, na prática, 

observa-se que frequentemente ambas atividades se confundem, 

uma vez que são desenvolvidas pelas mesmas unidades policiais, 

numa confusão de objetivos e procedimentos que dificulta sobrema

neira a supervisão e o controle. É necessário distinguir também as 

tarefas de inteligência destinadas ao controle da criminalidade daque

las voltadas para a segurança do Estado (CEPIK, 2003; BRANDÃO, 

CEPIK, 2013) Pode-se dizer que, no país, a maior parte dessas ati

vidades destinam-se ao monitoramento de grupos que supostamente 

ameaçam o Estado. São poucos os recursos policiais empregados 

em inteligência de segurança pública para identificar e monito

rar grupos criminosos.

 Outra fonte de informações são os dados existentes nas bases da 

polícia ou de outras organizações. Além de pessoal especializado na 

coleta e sistematização desse tipo de dado, algumas unidades também 

contam com analistas que produzem informação útil para o plane

jamento das ações. No Brasil, são poucas as polícias que dispõem 

de estrutura e pessoal capaz de alimentar grandes bancos de dados, 

bem como extrair deles as informações necessárias a esse planejamento.

 É importante notar que, na maior parte das investigações, a fase 

inicial dos trabalhos é caracterizada pela pouca quantidade de infor

mações disponíveis. Já na fase final, a situação é oposta, pois há uma 

grande quantidade delas a ser processada e analisada (INNES, 2002). 

Assim, a fase inicial requer grande volume de investigadores coletando 

dados, enquanto a fase final requer poucos profissionais experientes 

e especializados para selecionar e analisar as informações mais rele

vantes e determinar a linha de investigação.

 115

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Novos padrões da instrução criminal no Brasil

 A ideia de que o inquérito policial elaborado a partir de uma 

investigação criminal é a principal porta de entrada do Sistema de 

Justiça Criminal tem servido à manutenção do mito institucional. 

Para desconstrui-lo alguns estudos passaram a analisar o fluxo dos 

processos no sistema, buscando analisar os principais gargalos entre 

as ocorrências criminais e as sentenças judiciais (COSTA, 2011).

 Em 2014, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) 

realizou o mais amplo levantamento sobre o fluxo da Justiça já feito 

no país. Foi realizada uma amostra aleatória dos processos arquiva

dos nas varas criminais de 187 comarcas, localizadas em 9 unidades 

da federação: Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará, 

Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. 

Os dados foram levantados a partir das informações contidas nos 2.344 

processos transitados em julgado no ano de 2011.

 Verificando o conjunto dos processos analisados nessa pesquisa, 

constatou-se que 57,6% deles foram instruídos por um inquérito instau

rado através da prisão em flagrante dos suspeitos e 33,9%, por inqué

ritos iniciados por portaria. Além disso, em 6,8% os acusados já se 

encontravam presos por motivos anteriores ao processo. Por esse 

motivo, em 64,4% dos casos analisados não houve investigação.

 Outro aspecto importante que deve ser destacado refere-se ao 

reduzido número de inquéritos que foram devolvidos pelo Ministério 

Público para mais diligências. Em 74,5% dos processos, o MP aceitou 

o relatório final elaborado pelo delegado. Portanto, podemos dizer 

que os inquéritos que mais frequentemente dão origem a processos 

criminais são aqueles que não necessitam de novas investigações. 

116

CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL

 Isso acontece, como mencionado anteriormente, devido ao elevado 

número de prisões em flagrante, que dificilmente são contestadas.2

 A pesquisa do IPEA também mostrou que, de modo geral, os inqué

ritos foram instaurados e concluídos por delegacias generalistas (77,4%) 

e não por especializadas (22,6%). Ou seja, os IP foram feitos no âmbito 

de delegacias cuja competência abrange um número muito grande de 

responsabilidades, nas quais geralmente são escassos os efetivos e 

meios disponíveis para a realização de investigações criminais.

 Isso significa dizer que a maior parte dos processos analisados foi 

instruída por inquéritos polícias instaurados a partir de prisões em fla

grante (57,6%). Esses inquéritos, na sua grande maioria, indiciaram ape

nas uma pessoa (89%). Além disso, a maioria dos IP que serviram para 

instruir os processos criminais foi concluída por delegacias não especiali

zadas (77,4%), não tendo a polícia de realizar novas diligências (74,5%).

 Quanto às sentenças, a pesquisa verificou que 46,8% dos réus 

denunciados foram condenados a penas privativas de liberdade e 19,7%, 

absolvidos. Também se constatou que 12,2% deles foram condenados 

a penas alternativas, outros 6,0% tiveram de cumprir algum tipo de 

medida alternativa e 0,2% cumpriram medidas de segurança. Ou seja, 

85% dos réus receberam algum tipo de sentença definitiva, enquanto 

15% não tiveram sentença de mérito – eles receberam apenas sentenças 

terminativas (arquivamento, desistência e prescrição).

 O levantamento também apontou que 62,8% dos réus que cum

priam prisão provisória foram condenados a penas privativas de liber

dade e 17,3%, absolvidos. Poucos presos provisórios foram conde

nados a penas alternativas (9,4%) ou tiveram de cumprir medidas 

2 A pesquisa foi realizada antes da instauração das audiências de custódia, em 2015.

 117

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 alternativas (3,0%). Ou seja, a grande maioria foi sentenciada à pena de 

prisão, tendo recebido algum tipo de sentença de mérito apenas 7,2%. 

Eles tiveram os processos arquivados por prescrição ou outro motivo.

 Já os réus que responderam os processos em liberdade tiveram 

maior distribuição dos tipos de sentença: 25,2% foram condenados à 

prisão, 23% foram absolvidos e 26,0% foram condenados a penas ou 

medidas alternativas. Outros 25,6% tiveram seus processos arquiva

dos ou prescritos.

 Constatou-se também que a pena privativa de liberdade é mais 

frequente (46,8%). Além disso, verificou-se que 92,8% dos réus que 

cumpriram prisão provisória receberam uma sentença definitiva, 

ao passo que entre aqueles que responderam o processo em liber

dade, apenas 74,4% chegaram a uma sentença definitiva. Do total de 

processos que tinham sido arquivados, 72,5% correram com o réu em 

liberdade. A prisão em flagrante transformada em prisão provisória na 

fase judicial tem forte influência na produção da sentença.

 De acordo com a pesquisa do IPEA, foram raras as denúncias ofe

recidas pelo Ministério Público que tiveram por base uma investigação 

criminal. Na maior parte dos casos denunciados não houve efetivamente 

esse trabalho porque os acusados foram presos em flagrante (53,7%) 

ou já estavam presos por outros crimes (6,3%). Grande parte desses 

inquéritos foi concluída por delegacias não especializadas (72%).

 A maioria dos inquéritos que resultaram em denúncias foi aceita de 

imediato pelo Ministério Público, sendo que em 89% deles havia apenas 

uma pessoa indiciada. Os réus, em regra, tinham algum tipo de passa

gem pela polícia, tendo 62,8% deles já recebido algum benefício penal.

 Esse padrão de atuação da polícia teve efeitos significativos sobre 

a tramitação dos processos criminais, pois foram raros os casos de 

118

CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL

 relaxamento das prisões provisórias. A maior parte das pessoas presas 

em flagrante teve sua prisão provisória mantida durante o processo 

(73,3%), cujo tempo médio para os casos de réus privados de liber

dade foi de 21,4 meses. Também se verificou que a manutenção da 

prisão provisória na fase judicial teve forte influência na produção 

da sentença, pois apenas 17,3% dos réus presos foram absolvidos 

ao final do processo.

 Essas estatísticas servem para desconstruir outro mito sobre a 

investigação criminal. De fato, o inquérito policial é a principal porta 

de entrada do Sistema de Justiça, mas não é qualquer um que o ali

menta. Os que de fato abrem as portas são aqueles lavrados a partir 

dos autos de prisão em flagrante feitos pelas polícias militares, sendo 

poucas as denúncias oferecidas a partir de uma investigação criminal.

 A crise das polícias civis

 Há entre os policiais civis um sentimento geral de que sua insti

tuição está em crise, com reflexos que se materializam na redução dos 

salários, efetivos, orçamentos e prerrogativas legais. Se, por um lado, 

os efeitos dessa crise são visíveis, por outro, pouco se tem debatido 

sobre suas causas. Algumas delas estão relacionadas ao “mito do inqué

rito policial”, que tentamos desconstruir aqui. A lógica do inquérito--mito acabou por penetrar em todas as funções desempenhadas pela 

polícia civil, tornando-se hegemônica. Pois, afinal, numa delegacia de 

bairro há várias situações que não precisam resultar necessariamente 

no registro de um BO, APF ou TCO. Certamente, a função cartorial 

relacionada a esses registros é uma das mais importantes dentro da PC. 

Mas ela não é a única: os policiais civis também administram conflitos, 

119

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 analisam e encaminham pessoas para outros órgãos, bem como se 

ocupam da proteção dos grupos mais vulneráveis (mulheres, idosos, 

crianças, LGBTQIA+ etc.). Entretanto, é essa lógica que predomina 

nas delegacias de bairro.

 O inquérito-mito também torna os saberes jurídicos hegemôni

cos dentro da PC, acabando por legitimar a existência uma carreira de 

delegados-bacharéis em direito, que ocupam os principais cargos de 

chefia na instituição. Isso acaba por gerar uma série de conflitos entre as 

diferentes carreiras que compõem a polícia civil. Para alguns, o problema 

se resumiria à figura delegado, o que parece um equívoco, pois toda 

e qualquer organização precisa de pessoas para ocupar os cargos de 

comando. Assim, a questão não é a chefia, mas os saberes que predo

minam nela, uma vez que os saberes jurídicos, embora hegemônicos, 

não são os únicos necessários ao trabalho dos policiais civis. Este requer 

também alguns conhecimentos de psicologia, administração, orçamento, 

tecnologia, constituindo aquilo que podemos chamar de saberes policiais.

 O princípio da obrigatoriedade do inquérito-mito exclui a possi

bilidade de reconhecimento da discricionariedade que, de fato, existe 

na PC. E sem esse reconhecimento não é possível limitá-la e estruturá--la: a ideia de accountability só faz sentido quanto relacionada à noção 

de discretion, e vice-versa. Sem discricionariedade, não há controle, 

mas sim proibição. Isso acaba por inviabilizar a existência de uma 

política criminal coerentemente articulada com o Ministério Público.

 Além disso, o inquérito-mito afeta a atividade de investigação, 

uma vez os trabalhos necessários para uma efetiva investigação, 

como a coleta e a análise de informações, ganham um caráter secundá

rio vis-à-vis a elaboração formal do inquérito policial. Nele prevalece 

a lógica de tratar cada crime individualmente, o que contrasta com as 

120

CAPíTULO 3: AS POLíCIAS CIVIS E O MITO DO INqUéRITO POLICIAL

 abordagens mais recentes de investigação orientada por inteligência, 

que requer análise de vários casos e capacidade de coordenação e articu

lação de ações. Assim, até mesmo as delegacias especializadas destinam 

poucos recursos à produção de inteligência e à coordenação de ações.

 Aquilo que chamamos de investigação, seus objetivos, seus méto

dos e suas rotinas, tem mudado profundamente ao longo da história. 

Em boa medida, essas transformações resultaram das mudanças polí

ticas e das suas consequências sobre o processo criminal. Portanto, 

para entender suas mudanças historicamente é necessário compreender 

o contexto político, social e cultural no qual a investigação se insere 

(COSTA, OLIVEIRA, 2016).

 O inquérito policial foi instituído em 1871, tendo se mantido, desde 

então, como mito legitimador das práticas da polícia civil. O problema 

não está na existência do mito em si, pois todas as organizações com

plexas precisam de um (MEYER, ROWAN, 1977). A questão reside 

na necessidade de atualizá-lo à realidade política e social. Apesar da 

redemocratização, a partir de 1985, o inquérito-mito não foi atuali

zado, gerando as distorções que apontamos aqui. O resultado dessas 

distorções foi o estabelecimento de um padrão de instrução criminal 

baseado principalmente na prisão em flagrante, cujo protagonismo 

principal cabe à polícia militar. É interessante notar que isso acontece 

justamente na emergência do regime democrático, cujos pressupostos 

incluem o direito ao devido processo legal (due process of law). O que 

significa dizer que a punição deve passar obrigatoriamente pelo Sistema 

de Justiça Criminal, cuja principal porta de entrada é a polícia civil.

 121


CAPÍTULO 4  

Antigos atores e novas configurações

 A baixa capacidade das Secretarias de Segurança Pública para 

coordenar redes de políticas públicas e o baixo grau de especialização 

das polícias são obstáculos à melhoria das condições de governança 

neste campo. Isso é resultado da forma como essas organizações se 

desenvolveram ao longo do século XX. Ao contrário das expectati

vas, a emergência de uma nova ordem política, a redemocratização 

do Brasil, iniciada em meados da década de 1980, não mudou esse 

quadro. A Constituição Federal de 1998 manteve praticamente inalte

rada a estrutura da segurança pública. Entretanto, não é só o peso do 

passado que dificulta melhoria da capacidade de governança das redes 

de políticas públicas. A mudança dos papéis de outros atores ligados 

ao campo tornou a configuração mais complexa ainda.

 A Nova República marcou o início de profundas transformações 

na área, mas, diferentemente de outros períodos, foram raras as expe

rimentações institucionais, como a criação de novas polícias, novos 

órgãos do Sistema de Justiça Criminal e novas instituições prisio

nais. As principais mudanças ocorridas referem-se à reconfiguração do 

campo, uma vez que alguns atores antigos, como o Ministério Público, 

sofreram profundas transformações, ampliando seus poderes e prer

rogativas. Outros atores, como a União e os municípios, passaram a 

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 buscar maior protagonismo. Dentro das polícias, o surgimento de sin

dicatos e associações tem alterado profundamente a relação de poder 

entre as diferentes carreiras da segurança pública.

 Na esfera da sociedade civil também se verificou o surgimento de 

novos protagonistas: associações civis e grupos de pesquisa dedicados 

aos temas e problemas do setor. Associados ao desenvolvimento das 

tecnologias de informação, esses novos atores têm mudado radical

mente o enquadramento que a mídia usa para cobrir os problemas de 

violência e criminalidade.

 Todas essas transformações alteraram bastante as mentalidades 

que regiam o funcionamento da Justiça Criminal e o balanço de pode

res entre os atores que compõem da segurança pública. Nas próximas 

seções descrevemos essas mudanças, mostrando como elas afetaram 

a governança do campo.

 Ministério Público: novas funções, mesma estrutura

 O Ministério Público que conhecemos hoje é bastante diferente 

daquele que existia nos anos 1980. A Constituição alterou significati

vamente suas funções e prerrogativas, dotando o MP de independên

cia funcional, administrativa e financeira. O órgão também não pode 

ser extinto ou ter suas atribuições transferidas para outra instituição. 

Os procuradores e promotores têm as mesmas garantias da magistratura, 

como a vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.

 Ao longo do século XX, coube tradicionalmente ao Ministério 

Público duas funções principais: fiscalizar a aplicação da legislação e 

iniciar a ação penal pública. Como fiscal da lei, cabe ao órgão acompa

nhar a sua aplicação em processos civis e administrativos; como titular 

124

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 da ação penal pública, deve denunciar pessoas pelo cometimento de 

crimes previstos na legislação brasileira. Nesses casos, compete exclusi

vamente ao MP desenvolver a acusação no processo criminal. Apenas de 

modo subsidiário a vítima ou seu representante pode atuar nesse tipo de 

processo. Além dessas funções, a Constituição deu-lhe outras, como o 

controle externo da atividade policial, a supervisão da execução da pena 

privativa de liberdade e a proteção e garantia dos direitos difusos.

 Assim, o Ministério Público que emergiu ao final da década de 

1980 é uma instituição suis generis, uma vez que sua atuação trans

cende a seara criminal. Se comparado com outros países de tradição do 

civil law, o MP brasileiro é extremamente poderoso, posto que possui 

enorme autonomia face ao Executivo, além de garantias e prerroga

tivas típicas da magistratura e funções que extrapolam a alçada da 

ação penal (PAES, 2010). Assim, não há dúvida de que o Ministério 

Público foi a instituição do campo da segurança pública que ganhou 

mais poderes com a promulgação da Constituição, em 1988.

 A despeito dessa ampliação de poderes, sua estrutura interna seguiu 

quase inalterada sendo regida por três princípios: i) unidade; ii) indivi

sibilidade e iii) independência funcional. Pelo princípio da unidade os 

procuradores e promotores integram um só órgão, equivalendo a manifes

tação de qualquer membro ao posicionamento de todos os outros. O prin

cípio da indivisibilidade assegura que os promotores não precisam ficar 

vinculados aos processos em que atuam. O princípio da independência 

funcional garante autonomia de atuação para cada membro, que não está 

obrigado a sujeitar-se às ordens de superiores hierárquicos do próprio 

Ministério Público ou de outra instituição (MACHADO, 2014).

 A estrutura derivada desses princípios é extremamente ineficiente, 

desarticulada e possui baixo grau de governança. Posto que todos os 

125

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 membros podem se manifestar juridicamente em nome do MP, não há 

um órgão único, mas sim inúmeras ilhas que formam um arquipélago 

pouco conectado. Além disso, uma vez que não existe um promotor natu

ral do processo, são frequentes as trocas de promotores ao longo da ação 

penal. Dado que os promotores não são obrigados a seguir diretrizes sobre 

o padrão de provas necessárias à denúncia, a independência funcional 

constitui-se sério obstáculo à governança interna do Ministério Público. 

Assim, não há um padrão (ou jurisprudência) sobre o enquadramento legal 

de um determinado crime, tampouco diretrizes de quais crimes devem 

ter tratamento prioritário. Na prática, os promotores só têm o dever de 

informar e fundamentar os seus atos, podendo decidir quase exclusiva

mente a partir da sua interpretação da lei. Desse modo a hierarquia interna 

é frágil e apenas considerada para atos administrativos e protocolares.

 Para tentar superar os problemas de governança, alguns MP têm 

criado órgãos de coordenação e articulação de ações. O Ministério Público 

Federal, por exemplo, criou um conselho superior, destinado a estabelecer 

critérios para promoções, distribuições de inquéritos e elaboração orça

mentária. O MPF também criou câmaras de coordenação e revisão volta

das para a coordenação, integração e revisão da atuação funcional dos seus 

membros. A despeito da sua importância, essas inovações têm esbarrado 

nos princípios que norteiam a estrutura do Ministério Público. Na prá

tica, tanto os conselhos superiores quanto as câmaras de coordenação e 

revisão não têm poderes para submeter seus membros às suas diretrizes.

 Essa nova configuração tem gerado enorme desarticulação entre 

as instituições que compõem o Sistema de Justiça Criminal. A seguir 

descrevo três problemas que dela derivam: i) baixa efetividade da 

Justiça Criminal, ii) impossibilidade de formulação de uma política 

criminal e iii) precariedade no controle externo da atividade política 

criminal e iii) precariedade no controle externo da atividade policial.

 126

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 A baixa efetividade da persecução penal

 A efetividade do Sistema de Justiça Criminal pode ser medida pela 

relação entre o número de crimes denunciados pelo Ministério Público 

e o número de condenações determinadas pela Justiça. No Distrito 

Federal, por exemplo, apenas 32% das denúncias de homicídios apre

sentadas em 2004 resultaram na condenação dos réus. Ou seja, do total 

de casos de homicídios em que os promotores julgaram haver provas 

suficientes para a denúncia, em menos de um terço houve condenação.

 Isso acontece devido a alguns fatores institucionais. Primeiro, na estru

tura do órgão não há nenhum mecanismo que incentive a cooperação entre 

policiais e promotores nos trabalhos de investigação. Como sabemos, 

o promotor é o “titular da ação penal” e, portanto, tem autonomia para jul

gar se os fatos relatados no inquérito policial devem ou não ser denuncia

dos. Isso implica dizer que promotor e delegado podem divergir sobre os 

aspectos jurídicos dos casos apresentados. O mesmo acontece com o juiz 

criminal, que pode divergir da interpretação do delegado e do promotor 

e decidir não pronunciar o(s) acusado(s). O problema tende a se agravar 

na medida em que promotores e delegados agem de forma desarticulada.

 Segundo, de acordo com o princípio da indivisibilidade, não há 

a figura do promotor natural do processo. Assim, as constantes trocas 

desses agentes afetam a efetividade da Justiça Criminal, dado que cada 

membro do MP pode interpretar as provas existentes nos inquéritos 

policiais de forma distinta. Não são raros os casos em que um promotor 

sugere ao juiz o arquivamento do processo por discordar da denúncia 

inicial feita por outro colega.

 Essa situação é agravada quando alguns membros seguem o prin

cípio “em dúvida, pró sociedade”. Ou seja, mesmo sem as provas 

127

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 necessárias e suficientes para condenação, alguns promotores apre

sentam denúncias na expectativa de que ao longo do processo sur

jam novos elementos probatórios. Se isso não ocorrer, pede-se o 

seu arquivamento. Obviamente essa prática contraria o princípio da 

“presunção de inocência”, ou seja, ninguém é considerado culpado a 

menos que se prove o contrário. Aqui vale a ideia de que mesmo sem 

provas alguém pode ser culpado.

 Finalmente, percebe-se uma grande desconfiança por parte dos 

integrantes do Ministério Público e juízes com relação aos procedimen

tos de investigação adotados pela polícia. São frequentes as denúncias 

de violências e arbitrariedades cometidas pelas polícias. Além disso, 

ainda são frágeis os mecanismos de controle da atividade policial, 

sendo poucos os estados que possuem procedimentos operacionais 

padrão (POP) para a investigação. As Corregedorias de Polícia Civil 

e os Núcleo de Controle Externo da Atividade Policial do Ministé

rio Público, via de regra, concentram-se apenas na fiscalização dos 

aspectos formais do inquérito, dando pouca atenção às práticas sociais 

relacionadas à investigação. Juízes e promotores tendem a desconfiar 

das provas produzidas pela polícia, especialmente das testemunhas e 

dos depoimentos apresentados nos inquéritos. O resultado disso é uma 

cultura do “denuncismo”, que privilegia o oferecimento de denúncias 

sem que exista qualquer mecanismo de controle sobre sua efetividade, 

posto que os membros do MP têm enorme independência funcional.

 A impossibilidade de formulação de uma política criminal

 Os estudos mostram que tanto delegados quanto promotores esta

belecem critérios para selecionar as ocorrências e os inquéritos que 

128

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 merecerão atenção. Sem essa seleção de casos, o funcionamento do Sis

tema de Justiça Criminal seria muito mais caótico do que parece hoje. 

Ocorre, porém, que essa seletividade é feita sem atender a uma política 

criminal ditada pela direção-geral das polícias civis, pelo procurador--geral de Justiça ou pelas Secretarias de Segurança Pública.

 Isso ocorre em função de dois aspectos. Primeiro, a legislação 

brasileira obriga a instauração de inquérito policial sobre todas as 

notícias-crime. Entretanto, sabemos que na prática não é bem assim 

que acontece numa delegacia de polícia. Como já mencionado neste 

livro, nem todas as notícias de crime se convertem em boletim de ocor

rência, assim como nem todos os BO são transformados em inquéritos 

policiais. Fatores ligados à repercussão do crime e ao status social 

das vítimas contribuem significativamente para a instauração dos IP. 

De forma geral, porém, a lógica de seleção dos casos refere-se muito 

mais à necessidade que os delegados e agentes de polícia têm de 

administrar sua demanda de trabalho.

 Segundo, dada a falta de diretrizes institucionais sobre como pro

ceder à seleção dos casos, frequentemente os crimes priorizados pelos 

delegados não coincidem com aqueles escolhidos pelos promotores. 

Em suma, existem diferentes filtros na Justiça Criminal, que seguem 

lógicas distintas, tendo como resultado a ausência de uma política 

criminal coerente.

 A precariedade do controle externo da atividade policial

 Dentre as novas funções atribuídas ao Ministério Público está o 

controle externo da atividade policial. Embora tenha sido uma demanda 

dos promotores, essa função nunca chegou a ser priorizada pelo órgão, 

129

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 ao menos no que se refere ao seu prestígio e número de promotores dedi

cados a ela. Em 2015, uma pesquisa realizada pelo Centro de Estudos 

de Segurança e Cidadania (CESeC) mostrou que os próprios membros 

do MP avaliavam como insatisfatória a sua atuação na área de controle 

externo da polícia: 88% dos promotores e procuradores não a viam 

como prioritária para a entidade e 70% não se envolviam nem exclu

siva nem parcialmente nessa área. Ademais, 42% dos seus integrantes 

reconheciam que o desempenho do órgão no controle externo da polí

cia era ruim ou péssimo e outros 35% o consideravam apenas regular 

(LEMGRUBER, MUSUMESI, 2017).

 Na prática, esse controle tem sido exercido por duas instân

cias: i) pelos Núcleos de Controle Externo da Atividade Policial e 

ii) pelo Ministério Público Militar (MPM). Nem todos os MP estaduais 

possuem Núcleos de Controle da Atividade Policial (NCAP), e mesmo 

onde eles existem, se resumem quase exclusivamente ao controle for

mal dos inquéritos policiais. Além disso, um dos principais problemas 

apontados pelos membros desses núcleos é a ausência de estímulos 

para integrá-los e a dificuldade em encontrar promotores de justiça 

com interesse em participar deles. Por esse motivo, as promotorias que 

fazem parte dos NCAP foram basicamente ocupadas por promotores de 

justiça adjuntos (MACHADO, 2011). Nos casos dos MPM estaduais, 

há enormes dificuldades para exercer de fato o controle externo da ati

vidade policial. O foco principal desse órgão são as normas, os regula

mentos e os procedimentos internos das polícias militares. Pouca ênfase 

é dada às relações entre os policiais e os cidadãos. Tampouco há locais 

específicos de atendimento ao público para receber queixas.

 A Constituição Federal de 1988 atribuiu ao Ministério Público 

a responsabilidade exclusiva pelo controle externo das atividades 

130

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 policiais. Isso tem dificultado que outros órgãos também exerçam 

essa função, especialmente as ouvidorias de polícia, que é uma ten

dência mundial – nos EUA, Canadá e Inglaterra os primeiros civilian 

control review boards foram criados na década de 1960. Mas foi a 

partir dos anos 1980 que esses órgãos de controle externo se disse

minaram. Inicialmente os ouvidores eram malvistos pelos policiais, 

mas com o tempo eles passaram a cooperar (SKOLNICK, FYFE, 

1993; MENDEZ, 1999; GOLDSMITH, LEWIS, 2000).

 A estrutura e a capacidade desses órgãos têm variado bastante. 

Algumas ouvidorias apresentam uma ligação bastante próxima com as 

instituições policiais, como, por exemplo, a ouvidoria de Los Angeles 

(EUA); outras são totalmente desvinculadas do sistema policial, pos

suindo autonomia financeira, administrativa e equipe própria de inves

tigadores, caso das províncias canadenses do Quebec e Ontário.

 Quanto ao aspecto político, alguns órgãos de controle externo têm 

seus diretores eleitos diretamente ou nomeados pelos parlamentos, 

como o Police Complaints Authority inglês; noutros seus diretores 

são indicados pelo chefe do Poder Executivo. Há ainda ouvidorias de 

composição mista (policiais e civis), como, por exemplo, Nova York. 

Com relação às prerrogativas de cada órgão, alguns podem punir poli

ciais e decidir por mudanças institucionais no treinamento e códigos 

de conduta, como a polícia de Toronto; outros podem apenas fazer 

recomendações ao chefe de polícia, caso de Los Angeles (LAPD). 

Apesar da enorme variação das ouvidorias, sua criação significou um 

passo importante para o controle da atividade policial.

 No Brasil, essa é uma exclusividade do Ministério Público, o que 

tem impedido a estruturação das ouvidorias. Em 2013, só 18 esta

dos possuíam órgãos de controle externo da polícia, dos quais 16 

131

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 não tinham autonomia política, financeira e administrativa, enquanto 

em 11 os ouvidores não tinham mandato fixo. Em 16 unidades as 

ouvidorias estavam vinculadas às Secretarias de Segurança Pública 

(LEMGRUBER, MUSUMESI, RIBEIRO, 2014).

 O governo federal e a indução de políticas públicas

 Ao longo do século XX, no Brasil, questões relativas à segurança 

pública foram tratadas essencialmente como responsabilidade dos 

governadores. É bem verdade que a maior parte do trabalho é rea

lizada pelas polícias civis e militares estaduais. O tema, entretanto, 

não é apenas de responsabilidade dos estados, uma vez que o exercício 

e a divisão do trabalho policial são disciplinados pela Constituição 

Federal. Além disso, a atividade também é condicionada pelo direito 

penal e processual penal, assuntos de competência exclusiva da União.

 As polícias sempre foram instituições centrais para pensar as auto

nomias estaduais ou a concentração de poderes no governo federal. 

Na história republicana brasileira, o sistema policial acompanhou as 

oscilações da federação. Essas instituições ora estavam submetidas 

ao poder central, ora gozavam de grande autonomia, significando a 

garantia da liberdade das elites políticas subnacionais. Formam raros, 

porém, os casos de cooperação intergovernamental na área. Em boa 

medida, isso se deveu à relutância dos governos centrais em criar 

mecanismos institucionais de incentivo a essa cooperação.

 A estrutura do campo da segurança pública no país tem sido caracte

rizada por uma forte concentração de recursos e competências no plano 

estadual, pela impossibilidade de as instituições exercerem o ciclo com

pleto de policiamento e pela existência de limites constitucionais à reforma 

132

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 das polícias. Essa estrutura secular foi consagrada pelo texto constitucional 

de 1988. As principais agências encarregadas do trabalho de polícia são 

organizadas e, legalmente, controladas pelas 27 unidades da federação. 

Embora algumas dessas agências estejam sob o controle do nível central 

e alguns municípios mantenham guardas municipais, dada as limitações 

de competências e de recursos a maior parte das tarefas é desempenhada 

pelas polícias militares e civis dos estados e do Distrito Federal.

 Nos últimos anos verificou-se um aumento considerável das des

pesas governamentais com segurança pública. Entre 2000 e 2015, 

elas saltaram de 38,4 bilhões de reais para 81,2 bilhões de reais, 

representando um aumento de mais 111% (Gráfico 5.1). Apesar disso, 

a sua distribuição quase não foi alterada. Em 2000, os estados respon

diam pela maior parte dos gastos na área (82%). Quinze anos depois, 

eles seguiam arcando com 83,3% das despesas, enquanto a União e 

os municípios gastavam, respectivamente, 11,1% e 5,6%.

 Gráfico 4.1 – Despesas na função segurança pública, conforme 

ente da federação,em valores de 2015 (IPCA) – em R$ bilhões.

 90

 80

 70

 60

 50

 40

 30

 20

 10

 0

 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

 União

 Fonte: Peres, Bueno e Tonelli (2016)

 Estados Municípios

 133

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Esse padrão de relações federativas começou a mudar a partir dos 

anos 1990. Diante do aumento alarmante dos índices de criminali

dade, o governo federal viu-se forçado a mudar sua postura, buscando 

exercer um maior protagonismo na coordenação das ações e políticas 

de segurança pública (COSTA, GROSSI, 2007; SÁ, SILVA, 2012). 

Para tanto, em 1995 foi criada a Secretaria de Planejamento de Ações 

Nacionais de Segurança Pública (Seplanseg), na estrutura do Minis

tério da Justiça, transformada em setembro de 1997 na atual Secreta

ria Nacional de Segurança Pública (Senasp). A criação da Seplanseg 

destinou-se a articular iniciativas relacionadas à área, possibilitando 

o incremento da cooperação intergovernamental.

 Em junho de 2000, foi anunciado o Plano Nacional de Segurança 

Pública (PNSP), cujo objetivo era articular iniciativas de repressão e 

prevenção da criminalidade no país. O plano propunha 15 compromis

sos que se desdobravam em 124 ações, envolvendo temas relacionados 

ao crime organizado, controle de armas, capacitação profissional e 

reaparelhamento das polícias. Apesar dos esforços, o PNSP não logrou 

êxito, pois era extremamente ambicioso nos propósitos e vago nas 

medidas. Para dar apoio financeiro ao PNSP foi instituído, no mesmo 

ano, o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), com a finalidade 

de gerir recursos para apoiar projetos de responsabilidade dos governos 

federal, estaduais e municipais.

 Em 2003 foi lançado o Sistema Único de Segurança Pública 

(SUSP), para definir competências e articular as ações das polícias e 

outras instituições do Sistema de Justiça Criminal. Em 2007 foi criado 

o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci). Este, 

diferentemente do FNSP, que se limitava ao custeio de ações no âmbito 

das polícias, podia financiar outras instituições estaduais e municipais, 

134

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 desde que ligadas à área de segurança pública. Apesar das inovações pro

postas, o SUSP só foi instituído em 2018 e o Pronasci, extinto em 2011.

 Em 2004 foi criada a Força Nacional de Segurança Pública, 

um programa de cooperação criado pelo governo federal que mobiliza 

profissionais da área nos estados. Estes ficam à disposição da União no 

Distrito Federal e, além dos salários em suas respectivas unidades fede

rativas, recebem diárias da União, funcionando como uma espécie de 

“polícia” a serviço do nível central. A Força Nacional é deslocada para 

as unidades estaduais em casos de crises e calamidade pública, desde 

que solicitada pelo pelos governadores. Segundo dados do Ministério 

da Justiça, no ano de 2015, 1.446 agentes nessa condição estavam 

mobilizados em todo o país, a um custo estimado em R$ 184 milhões.

 Diferente dos períodos anteriores, a atuação da Senasp tem se pau

tado pelo respeito às autonomias federativas. Assim, seu principal papel 

tem sido a indução de políticas públicas e de cooperação intergoverna

mental. O principal instrumento utilizado na busca desse objetivo tem 

sido o fomento de ações estaduais e municipais através da transferência 

de recursos federais, realizada por meio do FNSP e do Pronasci.

 De fato, houve um aumento significativo dos gastos federais com 

segurança pública, que saltaram de pouco mais de 5,8 bilhões de reais, 

em 2000, para cerca de 9,04 bilhões de reais em 2015, o que signi

f

 icou um aumento de 55%. Vale destacar que as despesas da União 

nessa área aumentaram consistentemente entre 2002 e 2010, devido à 

implementação do Programa Nacional de Segurança com Cidadania. 

A partir de 2011, os recursos voltaram aos patamares de 2008, con

forme mostra o Gráfico 5.2.

 Quanto à qualidade dos gastos, observou-se que, no geral, os inves

timentos cresceram menos que com pessoal e custeio. Isso se deveu 

135

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 ao aumento dos efetivos e à melhoria dos salários dos profissionais 

do Departamento de Polícia Federal (DPF) e do Departamento de 

Polícia Rodoviária Federal (DPRF). Mais recentemente, verificou--se também um aumento significativo das com a Força Nacional 

de Segurança Pública.

 Gráfico 4.2 – Gastos da União na função segurança pública – 

em R$ bilhões,em valores de 2015 (IPCA).

 16

 14

 12

 10

 8

 6

 4

 2

 0

 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

 Fonte: Secretaria de Orçamento Federal

 A despeito das mudanças incrementais verificadas, a persistên

cia de alguns problemas tem afetado substancialmente a capacidade 

do governo federal de induzir e coordenar ações nessa área (PERES 

et al., 2014). Dentre os principais problemas que reduzem sua capa

cidade de governança, podemos destacar: i) a fragilidade da estrutura 

da Senasp; ii) a estrutura dos fundos; iii) a fragilidade do Sistema 

136

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 Nacional de informações sobre Segurança Pública; e iv) ausência de 

marco regulatório e planos nacionais.

 A estrutura da Senasp

 Nas últimas décadas, vários países fortaleceram a capacidade 

dos governos centrais de coordenar e induzir políticas de segurança 

pública. Essa tendência pode ser verificada tanto em Estados unitários, 

(i.e. Reino Unido, França e Espanha) quanto nos federados (i.e. EUA, 

Canadá e Alemanha). Esse fortalecimento não implicou a nacionali

zação do tema ou diminuição das competências dos entes subnacio

nais (estados e municípios). Tratou-se do aumento da capacidade de 

governança sobre a área.

 Nos Estados Unidos, onde as polícias são majoritariamente muni

cipais, foram criados diversos órgãos federais encarregados da coor

denação e indução de políticas relacionadas à segurança pública. Foi o 

caso do Instituto Nacional de Justiça (1968), destinado ao fomento de 

pesquisas científicas, da Agência Nacional sobre Delinquência Juvenil 

(1974); do Escritório de Estatísticas Judiciais (1979); do órgão federal 

para Apoio a Vítimas de Crimes (1988); da agência federal destinada a 

induzir a inovação em estratégias de policiamento e gestão das forças 

polícias (1994); da Agência Nacional de Violência Contra a Mulher 

(1995); de uma agência federal voltada ao combate a crimes sexuais 

(2006); e do Departamento de Segurança Interna (2002), para controle 

de fronteiras e imigração (KOPITKKE, 2017).

 No Reino Unido foram criados o Conselho Nacional de Polí

cias (1996), para a melhoria da gestão do policiamento; a Ouvido

ria Nacional das Polícias (2004), para receber todas as denúncias de 

137

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 violência policial; o College of Policing (2012), para de estabelecer 

padrões de formação das polícias; o órgão nacional de monitoramento 

da remuneração dos policiais (2017); e a Agência Nacional de Pri

sões e Condicionais (2017), voltada para a qualificação dos serviços 

de ressocialização prisional. Todos esses órgãos contam com pes

soal e recursos financeiros próprios para desenvolver suas atividades 

(KOPITKKE, 2017).

 No Brasil, essas atividades estão a cargo da Secretaria Nacional de 

Segurança Pública, que em 2017 contava com pouco mais de 50 fun

cionários. Essa fragilidade institucional tem comprometido sobre

maneira os avanços de temas relevantes, bem como a capacidade do 

governo federal de induzir e coordenar políticas de segurança pública.

 A estrutura dos fundos

 A estrutura dos fundos de financiamento do setor também difi

culta bastante a governança em função da sua falta de vinculação, 

padronização e condicionalidades. Os recursos não são vinculados 

a uma ou mais fontes de receita, gerando descontinuidades no fluxo 

de alocação. Desde sua criação, o montante dos recursos alocados no 

Fundo Nacional de Segurança Pública tem variado bastante. O auge 

dos recursos do FNSP ocorreu em 2007, quando 1,3 bilhão de reais 

foram disponibilizados. Nos anos mais recentes, esse fundo foi sendo 

paulatinamente esvaziado, atingindo o valor de 377 milhões de reais 

em 2015, uma redução de 48% em relação aos 724 milhões de reais 

alocados em 2002.1

 1 Valores corrigidos pelo IPCA (2015).

 138

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 Há problemas também na classificação orçamentária desses gas

tos. Hoje, o modelo de repasses utilizado pelo FNSP implica a reali

zação de convênios entre o Ministério da Justiça e os entes federados. 

A ausência de regras de contabilização dos gastos em segurança, entre

tanto, permite que estados e municípios os classifiquem de maneiras 

diferentes. Assim, por exemplo, gastos previdenciários e com esco

las e hospitais administrados pelas polícias podem ser classificados 

tanto como de segurança como de educação ou saúde. Isso acaba por 

enfraquecer a coordenação e gerar ineficiência, além de dificultar a 

prestação de contas.

 Boa parte dos entes subnacionais dependem dos repasses fede

rais para investir em segurança pública. Em 2010, cerca de 57% de 

total dos investimentos estaduais e municipais deveu-se aos repasses 

do FNSP e do Pronasci, o que mostra a importância dos recursos da 

União para induzir ações. A capacidade, no entanto, tem sido pouco 

utilizada. Diferente de outras áreas, como meio ambiente e ciência tec

nologia, o governo federal não aplica condicionalidades aos convênios 

no campo da segurança. Desse modo, os recursos são repassados para 

apoiar ações sem que se exija a contrapartida de diagnósticos e planos 

estaduais que as justifiquem e orientem. Além disso, os convênios são 

renovados sem avaliações robustas das políticas adotadas.

 Como resultado, o dinheiro tem sido utilizado majoritariamente 

sem uma política previamente elaborada para articular as ações finan

ciadas. Em 2007, 86% do total de recursos repassados pela União 

aos estados e municípios destinaram-se à compra de equipamentos, 

viaturas, armamentos e material de comunicação, bem como à cons

trução de prédios. Somente 3% foram utilizados no treinamento e na 

formação dos policiais e apenas 7% foram aplicados na implantação 

139

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 de projetos inovadores, como policiamento comunitário, centros inte

grados de segurança e cidadania, ouvidorias de polícia e sistemas de 

informações criminais (COSTA, GROSSI, 2007).

 O Sistema Nacional de Informações de 

Justiça e Segurança Pública

 A gestão da informação em segurança pública tem sido um dos 

maiores desafios do governo federal. Em função disso, em 1997 foi 

criado o Sistema Nacional de Informações de Justiça e Segurança 

Pública (Infoseg), cujo objetivo era sistematizar nacionalmente infor

mações sobre as pessoas, veículos e armas. Em 2004, ele foi reformu

lado para poder ser alimentado por uma ampla rede de organizações 

e acessado por diferentes tipos de profissionais (policiais, agentes de 

trânsito, fiscais e auditores).

 A necessidade de formular políticas públicas de segurança fez 

com que os gestores federais percebessem que era preciso um sistema 

mais abrangente que o Infoseg. Por isso, em 2012 foi criado o Sistema 

Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e sobre Dro

gas (Sinesp), cujo objetivo era sistematizar e tratar dados e informações 

para auxiliar na formulação, implementação, execução, acompanha

mento e avaliação das políticas da área (sistema prisional e execução 

penal, enfrentamento do tráfico de crack e outras drogas ilícitas).

 Nos últimos 20 anos foram gastos mais de 100 milhões de reais 

para implantar o Infoseg e o Sinesp. Apesar dos esforços, contudo, 

o Brasil segue sem ter um sistema de informações de segurança pública 

estruturado, com dados confiáveis e capazes de orientar as políticas 

públicas. O país tampouco dispõe de um órgão capaz de tratar as 

140

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 informações e analisar os dados adequadamente (FIGUEIREDO, 

2017). E este tem sido um dos principais entraves à implantação de 

políticas pública de segurança.

 O caso do Programa de Segurança Comunitária do Distrito Fede

ral mostra que projetos inovadores não depende apenas de recursos 

f

 inanceiros e apoio político. É necessário assessoramento técnico 

especializado2. Sem isso, iniciativas promissoras tendem a fracassar, 

colocando em descrédito a ideia de inovação em segurança pública. 

Embora imprescindível, a capacitação de policiais estaduais em pla

nejamento e gestão de políticas públicas não tem sido suficiente para 

melhorar a qualidade dos programas. Pois nem sempre os profissionais 

capacitados nesses conteúdos irão ocupar funções de planejamento.

 Assim, os estados continuam ressentindo-se da falta de exper

tise para identificar problemas e formular projetos voltados para sua 

resolução. Também há enorme dificuldade para construir indicadores 

e estabelecer metas de acompanhamento. Nos raros casos em que ini

ciativas inovadoras são avaliadas, a metodologia utilizada é precária. 

Via de regra, as avaliações são feitas a partir da simples compara

ção das taxas criminais antes e depois da implantação dos projetos. 

Como não há controle sobre a validade interna dessas análises, as pro

postas não podem ser aperfeiçoadas e replicadas em outros estados. 

Em resumo, não basta que o governo federal financie a compra de 

armamentos, viaturas e equipamentos; cabe a ele induzir reformas 

e apoiar a inovação em segurança pública. Para isso, é necessário 

criar um órgão ou departamento específico para assessoria técnica 

aos entes federados.

 2 Ver capítulo 2.

 141

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Ausência de marco regulatório

 No Brasil, a União tem tradicionalmente induzido a cooperação 

entre os atores envolvidos em diversas áreas de políticas públicas. 

Na de saúde, por exemplo, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) 

foi um marco. O mesmo pode ser dito com relação ao Sistema Único 

de Assistência Social (SUAS) para as políticas de seguridade social. 

Na educação, a reforma iniciada na década de 1990, com a criação 

do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamen

tal e de Valorização do Magistério (Fundef), que continuou nos anos 

2000, com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educa

ção Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), 

inovou ao criar um sistema de recursos para repasses entre as três 

esferas de governo.

 Diferentemente dessas áreas, porém, a da segurança pública não 

conta com um marco regulatório capaz de fomentar cooperação entres 

os entes federativos (União, estados e municípios) e os poderes da 

República (Executivo, Legislativo e Judiciário). Até 2018 não existia 

algo parecido com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), 

com a Lei 8.080, que regulamentou o SUS, ou a Lei Orgânica da Assis

tência Social (Loas). Assim, temas como cofinanciamento, sistema de 

informações, formação e treinamento, participação social e controle 

da atividade policial seguem sem regulamentação.3

 O principal marco regulador da área é a própria Constituição 

Federal de 1988. Apesar de ter alterado os princípios norteadores da 

segurança pública, vários de seus capítulos e artigos ainda não foram 

3 Em 2018, foi aprovada a lei do SUSP, que ainda precisará ser implantada.

 142

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 regulamentados, o que permite a manutenção de práticas autoritárias. 

O atual texto constitucional apenas reafirma os papéis das organizações 

policiais que existiam na década de 1980. Ao fazer isso, a Constitui

ção reforçou, indiretamente, o modelo que ela mesma buscou romper 

quando consagrou os direitos civis sociais, como direitos fundamen

tais (LIMA, 2011, 2018). Em suma, a estrutura do campo não foi 

alterada pela ordem constitucional. Ela tampouco tratou de reduzir 

os antagonismos que marcam o nosso Sistema de Justiça Criminal, 

incluídas as polícias, o Ministério Público e o Judiciário. Além disso, 

novos conflitos foram criados com a previsão da Constituição para que 

os municípios participassem da formulação e execução das políticas 

de prevenção à violência.

 O município e a segurança pública

 Um dos fenômenos mais emblemáticos das últimas décadas foi 

o aumento da participação dos municípios na segurança pública. 

Entre 2000 e 2015 verificou-se um crescimento de 327% no total de gas

tos na área, que saltaram de cerca de 1,1 bilhões reais para 4,5 bilhões 

de reais (Gráfico 5.1). Essa participação, entretanto, varia significati

vamente de acordo com os estados. No ano de 2016, em alguns deles 

mais da metade das cidades realizou despesas na área – por exemplo, 

Santa Catarina (84%), Goiás (77%) e Minas Gerais (68%). Noutros, 

como Rio Grande do Norte (5%), Paraíba (5%) e Amapá (6%), o per

centual foi baixo (FBSP, 2017).

 Esse aumento deve-se a dois fatores. O primeiro, à mudança da 

percepção do eleitorado com relação à responsabilidade pela segu

rança pública. Até a década de 1990, questões relativas ao setor eram 

143

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 tratadas essencialmente como obrigação dos governadores. A partir dos 

anos 2000 esse quadro começou a se alterar. Em 2002, uma pesquisa 

do Instituto Datafolha apontou que, para o eleitorado, os governos 

municipais (27%), estaduais (30%) e federal (32%) eram igualmente 

responsáveis pela segurança dos cidadãos, aumentando, nesse sen

tido, a cobrança da sociedade por maiores investimentos, reforma 

nas estruturas das polícias e implantação de políticas públicas mais 

eficientes. Com relação à União, esperava-se maior participação na 

gestão da segurança pública.

 Segundo, houve uma forte indução federal para que os governos 

municipais se engajassem mais no tema. No mesmo ano, o Fundo 

Nacional de Segurança Pública (e mais o Pronasci) passaram a trans

ferir recursos para aquelas cidades que contassem com estruturas 

administrativas voltadas para a área. O resultado foi o aumento sig

nificativo do número de guardas municipais – em 1980, pouco mais 

de 120 municípios contavam com essas estruturas, um número baixo 

se comparado às quase 1.900 existentes em 2005 e mesmo às 1.081, 

em 2015 (Gráfico 4.3).

 A Constituição estabeleceu que esses entes “[...] poderão consti

tuir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e 

instalações, conforme dispuser a lei” (BRASIL, 1988, Art. 144, § 8º). 

O que se verifica na prática, contudo, é uma disputa para ampliação 

do mandato, organização e atribuições dessas forças de segurança. 

De forma geral, as associações de policiais tentam impedir o “alarga

mento” das guardas municipais, ao passo que os guardas reivindicam 

o status policial. Essa disputa identitária ganha concretude quando se 

discute a possibilidade de os GM portarem armas.

 144

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 Gráfico 4.3 – Evolução das guardas municipais no Brasil, 1980-2015.

 2000

 1800

 1600

 1400

 1200

 1000

 800

 600

 400

 200

 0

 1980

 1985

 1990

 1995

 Fonte: Pesquisa MUNIC/IBGE, 2015

 2000

 2005

 2010

 2015

 Analisando as guardas brasileiras, podemos distinguir pelo menos 

três funções desempenhadas por elas (VARGAS, OLIVEIRA, 2010; 

MISSE, BRETAS, 2010). Algumas seguem o modelo de guarda patrimo

nial, com atribuições bem delimitadas: defesa do patrimônio e do espaço 

público, além de proteção dos estabelecimentos municipais. Outras atuam 

como se fossem forças públicas dos municípios, assumindo as funções 

de policiamento ostensivo, de modo a substituir outras organizações 

policiais. Elas realizam o patrulhamento das ruas, buscando aplicar a lei 

aos comportamentos desviantes. Há também as guardas que atuam como 

força apaziguadora, utilizando seu poder de polícia para administrar con

f

 litos, prevenir crimes e solucionar problemas colocados pela população. 

As atividades de repressão são raras e controladas.

 Quanto à organização, embora os governos municipais tenham 

liberdade para estruturar suas guardas da forma que acharem con

venientes, na prática eles seguem o modelo organizacional das polí

cias militares. Isso se deve aos processos de mimetismo a que essas 

145

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 instituições foram submetidas. Em muitos casos, os primeiros coman

dantes das GM foram oficiais das PM, e acabaram por copiar as car

reiras, os manuais e os protocolos utilizados pelas suas organizações 

de origem (OLIVEIRA, ALENCAR, 2016).

 O papel dos municípios na segurança pública não se resume à 

existência das guardas municipais. Há cidades que desenvolvem polí

ticas sociais de prevenção de violências, tendo algumas delas sido 

relativamente bem-sucedidas, como em Canoas (RS), Diadema (SP) 

e Lauro de Freitas (BA). Independente da forma como os governos 

municipais têm atuado nessa área, sua participação se dá, como já dito, 

num contexto de inexistência de marco regulatório que defina clara

mente as atribuições e prerrogativas dos entes federados. O resultado 

disso é uma atuação descoordenada e desarticulada entre municípios, 

estados e União.

 O sindicalismo policial

 Há 30 anos, na maioria dos países, os chefes e comandantes de 

polícia tinham poderes quase ilimitados sobre seus subordinados. 

Com o surgimento dos sindicatos e associações de policiais, esse qua

dro mudou radicalmente. Hoje, em muitos lugares o poder desses 

dirigentes diminuiu consideravelmente, sendo constrangido pela ação 

sindical, que exerce influência cada vez maior dentro das corporações 

(MARKS, 2007).

 O surgimento desses novos atores reconfigurou de modo signi

f

 icativo o campo da segurança pública. Eles possuem suas próprias 

agendas e frequentemente se opõem a novas políticas e programas, 

deixando claro que qualquer ação pública de segurança precisa contar 

146

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 com sua anuência. Iniciativas como a contratação de funcionários 

civis, cooperação com organizações não governamentais e a adoção de 

metas de desempenho têm encontrado grande oposição dos sindicatos. 

O discurso gerencial, inspirado nos princípios da nova gestão pública, 

tem servido para distanciar ainda mais superiores e subordinados, 

reforçando o papel sindical. Sua importância é tamanha que alguns 

estudiosos têm sugerido que o sindicalismo deveria ocupar o centro das 

análises sobre reformas nas polícias (O’MALLEY, HUTCHINSON, 

2007; WALKER, 2008).

 O processo decisório dentro de uma organização dessa natureza 

tornou-se tão complexo, com novos conflitos e tensões, que não pode 

mais ser operado sob uma estrutura altamente militarizada e burocrá

tica. A ideia de que os comandantes representam seus subordinados em 

todos os aspectos, inclusive nas demandas trabalhistas, passou a ser 

bastante questionada pelos comandados, pois a relação entre superiores 

e subordinados é bastante diferente daquela que envolve as polícias e 

as Forças Armadas. Nas organizações policiais, os comandantes não 

dirigem diretamente as atividades dos seus comandados. São raras as 

situações em que o superior hierárquico toma parte direta na ação. 

E mesmo nestes casos, sua participação dificilmente irá mudar o curso 

da ação. Seu papel se limita a fornecer algumas orientações gerais e 

supervisionar os trabalhos para que não haja erros ou problemas.

 Exatamente por isso, nas polícias militares, não raro, os supe

riores encarregados de supervisionar esses trabalhos são vistos com 

desconfiança pelos subordinados. E, portanto, os tipos de vínculos de 

lealdade estabelecidos são bastante diferentes daqueles observados nas 

organizações militares. Em muitas polícias, essa desconfiança muitas 

vezes permeia as relações internas. E, com frequência, para ganhar 

147

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 a confiança de seus subordinados, os superiores precisam se motrar capazes de contornar seus pequenos erros e desvios de conduta. 

Ou seja, enquanto o apego às normas internas é pressuposto para a 

construção de lealdades entre os militares, a capacidade de contorná-las 

é essencial para as relações entre os policiais. E foi por esses motivos 

que algumas organizações policiais militarizadas passaram a permitir 

a sindicalização dos seus membros. É o caso, por exemplo, da gen

darmaria francesa, que criou seu sindicato em 2015.4

 Desde o final da década de 1980 observa-se o acirramento dos 

conflitos entre os superiores (oficiais) e os subordinados (praças) nas 

PM brasileiras. É bem verdade que tais conflitos não são novidade no 

campo da segurança pública, uma vez que quase todas as polícias do 

país possuem carreiras com processos seletivos distintos, além plano de 

cargos e salários diferentes. Entretanto, durante os 21 anos do regime 

militar (1964-1985) essas tensões eram ocultadas pelas estruturas poli

ciais hierárquicas e disciplinares, pelo sufocamento dos canais de par

ticipação política e pela incapacidade do sistema jurídico de garantir os 

direitos civis, sociais e políticos dos cidadãos, incluindo os policiais.

 A redemocratização acentuou essas tensões. A Constituição de 

1988 conferiu status legal de militar para os PM estaduais, com suas 

implicações quanto aos direitos previdenciários e trabalhistas. No que 

diz respeito à previdência, a propósito, os policiais militares têm direito 

à aposentaria especial, como os militares das Forças Armadas. Mas, 

por serem militares, eles não podem se sindicalizar e fazer greves. 

Apesar da vedação à sindicalização, os PM têm constituído associa

ções e outros coletivos para reivindicar direitos. Esses grupos são 

4 Ver https://www.gendxxi.org.

 148

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 quasi-sindicatos e demandam o fim do militarismo nas polícias, o que 

significaria, via de regra, acabar com os códigos disciplinares, criar 

um plano de carreiras, melhorar os salários e valorizar a profissão.

 As diferenças entre ambas as carreiras agravam os problemas asso

ciados à disciplina militar. Algumas polícias ainda mantêm os antigos 

códigos disciplinares elaborados durante o regime militar. Na prática, 

esses códigos são aplicados de maneira desigual aos oficiais e praças. 

E são inúmeros os relatos de arbitrariedades e desmandos.

 A existência de diferentes planos de carreiras e de regras de promo

ção também causam grandes tensões dentro das polícias. Geralmente a 

carreira dos oficiais tem grande fluidez, enquanto as promoções de 

praças são demoradas. O tempo médio para alcançar o posto de sub

tenente, em alguns casos, chega a ser o dobro do necessário à pro

moção ao posto de coronel. Isso tem gerado tamanha desmotivação 

que muitas praças se aposentam por falta de perspectiva na carreira. 

Exatamente por isso algumas associações que representam essa cate

goria demandam novos planos de carreira.

 No que se refere aos salários, em alguns estados a remuneração 

dos coronéis chega a ser até dez vezes superior aos vencimentos rece

bidos pelos sargentos. Essa grande diferença salarial existe porque, 

diferentemente do que ocorre nas Forças Armadas, o salário de ofi

ciais e praças não estão vinculados. Assim, nos momentos de reajuste 

salarial, os percentuais de aumento dos oficiais com frequência são 

superiores aos concedidos às praças. Isso tem causado grandes confli

tos e desconfianças dentro das organizações policiais. Esse quadro tem 

levado a várias greves que, via de regra, opõem ambas as carreiras.

 Diferente de outras categorias profissionais, a pauta de reivin

dicações não é definida no âmbito de um único sindicato. Não raro, 

149

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 ela é objeto de conflito entre os diversos grupos que representam 

os policiais. Obviamente isso tornou o processo de negociação entre 

governantes e policiais extremamente complexo e demorado.

 Como esses profissionais não têm direito à greve, os movimentos 

paradistas não são regulados pela justiça do trabalho, que por isso não 

pode estabelecer percentuais mínimos de atividades e mediar as negocia

ções. Essas situações, de acordo como a legislação, são de competência 

da justiça militar, geralmente bastante relutante em enquadrar essas 

paralizações como motins. Por não ter regulação nem enquadramento 

jurídico, essas greves tornam-se com frequência bastante radicais.

 Assim, é comum que essas paralizações tragam pânico à popula

ção e resultem em crise de governo. Ao final das greves, tudo parece 

voltar ao normal: o pânico se dissipa e as negociações chegam a um 

bom termo. Normalmente os policiais punidos são anistiados, sendo 

algumas das suas lideranças eleitas nos pleitos legislativos seguintes. 

Mas também pode haver sequelas. Os governos ficam cada vez mais 

reféns dos movimentos paradistas; o medo de uma nova greve conta

mina todas as decisões na área de segurança pública, o que, não raro, 

vira moeda de chantagem política.

 A mídia e a segurança pública

 Nas modernas democracias contemporâneas, as mídias são um 

dos principais produtores das representações que orientam as con

dutas dos atores sociais. Ou seja, elas não se resumem a apresentar a 

realidade; e também a representa. Assim, para compreender a postura 

midiática é necessário analisar a forma como ela produz a realidade, 

construindo narrativas que chegam à sociedade na forma de notícias. 

150

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 Desse modo, entender como ela processam certas representações sobre 

violência, criminalidade e polícia é muito mais interessante do que 

desmentir ou confirmá-las (PORTO, 2009).

 Notícias sobre crime e polícia sempre ocuparam espaço importante 

na mídia. Mas foi só a partir da década de 1950, com o surgimento 

da televisão, que esse tipo de texto jornalístico passou a ganhar proe

minência em todos os meios de comunicação. Como sugeriu Patrick 

Champagne (1993), as mídias se alimentam das mídias, logo, a hege

monia televisiva não age apenas sobre os telespectadores comuns, 

mas também sobre as demais indústrias midiáticas.

 A necessidade da televisão de produzir notícias e imagens rápi

das sobre crimes e violências alterou profundamente a relação entre 

a mídia e as polícias. Por um lado, jornalistas e editores tomaram os 

policiais como suas principais fontes primárias de informação sobre 

crimes, passando a ser dependentes deles. Por outro, as mídias também 

se tornaram uma das principais preocupações das polícias. As represen

tações sociais sobre o papel e a atuação policiais tornaram-se assunto 

relevante na agenda dos diretores e comandantes (REINER, 1998; 

MAWBY, 2002).

 Isso ocorreu devido às características do processo de produção 

de notícias. Uma boa história, na percepção dos redatores e repór

teres, é aquela que pode individualizar e dramatizar problemas que 

ameaçam uma ampla audiência (ERICKSON, BARANEK, CHAN, 

1991). A necessidade de criar boas histórias impõe algumas exigências 

práticas no trabalho das redações. As informações precisam chegar de 

maneira rápida e previamente filtradas. E quem pode fazer isso são os 

policiais, especialmente os mais experientes, que sabem quais histórias, 

personagens e contexto irão interessar aos jornalistas.

 151

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 As lideranças policiais, por sua vez, também passaram a se esfor

çar para construir uma imagem da corporação como fonte essencial de 

proteção da população contra ameaças cada vez mais graves. Por trás 

dessa representação está a ideia de que a polícia é a principal (senão 

a única) responsável pela ordem pública e segurança das pessoas. 

Esse tipo de “fetichismo policial”, como descreveu Robert Reiner 

(1990), acabou por ocultar a importância de outras instituições, práticas 

e costumes na manutenção da ordem social.

 Em função da sua crescente importância, desenvolveu-se uma vasta 

área de estudos sobre os impactos midiáticos no campo da segurança 

pública. Apesar dos esforços acadêmicos, as pesquisas não conseguiram 

identificar claramente os efeitos da mídia na vida, seja para incentivar 

comportamentos antissociais, seja para aumentar o medo do crime. 

Não está claro se ela isoladamente é capaz de gerar condutas agressivas.

 Já com relação aos conteúdos, os estudos têm mostrado que a 

mídia exerce papel importante sobre o que pensamos a respeito de 

outros grupos sociais. As representações midiáticas frequentemente 

têm servido para criminalizar e rotular determinadas práticas socio

culturais, como o hip hop, funk, rap e grafite. Esse processo de cri

minalização incide nessas práticas, que passam a ser rotuladas como 

ilícitas, imorais e antissociais (FERREL, 1999).

 As pesquisas também têm mostrado que a forma como a notícia é 

recebida vária de acordo com o grupo social, dependendo da sua capa

cidade de filtrar as narrativas produzidas midiaticamente (BOURDIEU, 

1997). Embora a renda e o grau de instrução importem, os estudos 

apontam para o local de moradia e as relações de vizinhança como 

poderosos filtros noticiosos sobre crime e polícia. Não são as pessoas 

mais instruídas, moradoras de bairros de classe média, que têm a 

152

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 maior capacidade de crítica sobre notícias dessa natureza. Ao con

trário, são os moradores dos bairros pobres, cuja experiência de vida 

permite se contrapor às representações da mídia acerca do seu mundo, 

seus vizinhos e familiares. Eles sabem que as histórias narradas nos 

noticiários “não são bem assim”.

 Além disso, ela desempenha papel relevante na produção do medo 

e do pânico. Como mostrou Stanley Cohen (2000), por meio dela, 

às vezes um comportamento, um evento ou um grupo passa a ser 

definido como um perigo para a sociedade. Arrastões, rolezinhos e 

arruaças são estereotipados pela mídia de massa, que produz imagens 

impactantes. Editores, bispos, promotores, policiais e políticos, dentre 

outras lideranças socialmente prestigiadas, erguem barricadas morais 

para a manutenção da ordem social supostamente ameaçada. O tipo 

de ameaça e seus resultados podem variar. Às vezes é uma doença, 

uma epidemia, um novo vírus. Noutras ocasiões refere-se à delin

quência juvenil, à guerra ao tráfico. Para a maior parte das pessoas, 

a ameaça não é vivida; ela é apenas representada.

 Mas o que caracteriza os episódios de pânico é a reação despropor

cional a essas ameaças. O risco é midiaticamente super-representado, 

difundindo a percepção de que o caos é eminente. Às vezes, ela está 

promovendo interesses de certos grupos, classes ou categorias pro

f

 issionais; noutras, simplesmente está amplificando um sentimento 

difuso de temor.

 Apesar de desempenhar papel central na produção desses epi

sódios de pânico, não é a mídia que inventa o medo. Ele refere-se a 

medos e preconceitos ancestrais contra certos grupos (negros, gays, 

migrantes etc.). Ou seja, já havia um elevado nível de preocupação e 

hostilidade em relação ao comportamento de determinado grupo social. 

153

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Também já existia certo consenso entre os grupos e pessoas influentes 

de que aquele comportamento implicava ameaça real. Os resultados 

desses episódios de pânico variam: ora eles passam e são esqueci

dos; ora têm repercussões sérias e duradouras.

 Leis são elaboradas para criminalizar novas condutas, aumentar a 

pena de certos crimes ou reduzir as garantias legais de determinadas 

pessoas. Instituições também podem ser criadas ou reestruturadas, 

assim como determinadas profissões podem ser mais valorizadas. 

Mas é importante notar que as soluções adotadas não resolvem neces

sariamente o problema, tampouco reduzem o medo e as ansiedades.

 Em suma, a mídia tem é relevante na segurança pública porque 

pode rotular determinadas práticas culturais, ajudar a criminalizar 

certos comportamentos e amplificar desproporcionalmente as ameaças. 

Mas ela não faz isso sozinha, tampouco de forma direta e determinista. 

A mídia é fundamentalmente um importante ator, dentre outros que 

compõem o campo.

 E, ainda que seja complexo e difícil mensurar seu impacto, é ine

gável que a mídia é a principal responsável pelas percepções que 

construímos sobre o crime e a polícia. É ela que nos fornece o enqua

dramento das representações sociais e os discursos sobre segurança 

pública (GOFFMAN, 2012). Resta saber, portanto, quem fornece o 

enquadramento para suas representações? Quais são suas fontes e qual 

é a lógica de produção de notícias? A despeito das variações entre as 

diferentes organizações midiáticas na construção das representações 

sobre o crime e as polícias, há alguns padrões claramente identificáveis 

(REINER, 2007).

 Primeiro, com exceção da mídia especializada, as notícias em 

torno do tema tendem a ganhar destaque em todos os veículos de 

154

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 comunicação. Segundo, a cobertura tende a se concentrar em alguns 

poucos tipos de crimes, que normalmente afetam os grupos social 

e politicamente mais privilegiados. Terceiro, há um viés na cober

tura das vítimas (brancas, de classe média) e dos agressores (negros, 

pobres, migrantes).

 Esse padrão de relação entre mídia e polícia, porém, tem sido alte

rado pelas profundas mudanças socioculturais vivenciadas na virada 

do século XXI. Assim como o surgimento da televisão no passado, 

o desenvolvimento recente das novas tecnologias, principalmente a 

internet, também tem impactado profundamente a produção de notícias 

e narrativas sobre segurança pública. Com esse advento, as mídias 

digitais se tornaram quase onipresentes e inescapáveis para a cons

trução social da realidade. Como sugeriu Anthony Giddens (1991), 

elas alteraram intensamente a relação tempo-espaço.

 A proliferação e a diversificação das oportunidades de acesso midiá

tico impactaram de modo profundo as esferas da moralidade e da auto

ridade, bem como aumentaram as sensibilidades ao risco e ao perigo. 

O medo do crime tornou-se uma das principais preocupações da popu

lação, ao passo que as respostas dos governos e das polícias aos riscos 

e perigos das sociedades pós-modernas são cada vez mais questionadas 

pela opinião pública. Mais do que em qualquer outra época, a mídia 

tornou-se um dos principais atores do campo da segurança pública.

 Posto que ela é a principal arena onde a imagem da polícia é 

construída e desconstruída, surgiram diferentes questionamentos sobre 

o seu papel. Alguns grupos têm reclamado que a indústria midiática 

subverte a autoridade e valoriza os estilos de vida até então marginali

zados. Outros se queixam do contrário: ao exagerar os riscos e perigos 

ela acaba por enfraquecer o Estado de direito e a legitimar formas 

155

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 autoritárias de policiamento. Embora, aparentemente contraditórias, 

as duas percepções concordam que a mídia é um ator político autô

nomo, que segue sua própria lógica e busca seus próprios interesses.

 Essa relação de cooperação entre polícia e mídia tem sido alte

rada. Surgiram novas fontes de informações para a cobertura do crime 

e da instituição policial: as mídias digitais e suas redes sociais têm 

permitido que moradores produzam e difundam imagens sobre crimes 

e, em especial, sobre a atuação das polícias. Assim surgiram outras 

narrativas de fatos que desafiam a hegemonia dos relatos policiais. 

A emergência de estatísticas sobre os crimes, as vítimas e o trabalho 

da polícia também têm mudado a cobertura midiática. As estatísticas 

não produzem uma contranarrativa, mas sim um novo enquadramento, 

uma vez que colocam em perspectiva a frequência, a importância e o 

risco dos fatos narrados.

 Se a emergência de novas fontes e novos enquadramentos tem 

transformado a relação entre a mídia e a polícia, as críticas midiáticas 

ao trabalho policial, cada vez mais frequentes, têm gerado distancia

mento e seletividade. Policiais fazem “greve de notícias” e passam a 

escolher os jornalistas com quem pretendem cooperar. Os profissio

nais de mídia, por sua vez, podem escolher as fontes que irão usar e 

o enquadramento que será produzido.

 Independente das fontes de informações, se tradicionais ou novas, 

as instituições midiáticas continuarão ocupando papel central no campo 

da segurança pública. Qualquer política pública nesse campo depende 

da cobertura e do enquadramento midiáticos. E quando a mídia faz 

parte da rede de políticas públicas, suas chances de êxito aumentam.

 Foi o que aconteceu com o Paz no Trânsito (ver capítulo 1). O seu 

sucesso só foi possível graças à participação dos principais veículos de 

156

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 comunicação do Distrito Federal no programa. Graças a isso, foi reali

zada durante quatro anos uma ampla cobertura dos acidentes de trânsito 

fatais, e largamente discutidas suas principais causas. Também foram 

veiculadas campanhas educativas para prevenir acidentes e situações 

de risco. Toda essa campanha midiática seria muito cara e impossível 

de ser financiada exclusivamente com recursos governamentais.

 A sociedade civil e as demandas por participação

 Como já ressaltado, a democratização iniciada nos anos 1980 abriu 

novos espaços para a manifestação política, criando condições para a 

organização e articulação de demandas sociais. Assim, surgiram nas 

últimas décadas organizações e movimentos determinados a pressio

nar as autoridades por mudanças nas práticas da segurança pública. 

Grupos de direitos humanos, associações de advogados, coletivos 

populares e diversas outras instituições da sociedade civil passaram a 

demandar mais participação nesse campo.

 Uma das tarefas mais frequentes desempenhadas por esses atores 

é dar visibilidade à violência policial. Ao contrário do que supõe o 

senso comum, eles fazem esse tipo de fenômeno “aparecer” na agenda 

política e na cobertura midiática. Sem essa pressão, ele continuaria 

invisível. Além dessas manifestações, a sociedade civil também é 

capaz de prover informações e documentação que comprovem esses 

episódios. Não raro, casos de abuso e violência das polícias são retra

tados em relatórios sobre as condições dos direitos humanos no país.

 Da mesma forma, algumas organizações passaram a registrar e 

sistematizar dados sobre segurança pública. Em alguns casos, esse tra

balho permite a elaboração de estatísticas, viabilizando comparações 

157

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 com outras forças policiais. Também é frequente o uso de pesquisas 

de opinião para retratar como o trabalho das polícias é percebido pela 

população. Desde 2007, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 

organização da sociedade civil, produz o Anuário Brasileiro de Segu

rança Pública. Até o presente momento, a publicação é a mais com

pleta fonte de estatísticas sobre criminalidade, despesas e efetivos de 

segurança pública existente no país.

 Essa tarefa de coleta de informações não é, necessariamente, 

exclusiva da sociedade civil. Outros órgãos estatais também podem 

realizar essa função. Entretanto, quando a violência policial está insti

tucionalizada nas corporações, tais práticas são vistas como normais e 

rotineiras e, portanto, não necessitariam de atenção especial. O mesmo 

ocorre quando o Estado não admite o uso de práticas ilegais por parte 

dos seus agentes. E, nesse caso, importantes informações deixam de 

ser coletadas e sistematizadas.

 Alguns grupos e ativistas internacionais de direitos humanos pro

piciam condições materiais e importante acesso aos meios de comuni

cação. A existência de uma rede internacional, cujo principal papel é 

difundir essas informações no exterior, aumenta a capacidade de pressão 

dessas organizações. Embora importante, esse apoio por si só não é 

insuficiente para forçar reformas nas polícias. Nesse ponto, a pressão 

dos movimentos sociais internos continua sendo fator fundamental.

 A partir de meados da década de 2000, verificou-se um aumento 

na participação da sociedade, especialmente depois do lançamento do 

Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, que pre

via a realização da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública 

(Conseg), em 2009. Houve também uma reforma no Conselho Nacio

nal de Segurança Pública (Conasp), que passou a incorporar pessoas 

158

CAPíTULO 4: ANTIGOS ATORES E NOVAS CONFIGURAÇõES

 sem vínculos com as polícias e o judiciário. A criação desses espaços 

de ampla participação permitiu um maior engajamento político de 

diversos atores sociais ligados aos movimentos de direitos humanos, 

feministas, negros e LGBTQIA+.

 Esse envolvimento não se efetivou plenamente. Seu principal 

entrave estava na estrutura dos conselhos de segurança pública, tanto 

na esfera estadual quanto municipal e federal. Em geral, essas ins

tâncias têm poucos poderes deliberativos e reduzida capacidade de 

supervisionar as ações governamentais. Tampouco têm acesso aos 

dados sobre os gastos públicos em segurança (LIMA et al., 2012).

 Mas, além de denunciar problemas, é preciso sugerir novas dire

ções. É necessário produzir conhecimentos novos sobre a atividade 

policial, experimentar políticas alternativas às normalmente implanta

das e entender as dinâmicas da violência e criminalidade. Nesse ponto, 

as universidades e os centros de pesquisas tornaram-se importantes 

atores políticos. As principais universidades criaram programas de 

pós-graduação e centros de estudos sobre o tema; o debate, aos poucos, 

deixou o campo jurídico da criminologia tradicional e passou a incorpo

rar outras abordagens teóricas e metodológicas. Passadas mais de duas 

décadas, pode-se constatar que esses trabalhos acadêmico-científicos 

se constituíram em campo específico das ciências sociais brasileiras.

 Deste então, o campo deixou de ser periférico na pós-graduação 

nacional para se tornar prioridade em várias disciplinas e áreas. 

Surgiram diversos estudos sobre violência, criminalidade e segurança 

pública no Brasil. Essa produção não se resume apenas a teses e disser

tações. Em 2000, havia 41 grupos de pesquisas registrados no CNPq 

ligados à área, ao passo que foram registrados 255 grupos em 2015.

 159


CAPÍTULO 5  

O Poder Local e a Segurança Pública

 No Brasil, a despeito do aumento da participação da União e dos 

municípios na segurança pública, as principais respostas aos seus pro

blemas continuam sendo de iniciativa dos governadores, assim como 

as instituições que integram o campo são estaduais – as polícias militar 

e civil, o Ministério Público, o Judiciário e o Sistema Penitenciário. 

Além disso, na federação brasileira os estados também são a princi

pal arena de disputa política. Afinal de contas, das sete eleições que 

acontecem periodicamente no país, quatro são disputadas no âmbito 

estadual: governador, senador, deputado federal e estadual.

 Os estudos sobre segurança pública têm destacado que a crimi

nalidade e a insegurança são fundamentalmente problemas locais. 

É na esfera política local que se dá a formação da agenda e são os 

governos estaduais que elaboram e implementam as principais políticas 

públicas de segurança. Ou seja, as respostas aos problemas da área 

dependem fundamentalmente da configuração da política local e do 

funcionamento das suas instituições. É preciso, portanto, compreen

der como se dá a relação entre o poder local e a segurança pública. 

Pois a governança do campo depende da forma como os diferentes 

atores locais se relacionam, seja dificultando a articulação das ações, 

seja induzindo a criação de instrumentos de coordenação e controle.

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Neste capítulo, analisaremos a configuração do campo da segu

rança pública do Distrito Federal, que chama a atenção, como veremos, 

por sua singularidade. A despeito da privilegiada situação orçamen

tária, que se reflete nos salários e efetivos das polícias, até 2015 as 

taxas criminais do DF não eram muito diferentes do restante do país, 

em função da sua baixa capacidade de coordenação. O quadro come

çou a mudar a partir de 2015 quando foram implantadas medidas para 

aumentar a capacidade de governança.

 A segurança pública no Distrito Federal

 No campo da segurança pública, o DF destaca-se por alguns aspec

tos singulares de seu Sistema de Justiça Criminal. Tanto as polícias 

quanto o Ministério Público e o Judiciário são mantidos com recursos 

federais. Assim, sua estrutura é suis generis: seus efetivos, salários e 

orçamentos estão bem acima da média nacional.

 Embora o efetivo da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) 

f

 ixado por lei seja de 18.673 profissionais, em 2015 a corporação 

contava com 14.452 homens e mulheres em seus quadros. Essa dife

rença tem sido objeto de crítica e demanda do comando da PMDF 

para contratação de mais policiais. O número fixado pela legislação, 

contudo, não seguiu nenhuma metodologia para definir o efetivo que 

a cidade precisa. Portanto, ele não pode ser tomado como uma neces

sidade, mas sim como uma autorização administrativa para contratar. 

Seja como for, o fato é que o DF tem uma das melhores proporções 

de policiais militares do Brasil. Segundo a Senasp, em 2012 ele tinha 

485,6 PM para cada 100 mil habitantes, taxa muito superior à média 

nacional, de 209,4.

 162

CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA

 Gráfico 5.1 – Efetivo das polícias militares por 100 mil habitantes (2012).

 Fonte: Pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública (SENASP, 2013)

 O mesmo pode ser observado em relação à Polícia Civil. Em 2015, 

a PCDF contava com 4.784 homens e mulheres, embora o efetivo pre

visto em lei fosse de 8.969 policiais. De acordo com a Senasp, em 2012 

a capital federal contava com 185,0 policiais civis por 100 mil habi

tantes, enquanto a média nacional era de 56,9. Assim como na PMDF, 

os policiais civis frequentemente se queixam da falta de efetivos. Aliás, 

a contratação de novos agentes parece ser a principal resposta dos 

governos do Distrito Federal aos problemas de segurança pública.

 Gráfico 5.2 – Efetivo das polícias civis por 100 mil habitantes (2012).

 Fonte: Pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública (SENASP, 2013)

 163

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Apesar de dispor de grande efetivo, o Distrito Federal registrava um 

elevado número de policiais militares e civis cedidos para outros órgãos 

do governo. Parte deles desempenhava atividades junto à Secretaria de 

Segurança Pública, Casa Militar e Subsecretaria do Sistema Peniten

ciário. Muitos, entretanto, atuavam em outros órgãos, como as Secre

tarias de Justiça e Cidadania, Transporte e Mobilidade e da Juventude, 

bem como nas administrações regionais. Havia também policiais lotados 

no Tribunal de Justiça, no Ministério Público e na Câmara Legislativa. 

Apesar do evidente impacto na capacidade operacional das polícias, 

os sucessivos governos não têm conseguido mudar esse quadro.

 Além disso, tanto a PM quanto a PC do Distrito Federal também se 

destacavam pelo elevado índice de confiança. De forma geral, ambas 

gozavam da confiança dos brasilienses – de acordo com a Pesquisa 

Distrital de Vitimização, em 2015, 82,1% dos cidadãos disseram con

f

 iar na Polícia Militar e 87,4% na Polícia Civil.

 Tabela 5.1 – Confianças nas polícias do Distrito Federal (2015).

 Instituição

 Polícia Militar

 Polícia Civil

 Confia Muito

 24,4

 Confia

 Não confia

 Total

 57,7

 28,0

 Fonte: Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

 59,4

 17,9

 12,6

 100

 100

 Esse quadro era bem diferente daquele existente em outros estados, 

cuja população confiava pouco nas polícias e se queixava do contato 

com os seus agentes. Essa desconfiança aumentava o medo do crime 

e diminuía a disposição dos cidadãos em colaborar com os policiais, 

seja nas atividades de investigação, seja no policiamento ostensivo.

 164

CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA

 A população distrital também avaliava de modo positivo a maior 

parte das atividades executadas pelas PM e PC. Cabe destacar que, 

em relação à polícia civil, 59% consideravam ótima ou boa a investi

gação de crimes, enquanto 58% consideravam ótimas ou boas as abor

dagens de trânsito e revistas pessoais realizadas pela polícia militar.

 Tabela 5.2 – Avaliação das atividades da Polícia Militar e da Polícia Civil (%).

 Instituição

 PMDF

 PCDF

 Atividade

 Atendimento 

emergencial

 Abordagem 

policial

 Organização 

do trânsito

 Investigação 

criminal

 Ótimo/bom

 45,0

 58,4

 56,7

 Regular

 35,0

 31,8

 Péssimo/Ruim

 20,0

 9,8

 33,2

 59,1

 Rapidez e 

qualidade do 

atendimento

 57,8

 Fonte: Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

 29,1

 29,9

 10,1

 11,8

 12,3

 Total

 100

 100

 100

 100

 100

 As taxas de letalidade e vitimização policial no Distrito Federal 

eram relativamente baixas. Em 2015, cinco pessoas morreram em 

confronto com a PM, número bem inferior ao registrado pelo Rio de 

janeiro (645), São Paulo (580), Bahia (299), Paraná (214) e Pará (146). 

A vitimização dos policiais militares também era baixa se comparada 

com outros estados: no mesmo período, oito policiais morreram no 

DF, dos quais quatro em serviço.

 165

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 As carreiras policiais no DF

 A remuneração daqueles que ingressam nas carreiras policiais 

no Distrito Federal também estava entre as mais elevadas do Brasil. 

Tanto a PMDF quanto a PCDF exigia escolaridade superior para 

ingresso em seus quadros. Como reflexo disso notou-se mudanças no 

perfil dos novos policiais.

 A exigência de nível superior na seleção dos candidatos era parte 

do projeto “Policial do Futuro”, introduzido na PMDF, em 2009, com a 

f

 inalidade de aumentar o nível de escolaridade de toda a corporação. 

Além de selecionar apenas candidatos graduados, o projeto também 

previa a qualificação dos policiais mais antigos mediante parceria 

com a Universidade Católica de Brasília (UCB), que criou o curso 

de Tecnólogo em Segurança e Ordem Pública (TecSOP) (COSTA, 

MATTOS, SANTOS, 2012).

 A mudança proposta no processo de seleção teve reflexo nas 

disputas de poder no campo da segurança pública da capital fede

ral, principalmente entre policiais civis e militares. A PM defendia a 

valorização profissional de seus quadros e via no aumento do nível de 

escolarização das praças uma estratégia de melhoria salarial. Na PC, 

que já exigia o nível superior para o ingresso na carreira de agente, 

contudo, o movimento dos militares era visto com cautela, já que 

poderia dificultar as reivindicações salariais dos agentes e delegados. 

Desde 2015, os salários em ambas as instituições são parecidos.

 No que se refere ao perfil socioeconômico dos novos policiais, 

podemos afirmar que eles eram predominantemente homens, de cor 

negra e idade entre 25 e 30 anos; solteiros e sem filhos; majorita

riamente na faixa de renda familiar de até cinco salários mínimos, 

166

CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA

 responsáveis por pelo menos metade dos gastos familiares; nascidos 

no Distrito Federal e residindo em casas próprias. Quanto ao trabalho, 

a maioria dos novatos possuía pelo menos quatro anos de trabalho 

prévio e oriunda da iniciativa privada. Antes de ingressar na carreira 

policial, esses profissionais recebiam, majoritariamente, até cinco 

salários mínimos.

 A chegada de policiais com perfis tão diferente dos mais antigos 

poderia gerar tensões no interior da corporação. As pesquisas reve

laram, entretanto, que possíveis conflitos com os sargentos supervi

sores foram contornados com a criação do TecSOP. Por outro lado, 

esses levantamentos também mostraram que a ausência de normas 

de condutas e procedimentos operacionais aumentou a importância 

da experiência de rua dos veteranos. Afinal, são os mais antigos são 

os que transmitem informalmente os saberes necessários às ativida

des cotidianas (COSTA et al., 2012).

 Ao contrário da tendência mundial, a PMDF não adotava nenhum 

tipo de procedimento operacional padrão. Assim, o treinamento 

acontecia sem padronização, sendo realizado a partir de documen

tos e manuais escolhidos pelos instrutores dos cursos de formação. 

Além disso, uma vez que não existia uma norma de conduta com força 

legal, os policiais exerciam suas atividades sem respaldo jurídico. 

Sem essas normas profissionais eles eram julgados a partir da noção de 

imperícia, imprudência e negligência dos juízes e promotores. Ou seja, 

a partir de critérios externos à profissão, que não necessariamente 

coincidiam com a deontologia policial.

 Apesar dos bons salários, eram frequentes os relatos de insatis

fação profissional e de vontade de mudar de carreira, tanto entre os 

agentes da PM quanto da PC. Em junho de 2015 os sindicatos dos 

167

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Policiais Civis (Sinpol-DF), dos Delgados de Polícia Civil (Sinde

po-DF) e dos Peritos Oficiais Criminais (Sindiperícia-DF) encomen

daram uma pesquisa ao Instituto Exata Op para avaliar a percepção 

dos profissionais da PC sobre a segurança pública no Distrito Fede

ral. Esse levantamento indicou que 51,4% dos integrantes da PCDF 

sentiam-se insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o seu trabalho e 

72,6% declararam que sairiam da polícia, caso tivessem oportunidade.1

 Em parte, essa insatisfação decorria da estrutura de carreira, espe

cialmente dos agentes de polícia. A maior parte deparava-se com um 

excesso de tarefas burocráticas, sendo poucos os que se dedicavam às 

atividades essencialmente policiais. As investigações, a despeito de ser 

um mito fundador da polícia civil, não eram valorizadas na carreira.

 Na Polícia Militar, a despeito das mudanças nos critérios de sele

ção, a carreira de praça seguia com poucos incentivos ao desempenho 

profissional. Fazer cursos, se especializar ou ter desempenho desta

cado não implicava necessariamente promoção ou reconhecimento 

institucional. O intervalo de tempo para promoção (interstício) das 

praças era muito superior ao dos oficiais. E mesmo na carreira dos 

oficiais eram poucos os incentivos ao bom desempenho profissional. 

Frequentemente, as tarefas administrativas eram mais valorizadas que 

as operacionais. Até 2015, os comandantes de unidades policiais rece

biam gratificações inferiores às dos chefes da administração da PMDF.

 Seguindo o espírito da época, em 1990 a PMDF criou sua Acade

mia de Polícia Militar (APMB). Até então, a maior parte dos oficiais 

da corporação era originalmente militares da reserva do Exército, 

chamados oficiais R2. Alguns poucos policiais haviam se formado 

1 Disponível em: http://sinpoldf.com.br/wpcontent/uploads/2017/06/2017_integra_pe em outras academias de polícia. A criação da APMB foi um marco 

na Polícia Militar do Distrito Federal, que teve forte impacto na (re)

 construção das identidades dos seus profissionais. A partir de 2015, 

foram promovidos ao posto de coronel os primeiros oficiais formados 

na academia e, com isso, iniciou-se um conflito entres os “oficiais R2” 

e aqueles formados na APMB. O objeto de disputa era a ocupação os 

principais postos de direção da instituição.

 Apesar de reivindicarem uma nova identidade profissional, supos

tamente mais moderna, esses formandos pioneiros não tiveram uma 

formação muito diferente daqueles oriundos do Exército. A exemplo 

de outras academias, o currículo escolar, os conteúdos das disciplinas 

e a estrutura de funcionamento eram inspirados na Academia Militar 

das Agulhas Negras (Aman), escola de formação dos oficiais do Exér

cito. Ou seja, apesar de integrarem um novo grupo dentro da PMDF, 

os primeiros oficiais oriundos da APMB foram formados a partir de 

crenças, valores e saberes oriundos das Forças Armadas. Com o pas

sar do tempo, o currículo da Academia de Polícia Militar foi sendo 

reestruturado, incorporando conteúdos sobre direitos humanos, ques

tões de gênero, raça. Os jovens cadetes também passaram a discutir 

as principais obras de referência dos estudos policiais. Sem dúvida, 

foi uma mudança significativa para a reconstrução da identidade pro

f

 issional: agora mais policial do que militar.

 Esse processo de mudança, porém, ainda está incompleto. A corpo

ração não desenvolveu uma doutrina própria para realizar as principais 

formas de policiamento em uso noutros países, como o comunitário, 

por hot spots e o voltado para a resolução de problemas. Os manuais 

em uso na PMDF desde a década de 1990 limitam-se a orientar o 

policiamento ostensivo geral.

 169

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 A falta de doutrina específica pode ser verificada na implan

tação do Programa de Segurança Comunitária (PSC), em 2017. 

Inicialmente apresentado nas eleições do ano anterior como uma pro

posta da campanha de José Roberto Arruda (DEM-DF) ao governo do 

Distrito Federal, estava assentado na implantação de postos de segu

rança comunitários. Cada posto teria sala de atendimento ao público 

e sistema de videomonitoramento. De acordo como o projeto, os PCS 

serviriam como ponto de referência para a comunidade (SILVA, 2015).

 O projeto original previa 300 postos com uma guarnição de 

30 policiais em cada unidade, sendo 4 sargentos, 7 cabos e 19 sol

dados. Diferente da rotina da PMDF, as escalas seriam mensais e os 

professionais neles alocados focariam suas atividades no atendimento 

comunitário local. Além das rondas a pé, esses policiais dos PSC 

deveriam realizar palestras, encaminhar solução de problemas para 

outros órgãos de governo e lavrar termos circunstanciados. O pro

grama recebeu apoio do governo federal, que financiou a construção 

de 127 postos e a aquisição de automóveis, equipamentos e mobiliário. 

Seu custo total foi de R$ 5,4 milhões de reais.

 Era um projeto ambicioso que visava a alterar radicalmente as 

rotinas e doutrinas em vigor na Polícia Militar do Distrito Federal. 

Isso certamente exigiria um planejamento complexo, com previsão de 

diversas ações, tais como capacitação, elaboração de nova doutrina, 

redistribuição e contratação de efetivos, aquisição de novos equipa

mentos, elaboração de plano de comunicação e desenvolvimento de 

novas tecnologias, dentre outras ações. Considerando suas ambições – 

mudar de forma radical a estrutura da PMDF –, seu planejamento 

também deveria incluir a participação de vários setores da polícia.

 170

CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA

 Infelizmente, nada disso foi feito. As poucas ações previstas se 

resumiram a uma breve capacitação e à construção dos postos de segu

rança comunitários. Claro que um projeto precário com objetivos tão 

ambiciosos não poderia dar certo. Não havia efetivo suficiente para 

trabalhar nos PSC, outros setores da polícia não foram consultados, 

tampouco foi elaborada uma doutrina de policiamento comunitário 

nem foi feita articulação com outros órgãos. Como resultado, paula

tinamente os postos foram sendo abandonados – muitos depredados e 

incendiados. Assim, o Programa de Segurança Comunitária tornou-se 

uma enorme dor de cabeça para a PMDF.

 O financiamento da segurança pública

 Desde sua criação, o Distrito Federal teve necessidade de orga

nizar e manter polícias capazes de fornecer segurança de qualidade 

para uma cidade que era, sobretudo, a sede do governo federal, de 127 

embaixadas e dos Poderes Legislativo e Judiciário, portanto, palco de 

frequentes manifestações populares. O governo distrital, no entanto, 

nunca conseguiu arcar sozinho com tais despesas, demandando da 

União a responsabilidade pelos gastos com segurança.2

 Além das forças de segurança, os cofres federais também repassa

vam recursos para os serviços de saúde e de educação, bem como para 

o Judiciário e o Ministério Público distritais. Esses repasses, entretanto, 

não eram automáticos. Os governos do DF tinham de negociar anual

mente com o Executivo Federal, mediante convênios, verbas para fazer 

2 O financiamento federal da segurança pública também pode ser verificado nas capitais 

de outros países, como o Território da Capital Australiana (ACT – Canberra/Austrália) 

e o Distrito de Colúmbia (Washington (DC), nos Estados Unidos.

 171

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 face aos serviços públicos. Para contornar essa situação, a Constituição 

de 1988 criou o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), 

regulamentado em 2002.

 Esse fundo tem a finalidade de prover os recursos necessários 

à organização e manutenção da Polícia Civil, da Polícia Militar e 

do Corpo de Bombeiros Militar do DF, bem como dar assistência 

f

 inanceira para a execução de serviços públicos de saúde e educação3. 

Uma despesa que, apesar da destinação constitucional do FCDF prin

cipalmente para o custeio da segurança, vem aumentando ao longo 

dos anos. Para se ter uma ideia, entre 2003 e 2017 49% dos recursos 

do fundo foram utilizados para custear essas duas áreas.

 A despeito do aumento de gastos com saúde e educação, o fato é 

que o FCDF tem permitido que o orçamento de segurança na capital 

federal seja um dos maiores do país. Segundo dados da Secretaria 

de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, em 2015 o 

DF apresentou o quarto maior orçamento da área entre os estados. 

Em 2015, gastou em segurança pública 6 bilhões de reais, cifras 

inferiores apenas às apresentadas por Minas Gerais (9,1 bilhão de 

reais), Rio de Janeiro (9,4 bilhões de reais) e São Paulo (12,2 bilhões 

de reais). Em termos proporcionais, o Distrito Federal teve o maior 

gasto per capita (2.062 reais), bem superior à média nacional 

(407,95 reais).

 Apesar do significativo volume de recursos destinados ao setor, 

observa-se que a maior parte dos gastos se concentra no pagamento 

de pessoal ativo, inativo e no custeio das polícias. No período de 

2003 a 2016 o aumento nas despesas de pessoal superou o reajuste do 

3 Lei 10.633/2002.

 172

CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA

 fundo constitucional, com aumento das despesas de pessoal e encargos 

sociais de 271%, ao passo que o FCDF foi reajustado em 258%.4

 Gráfico 5.3 – Gastos com segurança pública, 

por estados – 2015 (em bilhões de R$).

 Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional

 Esse quadro tem afetado negativamente os investimentos realiza

dos em segurança pública, que entre 2003 e 2017 diminuíram 61,2%. 

Para poder arcar com as crescentes despesas de pessoal, a Polícia Mili

tar do Distrito Federal cancelou 380 milhões de reais em investimentos, 

entre 2014 e 2017. O mesmo tem acontecido na PCDF e no CBMDF. 

Esse quadro de desinvestimento tem colocado em risco a capacidade 

operacional das organizações de segurança pública, bem como impede 

que inovações sejam realizadas. Assim, a construção de novos siste

mas de informação e de comunicação e a implementação de novos 

programas de policiamento acabaram sendo adiadas.

 O aumento das despesas com pessoal não se resume à contrata

ção e reajustes salariais. Ao contrário, embora o número de policiais 

4 Relatório de auditoria do Fundo Constitucional do Distrito Federal do Tribunal de 

Contas da União (TC 019.364/2017-2).

 173

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 tenha diminuído nos últimos anos, o volume de gastos com a folha de 

pagamento tem crescido. Isso se deve ao aumento das despesas com 

auxílios e indenizações, de que são exemplo o vale transporte, auxílio--alimentação, auxílio-moradia, auxílio-fardamento, ajuda de custo etc.

 Também se verifica um significativo crescimento dos gastos resul

tantes da política de promoções adotada pela PMDF. Isso acontece 

porque a legislação permite que sejam promovidos ao posto de coronel 

mais policiais do que prevê o seu quadro. Além disso, quando se apo

sentam, alguns coronéis incorporam aos seus salários as gratificações 

de desempenho de função que receberam durante a carreira. O resul

tado é um aumento expressivo da folha de pagamento.

 Esse quadro de execução orçamentária ocorre em função dos pro

blemas de governança do Fundo Constitucional do Distrito Federal. 

Primeiro, esses recursos não estão incluídos nos limites de gastos com 

pessoal do Distrito Federal. Desse modo, não há limites para nossa 

expansão dos gastos com pessoal das polícias e do Corpo de Bom

beiros. Segundo, existem lacunas e omissões na legislação de promo

ções que permitem o crescimento do número de militares promovidos. 

Terceiro, embora seja um fundo da União, o governo distrital pode 

legislar sobre concessões de auxílios e indenizações. E, finalmente, 

o detalhamento das despesas do FCDF não permite o efetivo acom

panhamento da sua execução orçamentária.

 Criminalidade e o medo na capital federal

 Apesar de possuir efetivos, salários e orçamento muito acima da 

média nacional, até 2015 as taxas de criminalidade e medo registra

das no DF não diferiam muito dos outros estados. O que nos leva a 

174

CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA

 constatar que a estrutura suis generis de segurança não tem apresentava 

efeitos muito distintos do restante do país.

 Seguindo a tendência nacional, o Distrito Federal vinha apre

sentado elevadas taxas de homicídios. O que chamava atenção nessa 

estatística era sua relativa estabilidade entre 2000 e 2014. Em 2005, 

ele registrou a taxa mais baixa do período (22,3 homicídios por 100 mil 

habitantes) e em 2009 a mais alta (30,1). Podemos notar também que 

as taxas de mortalidade por homicídio no DF eram muito próximas 

das nacionais. Até 2007, as taxas distritais eram um pouco inferiores 

às taxas da média nacional; a partir daí, elas cresceram mais acele

radamente que as nacionais, alcançando em 2009 o patamar de 30,1.

 Gráfico 5.4 – Taxa de homicídios do Distrito Federal e Brasil – 2000-2014.

 Fonte: Atlas da Violência (IPEA e FBSP, 2018)

 Em 2014, na comparação com as demais unidades da federa

ção, verificou-se que o Distrito Federal registrou 29,6 homicídios por 

100 mil habitantes, taxa muito próximo da média nacional (29,8). 

Nesse ano, somente São Paulo e Santa Catarina apresentaram taxas 

inferiores a 20 homicídios/100 mil habitantes; outros oito estados, 

inclusive o DF, apresentaram taxas entre 20 e 30; em nove elas foram 

175

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 superiores a 30; e em oito, superiores a 40. Ou seja, no que se refere 

aos homicídios, até então os números apresentados pela capital federal 

não diferiam muito da média nacional.

 Gráfico 5.5 – Taxas de homicídio por estados – 2014.

 Fonte: Atlas da Violência (IPEA e FBSP, 2018)

 Seguindo a tendência nacional, em 2015 os homicídios também 

eram bastante concentrados em Brasília. Apenas seis regiões (Ceilân

dia, Planaltina, Santa Maria, Samambaia, Gama e Recanto das Emas) 

responderam por 55% dos casos registrado naquele ano.

 176

CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA

 Gráfico 5.6 – Distribuição de homicídios dolosos 

no Distrito Federal, por RA (2015).

 Fonte: SSP/DF (2015)

 No que dizia respeito aos crimes patrimoniais, em 2014 as taxas 

registradas na capital federal estavam acima da média nacional. 

Nesse ano, o DF registrou 449 veículos roubados para cada grupo de 

100 mil veículos, muito superior à do Brasil (280). A mesma tendên

cia pode ser observada na taxa de furtos de veículos: 526 no Distrito 

Federal e 311 na média nacionalGráfico 5.7 – Roubos de veículos, por 100 mil veículos – 2014. *

 Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2017.

 *Dados não informados para CE e PB.

 O medo do crime no DF também não era muito diferente do 

restante do país. De acordo com a Pesquisa Nacional de Vitimização, 

realizada pelo Ministério da Justiça em 2011, 49% dos moradores do 

DF declararam sentir medo de sair à noite no bairro onde residiam. 

Esse percentual foi superior aos índices de 13 estados, incluindo Rio de 

Janeiro, Espírito Santo e São Paulo. Além disso, 16% deles disseram 

sentir medo de ficar em casa sozinhos, percentual superior ao de outras 

12 unidades da federação, entre as quais novamente Rio de Janeiro e 

São Paulo, além de Pernambuco.

 178

CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA

 A configuração da segurança pública no DF

 Como vimos nas seções anteriores, a despeito da boa estrutura de 

segurança pública de que o Distrito Federal dispõe, seus resultados 

eram ruins. Até 2014 os brasilienses conviviam com elevadas taxas 

de homicídios e altos índices de crimes contra o patrimônio, enquanto 

uma significativa parcela da população dizia sentir medo de sair à rua 

no seu bairro durante a noite. Esse fraco desempenho devia-se à baixa 

capacidade de governança do campo.

 Como nas outras unidades da federação, também no DF verificou--se crescimento das demandas de segurança pública. Desde o final da 

década de 1990, o tema tem figurado como uma das principais preocu

pações do eleitor brasiliense. Foi nessa perspectiva que as campanhas 

eleitorais passaram a incorporar discursos sobre modernização das 

instituições policiais. Em 1998, Joaquim Roriz (PMDB) foi eleito 

governador prometendo implantar o programa Segurança sem Tole

rância, inspirado no Tolerância Zero, de Nova York. Mas, ao longo 

dos seus dois mandatos, verificou-se que a proposta não passava de 

um discurso eleitoral (BELLI, 2004).

 Em 2006, José Roberto Arruda (DEM) venceu o pleito com a 

promessa de implementar o Programa Segurança Comunitária, que, 

conforme já descrito, implantaria 300 postos comunitários, os PSC. 

Na prática foram instaladas 110 unidades, sem, contudo, implementar 

o programa, pois o planejamento inicial não havia previsto o aumento 

de efetivo necessário. Em 2012, Agnelo Queiroz (PT) anunciou o pro

grama Ação Pela Vida, inspirado no Pacto pela Vida de Pernambuco. 

Os problemas de planejamento igualmente levaram ao fracasso da 

iniciativa. Ou seja, apesar de os discursos eleitorais apresentarem 

179

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 propostas específicas para a área, até 2014 nenhuma havia sido trans

formada em política de governo.

 A demanda por segurança pública não afetou apenas os votos 

para governador. Ela impactou também o Poder Legislativo do Dis

trito Federal, que passou a ser integrado por deputados eleitos em 

função da sua ligação com as organizações de natureza policial. 

São delegados, agentes de polícia civil, bombeiros e policiais militares. 

Embora tenham sido eleitos por diferentes partidos, esses deputados 

compartilham uma agenda parlamentar essencialmente voltada para a 

defesa dos temas de interesse corporativo, tais como aumento salarial, 

aposentadorias, auxílio-moradia, meia entrada em cinemas etc. Dada as 

suas limitações, nenhuma proposta para reestruturar as relações entre 

as polícias foi apresentada à Câmara Legislativa do Distrito Federal.

 A despeito dos governos prometerem uma política de segurança 

pública efetiva, moderna e democrática, as escolhas dos principais 

atores do campo foram feitas para atender interesses de grupos 

específicos. É o caso da nomeação do comandante-geral da PMDF, 

supostamente uma instituição baseada na hierarquia e disciplina, mas, 

diferente das Forças Armadas, o critério da antiguidade raramente é 

levado em consideração nessa escolha. Com frequência são nomeados 

coronéis novatos, mas que contam com apoio de lideranças políticas 

locais. Isso acaba por gerar conflitos dentro da corporação, enfraque

cendo bastante o comando. Entre 2002 e 2014, a PM distrital teve 

13 comandantes gerais, cerca de um por ano.

 O chefe da Casa Militar era outro ator importante no campo da 

segurança pública local. No caso do governo do DF, era um órgão 

com status de Secretaria de Estado, originalmente destinado a cuidar 

da segurança e da logística do governador. Com o passar do tempo, 

180

CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA

 porém, a Casa Militar foi assumindo novas funções: inteligência, pro

moções e transferências. Isco fez com que o seu chefe se tornasse, 

de fato, a principal autoridade da PM, esvaziando ainda mais o poder 

do comandante-geral.

 Um dos principais mecanismos utilizados pelo chefe da Casa Militar 

para exercer sua influência era a promoção dos novos coronéis. Uma bre

cha na legislação permite que seja promovido um número de coronéis 

maior do que o de vagas existentes no quadro da Polícia Militar. Assim, 

em 2012, a PMDF contava com 61 coronéis, enquanto a Polícia Militar 

do Estado de São Paulo, instituição sete vezes maior, possuía 59.5

 Se a nomeação do comandante-geral da PMDF não seguia critérios 

de desempenho ou antiguidade, o mesmo pode ser dito em relação à 

nomeação do diretor-geral da Polícia Civil. Até 2014, essa escolha depen

dia da rede de apoios políticos que os candidatos conseguissem estabe

lecer. De certa forma, esse critério também era utilizado para a nomea

ção dos delegados chefes de algumas delegacias do Distrito Federal. 

As nomeações do comandante do Corpo de Bombeiros e do diretor do 

Departamento de Trânsito frequentemente seguiam a mesma lógica.

 O secretário de Segurança Pública sem dúvida é um ator fundamen

tal para o planejamento e a coordenação das ações. Entretanto, de acordo 

com a estrutura do governo distrital, a PMDF, a PCDF, o CBMDF e 

o Detran não são órgãos subordinados, mas apenas vinculados à SSP. 

Portanto, eles não precisam prestar contas de suas ações, submeter seu 

orçamento, seu plano de distribuição de efetivos, de promoções etc. 

A despeito do seu poder simbólico, o secretário não tinha efetivamente 

poderes para coordenar a área. Ele era um primo interpares.

 5 Pesquisa Perfil das Instituições de Segurança Pública (2013).

 181

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 A estrutura da SSP também dificultava a coordenação do campo, 

não contava com pessoal próprio – seu quadro era preenchido por 

policiais e bombeiros cedidos. Até 2014, as subsecretarias eram dis

tribuídas entre representantes das polícias e do Corpo de Bombei

ros. Dada a alta rotatividade e a baixa capacitação dos seus quadros, 

sua capacidade de planejamento e de articulação com outras secretarias 

do governo e com a sociedade civil era muito limitada.

 No Distrito Federal as funções de fiscalização e manutenção da 

ordem ficavam a cargo de dois órgãos distintos: a Secretaria de Ordem 

Pública (SEOPS) e a Agência de Fiscalização do Distrito Federal 

(AGEFIZ). Até 2014, a SEOPS era composta majoritariamente por poli

ciais militares que executavam tarefas relacionadas ao controle do uso 

da terra e ao comércio ambulante, sem dispor, entretanto, de poder para 

multar por infrações penais. Quem exercia o poder de fiscalização era a 

AGEFIZ, que não contava com pessoal necessário para desempenhar suas 

funções. Mas, apesar das funções complementares, não existia nenhuma 

instância capaz de coordenar e articular para tanto os dois órgãos.

 Em suma, a configuração do campo da segurança pública da capi

tal federal dificultava a sua governança. Os principais atores políti

cos não dispunham de poderes para executar adequadamente suas 

atividades. A autoridade do comandante-geral da Polícia Militar e do 

diretor-geral da Polícia Civil era bastante limitada, seja pela expansão 

de poderes da Casa Militar, seja pela enorme interferência política do 

Poder Legislativo. A fragilidade da Secretaria de Segurança Pública 

afetava significativamente a capacidade de planejamento, coordenação 

e a articulação das ações.

 Essa configuração do campo era resultado de uma série de 

práticas, discursos e representações sociais que enfatizavam quase 

182

CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA

 exclusivamente a ação das polícias no controle da criminalidade. 

O resultado disso foi a reduzida capacidade do governo do DF de 

criar redes de políticas públicas de segurança.

 Até 2014, o Distrito Federal contava com poucos instrumentos de 

governança das redes de políticas públicas. Embora já estabelecidas em 

lei, algumas das AISP e RISP não coincidiam com as áreas de atuação 

das delegacias e batalhões, dificultando o controle e a coordenação das 

ações, tampouco o seu planejamento era realizado em função dessa 

nova lógica territorial.

 Também não havia um plano de segurança pública estabelecendo 

em lei os objetivos da política, com metas e indicadores claramente 

definidos. O sistema de indicadores e metas, criado em 2012, também 

era incipiente. Ele possuía mais de uma dezena de objetivos, o que cau

sava grande confusão quanto às prioridades da política de segurança. 

Os comitês gestores destinados à cobrança dos resultados funcionavam 

de maneira intermitente, em geral sem a participação do governador.

 Ainda que as polícias possuíssem planejamento estratégico, 

boa parte das ações previstas nunca foi executada. Isso se deve, par

cialmente, à desarticulação entre as ações pactuadas pelas instituições e 

seu planejamento orçamentário. Tampouco, a SSP-DF possuía qualquer 

competência para coordenar esse planejamento e fiscalizar sua execução.

 Nessa configuração, não é de estranhar a pouca efetividade das res

postas produzidas. A despeito das boas condições financeiras, dos gran

des efetivos e bons salários, o DF apresentava altas taxas de homicídios, 

roubos e medo do crime. A partir de 2015 isso aparentemente começou 

a mudar. Foi elaborado um plano de segurança pública com objetivos 

claros, criou-se comitês de gestão, estabeleceu-se metas e indicadores de 

desempenho. Também foi ampliada a capacidade da SSP de coordenar 

183

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 ações, bem como de sistematizar e analisar dados. Entretanto, ainda é 

cedo para avaliar se essas medidas representam, de fato, a ampliação 

da capacidade de governança da segurança pública local.

 Melhorando a governança

 A partir de meados da década de 2010 o quadro de baixa gover

nança começou a mudar. Foram adotadas medidas e implantados meca

nismos visando a melhorar a capacidade governança da segurança 

pública do Distrito Federal. A maior parte das ações se concentrou 

na SSP-DF.6

 Ao longo da década de 2000 eram poucos os estados que tinham 

efetivamente um plano de segurança pública. Igualmente, o Distrito 

Federal também não possuía um plano, com objetivos, metas e indi

cadores bem definidos. A partir de 2015, o quadro começou a mudar. 

Nesse ano, o governo do DF apresentou o plano segurança Viva 

Brasília, com dois objetivos gerais: redução dos crimes violentos letais 

intencionais (homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de 

morte) e aumento da sensação de segurança. Sua implantação previa 

ações em três eixos: responsabilização, indicadores e governança.7

 Para aumentar a responsabilização das ações, foram criadas as 

Áreas Integradas de Segurança Pública e as Regiões Integradas de 

Segurança Pública, integrando as ações das Polícia Militar e Civil. 

As AISP e RISP faziam coincidir as áreas de atuação dos batalhões e 

6 Em 2015, exerci a função de Secretário de Segurança Pública e Defesa Social do 

Distrito Federal.

 7 Em 2019, o governo anunciou o Plano Distrital de Segurança Pública e Defesa Social. 

O novo plano também trazia objetivos, metas e indicadores bem definidos.

 184

CAPíTULO 5: O PODER LOCAL E A SEGURANÇA PÚBLICA

 delegacias de polícia. Isso permitiu que os comandantes e delegados 

que chefiavam as respectivas corporações fossem responsabilizados 

pelo cumprimento dos objetivos e metas do plano.

 Nesse escopo foi criada a Subsecretaria de Gestão da Informação 

(SGI), destinada a produzir os dados e indicadores de criminalidade e 

segurança pública. A unidade também produzia os relatórios técnicos 

e as análises criminais para orientar o planejamento das ações. As ini

ciativas na área passaram a ter seus resultados avaliados.

 Também foram criados os comitês gestores do plano de segu

rança pública, com a finalidade de aumentar a governança das ações. 

No nível operacional, foram implantados os Comitês Gestores Regio

nais, integrados pelos comandantes e delegados de cada RISP. À coor

denação geral da política coube ao Comitê Executivo, presidido pelo 

governador e composto pelo secretário de Segurança Pública, pelos 

comandantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, pelos 

diretores da Polícia Civil e do Departamento de Trânsito.

 Para melhorar o desempenho da investigação dos crimes violentos 

foi criada a Câmara Técnica de Homicídios composta por represen

tantes da PC, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Ali eram 

discutidas soluções para mitigar os problemas de falta de integração 

entre as instituições que compõem o Sistema de Justiça Criminal.

 A instauração de áreas integradas de segurança pública, da SGI, 

dos comitês gestores e da câmara técnica aumentou significativa

mente a capacidade de governança da área, ampliando o papel da 

Secretaria de Segurança Pública. Isso impactou as taxas criminais, 

especialmente aquelas previstas nos objetivos do plano de segurança. 

A Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) avaliou 

os impactos do plano implantado em 2015 (FIGUEIREDO FILHO, 

185

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 FERNANDES, 2020). O estudo mostrou que o Viva Brasília interrom

peu a tendência histórica de estabilidade da taxa homicídios, que caiu 

de 24,3 em 2014 para 11,8 em 2020, uma queda de 51,4%. As taxas 

de crimes contra o patrimônio também tiveram redução significativa.

 Gráfico 5.8 – Taxa de homicídio no Distrito Federal (2000-2020).

 Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (2021)

 186

CAPÍTULO 6  

Os homicídios e a agenda 

de segurança pública

 Como temos sustentado, a baixa capacidade de governança do 

campo da segurança pública, junto com sua histórica desarticulação, 

tem impedido a elaboração de respostas efetivas para os problemas 

que afligem a população. Este é o caso dos homicídios.

 Os crimes desse tipo são uma das maiores tragédias já vivenciadas 

pela sociedade brasileira. Segundo o Escritório das Nações Unidas para 

Drogas e Criminalidade (Unodc), em 2016, dentre as 50 cidades com 

maiores taxas de homicídios no mundo, 43 estavam localizadas na Amé

rica Latina, sendo 19 brasileiras (UNODC, 2016). Em 2017, essas mortes 

violentas totalizaram 63.880 no país, número superior ao somatório de 

todas as contabilizadas na Europa. Além da perda das vidas, esses homi

cídios são um trauma para os familiares, que passam a conviver com 

problemas econômicos e psicológicos difíceis de superar. Mas o que mais 

chama a atenção é que essa realidade se mantém há mais de 30 anos.

 A partir de meados da década de 2010, o crescimento dos homi

cídios ganhou destaque na mídia brasileira. Diariamente os jornais e 

as redes de televisão noticiam casos de mortes violentas e cobram das 

autoridades respostas efetivas para o problema, ou seja, o tema entrou 

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 no debate público. Expressões técnicas como taxa de homicídios, 

taxa de elucidação criminal e letalidade policial foram incorporadas ao 

discurso político. Mas, apesar dessa incorporação, esse número segue 

aumentando sem que sejam elaboradas políticas públicas capazes de 

reverter o quadro. Fundamentalmente, é necessário constituir diferentes 

redes de políticas públicas voltadas para as especifidades do fenômeno.

 Contando as mortes

 Os homicídios tornaram-se uma das principais causas de mortali

dade da população brasileira. No cômputo geral, as mortes por causas 

externas (homicídios, suicídios e acidentes) constituem atualmente 

o terceiro grupo em importância, depois das doenças cardiovascu

lares e das neoplasias. Em 1980 as mortes violentas representavam 

apenas 17,2% do total de óbitos nesse grupo, atrás dos acidentes de 

trânsito, 32,0%. Em 2015, essas proporções foram, respectivamente, 

de 38,3% e 25,0%. No mesmo ano, em números absolutos, o Sis

tema de Informações do Ministério da Saúde (SIM-MS) contabilizou 

59.080, contra 13.910 em 1980. Nesses dois anos, essa taxa por 100 

mil habitantes aumentou 147%, saltando de 11,7 para 28,9 (Gráfico 

6.1). Considerando que muitas dessas mortes não são classificadas 

como homicídios no SIM-MS, o número real é ainda superior.

 Embora o crescimento desse tipo de crime seja uma tendência 

geral, o quadro não é homogêneo, apresentando importantes variações. 

Podemos observar dois períodos distintos. No primeiro, de 1980 a 

2000, as taxas de homicídios tiveram um crescimento acentuado de 

128,2%. A partir daí o ritmo diminuiu. No segundo, de 2000 a 2015, 

essa taxa cresceu 8,2%, pouco se comparado com o período anterior.

 188

189

 CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 Gráfico 6.1 – Taxa de homicídios no Brasil – 1980-2015.

 0

 5

 10

 15

 20

 25

 30

 35

 1980

 1981

 1982

 1983

 1984

 1985

 1986

 1987

 1988

 1989

 1990

 1991

 1992

 1993

 1994

 1995

 1996

 1997

 1998

 1999

 2000

 2001

 2002

 2003

 2004

 2005

 2006

 2007

 2008

 2009

 2010

 2011

 2012

 2013

 2014

 2015

 Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2017.

 As variações nas taxas de homicídios podem ser mais bem per

cebidas se compararmos as regiões brasileiras. Até 2005, Sudeste e 

Centro-Oeste apresentavam taxas superiores à média nacional. A partir 

2000, o quadro mudou bastante. Norte, Nordeste e Centro-Oeste pas

saram a apresentar taxas superiores à média nacional, enquanto Sul e 

Sudeste registraram taxas menores.

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Tabela 6.1 – Taxa de Homicídios por região – 1995-2015.

 Região

 Norte

 Nordeste

 Sudeste

 Sul

 Centro-Oeste

 Brasil

 2000

 18,5

 19,4

 36,6

 15,5

 2005

 25,1

 25,4

 2010

 38,8

 2015

 31,1

 35,5

 27,6

 20,8

 29,3

 26,7

 Fonte: Datasus

 28,2

 26,1

 20,5

 23,6

 31,7

 27,8

 33,8

 16,9

 14,4

 26,3

 28,9

 Apesar do quadro geral ser desalentador, alguns es ta dos regis traram 

diminuição considerável no número de homicídios. Entre 2000 e 2015, 

observou-se a redução das taxas em sete deles: São Paulo (-44,3%); 

Rio de Janeiro (-36,4%), Espírito Santo (-21,5%), Pernambuco 

(-20,0%), Mato Grosso do Sul (-14,2%), Distrito Federal (-9,6%) e 

Paraná (-9,3%). Nos três primeiros do ranking, essa redução parece 

ser consistente, pois a taxa vem diminuindo há mais de cinco anos 

consecutivos. Em Pernambuco, apesar da redução alcançada entre 2007 

e 2013, ela voltou a crescer a partir de 2014.

 Por outro lado, outros estados apresentaram um crescimento sig

nificativo na taxa de homicídios no mesmo período de 2005 a 2015: 

Rio Grande do Norte (+232%), Sergipe (+134%), Maranhão (+130%), 

Tocantins (+128%), Ceará (+122%) e Amazonas (+101%). É impor

tante notar que dentre os que registraram maior aumento, quatro per

tencem à região Nordeste (RN, SE, MA e CE)1. Em suma, embora os 

homicídios no Brasil tenham aumentado significativamente, há uma 

1 Para uma análise das variações nas taxas de homicídios na região Nordeste, 

ver Nóbrega (2010).

 190

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 grande variação entre os estados e regiões. Em alguns a queda do 

número de homicídios é bastante consistente, enquanto noutros o cres

cimento se acentuou a partir de 2010.

 Até 2000, o aumento dessa taxa foi mais acentuado nas dez maiores 

regiões metropolitanas do país, que concentravam 35,6% da população 

brasileira e respondiam por 59,3% do número total. Em 2010, elas res

pondiam por 36% dessas mortes violentas. Essa desconcentração levou 

alguns analistas à interpretação equivocada de que estaria ocorrendo 

uma interiorização do fenômeno, no lastro de uma potencial migração 

do crime organizado nessa direção. A ideia é equivocada porque esse 

fenômeno deveu-se principalmente à redução dos homicídios na Região 

Metropolitana de São Paulo (ANDRADE, DINIZ, 2013). Considerando a 

distribuição desse tipo de crime pelas cidades brasileiras, verificou-se 

que eles seguem concentrados nas mesmas regiões metropolitanas, agora 

não mais nas capitais e sim nos municípios que as compõem.

 Se pudemos constatar uma mudança espacial significativa na distri

buição dessas mortes, o mesmo não pode ser dito quanto à sua demografia. 

Quanto ao sexo, à idade e à raça das vítimas, essa distribuição demográfica 

apresenta um quadro com poucas variações. Os estudos mostram que as 

principais vítimas dos homicídios continuam sendo os homens jovens 

negros e residentes na periferia das grandes cidades brasileiras, sendo a 

arma de fogo o principal instrumento utilizado para a perpetração do ato 

violento. Os bairros mais pobres, onde a prestação de serviços públicos é 

mais precária, são aqueles que apresentam maior incidência de homicídios 

(LIMA, 2002; VASCONCELOS, COSTA, 2005; SOARE, 2008).

 De modo geral, os homens seguem como as vítimas mais fre

quentes desses crimes. Em 2005, eles representavam 91,9% do total, 

percentual que tem variado muito pouco, uma vez que, em 2015, 

191

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 eles representavam 92,2% dos mortos. O mesmo pode-se dizer do per

f

 il etário. Em 2005, cerca de 55,7% das vítimas eram jovens entre 15 e 

29 anos; em 2015, eles respondiam por 52,9% das mortes violentas.

 Também em 2015 cerca de 71% das vítimas eram pessoas negras. 

De acordo com o Ipea, o cidadão negro possui 23,5% mais chances 

de sofrer assassinato, na comparação com cidadãos de outras raças/

 cores, já descontado o efeito da idade, sexo, escolaridade, estado civil e 

bairro de residência (CERQUEIRA, COELHO, 2017). Em 2005 a taxa 

de homicídios das pessoas negras era de 31,8, número que aumentou 

para 37,7 em dez anos.

 A arma de fogo é o principal instrumento utilizado para causar 

mortes violentas. Em 2005, 69,4% dos homicídios foram cometidos 

com esse tipo de arma. O percentual segue praticamente inalterado. 

Em 2015 elas eram 70,9% dos homicídios, percentual alto quando 

comparado com outros lugares do mundo – na Europa, por exemplo, 

apenas 21% dessas mortes foram provocadas por esse meio.

 Os estudos têm demonstrado uma relação entre o aumento do 

número de armas de fogo em circulação e o crescimento de homi

cídios (CUMMINGS et al., 1997; COOK, LUDWIG, 2003, 2006; 

DAHLBERG, IKEDA, KRESNOW, 2004; KAPUSTA et al., 2007; 

HEMENAY, 2014; CERQUEIRA, De MELLO, 2014). Cerqueira e de 

Melo (2014) mostraram evidências de que a cada 1% de aumento na 

quantidade dessas armas faz com que a taxa de mortes violentas cresça 

em torno de 2% nas cidades. Isso acontece por três razões. Em primeiro 

lugar, a maior disponibilidade de armas faz diminuir o seu preço no 

mercado ilegal. Em segundo, de acordo com pesquisas empíricas, 

aumentam as chances de um indivíduo armado sofrer homicídio ao 

ser abordado por criminosos. Por último, muitos crimes letais (sejam 

192

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 feminicídios, brigas de bar e de trânsito, seja conflito entre vizinhos 

etc.) acontecem num ambiente conflituoso, em que o portador de uma 

arma de fogo termina perdendo a cabeça e matando o seu oponente.

 Em função disso, alguns pesquisadores têm sugerido que a apro

vação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, teria contribuído para 

frear o crescimento dos homicídios no Brasil2. De fato, como observa

mos no Gráfico 6.1, o aumento de suas taxas diminuiu a partir de 2000. 

Entretanto, é importante considerar que esse estatuto é apenas um 

instrumento legal. Para implementá-lo efetivamente é necessário que 

as polícias e as autoridades de segurança pública adotem políticas espe

cíficas voltadas para a apreensão e repressão do porte ilegal de armas.

 Continua sendo uma grande incógnita os fatores que explicam o 

espantoso crescimento da violência letal nas últimas décadas. Nem a 

melhoria dos índices de escolaridade nem a redução da pobreza verifi

cadas nesse período afetaram a taxa de homicídio. Esse quadro indica 

que precisamos reexaminar cuidadosamente a ideia de que haveria uma 

estreita correlação entre escolaridade, pobreza e violência. A relação 

automática entre desigualdade e violência também é contestada por 

vários estudos. Afinal de contas, como explicar que a maioria das 

pessoas pertencentes às famílias de baixa renda não ingresse na cri

minalidade e não cometa homicídios?

 Tampouco a relação entre desemprego e violência se sustenta 

empiricamente. Além disso, estudos têm verificado que a grande 

maioria da população penitenciária brasileira é oriunda do mercado 

informal de emprego – boa parte dela jamais teve carteira profissional 

2 Ver o “Manifesto dos pesquisadores contra a revogação do Estatuto do Desarmamento”, 

disponível em: http://agencia.fiocruz.br/sites/agencia.fiocruz.br/files/u34/manifesto_

 contra_a_revogacao_do_estatut o_do_desarmamento.pdf.

 193

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 assinada. Também não se verifica a relação entre a desigualdade social 

e o aumento da violência. Embora o número de mortes violentas tenha 

aumentado mais de 130% últimos 20 anos, a concentração de renda 

no Brasil tem permanecido quase a mesma nesse período (BEATO, 

1998; SAPORI, WANDERLEY, 2001).

 A dificuldade para entender a dinâmica dos homicídios deve-se à 

precariedade das informações sobre o fenômeno. A bem da verdade, 

até agora nos satisfazemos em “contar as mortes”, conforme sugeriu 

Alba Zaluar (1999). Os registros sobre as mortes violentas limitam-se 

a apontar o número de homicídios, o lugar onde os crimes ocorreram, 

o sexo e a idade das vítimas. Não há estatísticas confiáveis sobre as 

motivações das mortes nem as situações em que elas aconteceram, 

tampouco há dados sobre a relação entre vítimas e agressores.

 Os homicídios e seus diferentes contextos

 Os dados existentes sobre homicídios refletem as consequências 

de uma variedade de situações e conflitos, cujo resultado é a morte 

de alguém. A leitura das estatísticas, portanto, não pode dar lugar à 

ideia simplificadora de reduzir o fenômeno a uma única situação. 

As mortes violentas abrangem uma série de comportamentos sociais 

cujas explicações repousam em diferentes dinâmicas e motivações.

 De certa forma, as fragilidades das estatísticas oficiais sobre esses 

crimes têm sido mitigadas pelos trabalhos qualitativos desenvolvidos 

estudiosos do tema. As pesquisas apontam para o fato de que as seguintes 

situações estão fortemente associadas a essas mortes: (1) atividades das 

gangues, (2) disputas relacionadas ao negócio das drogas, (3) atuação de 

grupos de extermínio e (4) mortes decorrentes de conflitos cotidianos.

 194

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 As gangues e a violência

 As gangues são um fenômeno antigo. Há relatos de atividades 

dessa natureza na Roma Antiga e nas cidades europeias da Idade Média. 

Mas foi com o surgimento dos Estados nacionais que elas passaram a ser 

vistas como um problema de ordem social. Embora os primeiros estudos 

nesse campo datem da década de 1890, nos EUA, foram as pesquisas 

ligadas à Escola de Chicago, na década de 1950 que deram destaque 

ao tema (WHYTE, 2005). No Brasil, ele só começou a receber aten

ção ao final nos anos 1990 (ABROMOVAY, 1999; ANDRADE, 2007). 

De forma geral, os trabalhos nacionais e internacionais indicam que os 

jovens das comunidades pobres ingressam nas gangues em função da 

baixa oferta de oportunidades de trabalho, ensino e lazer.

 Dessa forma, as pesquisas passaram a explorar dois aspectos asso

ciados ao fenômeno: a pobreza e a delinquência. A maioria das teorias 

sobre gangues assumiu que elas emergem da pobreza e persistem 

por causa da desorganização social das comunidades pobres (SHOW, 

McKAY, 1942). Os estudos apontaram ainda que a delinquência deri

vava da ação delas.

 Não resta dúvida de que há uma relação entre gangues, pobreza 

e delinquência. Mas é preciso observar que a maioria dos jovens das 

comunidades pobres não ingressa na criminalidade; e nem todos os 

que ingressam na criminalidade são admitidos nas gangues. Portanto, 

ainda que esses grupos pratiquem alguns crimes, nem todas as delin

quências estão associadas a eles.

 Um dos estudos mais completos já realizados sobre gangues foi 

feito por Martín Sánchez Jankowski, que acompanhou ao longo de dez 

anos, as ações de 37 delas nas cidades de Nova York, Chicago, Boston 

195

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 e Los Angeles (JANKOWSKI, 1991). Em boa medida, seus achados 

se aplicam à situação brasileira. Segundo Jankowski, as gangues não 

são simplesmente o resultado da desorganização social; elas são con

sequência de uma ordem social específica existente nas comunidades 

pobres, que não são “desorganizadas”. Ao contrário, são organiza

das em função de uma intensa competição por recursos econômicos 

escassos. Nesse cenário hobbesiano, as gangues são uma das respostas 

organizacionais (não a única) que visam a aumentar as vantagens nessa 

competição. Para entender esse fenômeno é necessário ir além das 

condições socioeconômicas das comunidades nas quais as gangues 

estão inseridas. É preciso compreender as dinâmicas entre os seus 

membros, sua organização e suas relações comunitárias.

 Como já mencionado, se é verdade que as gangues surgem em 

comunidades de baixa renda, também é verdade que nem todos os 

jovens se envolvem com atividades criminosas. Os membros das gan

gues vêm, quase todos, dos grupos de baixa renda e desenvolvem 

aquilo que Jankowski (1991) chama de caráter desafiador . Eles se 

juntam em bandos em busca de status social e pela necessidade de 

satisfazer suas necessidades econômicas. Não é qualquer jovem que é 

aceito por uma gangue, cujo recrutamento é feito de diferentes formas, 

mas segue um padrão que busca identificar os seguintes atributos nos 

candidatos: competitividade, desconfiança, autossuficiência, isola

mento social, instinto de sobrevivência e visão darwinista de mundo.

 A capacidade de manutenção de seus membros depende da habi

lidade das gangues em proporcionar status, apoio financeiro e bens 

materiais. E isso depende da sua eficiência econômica em um cenário 

de escassez, o que, portanto, condiciona quase todas as dinâmicas rela

cionadas às gangues. É em função disso que elas procuram maximizar 

196

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 sua coesão interna. Para tanto é preciso fortalecer sua estrutura de hie

rarquia através da definição de regras e papéis sociais. No seu estudo, 

Jankowski identificou diferentes hierarquias. Em algumas gangues o 

poder se concentra numa única pessoa; noutras, ele é exercido por um 

pequeno grupo, que compartilha as decisões e as tarefas de supervisão. 

Há ainda aquelas gangues cujo poder é compartilhado entre vários 

membros. Nesses casos, a hierarquia é mais frágil e o controle exercido 

sobre seus membros, mais fraco.

 Além de uma organização que proporcione eficiência econômica 

e coesão interna, é preciso que a gangue esteja integrada à comuni

dade. Isso assegura proteção contra outras gangues e agentes estatais, 

mas também implica a necessidade de serem aceitas pelos moradores 

como parte da comunidade. Para isso, as gangues tendem a evitar 

conflitos com a comunidade, além de responder a algumas das suas 

necessidades, especialmente de proteção. Se essa integração for bem--sucedida (e nem sempre é), as gangues passam a gozar de alguma 

legitimidade e ganham a proteção por meio do silêncio e do compar

tilhamento de informações.3

 O grau de estruturação de uma gangue condiciona sua capacidade 

de sobrevivência. Dependendo do tipo de normas e códigos sociais, 

algumas duram mais do que seus membros. No Distrito Federal, 

por exemplo, há gangues que existem há mais de 20 anos, cujos antigos 

membros já morreram ou abandonaram suas atividades. Nesse sentido, 

elas são fatos sociais, como descreveu Emile Durkheim, pois são ante

riores e exteriores aos seus membros (DURKHEIM, 1995). É pouco 

provável, contudo, que a perda de alguns integrantes leve ao seu fim. 

3 Uma dinâmica muito parecida com essa foi descrita por Eric Hobsbawn (2010) ao 

analisar o banditismo rural do início do século XX.

 197

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 De acordo com os estudos, as gangues persistem apesar das mudanças 

na ordem social.

 De todos os aspectos relacionados a esses grupos, a violência 

é certamente o que chama mais a atenção da polícia e da mídia. 

Apesar disso, as diferentes formas de violência associadas a gangues 

ainda são pouco conhecidas. Embora seja parte constitutiva do fenô

meno, a violência pode ser limitada (não eliminada). A qualidade das 

regras e dos códigos internos condiciona o nível de violência asso

ciado às ações dos seus membros. Ao contrário do que sugere o senso 

comum, quanto menos estruturada for uma gangue, maior o nível de 

violência dos seus membros. Há pelo menos cinco situações de violên

cia associadas a elas: i) contra um membro da própria gangue, ii) contra 

membros de outras gangues, iii) contra moradores da comunidade, 

iv) contra outras gangues e v) contra outras organizações criminosas.

 Há casos em que a violência é cometida contra membros da 

própria gangue. Esse comportamento diz respeito à necessidade de 

afirmar a autoridade ou preservar a honra e manter o respeito dos 

demais. Noutras situações, a violência é desferida contra membros 

de outras gangues sem, contudo, implicar uma disputa entre os dois 

grupos. Isso acontece para exercer o controle territorial ou por vin

gança. Não raro, esse tipo de situação acarreta outras vinganças. 

A Polícia Civil do Distrito Federal já identificou situações nas quais 

uma morte resultou num círculo vicioso de vinganças que levaram a 

mais de uma dezena de homicídios. Esse padrão também se repete 

em outras cidades.

 Em geral, as gangues evitam atacar moradores da comunidade, 

uma vez que precisam da proteção que eles oferecem. Quando esses 

ataques acontecem, normalmente estão associados ao medo que seus 

198

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 membros têm de ser denunciados à polícia ou mesmo outra organi

zação criminosa. O descontrole e a frustração também podem levar à 

violência contra moradores. Em geral essas situações envolvem sen

timentos de desrespeito e disputas amorosas. Há também casos de 

ajustes de contas, devido a dívidas contraídas por moradores.

 Os episódios relatados anteriormente referem-se a situações de 

violência individual. Mas há situações de violência coletiva envol

vendo disputa por controle territorial. Por trás dessas disputas estão 

circunstâncias de flutuação no mercado de drogas ou outras merca

dorias ilícitas. Nos momentos de escassez, uma gangue pode decidir 

tomar a área de outra para manter seu nível de negócios.

 Comumente, as gangues juvenis têm sido retratadas como escolas 

preparatórias para o crime organizado. Essa percepção baseia-se no 

fato de que os seus membros adquirem habilidades e conhecimentos 

úteis para a criminalidade profissional. Os estudos mais recentes, entre

tanto, indicam que isso não é tão frequente assim. Especialmente no 

que diz respeito ao negócio das drogas.

 Enquanto algumas organizações controlam boa parte da cadeia de 

suprimentos do mercado de drogas ilegais, as gangues se concentram 

na fase da distribuição. O que implica a convivência entre os diversos 

atores que compõem o negócio. Geralmente as gangues escolhem 

manter algum grau de autonomia, enquanto as outras organizações 

criminosas preferem que elas se tornem seus agentes. Esses conflitos 

de interesses podem precipitar disputas violentas. Ou seja, ao contrário 

do que sugere o senso comum, as gangues não são necessariamente 

escolas preparatórias para o crime organizado. É mais interessante 

pensá-las como atores autônomos de uma grande cadeia produtiva na 

qual está estruturado o negócio das drogas.

 199

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 O desconhecimento sobre o funcionamento das gangues e das diver

sas situações de violência associadas a elas tem levado pesquisadores e 

autoridades a desenvolver visões distorcidas. Primeiro, as “guerras às 

gangues” não implicam extinção dos grupos, pois o fenômeno é capaz 

de persistir. Nessas situações é necessário que a polícia intervenha para 

evitar uma escalada da violência. Segundo, nem todas violências asso

ciadas a esses grupos derivam de estratégias para manter o negócio das 

drogas. Muitas violências resultam de aspectos simbólicos relacionados 

às noções de honra, prestígio e consideração. Terceiro, embora não 

possam eliminar a violência, as gangues e suas comunidades podem 

limitá-la a partir de normas, códigos e acordos recíprocos.

 Para reduzir as violências associadas a elas é necessário implantar 

políticas públicas que incluam, além das polícias, atores das áreas 

de educação, saúde, juventude, assistência social, trabalho, esporte e 

cultura. É preciso também engajar o Judiciário, o Ministério Público 

e a Defensoria Pública. A sociedade civil pode atuar junto à juven

tude dos bairros pobres das periferias das grandes cidades brasileiras. 

Em suma, é necessário formar uma ampla rede de políticas públicas, 

com elevada capacidade de governança.

 As facções e o negócio das drogas

 As pesquisas têm destacado a relação entre os homicídios e o 

negócio das drogas (BEATO FILHO et al., 2001; ZALUAR, 2002, 

2004). A probabilidade de morte violenta tende a aumentar quando se 

verifica algum tipo de envolvimento com essas atividades. O negócio 

das drogas compõe um importante setor da economia global que opera 

a partir de diferentes estruturas organizacionais. Algumas delas são 

200

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 fundadas em bases locais e étnicas, nas quais os aspectos culturais e 

vínculos familiares desempenham papel fundamental. Outras organiza

ções, entretanto, não guardam vínculos com as comunidades nas quais 

estão inseridas. Nesses casos, elas funcionam como filiais de uma estru

tura que pode ter base noutro bairro, cidade e até mesmo noutro país.4

 A flexibilidade e a versatilidade são dois aspectos relevantes do 

negócio das drogas. Além do envolvimento das gangues, observou-se 

nas últimas décadas o surgimento de outros tipos de organizações 

ligadas a ele. Dependendo do país, são chamadas de máfias, cartéis 

ou marras. No Brasil, geralmente são chamadas pela mídia de facções 

criminosas. Há várias delas em atuação no país: Primeiro Comando da 

Capital, Comando Vermelho, Terceiro Comando, Amigos dos Amigos, 

Bala na Cara, Família do Norte.

 Diferente das gangues, as facções são um fenômeno recente. 

Alguns relatos indicam que elas teriam surgido no Brasil a partir da 

década de 1980. Seus membros, apesar de jovens, tendem a ser mais 

velhos do que os integrantes de gangues juvenis. Elas não possuem neces

sariamente vínculos com as comunidades locais e apresentam um grau 

de estruturação maior. Algumas têm códigos de condutas escritos e todas 

possuem estrutura hierárquica bem definida. As facções se inserem em 

várias etapas da cadeia produtiva e distributiva do negócio das drogas. 

Seu modus operandi é a formação de redes em níveis locais, nacionais e 

internacionais, como destacou Manuel Castells (1999). São essas redes e 

seus conflitos de interesse que geram violência, especialmente homicídios.

 No caso brasileiro, em especial nos últimos anos, pudemos perce

ber a melhoria da capacidade de coordenação e articulação das ações 

4 Para uma análise das conexões entre as marras e as gangues dos EUA, ver Bruneau, 

Dammert, Skinner (2011).

 201

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 de diferentes facções criminosas (novas ou preexistente). Isso se deve, 

em parte, às características do nosso sistema penitenciário. Há inúme

ros relatos sobre como o convívio nas prisões entre membros de grupos 

criminosos deu origem às redes de crime organizado (DIA, 2013, 

2014; ALVAREZ, SALLA, DIAS, 2013). A melhoria da governança 

dessas redes é evidenciada pela sua capacidade de promover rebeliões 

simultâneas em presídios.

 Mais recentemente, temos assistido a ações violentas e espetacu

lares realizadas por essas facções criminosas contra estabelecimentos 

policiais, transporte público, comércio e escolas. Isso tem chamado a 

atenção das autoridades políticas, das lideranças policiais e dos mili

tares, bem como tem contribuído bastante para aumentar o sentimento 

de insegurança da população em geral. Em função disso, tem crescido 

a pressão para que as forças de repressão intensifiquem suas ativida

des e, também, para que sejam estabelecidas penas mais duras contra 

esse tipo de crime.

 A violência associada às facções deriva das características dos 

conflitos existentes no negócio das drogas. Ao contrário das gangues, 

não é necessariamente a situação de escassez que gera disputas entre 

elas. Como em outras atividades econômicas, há uma tendência de 

buscar ampliar a participação desses grupos no mercado de drogas. 

Algumas facções têm diversificado sua atuação na cadeia produtiva, 

desenvolvendo simultaneamente atividades ligadas à produção, ao trans

porte e à distribuição de drogas. Há casos em que elas estenderam sua 

participação a ponto de exercerem quase um monopólio dessa distri

buição. É a busca pelo aumento de participação no mercado que tem 

gerado a maioria dos conflitos que se observa atualmente. Como são 

grupos bem estruturados, atuando num mercado ilegal – portanto, 

202

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 não regulado – bastante lucrativo, os conflitos tendem a ser muito mais 

violentos e espetaculares que as disputas entre gangues. Nas guerras entre 

as facções é frequente a utilização de fuzis, granadas e metralhadoras.

 Os efeitos desse tipo de crime organizado não desafiam apenas a 

autoridade dos agentes estatais. Sua consequência mais grave é sentida 

pelas pessoas que residem nas áreas onde esses grupos criminosos 

se instalam. A expansão do negócio das drogas encontrou condições 

favoráveis nas periferias e comunidades pobres dos grandes centros 

urbanos brasileiros. No plano comunitário, a presença das facções veio 

a deteriorar ainda mais o já frágil tecido social. Em alguns lugares, 

elas se transformaram no poder central. Moradores incômodos foram 

expulsos ou mortos, bem como as associações de bairro foram esva

ziadas e perderam substancialmente participação no debate político. 

De modo geral, a sua presença alterou profundamente toda a rede de 

sociabilidades locais, das famílias às igrejas, passando pelos blocos 

de samba e times de futebol (ARIAS, 2007).

 No plano individual, essas facções exercem uma grande influên

cia sobre a juventude pobre. Diferente das gangues, cuja escassez 

material limita sua capacidade de recrutamento, a alta lucratividade 

do negócio das drogas permite que essas organizações empreguem 

uma grande quantidade de jovens em variadas funções e hierarquias. 

Para esses jovens, o pertencimento a um grupo criminoso e a posse de 

uma arma operam como mecanismos de reconhecimento num cenário 

de exclusão social. Nesse contexto, a violência deixa de ser simples

mente uma estratégia de ação e passa a ser o próprio instrumento de 

expressão social. Esse tipo de violência expressiva põe em cena uma 

juventude pobre que aspira reconhecimento social (PERALVA, 2000; 

WIEVIORKA, 2004)A falta de compreensão dos diferentes atores que compõem o negó

cio das drogas e a falta de clareza quanto a suas dinâmicas de expansão 

e diversificação têm levado a respostas equivocadas por parte das auto

ridades. A “guerra às drogas”, inaugurada na década de 1970 nos EUA e, 

posteriormente, incorporada no discurso brasileiro, mostrou-se ineficaz 

por dois motivos. Primeiro, é praticamente impossível acabar com o 

negócio agindo somente sobre o polo da oferta sem tratar da demanda 

por drogas. Sejam lícitas ou ilícitas, elas fazem parte da cultura urbana 

do século XXI. A criminalização do uso, porte e comércio de drogas não 

gerou efeitos significativos sobre o negócio. E, é pouco provável que a 

simples descriminalização do consumo mude significativamente esse 

quadro. Por outro lado, as recentes iniciativas de regulação da cadeia pro

dutiva nos EUA, Uruguai e Canadá, disciplinando a forma de produção e 

distribuição, podem trazer resultados melhores. Mas isso só o tempo dirá.

 Segundo, embora a atuação das facções seja ditada pela economia 

informal da droga, os seus conflitos podem e devem ser limitados 

pelo Estado. Uma vez que as facções são bem mais estruturadas que 

as gangues, elas podem limitar o conflito. Mas, para tanto, o poder 

estatal precisa ampliar sua capacidade de intervenção nos conflitos 

entre esses grupos. Ou seja, ser capaz de governar o crime.

 As iniciativas mais bem-sucedidas para inibir a ação das facções 

têm utilizado a lógica de formação de forças-tarefa que incluem tanto 

atores federais quanto estaduais, como a Polícia Federal, as polícias 

civis, o Ministério Público e os ministérios da Justiça, das Relações 

Exteriores e da Economia. Esses atores participam de diferentes redes 

para troca de informações, recuperação de ativos, proteção a teste

munhas e inteligência financeira e fiscal. E, como vimos, a eficiência 

dessas redes depende da capacidade de governança do Estado.

 204

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 Os grupos de extermínio

 Embora as estatísticas criminais apontem um aumento no número 

de furtos e roubos à residência, o comércio continua sendo o principal 

alvo dos crimes contra o patrimônio. Além disso, eles não se distribuem 

de forma homogênea pelo espaço urbano. Ao contrário, existe uma 

concentração espacial que é influenciada pelas condições socioeco

nômicas e demográficas das áreas urbanas. Alguns locais concentram 

uma proporção grande dos crimes contra o patrimônio (COSTA, 2011).

 Os grupos mais afetados por essa forma de criminalidade têm 

adotado diversas estratégias para mitigar o problema. Em alguns 

casos, eles pressionam as autoridades a adotar programas especiais 

de policiamento das áreas comerciais e residenciais. Também temos 

verificado o crescimento e a sofisticação de sistemas de vigilância 

privada. Acompanhando a tendência mundial, a sociedade brasileira 

tem se deparado com o aumento do número de empresas de vigilân

cia privada. Devido às características do aparato legal e burocrático 

nacional, boa parte delas é irregular e está submetida à fiscalização 

precária (LOPES, 2014, 2015; ZANETIC, 2012, 2013).

 Com relação às áreas residenciais, observamos nos últimos 20 anos 

o surgimento de novos padrões de moradia, condomínios verticais e 

horizontais, cuja característica comum é a centralidade da preocupação 

com a segurança dos seus moradores. Esses condomínios são verda

deiros “enclaves fortificados”, como apontou Teresa Caldeira (2000).

 As áreas comerciais dos bairros de classe alta e média, entretanto, 

não são as únicas afetadas por essa modalidade criminosa. Ao con

trário, são as regiões menos nobres que concentram o maior número 

de crimes contra o patrimônio. As principais vítimas são pequenos 

205

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 comerciantes, que dificilmente contam com a atenção das autorida

des, tampouco dispõem de um sofisticado e caro aparato de segurança 

privada. Nessas áreas, são frequentes os relatos sobre a atuação de 

grupos de extermínio e justiceiros, que agem à margem da lei e, fre

quentemente, são integrados por policiais. Via de regra, contam com 

apoio financeiro de comerciantes e empresários, vendendo a proteção 

que o Estado é incapaz de proporcionar. Para isso, se encarregam de 

“limpar” a área dos criminosos e delinquentes. São frequentes os relatos 

de grupos de extermínio e justiceiros atuando nas periferias das gran

des regiões metropolitanas. Além desses grupos, verifica-se também o 

surgimento de milícias, especialmente no Rio de Janeiro, que além de 

vender proteção, também exploram a prestação de alguns serviços nas 

comunidades pobres (i.e., televisão a cabo, internet, gás etc.).

 O vigilantismo, como é conhecido esse fenômeno, tem sido empre

gado para conter o crime e controlar determinados estratos sociais, 

como prostitutas, homossexuais e indígenas. Trata-se de grupos extrale

gais, organizados para manter a lei e a ordem pelos seus próprios meios. 

Para tanto, eles se valem da violência para criar, manter ou recriar uma 

ordem sociopolítica (ROSENBAUM, SEDERBERG, 1976). A atuação 

desses grupos de extermínio e justiceiros não é um fenômeno novo, 

tampouco exclusivo do Brasil. Há diversos relatos de ação similar 

nos EUA até a década de 1960. Atualmente, sua presença também é 

frequente em algumas cidades da América Latina.

 É importante notar que o vigilantismo é uma forma de controle 

social exercido por determinados grupos da sociedade. O Estado não 

tem participação direta nas ações, relacionando-se com o fenômeno de 

forma indireta, ao consentir tacitamente sua ocorrência. Nesse caso, 

a sociedade civil cria mecanismos privados para desempenhar a função 

206

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 coercitiva. Basicamente, esses grupos percebem os mecanismos formais 

de controle social e de administração da justiça como fracos, inadequa

dos ou insuficientes. Tais deficiências justificariam “fazer a justiça com 

as próprias mãos”. Ao longo da história, o vigilantismo tem sido empre

gado para conter o crime, controlar determinados grupos indesejados.

 Para eliminar os grupos de extermínio é preciso a participação 

das polícias civis e militares, do Ministério Público, da Justiça Militar, 

das ouvidorias e corregedorias de polícia. Além disso, para enfrentá-los 

é preciso programas de proteção a testemunhas. Em suma, é necessário 

formar e coordenar uma rede de políticas públicas. Isso requer elevada 

capacidade de governança.

 Os conflitos intersubjetivos

 Parte significativa dos homicídios registrados no Brasil pode ser 

computada às tensões intersubjetivas não necessariamente relacionadas 

às gangues, ao tráfico de drogas ou grupos de extermínio. Trata-se 

de conflitos entre pessoas conhecidas, cujo resultado muitas vezes 

é a morte de uma das partes. Essas situações compreendem confli

tos entre cônjuges, parentes, amigos, vizinhos e colegas de traba

lho. Resultam geralmente de conflitos cotidianos, nos quais os atores 

sociais envolvidos são incapazes de administrá-los de forma a não 

produzir aquelas mortes (COSTA, 2011).

 Esses eventos historicamente fazem parte do cotidiano de boa 

parte da sociedade brasileira (FRANCO, 1997). A noção de conflito 

intersubjetivo aponta, portanto, para o contexto relacional do qual 

emerge a discórdia. Inclui aqueles que ocorrem em espaços de rela

tiva intimidade, como os domésticos e conjugais, e, para além deles, 

207

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 os que acontecem na vizinhança, nos espaços de lazer (especialmente 

nos bares), de trabalho, de negócios, de culto religioso. Essa noção é 

útil para distinguir os antagonismos abrigados nas relações cotidianas 

daqueles que surgem de relações contingentes nas quais os objetivos 

da ação são claramente definidos (COSTA, BANDEIRA, 2007).

 Nos estudos sobre os homicídios existe uma concepção domi

nante a respeito da pacificação das sociedades modernas, bem como 

sobre a crescente monopolização da força física por parte do Estado. 

Nessas condições, os indivíduos estariam compelidos a reprimir seus 

impulsos violentos, de forma que haveria uma tendência de se buscar 

entender a violência em termos racionais e estratégicos. As questões 

relativas ao que essa violência significa para seus autores e vítimas 

(ou o que ela expressa) têm sido tratadas de forma secundária.

 Desse modo, o comportamento violento é visto como uma estratégia 

ilegítima para alcançar determinados objetivos. Por outro lado, estamos 

inclinados a pensar que os casos em que essa estratégia e esses objetivos 

não são claramente definidos como situações anormais, irracionais nas 

quais a violência está desprovida de sentido. Isso talvez explique por que 

frequentemente nos referimos a uma “violência sem sentido” quando 

não conseguimos reconhecer facilmente os meios e fins daquela ação.

 Ao invés de definir a violência a priori como irracional, porém, 

é necessário considerá-la como uma forma de interação ou expressão. 

Uma forma de ação que foi histórica e socialmente construída e é capaz 

de dar sentido e significado à violência, que ao ser qualificada como irra

cional, sem sentido ou significado apenas reflete uma tendência de analisar 

os casos em que ela ocorre de forma dissociada do seu contexto. De fato, 

sem o conhecimento das suas circunstâncias e sem qualquer descrição do 

seu contexto, é provável que muitos casos de violência sejam considerados 

208

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 “irracionais” e “sem sentido”. Ironicamente, esse tipo de abordagem fecha 

as portas para os estudos exatamente onde eles deveriam começar: na aná

lise da sua forma, do seu significado e do seu sentido (BLOK, 2001).

 Essa visão instrumental é mais grave quando nós sabemos que 

diversas formas de violência rotuladas com irracionais ou sem sentido 

são orientadas por normas, protocolos e prescrições. Noutras palavras, 

são estruturadas e ritualizadas. Sabemos, por exemplo, que muitos 

casos de homicídios resultam de insultos e ameaças. Nós também 

sabemos que o significado do insulto varia de acordo com o contexto 

social e cultural, bem como do fato de algumas pessoas serem mais 

sensíveis a eles que outras. Quando realizados em público, os insultos 

podem incluir formas de violência verbal e agressão física. Isso é parti

cularmente válido naquelas sociedades que desenvolveram forte senso 

de honra, como os cientistas sociais têm apontado. Especialmente para 

os homens dessas sociedades, a forma mais recorrente de preservar a 

sua honra e resguardar a sua reputação é o uso da violência.

 As mortes decorrentes de conflitos intersubjetivos resultam das fra

gilidades das instituições destinadas à sua administração. Juizados espe

ciais criminais, programas de justiça restaurativa, comunitária e do tra

balho e de mediação nas escolas e de justiça do trabalho desempenham 

papel importante no esforço para constituir redes de políticas públicas 

destinadas à administração de conflitos.

 A investigação criminal de homicídios

 Investigar e elucidar homicídios é uma das principais estratégias 

para reduzir esse tipo de crime. Assim, alguns países têm realizado 

reformas a fim de melhorar o desempenho das unidades policiais 

209

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 encarregadas da sua investigação. Em alguns casos, passou-se a inves

tir maiores recursos para melhorar os órgãos de perícia, num esforço 

de priorizar as provas técnicas em detrimento das provas testemunhais.

 Segundo o Estudo Global sobre Homicídios, elaborado pela ONU 

em 2015, algumas nações apresentaram taxas elevadas de elucidação 

de homicídios, como Alemanha (96%), Japão (95%), Inglaterra (81%), 

Canadá (80%) e EUA (59%). No Brasil ainda não é possível determi

nar essa taxa, uma vez que não existe um sistema de indicadores que 

permita mensurar o desempenho da investigação criminal.

 Segundo um levantamento feito pelo Instituto Sou da Paz em 

2019, no Brasil apenas 12 estados brasileiros de estatísticas sobre 

elucidação de homicídios5. Nesses estados as taxas de elucidação de 

homicídios dolosos variaram entre 10,3% no Pará e 73,2% no Mato 

Grosso do Sul. Apenas quatro estados esclareceram ao menos metade 

dos homicídios dolosos registrados.

 De forma geral, nos bairros pobres brasileiros com grande número 

de homicídios as delegacias de polícia, quando existem, funcionam 

em condições precárias. Elas não possuem efetivo policial suficiente 

para investigar os crimes, tampouco dispõem de viaturas e instala

ções adequadas. Os investigadores dificilmente contam com apoio 

f

 inanceiro para desenvolver as atividades de busca de informações. 

Nesse cenário, a maior parte dos inquéritos concluídos e enviados ao 

Ministério Público são aqueles cujos agressores foram identificados 

e capturados em flagrante pela população ou pela PM.

 Além da falta de policiais, a precariedade dos órgãos de perí

cia também afeta a capacidade dos investigadores de juntarem aos 

5 Instituto Sou da Paz. Onde mora a impunidade. Relatório de Pesquisa, 2019.

 210

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 processos provas técnicas, mais robustas e bem aceitas nos tribunais. 

Assim, as investigações, quando ocorrem, baseiam-se fundamental

mente nos depoimentos de testemunhas. E, mesmo nos casos com fato 

material testemunhal, com frequência impera a lei do silêncio. Assim, 

ainda que tenha sido possível identificar o agressor, a produção de 

provas a partir de testemunhos e técnicas é uma raridade.

 Isso acontece por dois motivos. Primeiro, muitos crimes estão rela

cionados à atuação de gangues ou ao negócio das drogas. E a certeza 

de não poder contar com a proteção da polícia faz com que as teste

munhas se calem. Segundo, a falta de confiança nas polícias, por um 

histórico de violências ou de extorsões, torna a busca de informações 

mais difícil ainda.

 Em regra, o treinamento dos investigadores é bastante precário. 

O currículo das academias de polícia não contempla satisfatoriamente 

os conhecimentos necessários à investigação criminal – por exemplo, 

são raros os cursos específicos sobre perícia e técnicas de interroga

tório. Há poucos incentivos institucionais para o aperfeiçoamento 

dos investigadores. Nesse contexto, os saberes relacionados à inves

tigação de homicídios são transmitidos aos novatos pelos policiais 

mais experientes.

 A articulação entre os diferentes profissionais envolvidos na inves

tigação é pequena. Em geral, investigadores, peritos, delegados e promo

tores não articulam nem coordenam suas ações, de forma que a investi

gação se torna uma verdadeira babel, onde diferentes atores sobrepõem 

seus relatos e suas interpretações sobre o crime e seus autores. Não raro, 

mesmo nos casos em que é possível determinar a autoria, o processo cri

minal não resulta em prisão, seja por falta de provas, seja por diferentes 

interpretações de delegados e promotores ou porque o agressor fugiu.

 211

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Apesar do quadro caótico, há boas iniciativas de reestruturação 

da investigação de homicídios. Visando a aumentar a rapidez, inte

gração e coordenação dos trabalhos investigativos, alguns estados 

criaram delegacias especializadas nesse tipo de crime. Normalmente, 

essas unidades contam com maiores efetivos, destinados, em particular, 

às atividades relacionadas à elucidação de mortes violentas. Os efetivos 

são divididos em equipes que atuam em áreas específicas. Em algumas 

dessas delegacias, as equipes encarregadas de investigar o local do 

crime contam com a participação de peritos.

 Outra iniciativa que tem melhorado o desempenho das polícias na 

investigação de crimes violentos é a criação de câmaras técnicas integra

das por representantes das polícias, dos órgãos de perícia, do Ministério 

Público, do Judiciário e da Defensoria Pública. O objetivo dessas instân

cias é resolver os problemas do fluxo do processo de persecução penal.

 As políticas sociais de prevenção de violências

 Em curto prazo a melhoria na investigação dos homicídios é capaz 

de reduzir a incidência desse crime. Mas isso não assegura que essas 

mortes não voltem a ocorrer em médio e longo prazo. Há um consenso 

entre os pesquisadores segundo o qual para mitigar as causas dos 

homicídios é necessário implantar políticas sociais de prevenção, cujos 

efeitos alcançariam as novas gerações e, portanto, seriam sentidos no 

longo prazo. O grande desafio é conferir efetividade a essas políticas.

 De forma geral, as mortes violentas são um fenômeno espacial

mente concentrado. Segundo o Atlas da Violência no Brasil, em 2016 

apenas 573 municípios que concentravam 70% dos crimes dessa natu

reza, dos quais 123 respondiam por cerca de 50% do total registrado 

212

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 no país (IPEA, FBSP, 2017) Os estudos também mostram que em boa 

parte desses municípios o fenômeno está localizado em poucos bairros 

que respondem por uma grande quantidade homicídios.

 A concentração espacial desses crimes evidencia uma lógica de 

reprodução da violência urbana. Ela se reproduz nas comunidades 

pobres, com precária infraestrutura urbana e baixa oferta de trabalho. 

Nesses lugares, a falta de professores nas escolas e de médicos nas uni

dades de saúde acontece com maior frequência, assim como a disponibili

dade de equipamentos de cultura e lazer é pequena. Além disso, os mora

dores dessas comunidades são estigmatizados no mercado de trabalho. 

É também nesses lugares que as relações dos policiais com os moradores 

são mais tensas, marcadas por incidentes de arbitrariedade e violência.

 Outro aspecto importante dessa violência é que, além de concen

trada, ela também é duradora. A concentração dos homicídios não é 

uma fotografia tirada numa data específica. Ela é um filme que mostra 

a repetição de padrões de comportamento por gerações. Fica claro, 

desse modo, que tanto as análises quanto as iniciativas para tratar o 

problema não podem se resumir aos indivíduos que cometem crimes. 

É necessário considerar os efeitos do bairro e a importância dos vín

culos comunitários sobre a juventude pobre (SAMPSON, 2012). 

Em função disso, gestores de segurança, policiais e pesquisadores 

passaram a analisar o fenômeno a partir de uma abordagem epide

miológica, levantando os grupos, as situações e as áreas de risco. 

Entretanto, ainda são poucas as políticas que concentram seus recursos 

em determinados grupos sociais (jovens, mulheres, indígenas etc.), 

em determinadas situações (brigas de bares, conflitos interpessoais e 

conflitos fundiários, entre outros). Também são pouco frequentes as 

políticas que concentram seus recursos numa área delimitada.

 213

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Há várias experiências de políticas públicas preventivas que, 

em função do sucesso, têm sido replicadas em outros bairros e cidades. 

Uma delas é o projeto Promotoras Legais Populares, implementado 

no Rio Grande do Sul em 1993. Desde então replicado em outros 

estados, seu foco é a violência contra as mulheres, visando a transmitir 

conhecimentos teóricos e práticos sobre aquilo que elas reconhecem 

como situações de violência e de violação de direitos e apontando os 

mecanismos jurídicos para sua proteção. O projeto realiza cursos de 

capacitação para mulheres que frequentam oficinas de debates sobre 

direito e cidadania, enfocando as questões de gênero.

 O Programa Fica Vivo é outro exemplo. Trata-se de uma política 

de prevenção com foco nos adolescentes e jovens de 12 a 24 anos. 

Criado a partir de uma iniciativa da Universidade Federal de Minas 

Gerais, ele foi inicialmente implantado em 2002 nos bairros de Belo 

Horizonte que registravam maior concentração de homicídios. O pro

grama promovia oficinas de esporte, cultura e arte, articulando-se, 

além disso, com outros serviços públicos para encaminhamentos de 

adolescentes e jovens (SILVEIRA et al., 2010).

 No âmbito internacional, o Programa Ceasefire tem sido replicado em 

diferentes países, especialmente na América Central. Inicialmente implan

tado em Boston (EUA), em 1996, surgiu de uma parceria entre pes

quisadores e profissionais de segurança pública, com foco na violência 

associada às gangues. Para isso, foi introduzido nos bairros com maior 

incidência de violência juvenil e nos quais a atuação das gangues era 

mais frequente (BRAGA et al., 2001).

 Não faltam bons exemplos de programas de prevenção de violên

cia e de inserção de jovens. Embora muitos ainda precisem ser mais 

bem avaliados, o maior desafio é a formação e a coordenação de uma 

214

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 rede de políticas sociais de prevenção de violências. O que depende, 

portanto, da capacidade de governança. A formação de uma rede desse 

tipo está centrada na ideia de que os vários atores (públicos e privados) 

encarregados de implantar essas políticas agirão de forma coordenada. 

No caso das políticas de prevenção de homicídios, espera-se nos bair

ros mais afetados vários projetos e programas voltados para os grupos 

e situações de risco. Fazer com que diferentes atores implantem seus 

programas de prevenção nas mesmas áreas consideradas prioritárias 

requer uma alta capacidade de governança.

 Os problemas da agenda da redução de homicídios

 Ao longo das últimas décadas, o governo federal apresentou cinco 

planos para a área. Em junho de 2000, foi anunciado o Plano Nacio

nal de Segurança Pública (PNSP), cujo objetivo era articular ações de 

repressão e prevenção da criminalidade no país. O plano compreendia 

15 compromissos que se desdobravam em 124 ações, envolvendo temas 

relacionados ao crime organizado, controle de armas, capacitação profis

sional e reaparelhamento das polícias. Em 2007, foi criado o Programa 

Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci). Entre seus princi

pais eixos destacam-se a valorização dos profissionais de segurança 

pública; a reestruturação do sistema penitenciário; o combate à corrup

ção policial; e o envolvimento da comunidade na prevenção da violência. 

Em 2012 foi lançado o Brasil Mais Seguro, cujo objetivo geral era a 

redução da criminalidade violenta no país. Ele previa ações voltadas 

ao enfrentamento à impunidade, ao aumento da sensação de segurança, 

ao controle de armas e ao combate a grupos de extermínio. Ou seja, 

nenhum desses três programas tinha foco na redução dos homicídios.

 215

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Em 2015 foi anunciado o Plano Nacional para Redução de Homi

cídios, que previa ações focadas nas áreas com maior concentração 

de mortes violentas, integração de políticas públicas, mobilização e 

participação social, bem como a articulação entre os governos subna

cionais. Em 2017, foi a vez do Plano Nacional de Segurança Pública, 

que apresentava vários objetivos: redução de homicídios dolosos e 

feminicídios; redução da violência contra a mulher; racionalização e 

modernização do sistema penitenciário; e combate integrado à crimi

nalidade organizada transnacional. Apesar de apresentarem objetivos 

específicos de redução de homicídios, nenhum dos dois planos con

seguiu se concretizar e implantar as ações previstas originalmente.

 A falta de agenda política para o problema dos homicídios não se 

resumiu aos governos federais. Até 2015, foram raros os estados que 

adotaram planos voltados especificamente para a redução das mortes 

violentas. Na maior parte dos casos, eles se limitaram a implantar 

ações isoladas para lidar com o problema, normalmente a cargo das 

polícias. A maioria das iniciativas estaduais tem fracassado devido à 

falta de um planejamento abrangente capaz de envolver diversos atores 

em uma rede de políticas públicas. Também raros foram as unidades 

federativas que adotaram medidas para incrementar sua capacidade 

de coordenar e articular ações de segurança pública. A ausência de 

mecanismos de governança tem gerado problemas de dispersão e 

incoerência dessas ações.

 Com frequência, falta foco às iniciativas para redução de homicí

dios. Apesar do fenômeno se concentrar em algumas áreas, grupos e 

situações de risco, as ações são dispersas. Os bairros com maior incidên

cia de mortes não são necessariamente aqueles que recebem maiores efe

tivos e equipamentos de polícia. Esses locais, geralmente, não possuem 

216

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 delegacias especializadas em investigação de mortes violentas, tam

pouco contam com programas voltados para a prevenção de violências.

 Há problemas de incoerências, uma vez que algumas ações têm 

pouca relação como a redução dos homicídios. Não raro, os gover

nos implantam programas inovadores de policiamento comunitá

rio, vídeomonitoramento, rondas ostensivas, delegacias legais que, 

embora sejam importantes, não têm efeitos diretos na redução desses 

crimes. Também tem sido comum a adoção de estratégias tradicionais 

de policiamento voltadas para a prisão em flagrante de criminosos, 

rientadas por um discurso de guerra às drogas. Em alguns estados 

também são adotadas ações de enfrentamento às facções criminosas. 

E, em geral, os resultados são frustrantes porque essas estratégias tra

dicionais de policiamento têm mostrado pouca efetividade na redução 

das mortes violentas.

 Mas, apesar dos problemas de dispersão e incoerência, o princi

pal obstáculo para reduzir crimes dessa natureza é a falta de políticas 

públicas específicas. A despeito dos números e discursos sobre o tema, 

poucos governos elaboraram e implantaram políticas nesse sentido.

 A ausência de uma agenda para a redução dos homicídios não é 

decorrência da invisibilidade do problema, mas sim da sua especifici

dade. Desde a década de 2000, as mortes violentas no país deixaram 

de ser invisíveis. Graças aos esforços de pesquisadores, elas ganharam 

visibilidade nacional e passaram a fazer parte do debate público sobre 

segurança. As cifras sobre os homicídios são amplamente conhecidas 

pela mídia, pelas autoridades políticas e pelas lideranças policiais.

 Como vimos, as mortes violentas são bastante concentradas: suas prin

cipais vítimas são jovens negros, moradores dos bairros mais pobres 

das cidades que compõem as periferias das grandes cidades e regiões 

217

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 metropolitana do Brasil. Portanto, um mesmo problema que atinge 

de diferentes formas boa parte das famílias brasileiras.

 No plano discursivo, os homicídios não têm sido tratados como 

um fenômeno autônomo, com causas e dinâmicas próprias. De forma 

geral, eles são vistos como parte de um problema mais amplo, apa

recendo como um indicador de segurança pública, junto com outras 

modalidades, como roubos, furtos e fraudes. Esses indicadores têm 

sido utilizados para descrever uma categoria mais abrangente chamada 

de violência. Entretanto, ela, a violência, é um conceito polissêmico 

que assume diferentes significados dependendo de quem fala. O desafio 

da formação da agenda é fazer com que essas mortes deixem de ser 

apenas um indicador da violência e se tornem um desafio cuja supe

ração requer políticas específicas.

 Como dito antes, o quadro dos homicídios começou a mudar a 

partir de meados da década de 2010. Entre 2011 e 2020, observou--se a redução dessas taxas nos seguintes estados: Distrito Federal 

(-51,4%), Alagoas (-51,1%), Paraná (-34,7%), Paraíba (-34,3%), 

Minas Gerais (-34,3%), Espírito Santo (-29,2%), São Paulo (-24,9%) 

e Santa Catarina (-23,6%). Três capitais brasileiras – São Paulo, 

Florianópolis e Brasília – registraram taxas inferiores a 15 homicídios 

por 100 mil habitantes.

 Esses estados têm em comum a adoção de políticas de segurança 

públicas baseadas na gestão por resultados, sob três elementos: res

ponsabilização dos comandantes e delgados-chefes; elaboração de 

indicadores e metas de desempenho; e criação de comitês gestores. 

Isso só foi possível graças à criação das regiões e áreas integradas 

de segurança públicas, as RISP e AISP, implantadas inicialmente no 

Rio de Janeiro com o objetivo de coincidir a área de competência dos 

218

CAPíTULO 6: OS HOMICíDIOS E A AGENDA DE SEGURANÇA PÚBLICA

 batalhões e delegacias. Em geral, a área de atuação dos batalhões e 

delegacias não coincidiam, o que tornava a coordenação e integração 

das ações muito difícil. E, portanto, impossibilitava a responsabilização 

dos gestores de polícia.

 O passo seguinte foi o fortalecer a capacidade dos estados para 

produzir indicadores criminais confiáveis e desagregados em cada 

RISP e AISP. Isso permitiu que cada unidade federativa criasse seu 

próprio modelo de produção de estatísticas. Alguns estados fortalece

ram as Secretarias de Segurança Pública para produzir os indicadores 

criminais; outros criaram órgãos específicos para desempenhar a tarefa.

 Finalmente, foram criados comitês gestores para monitorar 

o desempenho das polícias. Em geral, esses órgãos são presididos 

pelos governadores e reúnem, além das polícias, representantes da 

educação, do planejamento, da infraestrutura, da saúde e da juven

tude. Também são convidados membros do judiciário e do Ministé

rio Pública para participar das reuniões nas quais os comandantes e 

delegados-chefes são cobrados para alcançar metas de desempenho.

 Esse modelo de gestão é uma solução caseira para o problema 

crônico da falta de integração e de objetivos das políticas de segurança 

pública. Em função dos bons resultados alcançados, nos últimos dez 

anos ele tem sido implantado em diversos estados, onde foi rebatizado 

como Pacto pela Vida, Estado Presente, Viva Brasília, Ceará Pacífico, 

RS Seguro e Paraíba Unida pela Paz.

 219


CAPÍTULO 7  

A Segurança Pública e 

o Medo do Crime

 Não é apenas a criminalidade que tem afetado significativamente 

a vida dos brasileiros. O medo do crime também é um problema de 

segurança pública. Da mesma forma que os homicídios, as respostas 

estatais ao medo exigem a formação de redes de políticas públicas e 

alta capacidade de governança.

 Ambos os fenômenos são alguns dos principais problemas enfren

tados pela população. O debate público em geral tende a tratá-los como 

um único evento ou a considerá-los automaticamente associados. A cri

minalidade e o medo do crime, entretanto, são fenômenos autônomos. 

Embora possa existir algum grau de correlação (dependendo do grupo 

social e do lugar), eles têm dinâmicas próprias, causas e consequências 

distintas (HALE, 1996).

 Algumas pesquisas têm mostrado que o medo do crime é alto mesmo 

em lugares onde as taxas de criminalidade são baixas (DAMMERT, 

MALONE, 2002; MICELI et al., 2004; DAVIS, 2007; DAMMERT, 

2016). O primeiro não é simplesmente o resultado do segundo evento 

ou das imagens e notícias produzidas pela mídia. Ele diz respeito a 

sentimentos difusos de ansiedades e incertezas que são resultado das 

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 transformações das sociedades pós-modernas. Como um problema 

central dos novos tempos, ele tem consequências que podem ser perce

bidas em diferentes níveis. Seus efeitos psicológicos negativos podem 

causar algumas doenças mentais relacionadas a descrenças nos outros 

e em insatisfações com a vida urbana. No plano social, o medo do 

crime restringe alguns comportamentos, fragiliza os laços vicinais e 

esvazia os espaços públicos.

 Ele também tem consequências econômicas, porque leva ao aumento 

de gastos das pessoas e empresas com segurança, produz processos de 

gentrificação e especulação imobiliária e condiciona as formas de acesso 

ao mercado. No plano político, o medo abre espaço para discursos puni

tivistas, sexistas, racistas e xenófobos. Ele é o combustível essencial 

da política do ódio.

 Neste capítulo, discutirei algumas das suas principais consequên

cias. Também analisarei quais são os grupos mais afetados pelo medo 

do crime, discutindo ainda o papel do Estado e das redes de políticas 

públicas no seu gerenciamento. Para isso utilizarei os dados da Pes

quisa Distrital de Vitimização (PDV), realizada em 2015 pela Secre

taria de Segurança Pública e Paz Social do Distrito Federal.

 Medo do crime e percepção de risco

 Há uma grande confusão acerca do significado e das formas de 

medir o medo do crime. Por isso, é necessário distinguir três conceitos: 

vitimização, medo em si e percepção de risco de crime. A vitimiza

ção diz respeito ao fato de alguém ter sido vítima de ato criminoso. 

Obviamente, isso não implica a necessidade de o crime ter sido regis

trado na polícia, tampouco de o evento ter sidorealmente tipificado 

222

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 como tal. Nem todos os crimes relatados nas pesquisas de vitimização 

transformam-se em estatísticas criminais. Chamamos essa diferença de 

cifra oculta, que varia de acordo com o perfil da vítima, tipo e lugar do 

crime e da qualidade e legitimidade do serviço prestado pela polícia. 

Apenas em caráter ilustrativo, cabe salientar que dentre as ameaças e 

agressões que ocorreram no DF, naquele ano, somente 30,6% tiveram 

registro policial.

 O medo do crime é uma propriedade emocional e psicológica que 

varia de intensidade em cada pessoa. Ele pode estar relacionado aos 

sentimentos difusos de incerteza com a vida moderna, à percepção de 

desordem e às dificuldades da vida urbana, bem como à violência e à 

criminalidade. É, portanto, uma combinação de tempo e percepção, 

de natureza efêmera e transitória e dependente das representações 

sociais que fazemos dos riscos e perigos que nos cercam. Essas repre

sentações variam de acordo com o perfil dos indivíduos, classe social 

e lugar onde residem (CHADDEE et al., 2016).

 Já a percepção de risco refere-se a um julgamento ou cálculo indi

vidual sobre as chances de ser vítima de crime. Se o medo é emocional 

e socialmente construído, a percepção de risco é racional e individual

mente calculada (CHON, WILSON, 2016). Enquanto vitimização e 

medo não estão necessariamente associados, medo e percepção de 

risco frequentemente aparecem correlacionados.

 As estatísticas criminais produzidas a partir dos registros policiais, 

embora sejam importantes, não contemplam todos os problemas rela

cionados à segurança pública. De certa forma elas focam nos crimes 

e nos criminosos, revelando muito pouco sobre as percepções dos 

cidadãos. Assim, para superar essa lacuna surgiram as pesquisas de 

vitimização. Elas consistem na aplicação de um survey numa amostra 

223

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 populacional para medir, em geral, três aspectos: vitimização, con

f

 iança nas instituições (especialmente nas polícias) e o medo do crime 

(COSTA, LIMA, 2017).

 Os primeiros estudos nesse sentido surgiram nos EUA na década de 

1960, sendo logo difundidas em diversos países europeus, como Inglaterra, 

França e Noruega. No Brasil são raras as iniciativas governamentais que 

abordam o tema. Em 1988, o IBGE introduziu pela primeira vez, em sua 

Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD), um questionário 

sobre vitimização. Em 2010, o Ministério da Justiça contratou o Instituto 

Datafolha para realizar a primeira pesquisa nacional de vitimização. Até o 

momento, esses são os dois únicos levantamentos nacionais.

 Ao longo dos últimos 20 anos surgiram algumas pesquisas de abran

gência local e sem periodicidade em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo 

Horizonte. Elas foram realizadas graças ao esforço de universidades 

e instituições da sociedade civil, como a Universidade de São Paulo 

(USP), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade 

do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Instituto Latino Americano das 

Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente 

(Ilanud), Instituto de Estudos sobre Religião (ISER) e Fundação Seade. 

O universo da amostra variou: alguns levantamentos se limitaram às 

capitais, outros abrangeram as regiões metropolitanas ou os esta

dos; foram raras as realizadas em municípios do interior (CRUZ et al., 

2011); enquanto algumas se basearam em amostragens domiciliares e 

outras utilizaram o método de cotas. O período de referência também 

variou: enquanto algumas pesquisas perguntaram ao entrevistado se ele 

foi vítima de crime nos últimos 12 meses, outras utilizaram 5 anos como 

recorte temporal. De qualquer forma, com base nesses levantamentos 

buscou-se entender melhor os fenômenos associados ao medo do crime.

 224

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 Em geral, para tal medição os pesquisadores perguntam se a 

pessoa se sente seguras nas seguintes situações: i) em casa sozinha; 

ii) em casa acompanhada pela família; iii) em casa acompanhada ape

nas pelo cônjuge; iv) no bairro onde reside de dia; v) no bairro onde 

reside à noite; vi) nos outros bairros da cidade de dia; e vii) nos outros 

bairros da cidade à noite.

 Sobre percepção de risco, pergunta-se quais são as estratégias ado

tadas pela pessoa a fim de se proteger da violência e da criminalidade: 

i) evitar ficar em casa sozinho; ii) evitar usar algum transporte coletivo; 

iii) evitar frequentar locais onde haja consumo de bebidas alcoólicas; 

iv) evitar conversar ou atender pessoas estranhas; v) evitar frequentar 

locais com grande concentração de pessoas; vi) evitar sair à noite ou 

chegar muito tarde em casa; vii) evitar frequentar locais desertos ou 

eventos com poucas pessoas circulando; e viii) evitar sair de casa 

portando muito dinheiro, objetos e pertences que chamem a atenção.

 Medo do crime e vitimização

 As explicações sobre o fenômeno partem de duas perspectivas. 

Na primeira há uma ênfase nos aspectos que aumentam o medo, 

tais como vulnerabilidades físicas, sociais e desordens. A segunda se 

concentra na análise dos aspectos que reduzem o medo, como laços 

sociais, vínculos comunitários e confiança nas instituições (FRANKLIN, 

FRANKLIN, 2009).

 Boa parte dos debates concentra-se na análise das vulnerabilida

des, que podem ser físicas ou sociais (GOODEY, 1997; SCHAFER, 

HEUBNER, BRYNUM, 2006). O primeiro caso refere-se à percepção do 

risco de sofrer algum tipo de violência em função de desvantagem física 

225

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 relacionada à falta de mobilidade, força ou competência. Já as vulnerabi

lidades sociais estão relacionadas às condições sociais de moradia, educa

ção e renda (COHEN, FELSON, 2006, 1979; KILLIAS, CLERICI, 2000; 

PANTATZIS, 2000; FRANKLIN, FRANKLIN, 2009). Noutras palavras, 

as pessoas tendem a sentir mais medo se não são capazes de correr rápido, 

não se sentem fortes o suficiente para reagir a agressões, não podem 

comprar equipamentos de segurança para suas casas ou evitar áreas ou 

contextos problemáticos. Quatro grupos se enquadram mais frequente

mente nessas situações: mulheres, idosos, negros e pobres.

 Ao contrário do que supõe o senso comum, o medo do crime e a 

vitimização não necessariamente estão associados. Essa relação depende 

do tipo criminal e do número de vezes que a pessoa foi vitimada. 

Nos crimes violentos ou de vários crimes as vítimas tendem a sentir 

mais medo. Além desses aspectos, deve-se considerar também a viti

mização indireta: quando a vítima é um membro da família (ou alguém 

com o qual mantém fortes laços afetivos), a associação entre vitimiza

ção e medo do crime tende a ser muito mais forte (WARR, ELLISON, 

2000; TSELONI, ZARAFONITOU, 2008; GRAY et al., 2008).

 Em resumo, o fenômeno não é delimitado apenas pela vitimização. 

Essa relação depende de fatores psicológicos e sociais. Algumas pes

soas utilizam técnicas de neutralização para diminuir o impacto do 

crime ou justificar ter sido vítima. Além disso, o medo do crime 

depende igualmente da forma como o mundo é construído através de 

representações produzidas e compartilhadas naquela sociedade (BOX, 

HALE, ANDREWS, 1988; TSELONI, ZARAFONITOU, 2008).

 A Pesquisa Distrital de Vitimização verificou que 33,8% da popu

lação do Distrito Federal havia vivenciado, em 2015, algum tipo de 

crime. Desse total, 12,7% foram vítimas de crimes violentos como 

226

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 roubos, agressões físicas e ofensas sexuais. A maior parte dos entre

vistados (66,2%) disse que não havia sido vítima de nenhuma natureza 

criminal analisada. Por outro lado, 0,3% declarou ter sido atingido por 

5 ou mais crimes.1

 Tabela 7.1 – Percentual de população vitimada por crime (DF/2015).

 Vitimização nos últimos 12 meses

 Sim

 Geral (furtos, roubos, agressões físicas, ameaças, 

ofensas sexuais, fraudes e discriminação)

 33,8%

 Não

 66,2%

 Violenta (roubos, agressões físicas e ofensas 

sexuais)

 Fonte: Pesquisa de Vitimização Distrital (GDF/SSP, 2015)

 12,7%

 87,3%

 No que se refere à sensação de segurança, os dados da pesquisa 

revelaram que as situações de medo do crime eram mais comuns 

durante a noite e em regiões desconhecidas da vítima (outros bair

ros da cidade). Por outro lado, as pessoas tendiam a se sentir mais 

seguras em casa e no bairro onde residiam, principalmente durante 

o dia. Apenas 16,1% dos entrevistados não se sentiam inseguros em 

nenhuma situação, enquanto 13,3% declararam-se inseguras em todas 

as situações analisadas.

 A pesquisa mostrou que o fato de a pessoa ter sido vítima de crime 

praticamente não afetava a sua percepção de risco. Ou seja, não é a 

vitimização que faz alguém mudar suas condutas diárias. Além disso, 

os números mostram que também é muito baixa a relação entre a 

1 Envolveu a realização de um survey em uma amostra de 19.537 membros da população 

residente no Distrito Federal com idade acima de 16 anos. A pesquisa, representativa 

da situação do DF e de cada uma das suas 31 Regiões Administrativas em particular, 

teve uma margem de erro de 0,7% quando retrata a situação de todo o território distrital.

 227

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 vitimização e o medo do crime. As pessoas que declararam sentir mais 

medo não foram necessariamente aquelas vitimadas por algum ato 

criminoso. Por último, os dados da Pesquisa Distrital de Vitimização 

mostraram que aquelas que sentem mais medo tendem a mudar suas 

rotinas com mais frequência (COSTA, DURANTE, 2018).

 Tabela 7.2 – Medo do crime por situações ou locais (DF – 2015).

 Medo do Crime

 Situações

 Casa acompanhado apenas pelo cônjuge

 Casa acompanhado familiares

 Casa sozinho

 Bairro onde reside durante o dia

 Bairro onde reside durante a noite

 Muito 

seguro

 15,2%

 14,4%

 Seguro

 Inseguro

 68,4%

 68,6%

 9,1%

 5,5%

 3,0%

 Outros bairros durante o dia

 Outros bairros durante a noite

 1,4%

 0,9%

 Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

 65,4%

 53,9%

 31,9%

 33,3%

 18,8%

 14,1%

 14,7%

 22,2%

 34,1%

 43,4%

 54,2%

 53,6%

 Muito 

inseguro

 2,3%

 2,2%

 3,3%

 6,4%

 21,7%

 11,1%

 26,7%

 É fato que a criminalidade em geral afeta pouco o medo e a per

cepção de risco. Alguns tipos de crimes violentos, entretanto, afetam 

significativamente a sensação de segurança dos cidadãos. Os roubos, 

as ameaças e as agressões são os eventos que mais causam medo na 

população. De acordo com a pesquisa, as pessoas vitimadas por roubo 

tiveram 82,9% mais chance de sentir medo no bairro onde residiam 

durante o dia do que as que não foram vítimas de roubo. Da mesma 

forma, aquelas submetidas à discriminação tinham 40,2% de chance 

228

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 de sentirem medo no seu próprio bairro de dia. Entre aquelas que 

haviam sofrido algum tipo de ameaça esse percentual foi de 31,4%.

 Tabela 7.3 – Razão de chance entre vitimização e medo do crime.

 Tipos Criminais

 Situações Medo

 Bairro 

onde 

reside

 Outros 

bairros

 Casa

 Dia

 Noite

 Dia

 Noite

 Sozinho

 Fraudes

 Discriminação

 Ameaças

 22,7% 40,2% 31,4%

 Agressões

 Furto

 Roubo

 38,0% 82,9%

 Ofensas Sexuais

28,3% 43,4% 23,5% 24,2% 12,7% 83,8% 55,4%

 15,3% 17,0%

 14,4% 22,3%

Acom

panhado

 Familia

res

 Cônjuge--

 28,2% 45,6%

 26,1% 44,7%

 33,8% 49,0%

 Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

 18,5% 28,0% 52,5%

23,9% 27,7% 61,7% 46,6%--

Medo do crime, gênero, renda, raça e idade

 28,8% 55,7%

 37,8% 63,2%

 30,6% 64,0%--

Os estudos apontam que as mulheres se destacam entre os grupos 

mais vitimados, com mais medo e maior percepção de risco. As dife

renças de gênero se sobressaem em todos os grupos etários, faixas de 

renda ou nível de escolaridade. Isso ocorre em função dos seguintes 

aspectos. Primeiro, o temor de estupro influencia fortemente a percepção 

de risco. Além disso, há na mulher uma preocupação sempre presente 

de ser vítima de algum outro tipo de agressão sexual. Segundo, o medo 

dessa agressão influencia também o temor de outros tipos de crime não 

229

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 sexuais, mas que envolvam alguma forma de interação entre vítima e 

agressor. Por último, essa percepção de risco implica diferenças no estilo 

de vida e marcam profundamente a socialização feminina (HALE, 1996; 

FERRARO, 1996; ÖZASCILAR, 2013).

 O levantamento de 2015 mostrou que as mulheres constituíam o 

grupo social majoritariamente vitimado. Em cinco das sete naturezas 

criminais avaliadas elas foram mais vitimadas que os homens, sendo 

sua vitimização significativamente maior nos crimes sexuais, discri

minações e ameaças. Eles foram mais vitimados apenas nos crimes 

de fraudes e furtos.

 As mulheres constituíram o grupo social com maior medo do 

crime. Elas se destacaram em todas as situações analisadas, sendo 

a insegurança significativamente maior em casa e no bairro onde 

residiam. Também formaram o grupo com maior percepção de risco. 

Em todas as situações analisadas, foram as que mais modificaram sua 

rotina, especialmente envolvendo evitar ficar em casa sozinha, fre

quentar locais de consumo de bebida alcoólica ou conversar e atender 

pessoas estranhas.

 Os estudos também indicam que a renda familiar e a raça/cor das 

pessoas estão significativamente associadas ao medo e à percepção de 

risco. Isso acontece em função de fatores ambientais e sociais, uma vez 

que esses grupos normalmente residem em áreas degradadas ou de 

frágil infraestrutura urbana, com altas taxas de criminalidade e incivi

lidades. O medo e a percepção de risco existentes nessas localidades 

afetam a confiança e a coesão social. Além disso, a estigmatização 

dessas áreas aumenta o clima de desconfiança e a tensão entre os 

agentes estatais (sobretudo os policiais) e a comunidade (BOX, HALE, 

ANDREWS, 1988; HALE, PACK, SALKELD, 1994).

 230

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 A Pesquisa Distrital de Vitimização apontou que as situações de 

vitimização criminal estavam distribuídas de forma bastante desigual 

entre os grupos sociais estratificados segundo renda familiar e raça. 

Em relação à renda familiar, podemos destacar que as fraudes e furtos 

vitimaram principalmente as pessoas com renda familiar acima de 

15 salários mínimos, enquanto as discriminações e crimes sexuais 

atingiram especialmente as pessoas com renda entre 5 e 15 salários 

mínimos. No que se refere à raça, podemos afirmar que os negros 

concentram as vitimizações por discriminação, ameaça e agressão e 

os brancos, as vitimizações por fraudes e crimes sexuais.

 No contexto do medo do crime, quando se trata de renda familiar, 

encontramos um grupo (renda menor que 5 SM) que se destacou por ser 

sempre o que apresenta o maior medo, independentemente da situação. 

Em quatro situações, as pessoas com renda menor que 2 salários míni

mos apresentaram maior insegurança, sendo o medo significativamente 

maior em casa e no bairro onde residiam. Os negros apresentaram mais 

medo do crime do que os brancos, mas este não foi um padrão para 

todas as situações analisadas. Em quatro situações os negros disseram 

se sentir mais inseguros, sendo o medo significativamente maior em 

casa e no bairro onde residiam. Por outro lado, à noite, fosse no bairro 

de residência ou em outros, os pardos disseram-se mais inseguros.

 Ainda de acordo com o levantamento, a percepção de risco do crime 

apareceu distribuída de forma bastante desigual entre os grupos sociais 

estratificados segundo renda familiar e raça. Podemos apenas destacar 

que as pessoas com renda até dois salários mínimos foram as que mais 

evitaram frequentar locais onde houvesse consumo de bebida alcoólica e 

grande concentração de pessoas. Por outro lado, aquelas com renda fami

liar entre 2 e 5 salários mínimos foram as que mais evitaram frequentar 

231

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 locais ou eventos com poucas pessoas ou sair de casa portando dinheiro 

ou objetos que chamassem a atenção. Quanto à raça, destacamos que 

os brancos foram os que mais evitaram algum transporte coletivo que 

precisariam usar e atender ou conversar com pessoas estranhas; brancos 

e negros foram os que mais disseram evitar sair à noite ou chegar tarde 

em casa e frequentar lugares para o consumo de bebidas alcoólicas.

 A idade é outro fator fortemente associado ao medo do crime e à 

percepção de risco. Embora sejam menos vitimadas, as pessoas mais 

idosas tendem a sentir maior insegura. Isso se deve à evidente vulne

rabilidade desse grupo etário, que afeta fortemente a sua percepção 

de risco, alterando seu estilo de vida a fim de diminuir sua exposição 

(WARR, 1984; CECCATO, BAMZAR, 2016).

 A pesquisa de 2015 mostrou que as pessoas com idade até 24 anos 

constituíam o grupo social majoritariamente vitimado. Dentre as sete 

naturezas criminais avaliadas, em seis essas pessoas apareceram como 

as mais vitimadas, sendo sua vitimização significativamente maior no 

contexto das ofensas sexuais, roubos e ameaças. As pessoas com idade 

entre 40 e 59 anos constituíram o grupo social com maior medo do 

crime. Elas disseram se sentir mais inseguras em todas as situações 

analisadas. Por fim, aquelas acima de 59 anos formaram o grupo com 

maior percepção de risco. Elas relataram evitar especialmente algum 

transporte coletivo que precisassem usar, frequentar locais onde hou

vesse consumo de bebida alcoólica e grande concentração de pessoas.

 Medo, desordens e incivilidades

 Além dos aspectos individuais, alguns fatores ambientais tam

bém tendem a aumentar a sensação de insegurança. Os estudos têm 

232

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 apontado que as desordens e incivilidades estão fortemente associa

das ao medo do crime. Os moradores de regiões com baixas taxas de 

criminalidade, mas altos índices de medo, consistentemente, apontam 

que são essas incivilidades e desordens, e não a criminalidade em 

geral, os maiores problemas da comunidade (LEWIS, SALEM, 1986; 

BOX et al.,1988; DONNELLU, 1988; SKOGAN, 1990).

 Alguns estudiosos têm diferenciado ambos os aspectos. Eles pos

tulam que as desordens estão mais fortemente associadas ao medo do 

crime, enquanto as incivilidades referem-se às condutas criminosas 

ou antissociais de alguns membros da comunidade. Locais com alta 

frequência de crimes interpessoais (roubos, ameaças, tráfico de dro

gas e agressões) tenderiam a aumentar esse medo. Da mesma forma, 

a presença de pessoas drogadas e alcoolizadas, bem como prostituição 

e moradores de rua, estaria diretamente associada à sensação de inse

gurança. Já as desordens estariam relacionadas às características físicas 

do ambiente: locais com infraestrutura deteriorada, áreas abandonadas, 

sujas, barulhentas e mal iluminadas, tenderiam a aumentar essa sensação 

(WIKSTRÖM, DOLMÉN, 2001; SAMPSON, RAUDENBUSH, 2004; 

KERSHAW, TSELONI, 2005; CECCATO, 2016).

 O ambiente social não impacta o medo do crime apenas devido 

à presença de desordens e incivilidades. Ele também está associado 

ao medo em função da coesão social de cada comunidade. Os estu

dos sugerem que haveria uma correlação negativa entre coesão 

social e medo do crime, enquanto conhecer e confiar nos vizinhos, 

bem como ter amigos no bairro, tenderia a reduzi-lo (BOX et al., 1988; 

HALE et al., 1994; SAMPSON, RAUDENBUSH, 1999).

 No momento do levantamento, as desordens e incivilidades mais 

frequentes no Distrito Federal eram a combinação de ruído, música 

2 alta, gritaria e cheiro ruim. De acordo com a pesquisa, 63,6% da 

população teriam tido contato com esses fenômenos na sua vizi

nhança; outras situações também bastante frequentes eram pessoas 

vivendo na rua, pedintes e vendedores ambulantes (63,0%) e barulhos 

de tiro (48,8%). Por outro lado, apenas 10% disseram conviver com 

f

 lanelinhas e guardadores de carro e 14%, com imóveis ou veículos 

abandonados ou destruídos nas ruas da vizinhança onde residiam.

 Dentre as desordens e incivilidades analisadas, os barulhos de tiro 

causavam o maior impacto na sensação de segurança. As pessoas que 

ouviram tiros tinham 77,3% de chances de sentir medo. Conviver com 

prostituição, som alto e arruaças também aumentava as chances de 

sentirem-se inseguras. Por outro lado, a presença de flanelinhas ou 

guardadores de carro e camelôs apareceram como fatores de dimi

nuição de medo do crime.

 Cerca de 2,4% da população distrital viviam em regiões que 

combinavam barulhos de tiro, música alta, ruído, cheiro ruim, pros

tituição, jogo e instalações irregulares que atrapalhavam a circulação 

de pessoas. Nessas áreas, a sensação de insegurança e percepção de 

risco foram bem mais elevadas que no restante do DF. Cerca 51% dos 

moradores dessas áreas se sentiam inseguros de dia e 75% à noite, 

ao passo que no restante do Distrito Federal esses percentuais foram, 

respectivamente, de 40,5% e 64,1%. Além disso, 40% dos moradores 

dessas áreas disseram se sentir inseguros em casa sozinhos, 32% se 

sentiam inseguros em casa acompanhados, contra 25,5% e 16,9%, 

respectivamente, para o restante do DF. Ou seja, algumas poucas 

áreas concentravam um grande número de incivilidades e desordens. 

Naquelas onde isso acontecia o medo e a percepção de risco foram 

significativamente maiores.

 234

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 Tabela 7.4 – Razão de chance expressando o impacto das 

situações de desordem no medo (DF – 2015).

 Contextos de medo

 Bairro reside dia

 Bairro reside noite

 Outros bairros dia

 Outros bairros noite

 Medo

 Casa Sozinho

 Casa acompanhado 

familiares

 Pessoas pichando ou 

fazendo arruaça

 Imóveis ou carros 

abandonados

 27,1%

 29,6%

 Prostituição, jogo e 

instalações irregulares

 35,7%

 Ruído, música alta 

e cheiro ruim

 30,3%

 Moradores de rua, 

pedintes e camelôs

 Flanelinhas ou 

guardadores de carro

 Terrenos com 

lixo e mato alto-23,1%

 Barulhos de tiro-7,7% 77,3%

 20,7%-14,6% 29,7% 39,4% 19,1%-35,4%

 61,6%

 24,5% 10,9% 38,7% 25,7%-18,3%-38,2%-9,2% 39,0%

 24,2%

 32,5%-48,9%

 26,0%-10,9% 32,9% 18,1%-9,3%-33,9% 10,2% 76,5%

 44,3%

 Casa acompanhado 

cônjuge

 42,3%

 Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)-22,6%-22,6% 10,0% 81,3%

 12,7%-9,8%-16,8%

 Medo do crime e qualidade dos serviços públicos

 11,7% 83,9%

 A percepção sobre a qualidade dos serviços públicos também 

influencia a sensação de insegurança e o medo do crime. Dentre as 

seis dimensões de serviços públicos, a iluminação (59,9%) e a coleta 

de lixo (57,7%) receberam as melhores avaliações. Já a organização do 

trânsito (35,2%) e a pavimentação de ruas e calçadas foram avaliados 

como de qualidade moderada (35,8%); já as taxas de disponibilidade 

de locais de esporte, cultura e lazer ficaram em 24,8% e o transporte 

público, 23,1%.

 Dentre essas dimensões, iluminação, pavimentação e manutenção 

das ruas e calçadas e os locais de esporte, cultura e lazer foram os 

itens que mostraram ter maior impacto sobre o medo da população, 

235

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 especialmente a sensação de insegurança no bairro onde a pessoa resi

dia, fosse à noite ou durante o dia. Assim, 36,4% dos moradores que 

avaliaram bem a iluminação pública no Distrito Federal disse sentir 

medo no seu bairro durante o dia, percentual que subiu para 50,5% 

entre aqueles que a avaliaram mal. O mesmo pode ser dito em relação 

à pavimentação das ruas: entre os que avaliaram bem esse serviço 

público, 33,7% sentiam medo no seu bairro de dia, enquanto 46,5% 

daqueles que avaliaram mal o serviço disse sentir medo.

 Tabela 7.5 – Impacto da qualidade dos serviços no medo 1 (DF – 2015).

 Dimensões vitimização

 Medo

 Iluminação das ruas

 Contextos de 

medo

 Bairro reside dia

 Bairro reside noite

 Outros bairros dia

 Outros bairros 

noite

 Casa sozinho

 Casa acompanhado 

familiares

 Bom

 36,4%

 61,4%

 62,0%

 77,8%

 23,7%

 Regular

 44,3%

 68,2%

 67,1%

 82,7%

 ruim

 50,5%

 74,2%

 74,9%

 Pavimentação e manutenção 

das ruas e calçadas

 Dif. 

ruim/Bom

 14,1%

 Bom

 Regular

 Ruim

 33,7%

 12,8%

 12,9%

 86,3%

 25,8%

 15,9%

 Casa acompanhado 

cônjuge

 15,5%

 16,9%

 16,1%

 31,7%

 21,1%

 20,5%

 8,5%

 8,0%

 5,2%

 5,0%

 Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

 57,2%

 61,2%

 76,0%

 22,2%

 15,3%

 14,8%

 41,8%

 66,8%

 65,1%

 81,4%

 26,8%

 18,4%

 17,6%

 46,5%

 71,6%

 69,6%

 83,8%

 27,6%

 17,5%

 17,2%

 Dif. 

ruim/bom

 12,8%

 14,4%

 8,4%

 7,8%

 5,4%

 2,2%

 2,4%

 A qualidade dos equipamentos de esporte, cultura e lazer também 

afeta a sensação de segurança. Na pesquisa de 2015, entre aqueles 

que consideravam que esses locais no bairro onde residiam tinham 

236

237

 CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 qualidade boa, 30% disseram ter medo durante o dia, enquanto os que 

expressaram opinião contrária, 47% sentiam medo. Já o impacto dos 

serviços de coleta de lixo na sensação de segurança foi menor.

 Tabela 7.6 – Impacto da qualidade dos serviços no medo 2 (DF – 2015).

 Contextos 

de medo

 Coleta de lixo e 

entulho nas ruas Locais de esporte, cultura e lazer

 Bom

 Regular

 Ruim

 Dif.

 Bom

 Regular

 Ruim

 Dif.

 Medo

 Bairro reside dia 38,4% 42,6% 45,5% 7,1% 29,6% 40,1% 46,6% 17,0%

 Bairro reside noite 64,1% 65,2% 68,7% 4,6% 53,6% 64,5% 71,5% 17,9%

 Outros bairros dia 63,7% 67,1% 68,1% 4,4% 58,1% 64,7% 69,6% 11,5%

 Outros bairros 

noite 80,4% 80,4% 79,8%-0,6% 74,2% 80,4% 83,5% 9,3%

 Casa sozinho 23,1% 27,2% 31,4% 8,3% 18,8% 23,9% 29,9% 11,1%

 Casa 

acompanhado 

familiares

 14,6% 18,9% 22,8% 8,2% 12,8% 16,3% 19,6% 6,8%

 Casa 

acompanhado 

cônjuge

 14,5% 17,6% 22,2% 7,7% 12,3% 15,3% 19,3% 7,0%

 Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

 Finalmente, com à relação a qualidade do transporte público, 

33,5% daqueles que avaliaram bem o serviço declarou ter medo no 

seu bairro de dia. Esse percentual subiu para 44,0% entre os que acha

vam esse serviço ruim. A percepção sobre a qualidade da organização 

do trânsito impactou pouco a sensação de insegurança da população.

238

 SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Tabela 7.7 – Impacto da qualidade dos serviços no medo 3 (DF – 2015).

 Dimensões vitimização

 Contextos de medo

 Transportes públicos Organização do trânsito 

(placas, faixas, etc.)

 Bom

 Regular

 Ruim

 Dif.

 Bom

 Regular

 Ruim

 Dif.

 Medo

 Bairro reside dia 33,5% 42,5% 44,0% 10,5% 35,7% 43,5% 42,4% 6,7%

 Bairro reside noite 58,4% 66,4% 68,7% 10,3% 60,1% 67,3% 68,2% 8,1%

 Outros bairros dia 58,4% 64,8% 69,5% 11,1% 61,8% 67,5% 66,3% 4,5%

 Outros bairros noite 76,4% 79,8% 83,0% 6,6% 77,3% 81,6% 82,3% 5,0%

 Casa sozinho 21,3% 27,7% 27,2% 5,9% 21,9% 27,6% 27,2% 5,3%

 Casa acompanhado 

familiares 13,3% 19,7% 18,0% 4,7% 13,4% 20,0% 18,3% 4,9%

 Casa acompanhado 

cônjuge 12,7% 18,6% 17,8% 5,1% 13,3% 19,2% 17,6% 4,3%

 Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

 A polícia e o medo do crime

 As pesquisas têm indicado que as polícias desempenham papel 

importante na redução do medo (HALE, 1996). A sua simples presença 

nas ruas pode ser suficiente para aumentar a sensação de segurança. 

Exatamente por isso a saturação de área é a estratégia mais frequen

temente utilizada. Entretanto, ainda que relativamente bem-sucedido, 

esse tipo de estratégia de policiamento tem sérias limitações de tempo 

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 e espaço: não pode ser empregada por muito tempo, tampouco pode 

ser aplicada a todos os bairros. Além disso, frequentemente são os 

bairros mais ricos que recebem esse policiamento por tempo limitado. 

Por esses motivos, a saturação de área tem sido apontada como uma 

estratégia excludente, reforçando as desigualdades sociais (WINKEL, 

1988; BENNETT, 1991).

 As iniciativas que conseguiram maior sucesso na redução do medo 

foram aquelas que aumentaram a presença física de policiais e que 

buscaram maior envolvimento da polícia na vida das comunidades. 

Elas incluem policiamento a pé, acompanhamento das vítimas, reali

zação de reuniões e apresentação de relatórios para a comunidade, ins

talação de postos policiais e visitas às residências (TRAJANOWICS, 

1986; GOLDSTEIN, 1990).

 Sem dúvida, independente da estratégia, as polícias têm papel 

central na redução do medo: diminuindo a frequência de alguns crimes, 

produzindo nas pessoas a sensação de que elas não estão sozinhas e 

indefesas diante da ação dos criminosos, reforçando os laços de soli

dariedade e os mecanismos de coesão social. Mas, para isso, é neces

sário que elas gozem da confiança dos cidadãos. Sem isso as pessoas 

não estarão dispostas a cooperar com as investigações ou a ajudar os 

programas comunitários (SOUTLAND, 2001; MASTROFSKI et al., 

2001; DAVIS, HENDERSON, 2003). Nesse contexto, dentre os fatores 

que mais impactam o medo estão a confiança e a satisfação com os 

serviços policiais. Alguns estudos sugerem que pessoas que confiam 

na polícia tendem a sentir menos medo (BOX et al, 1988; BENNETT, 

1991; HANDOW et al., 2003; SCHEIDER et al., 2003).

 Na América Latina, vale destacar a situação do Chile. Apesar de 

a incidência da violência e criminalidade ser baixa e de a polícia 

239

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 (carabineiros) ser a instituição pública mais bem avaliada no país, 

o medo dos chilenos vem crescendo continuamente. A partir daí, 

Lucia Dammert concluiu que o medo do crime constitui um pro

blema social autônomo em relação à criminalidade. Para explicar 

essa situação contraditória, na qual uma boa avaliação da polícia 

convive bem com um medo cada vez maior do crime, a autora destaca 

que prevalece na população uma percepção de que a polícia está de 

mãos atadas porque não tem as funções e capacidades para atuar e a 

justiça libera a maior parte dos presos sem nenhum castigo. Por fim, 

Dammert traz ainda a constatação de que as pessoas de maior nível 

socioeconômico, justamente as menos vitimadas e, por conseguinte, 

as que menos buscam os serviços policiais, são as que mais confiam 

neles. Por outro lado, os menos privilegiados, que são de modo geral 

mais vitimados, têm uma confiança menor e, entre essas pessoas, 

aquelas que buscam o serviço da polícia são as que possuem a menor 

confiança nela (DAMMERT, 2016).

 O desempenho policial é algo difícil de medir. É preciso diferen

ciar a confiança na instituição da satisfação com os serviços prestados 

pela instituição. Afinal de contas, podemos confiar nas polícias e não 

estarmos satisfeitos com os seus serviços. Além disso, pode haver 

percepções distintas sobre a qualidade da sua atuação entre aqueles 

cidadãos que tiveram contato com policiais e aqueles que não tiveram 

(OLIVEIRA, 2011).

 A Pesquisa Distrital de Vitimização avaliou esse desempenho 

a partir das seguintes dimensões: presença e qualidade do poli

ciamento na vizinhança onde a pessoa reside; o fato dela ter pre

senciado sua atuação, seja cliente ou não; a confiança na institui

ção; a qualidade da conduta dos agentes de polícia e do serviço 

240

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 prestado por ela; e a presença da violência policial na vizinhança 

onde a pessoa reside.

 Presença e qualidade do policiamento e o medo do crime

 No Distrito Federal, em 2015, 93,4% dos entrevistados afirma

ram ter visto policiamento motorizado e 37% viram policiamento a 

pé na vizinhança. A primeira modalidade foi mais bem avaliada que 

a segunda. Em relação ao policiamento em viatura ou moto, 32% o 

consideraram ótimo/bom e 28%, ruim/péssimo, enquanto na moda

lidade a pé, 22% a avaliaram como ótima/boa e 49%, ruim/péssima.

 A análise dos impactos desses fatores no medo dos indivíduos 

sugere que as pessoas que percebem a presença de policiamento nas 

vias públicas da vizinhança, especialmente a pé, sentem menos medo. 

No caso do levantamento de 2015, o medo no bairro onde o entrevis

tado residia durante o dia esteve presente em 25% dos que considera

vam o policiamento a pé na vizinhança como bom/ótimo e 32% dos 

que entendiam o policiamento em viatura na vizinhança como bom/

 ótimo. Cabe salientar que quanto melhor a qualidade desse serviço, 

independentemente de ser a pé ou em viatura, menor é o medo.

 Os resultados da Pesquisa Distrital de Vitimização nos permitiram 

concluir que a modalidade a pé tem impacto concentrado especial

mente no medo das pessoas em casa e nas vias públicas do bairro onde 

elas residem. O policiamento em viatura/moto teve impacto menor que 

o a pé, sendo mais homogêneo entre as diversas situações analisadas, 

embora continuasse concentrado na casa e nas vias públicas do bairro 

de residência. O menor impacto do policiamento, seja a pé ou em via

tura/moto, foi no medo nas vias públicas dos outros bairros da cidade.

 241

242

 SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Tabela 7.8 – Medo do crime e presença e qualidade 

do policiamento na vizinhança (DF – 2015).

 Categorias

 Policiamento a Pé Policiamento em Viatura

 Ótimo/ bom

 Regular

 Ruim/ péssimo

 Não existe

 Dif. ótimo/não existe

 Ótimo/bom

 Regular

 Ruim/péssimo

 Não existe

 Dif. ótimo/não existe

 Bairro onde reside 

durante o dia 25,3 35,4 38,5 44,2 42,8% 31,6 42,0 47,8 44,8 29,5%

 Bairro onde reside 

durante a noite 47,1 56,8 65,7 68,9 31,6% 57,6 67,1 71,1 64,7 11,0%

 Outros bairros 

durante o dia 50,4 62,5 64,1 68,3 26,2% 58,0 66,8 70,4 70,4 17,6%

 Outros bairros 

durante a noite 68,0 75,4 81,9 82,5 17,6% 76,7 82,4 81,2 82,0 6,5%

 Casa sozinho 15,6 20,8 24,6 27,9 44,1% 18,3 25,3 33,3 27,4 33,2%

 Casa 

acompanhado 

familiares

 8,9 13,1 17,6 18,6 52,2% 10,4 16,8 23,9 19,9 47,7%

 Casa 

acompanhado só 

do cônjuge

 8,2 11,9 16,5 18,4 55,4% 10,2 16,5 22,6 19,7 48,2%

 Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

 A atuação da polícia na vizinhança e o medo do crime

 No ano da pesquisa, parte significativa da população do Distrito 

Federal viu a Polícia Militar executando alguma atividade em sua 

vizinhança. Desta, 19% disseram ter visto a atuando em operações 

de apreensão de armas ou drogas; 32%, revistando veículos; 49%, 

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 revistando pessoas; e 32%, detendo pessoas. Os dados mostraram 

que medo do crime foi maior entre aquelas pessoas que presenciaram 

a atuação policial. Cerca de 36% dos entrevistados que não presen

ciaram essa ação disse que tinham medo no seu bairro durante o dia. 

Esse percentual subiu para quase 44% entre aquelas que presenciaram 

a atuação dos policiais.

 Tabela 7.9 – Medo do crime e percepção da atuação 

da PM na vizinhança (DF – 2005).

 Presenciou a atuação da PM

 Categorias

 Bairro onde reside durante o dia

 Bairro onde reside durante a noite

 Outros bairros durante o dia

 Outros bairros durante a noite

 Casa sozinho

 Não

 36,2%

 Sim

 43,9%

 60,1%

 62,4%

 76,9%

 23,4%

 Casa acompanhado familiares

 Casa acompanhado apenas pelo cônjuge

 16,0%

 15,1%

 Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

 Contato com a polícia e o medo do crime

 68,8%

 67,4%

 82,8%

 27,0%

 17,7%

 17,5%

 Dif. (%)-7,7%-8,7%-5,0%-5,9%-3,6%-1,7%-2,4%

 Estabelecer um contato direto com a polícia é menos frequente do 

que presenciar sua atuação. Na pesquisa do Distrito Federal, o maior 

percentual (9%) da população que manteve esse contato o fez para 

solicitar informações, 7% para comunicação de crime, 5% por meio 

de blitz, 4% para solicitar assistência ou primeiros socorros e 3% por 

acidentes de trânsito. Dentre essas pessoas, foi possível perceber um 

243

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 aumento da sensação de insegurança, sendo maior o impacto de medo 

no bairro onde elas residiam. Assim, o medo nas vias públicas nessas 

áreas esteve presente em 45% dos respondentes que tiveram contato 

com a polícia e 39% dos que não estabeleceram contato.

 Tabela 7.10 – Medo do crime e contato estabelecido com a polícia (DF – 2015).

 Contato com a polícia

 Categorias

 Bairro onde reside durante o dia

 Bairro onde reside durante a noite

 Outros bairros durante o dia

 Outros bairros durante a noite

 Casa sozinho

 Casa acompanhado familiares

 Não

 39,3%

 63,9%

 Sim

 45,0%

 69,0%

 64,8%

 79,4%

 25,3%

 16,9%

 Casa acompanhado 

apenas pelo cônjuge

 16,4%

 Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

 Confiança na polícia e o medo do crime

 66,8%

 83,4%

 25,9%

 17,1%

 16,8%

 Dif. (%)-5,7%-5,1%-2,0%-4,0%-,6%-,2%-,4%

 A confiança da população do Distrito Federal tanto na Polícia 

Militar quanto na Polícia Civil foi elevada. Apenas 17,8% disseram 

não confiar na PM e apenas 12,7%, na PC. O impacto desse senti

mento mostrou ser significativo. Assim, foi possível perceber que em 

relação ao medo no bairro onde residia durante o dia, dentre os que 

disseram confiar muito na PMDF, 31% se sentiam inseguros e dentre 

244

245

 CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 os que não confiavam, 50%. Outro ponto a ser salientado: o impacto da 

confiança na Polícia Militar foi maior do que na Polícia Civil. Tal per

cepção exerceu um impacto maior no medo quando a pessoa estava 

no bairro onde residia, tanto durante o dia quanto à noite. Por outro 

lado, foi menor à noite quando a pessoa estava em casa acompanhada 

ou em outro bairro, distinto daquele onde ela residia.

 Tabela 7.11 – Medo do crime e confiança na PMDF e PCDF (DF – 2015).

 Categorias

 Confiança na Polícia Militar Confiança na Polícia Civil

 Confia muito

 Confia pouco

 Não confia

 Dif.

 (Confia muito – Não confia)

 Confia muito

 Confia pouco

 Não confia

 Dif.

 (Confia muito – Não confia)

 Bairro onde reside 

durante o dia 30,5% 42,0% 49,9%-19,4% 32,5% 42,4% 49,6%-17,1%

 Bairro onde reside 

durante a noite 55,8% 66,9% 71,9%-16,1% 58,0% 67,1% 71,1%-13,1%

 Outros bairros 

durante o dia 57,9% 66,7% 70,8%-12,9% 59,5% 66,7% 71,3%-11,8%

 Outros bairros 

durante a noite 76,0% 81,4% 82,7%-6,7% 77,0% 81,4% 82,8%-5,8%

 Casa sozinho 18,9% 26,1% 32,6%-13,7% 20,0% 26,4% 33,3%-13,3%

 Casa acompanhado 

por familiares 12,4% 17,0% 23,3%-10,9% 13,4% 17,4% 23,0%-9,6%

 Casa acompanhado 

apenas pelo cônjuge 12,6% 16,4% 22,0%-9,4% 13,7% 16,5% 22,3%-8,6%

 Fonte: GDF/SSP - Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 qualidade do serviço prestado pela polícia e o medo do crime

 A população do Distrito Federal avaliou de modo positivo a maior 

parte das atividades executadas pelas polícias militar e civil. Cabe des

tacar que, em relação à PCDF, 59% consideraram ótima/boa a investi

gação de crimes na comparação com a PMDF; 58% avaliaram como 

ótimas/boas as abordagens em blitz e revistas pessoais.

 De forma geral, aqueles que avaliaram positivamente os serviços 

de ambas as instituições tendiam a ter menos medo que os que esta

vam insatisfeitos. No âmbito da Polícia Militar, as duas atividades 

mais impactantes na determinação do medo foram a rapidez e a qua

lidade do atendimento emergencial; no da Polícia Civil, a qualidade 

da investigação dos crimes. As atividades menos impactantes foram 

a abordagem da PM em blitz e as revistas pessoais e a elaboração de 

documentos pela PC (“nada consta” e “registro de ocorrências”).

 O impacto da qualidade do serviço prestado foi mais forte fora 

do ambiente doméstico, especialmente durante o dia e no bairro onde 

a pessoa residia. Por outro lado, esse impacto foi muito pequeno no 

ambiente doméstico, sobretudo quando a pessoa estava acompa

nhada em casa.

 246

247

 CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 Tabela 7.12 – Medo do crime e qualidade do serviço 

prestado pela PMDF (DF – 2015).

 Categorias

 Rapidez e qualidade no 

atendimento emergencial

 Abordagem policial em 

blitz e revistas pessoais

 Trabalho na organização 

e ordenamento do trânsito

 Ótimo/bom

 Regular

 Ruim/péssimo

 Dif. ótimo/ruim

 Ótimo/bom

 Regular

 Ruim/péssimo

 Dif. ótimo/ruim

 Ótimo/bom

 Regular

 Ruim/péssimo

 Dif. ótimo/ruim

 Bairro onde reside 

durante o dia 35,6 41,9 51,4-15,8 37,5 42,1 47,9-10,4 36,9 42,6 49,3-12,4

 Bairro onde reside 

durante a noite 59,4 67,2 74,8-15,4 61,9 66,4 69,6-7,7 61,8 67,4 71,9-10,1

 Outros bairros 

durante o dia 60,6 66,8 74,0-13,4 61,7 67,4 72,6-10,9 61,6 67,9 74,4-12,8

 Outros bairros 

durante a noite 76,2 82,1 86,5-10,3 78,0 81,4 83,0-5,0 78,0 82,4 85,2-7,2

 Casa sozinho 23,6 25,7 31,3-7,7 23,4 26,5 31,0-7,6 22,9 27,3 31,7-8,8

 Casa acompanhado 

familiares 16,0 16,8 21,2-5,2 15,5 18,4 22,5-7,0 15,2 18,9 21,7-6,5

 Casa acompanhado 

pelo cônjuge 15,8 16,3 20,5-4,7 15,2 17,8 21,3-6,1 14,6 18,4 22,0-7,4

 Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

248

 SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Tabela 7.13 – Medo do crime e qualidade do serviço 

prestado pela PCDF (DF – 2015).

 Categorias

 Investigação do crime Rapidez e qualidade na 

elaboração de documentos

 Ótimo/bom

 Regular

 Ruim/péssimo

 Dif. ótimo/ruim

 Ótimo/bom

 Regular

 Ruim/péssimo

 Dif. ótimo/ruim

 Bairro onde reside 

durante o dia 36,9% 43,9% 50,9%-14,0% 37,5% 43,3% 47,7%-10,2%

 Bairro onde reside 

durante a noite 62,1% 68,3% 71,4%-9,3% 62,5% 67,2% 70,1%-7,6%

 Outros bairros 

durante o dia 61,8% 68,6% 74,4%-12,6% 61,9% 67,9% 71,6%-9,7%

 Outros bairros 

durante a noite 77,4% 83,7% 85,1%-7,7% 77,7% 82,7% 84,6%-6,9%

 Casa sozinho 23,8% 26,8% 31,0%-7,2% 23,9% 26,6% 30,6%-6,7%

 Casa acompanhado 

familiares 15,8% 17,9% 21,3%-5,5% 16,1% 17,5% 19,8%-3,7%

 Casa acompanhado 

apenas pelo cônjuge 15,6% 16,7% 21,0%-5,4% 15,6% 16,7% 19,7%-4,1%

 Fonte: GDF/SSP – Pesquisa de Vitimização Distrital (2015)

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 qualidade da conduta dos policiais e o medo do crime

 A população distrital, de forma geral, avaliou positivamente a 

conduta dos policiais militares. A maior parte dos entrevistados con

cordou com as seguintes afirmativas: i) sabem como agir em situa

ções de risco e perigo (65%); ii) atendem as pessoas com cortesia, 

rapidez e segurança (52%); e iii) abordam suspeitos de forma segura 

e dentro da lei (56%). Por outro lado, uma pequena parte concor

dou com as afirmativas: i) os PM não estão preparados para usar 

armas de fogo (48%); ii) fazem “vista grossa” à desonestidade de 

seus colegas (37%); e iii) são preconceituosos quando abordam as 

pessoas na rua (40%).

 A análise da relação entre o medo e a avaliação da conduta dos 

agentes da PMDF pela população evidenciou que as pessoas que 

concordaram que eles sabiam agir em situação de risco e perigo, 

atendiam com cortesia, rapidez e segurança e abordavam suspeitos 

de forma segura e dentro da lei eram as que menos tinham medo. 

No entanto, foi possível identificar que para os entrevistados que 

concordaram que os policiais abusam do uso da força e autoridade 

fazem vista grossa à desonestidade dos colegas e são preconceituosos 

na abordagem de ruas foram os que menos tinham medo. Apenas o 

argumento de que os PM não estão preparados para usar armas de 

fogo teve um resultado neutro no sentido de que nem concordar e 

nem discordar dessa afirmativa produzia sensação de insegurança. 

Além disso, a qualidade da conduta dos policiais teve impacto maior 

nas situações envolvendo o trânsito das pessoas nas vias públicas 

fora do ambiente domésticoViolência policial e o medo do crime

 Em 2015, 7,7% da população do Distrito Federal ficou sabendo da 

presença de policiais ameaçando, agredindo ou extorquindo pessoas. 

Desse total, 2,6% souberam da presença de extorsão e 7,2%, da ocorrên

cia de ameaça e agressão. Ter conhecimento de ocorrências de violência 

policial na vizinhança aumentou o medo, especialmente na dimensão da 

sensação de segurança. Assim, no tocante ao bairro onde residiam durante 

o dia, em relação a essa violência, dentre os que ficaram sabendo, 48% 

se disseram inseguros e os que não ficaram sabendo, 40% se sentiam 

inseguros. Dos que ficaram sabendo de episódios de agressão por poli

ciais ou de ameaças, 47% se disseram inseguros, enquanto entre que não 

f

 icaram sabendo 40% se declararam inseguros. Por fim, entre aqueles 

que ficaram sabendo de policiais extorquindo pessoas, 50% se sentiam 

inseguros e entre os que não ficaram sabendo esse percentual foi de 40%.

 O medo do crime e a agenda de segurança pública

 Como vimos, de forma geral, as explicações sobre o medo do 

crime recaem sobre duas perspectivas: aquela que enfatiza a experiên

cia da vitimização criminal, seja ela direta ou indireta, e a que foca 

nos medos e nas ansiedades relacionadas ao ambiente urbano, tanto 

em termos de incivilidades quanto de desordens. Não surpreende, 

portanto, que as principais estratégias para reduzir o medo sigam o 

mesmo esquema. Algumas enfatizam a diminuição da vitimização e 

focam na redução de determinados crimes; outras buscam melhorar 

o ambiente urbano, resolvendo os problemas relacionados ao medo 

(WINKEL, 1988; BENNETT, 1991).

 250

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 As iniciativas centradas exclusivamente na redução de crimes 

(crime oriented policing) podem, às vezes, aumentar a sensação de 

insegurança, sobretudo quando enfatizam prisões em flagrante e troca 

de tiros. Em localidades de baixa renda e com altas taxa criminais, 

os moradores vêm a criminalidade inexoravelmente associada à falta de 

oportunidades de trabalho e carência de espaços de lazer. Nesses luga

res, as estratégias que têm obtido mais sucesso são aquelas voltadas para 

a resolução de problemas (problem oriented policing) (CORDNER, 

1986; CONVINGTON, TAYLOR, 1991; TAYLOR, CONVINGTON, 

1993). Nelas, os policiais devem se aproximar das comunidades, aju

dar a resolver os problemas locais e focar a administração de conflitos 

para diminuir as incivilidades e desordens (KELLING, COLES, 1996; 

SCHEIDER e al., 2003; RENAUER, 2007).

 Apesar das diferenças, os dois tipos de estratégias baseiam-se 

quase que na atuação das polícias para reduzir o medo e promover a 

sensação de segurança. Por isso há quem critique essa visão restrita 

de controle social alegando que outros atores e aspectos da vida social 

também deveriam ser levados em conta, como as famílias, igrejas, 

escolas. As pessoas que defendem essa tese defendem, ainda, que os 

projetos de urbanização e recreação desempenham papel impor

tante na promoção da confiança entre os membros da comunidade 

(DUFFEE et al, 2000), enquanto outros reforçam o papel do controle 

social informal exercido comunitariamente. Alguns estudos sugerem, 

por fim, que as comunidades podem conviver com diferentes tipos de 

ordem política e moral (TAYLOR, 2002; SILVER, MILLER, 2004; 

ZALUAR, RIBEIRO, 2009).

 Assim, surgiram nas últimas décadas políticas públicas voltadas 

principalmente para a melhoria da sensação de segurança e redução do 

251

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 medo do crime. Em diversos países tem sido cada vez mais frequente a 

adoção de programas de qualidade de vida, como ficaram conhecidas 

essas políticas. Em geral, eles compartilham os seguintes aspectos: 

i) envolvem a participação de diversos atores públicos e privados, for

mando uma rede de políticas públicas; ii) adotam novas estratégias de 

policiamento; e iii) são focados na melhoria da sensação de segurança.

 Nesses programas é frequente a articulação de redes de vizinhos, 

empresas de segurança privadas e agentes públicos. Originalmente cha

madas de neighbors watch, em essência, essas iniciativas buscam 

articular atores para uma intensa troca de informações sobre as ativi

dades cotidianas dos bairros residenciais. No Brasil, para intensificar 

essa troca entre moradores e policiais, algumas cidades implanta

ram os programas Rondas do Quarteirão, Segurança Comunitária e 

Vigilância Comunitária.

 Também são comuns as parcerias entre os setores de negócios e 

o Estado para a melhoria das condições ambientais de áreas públicas, 

como praças, centros comerciais e parques. Essas parcerias, conhecidas 

como business district improvement (BDI), articulam formas específi

cas de policiamento com vistas à melhoria das condições de urbaniza

ção e aumento da fiscalização sobre o funcionamento de bares, boates 

e comércio de rua. Inspirados nessa ideia surgiram programas brasi

leiros como o Centro Presente, Bairro Presente e o Choque de Ordem 

(CARUSO, 2016).

 Tanto as redes de vizinhos quanto as parcerias entre atores públi

cos e privados necessitam da atuação estatal para a criar e articular 

redes de políticas públicas. Como discutido no capítulo 2, a forma

ção dessas redes não é espontânea, tampouco há consenso entre os 

atores sobre as ações que devem ser priorizadas. A participação das 

252

CAPíTULO 7: A SEGURANÇA PÚBLICA E O MEDO DO CRIME

 Secretarias de Segurança Pública, no âmbito estadual, e de órgãos de 

ordem pública, no nível municipal, é fundamental nesse processo.

 Nas últimas décadas surgiram importantes inovações nas estra

tégias de policiamento que têm impactado de modo significativo o 

medo do crime: o comunitário; o orientado para problemas e o de 

manchas criminais (WEISBURD, ECK, 2004). Essas estratégias sur

giram como respostas ao modelo tradicional, que é baseado na satu

ração de áreas, no patrulhamento aleatório e nas prisões em flagrante. 

Estudos mostram que a saturação de área e o patrulhamento aleató

rio, embora tenham efeitos positivos sobre a sensação de segurança, 

não têm necessariamente impacto na redução dos crimes violentos 

(ECK, MAGUIRE, 2000).

 Embora ainda seja a estratégia mais frequente, o policiamento 

tradicional tem sido alvo de críticas por ser reativo e concentrar seus 

objetivos exclusivamente na redução da criminalidade. Ele também 

é criticado por ser genérico, pois é empregado em todos os bairros e 

comunidades da cidade independente das suas especificidades. Por fim, 

esse modelo enfatiza a ideia de eficiência e produtividade policiais com 

base em metas de apreensões, abordagens e flagrantes, dispensando 

pouca atenção à avaliação da sua efetividade (BAYLEY, 1994).

 O policiamento comunitário, como vimos no capítulo 3, baseia-se 

na descentralização e na aproximação com a comunidade. Na verdade, 

ele é mais uma filosofia que uma estratégia, que inspira um grande 

número de programas. Um deles é o policiamento voltado para a solu

ção de problemas, um tipo de estratégia que consiste na identificação 

dos problemas que estão por trás da criminalidade (má iluminação, 

prédios abandonados, som alto etc.). Estes, uma vez identificados, 

demandam medidas para sua solução. Para isso é necessário que os 

253

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 policiais se aproximem da comunidade e consigam acionar as agências 

de governamentais responsáveis. Os estudos têm apontado que esse 

policiamento apresenta resultados bastante satisfatórios no que tange 

à redução do medo do crime, pois diminui as vulnerabilidades e as 

incivilidades (WEISBURD, 1997; ECK, 2002).

 O surgimento daquilo que se convencionou chamar de policia

mento por manchas criminais (hotspots policing) deve-se à evolução 

tecnológica dos anos 1990. Essa modalidade foca na atuação da polícia 

a fim de obter maior efetividade. Isso implica a seleção de um tipo de 

crime a ser priorizado (roubos, agressões, furtos etc.), bem como veri

f

 icação das áreas e dos horários de sua maior incidência. As pesquisas 

têm demonstrado que esse tipo de policiamento é bastante efetivo. 

Além disso, os estudos mostram que o descolamento das manchas para 

áreas próximas não é tão automático como se supõe, nem acontece com 

a mesma intensidade (WEISBURD, GREEN, 1995; GREEN et al., 

1998; BRAGA et al., 1999).

 A formação de redes de políticas públicas e a adoção de novas 

estratégias de policiamento são componentes fundamentais para uma 

política de redução do medo. Para que isso ocorra é necessário reco

nhecer que este é um fenômeno relativamente autônomo da crimi

nalidade, e, portanto, demanda uma política própria, com metas e 

indicadores específicos. É nesse ponto que esbarram as principais 

iniciativas existentes no Brasil para lidar com o problema. De forma 

geral, as raras iniciativas nacionais são desarticuladas, baseiam-se 

fundamentalmente na atuação das políticas e assumem que o medo 

deriva do aumento da criminalidade. Em suma, embora seja uma das 

maiores preocupações dos cidadãos, o medo do crime não faz parte 

da agenda de políticas públicas de segurança.

 254

Conclusão

 Conceber a segurança em termos de políticas públicas ao invés 

de limitá-la a estratégias de policiamento requer uma mudança radi

cal de mentalidade na direção de um novo paradigma. Essa mudança 

inclui diferentes aspectos. Primeiro, as respostas são concebidas na 

forma de políticas públicas que não se resumem ao emprego das polí

cias e que exigem alta capacidade de governança. Em segundo lugar, 

as respostas não se destinam exclusivamente ao controle da criminali

dade; elas também são pensadas para reduzir o medo do crime e geren

ciar os riscos cotidianos. Terceiro, tanto a formulação dessas políticas 

quanto sua implantação requerem a ampla utilização de dados, análises 

e diagnósticos para definir os problemas e avaliar os resultados.

 O novo paradigma das políticas públicas de segurança implica pro

fundas mudanças institucionais, ao qual, mais do que nunca, elas pre

cisam se adequar. E isso requer mentalidades inovadoras e um ele

vado grau de especialização para executar estratégias de policiamento 

igualmente inovadoras. Da mesma forma que a crescente participação 

de outros atores na implementação de políticas inovadoras exige uma 

elevada capacidade de governança.

 Ao longo do século XX, os problemas de segurança foram pen

sados simplesmente em termos criminalidade e aplicação de algu

mas estratégias de policiamento. E suas principais respostas foram 

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 inspiradas por uma mentalidade punitivista, baseada fundamentalmente 

na necessidade de conter e castigar os criminosos. Para isso, o poder 

coercitivo das polícias era o principal instrumento do Estado.

 A implantação de regimes democráticos, iniciada na década de 

1950 na Europa, afetou profundamente esse paradigma punitivista. 

A democracia pressupõe o respeito aos direitos fundamentais e ao 

devido processo legal, o que significa impor limites à atuação das 

polícias e ao uso da força. Assim, desde a década de 1980 assistimos 

em diversos países o aumento das demandas pelo controle da ativi

dade policial. A sociedade civil, especialmente os movimentos sociais, 

desempenharam papel fundamental nessa luta, que acabou por limi

tar significativamente a capacidade estatal em promover a segurança 

demandada pela população nos termos do antigo paradigma.

 Ao mesmo tempo que as demandas por segurança aumentaram, 

a capacidade coercitiva dos Estados nacionais diminuiu. A necessidade 

de manter a ordem dentro dos limites legais tornou-se um enorme 

desafio para as autoridades públicas do final do século XX. Não é por 

acaso que surgiram grupos de policiais, promotores, juízes e outros 

empreendedores morais discursando contra o excesso de garantias 

democráticas, que estariam comprometendo a capacidade das polícias 

de responder aos problemas de segurança. Os discursos por endureci

mento penal passaram a ser frequentes em quase todas as democracias. 

Para alguns, o “excesso de democracia” seria um empecilho ao policia

mento. Sem o relaxamento dos limites legais e garantias individuais, 

as polícias não seriam capazes de resolver os problemas.

 Por outro lado, o discurso garantista parece perder força nos dias 

atuais. Apesar das vitórias iniciais para impor limites ao uso da força 

policial, aqueles que advogam a favor da manutenção das garantias 

256

CONCLUSãO

 constitucionais não têm sido capazes de propor respostas efetivas aos 

problemas cotidianos da população. Em boa medida, o garantismo con

tinua centrado na denúncia do caráter discriminatório do sistema de jus

tiça criminal. Assim, os debates entre os garantistas e os punitivistas são 

intermináveis, cada lado com posições aparentemente inconciliáveis.

 Há 40 anos, as discussões no campo da criminologia se davam em 

torno do “problema do Estado”. Os estudos denunciavam a seletivi

dade do Sistema de Justiça Criminal e sua incapacidade de processar 

adequadamente toda a demanda por punição. Agora, com o surgimento 

do novo paradigma, o debate mudou de perspectiva. A discussão se dá 

em torno da (in)capacidade do Estado de prover sozinho a segurança 

da população. Se antes a orientação teórica era claramente marxista, 

com forte crítica ao funcionamento da Justiça Criminal, agora a fonte 

de inspiração é foucaultiana. O problema do Estado passou a ser visto 

como o problema dos governos: dos limites e das modalidades de 

governar uma população.

 No fundo, o dilema entre a lei e a ordem, que resume o embate 

entre punitivistas e garantistas, é falso, pois ele pressupõe uma única 

forma para lidar com os problemas de ordem e criminalidade. A tensão 

só existe se as mentalidades que orientam as ações se mantiverem 

inalteradas. Na medida em que as respostas passam a ser orientadas 

por um novo paradigma, a democracia deixa de ser um problema e 

passa a ser parte importante da solução. É dizer, ao invés de simples

mente limitar a ação coercitiva das polícias, os princípios do Estado 

de Direito passam a legitimar a ação tanto das polícias quanto dos 

outros atores envolvidos na solução dos problemas.

 Esse paradigma é bastante diferente do anterior. Primeiro, ele não 

se baseia mais exclusivamente na atuação do Estado e, principalmente, 

257

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 das polícias. Ao contrário, implica a atuação coordenada de vários atores 

públicos e privados. Segundo, a atuação desses múltiplos atores, cada um 

como sua própria lógica, requer o desenvolvimento da capacidade de 

governança estatal. Terceiro, exige uma mentalidade bastante diferente, 

que enfatiza a prevenção proativa no lugar da simples reação punitiva; 

implica um cálculo atuarial ao invés da prescrição moral das condutas. 

Quarto, enquanto o punitivismo depende fundamentalmente da capaci

dade coercitiva do Estado, o novo paradigma requer outras capacidades. 

É necessário que o Estado seja capaz de gerar e analisar informações a 

f

 im de identificar e justificar a escolha dos problemas e suas possíveis 

respostas, exercendo sua capacidade regulatória para induzir a ação dos 

atores privados. E, finalmente, exige uma enorme capacidade estatal de 

articular e coordenar ações dos diferentes atores que compõem as redes 

de políticas públicas, o que demanda o desenvolvimento de instrumentos 

inovadores de controle, monitoramento e avaliação.

 A adoção de um novo paradigma de segurança pública implica 

um enorme desafio. Por um lado, é necessário mudar a forma como as 

pessoas veem o mundo e a maneira como reagem às situações e aos 

desafios do campo. Essa mentalidade é muito mais implícita do que 

explicita, uma vez que faz parte do habitus dos indivíduos e deriva 

de um longo processo de socialização profissional no qual as identi

dades e os mitos institucionais desempenham importante papel. Daí a 

mudança das mentalidades passar necessariamente pela reconstrução 

das identidades profissionais e atualização dos mitos que organizam as 

rotinas institucionais. Por outro lado, também é necessário desenvolver 

novas capacidades para que o Estado possa responder adequadamente 

aos desafios contemporâneos da segurança. Isso implica a criação de 

órgãos destinados à análise de informações, elaboração de indicadores 

258

CONCLUSãO

 e metas, desenvolvimento de sistemas de acompanhamento, monito

ração e avaliação de ações, implantação de arenas de coordenação e 

articulação, dentre outras medidas.

 Há uma relação dialógica entre a mudança de mentalidades e as 

novas capacidades necessárias para a implantação do novo paradigma, 

pois o desenvolvimento destas igualmente exige uma mudança daque

las. Sem isso, as iniciativas na direção de aumentar a capacidade de 

governança do Estado são obstruídas ou descontinuadas. Em contrapar

tida, só é possível mudar mentalidades se as autoridades responsáveis 

se convencerem de que é possível responder aos problemas de forma 

diferente e mais efetiva.

Essa mudança já é uma realidade em muitos países, nos quais é 

cada vez mais frequente a adoção de políticas públicas para resolver os 

problemas da população. Importante destacar que não é só o padrão de 

respostas que tem mudado, mas a própria identificação dos problemas.

 No novo paradigma, a segurança é vista como um bem coletivo, 

provido por uma variedade de instituições, profissões e grupos sociais 

que pertencem tanto à esfera pública quanto à privada. Os problemas 

não se restringem ao controle da criminalidade e ao exercício da fun

ção de punir; eles envolvem também a necessidade de administrar os 

medos e as expectativas da população.

 Boa parte desse debate trata de analisar o papel do Estado, ao qual 

pode caber, dependendo do tema, um papel central na regulação dos 

serviços ou a execução das ações de repressão e prevenção. Ele pode 

também dedicar-se à formação, coordenação e articulação das redes de 

259

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 políticas públicas. Seja qual a temática, o Estado continua a se fazer 

necessário. O que muda é a forma como ele exerce seu protagonismo.

 Se, por um lado, é necessário reconhecer a variedade de papéis 

estatais exercidos no campo da segurança, por outro, é preciso discutir 

qual é a sua capacidade de governança. E o que explica as variações 

nessa capacidade?

 A implementação de políticas públicas de segurança depende dos 

seguintes aspectos: i) novas estruturas de coordenação e controle; 

ii) mentalidades que orientam as respostas; iii) construção dos pro

blemas; iv) formação de redes de políticas públicas; e v) configura

ção do campo.

 O novo paradigma requer instituições com alta capacidade de 

coordenação e articulação de ações. Os tradicionais instrumentos de 

monitoramento das atividades policiais nem sempre são adequados 

a essas tarefas. Para isso é preciso construir outros instrumentos de 

governança. Tanto é que cada vez mais países adotam sistemas de 

metas, órgãos especializados em análise de dados, comitês gestores e 

centros de comando e controle. A implementação desses instrumentos, 

entretanto, depende de uma profunda mudança das mentalidades que 

permitam o surgimento de um novo padrão de respostas, baseado na 

ideia de políticas públicas e orientado por evidências empíricas.

 Não há dúvida que o novo paradigma requer novas mentalida

des para buscar respostas mais abrangentes e efetivas. Respostas que 

vão muito além da adoção de uma ou outra forma de policiamento. 

E sua adoção passa pela redefinição das identidades policiais e dos 

mitos institucionais. Certamente esse não é um processo fácil. As anti

gas identidades, originalmente derivadas do campo militar, têm se 

mostrado inadequadas. Primeiro, porque pressupõem uma forma de 

260

CONCLUSãO

 atuação centrada quase exclusivamente no uso da força. Em segundo 

lugar, as identidades profissionais que foram desenvolvidas ao longo 

do século XX assumem que os saberes policiais são genéricos e pouco 

especializados – daí a possibilidade de as polícias serem substituídas 

pelos exércitos. Terceiro, a ênfase na identidade militar resulta em 

modelo de supervisão baseado numa rígida hierarquia e disciplina.

 O mesmo acontece com os mitos institucionais. Embora neces

sários à manutenção das instituições, eles precisam ser atualizados 

para se adequar aos novos tempos, uma vez que a legitimidade das 

instituições que compõem o novo campo da segurança pública está 

baseada em outros termos. A implementação de políticas públicas 

de segurança exige muito mais do que o uso da força. Tais políticas 

requerem capacidade de sistematizar e analisar dados e informações, 

alto grau de especialização e supervisão flexível, capaz de lidar com 

a discricionariedade inerente à atividade policial.

 As novas políticas de segurança têm deixado progressivamente 

de ser orientadas em termos de combate à criminalidade (crime 

oriented policing), dando ênfase à resolução de problemas (problem 

oriented policing). Talvez esta seja uma das principais mudanças no 

campo: a construção de respostas voltada para a prevenção de violên

cias e à administração do medo.

 Os problemas de políticas públicas não estão dados, mas são cons

truídos. Logo, a sua definição não é um processo consensual. Muito pelo 

contrário, há uma intensa disputa sobre quais temas, grupos sociais e 

áreas devem entrar na agenda das prioridades da segurança. Ou seja, 

a definição dos problemas deixou de ser prerrogativa exclusiva das polí

cias e dos governos. Ela passou a ser resultado de um processo negociado 

entre os diversos atores que compõem o campo da segurança pública. A resposta para cada desafio implica a formação de uma rede 

de responsáveis por implantar as políticas públicas e suas ações. 

Ocorre que esse processo não é automático, tampouco sua sustenta

bilidade é garantida. As redes precisam ser induzidas e instituciona

lizadas, cabendo fundamentalmente ao Estado definir sua formação 

e torná-la sustentável.

 Finalmente, a capacidade de governança depende da configuração 

da segurança pública. Como já dito, a atual é resultado do paradigma 

tradicional, que possui baixa capacidade de coordenação e ausência 

de instrumentos de governança. Para se adequar ao novo paradigma 

é necessário assimilar e processar os interesses dos diversos atores 

do campo, como o Ministério Público, a União, os estados, os muni

cípios, os sindicatos, a mídia e a sociedade civil. Se as mentalidades 

compõem o habitus dos profissionais de segurança pública, a configu

ração de atores derivam da estrutura do campo. Logo, não é possível 

reconfigurar o campo sem mudar o habitus e vice-versa.

A baixa capacidade de governança da segurança pública no Brasil, 

descrita ao longo deste livro, deve-se a vários fatores. Por um lado, 

ela decorre da permanência de uma mentalidade punitivista centrada no 

combate à criminalidade; por outro, sua precariedade resulta da configu

ração e da fragilidade das instituições destinadas a coordenar e articular 

ações. A consequência desse quadro é a incapacidade do Estado brasi

leiro de responder adequadamente aos principais problemas do campo.

 Por sua vez, a fragilidade das Secretarias Estaduais de Segurança 

Pública dificulta a formação de redes de políticas públicas capazes 

262

CONCLUSãO

 de responder efetivamente aos problemas. E mesmo nos raros casos 

em que são formadas redes, elas não se institucionalizam. Em geral, 

esses órgãos articulam suas ações quase exclusivamente com as polí

cias, o Ministério Público e o Judiciário. São raras as articulações 

com outras áreas de governo, como as Secretarias de Saúde, Educa

ção, Esportes e Trabalho. Praticamente não existe articulação com os 

municípios e os outros estados. Da mesma forma, a articulação com 

a sociedade civil é incipiente.

 Verificamos também que a mudança das mentalidades tem esbar

rado nas dificuldades que os policiais encontram para construir novas 

identidades profissionais. O fato de os policiais militares brasileiros 

terem se identificado, ao longo do século XX, com o campo militar 

explica apenas parte do problema. Isso porque as PM brasileiras não 

foram as únicas que se originaram de unidades do exército; em alguns 

países que historicamente as polícias guardam fortes aspectos milita

res houve crescente diferenciação entre os campos policial e militar, 

como resultado do surgimento e consolidação dos regimes democráticos.

 No Brasil, embora esse processo de diferenciação tenha se iniciado 

a partir dos anos 1990, a construção de uma nova identidade policial tem 

esbarrado na pressão para acabar com a criminalidade e por demandas 

corporativas. O status militar estabelecido pela Constituição Federal 

de 1988 garantiu às polícias as mesmas prerrogativas previdenciárias 

das Forças Armadas. Ao mesmo tempo que os policiais começaram a 

se diferenciar dos militares, alguns estados passaram a exigir formação 

jurídica para ingresso no quadro de oficiais como estratégia de luta sala

rial. A ideia era equiparar os PM aos policiais civis para exigir paridade 

salarial. O resultado foi desastroso, pois vinculou os policiais militares 

ao campo jurídico, enfraquecendo a sua identidade policial.

 263

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 Nas Polícias Civis, a manutenção do mito do inquérito policial 

dificulta as práticas de investigação. Ao confundir os procedimentos 

burocráticas de elaboração do inquérito com as atividades de inves

tigação, as polícias civis deixam de exercer adequadamente sua prin

cipal função: elucidar crimes e instruir o processo criminal. Se em 

tese, eles não podem escolher os casos que mereceram mais atenção, 

na prática exercem sua discricionariedade para estabelecer as priori

dades do trabalho cartorial em detrimento da investigação.

 O resultado não poderia ser pior. Nos últimos anos verificou-se o 

surgimento de um novo padrão de instrução criminal. A maior parte das 

denúncias realizadas pelo Ministério Público baseia-se nas prisões em fla

grante realizadas pela PM. Portanto, não causa espanto que as polícias civis 

vivam uma grave crise institucional em razão da persistência do inquérito--mito, que privilegia os saberes jurídicos vis-à-vis os saberes policiais.

 Os problemas de governança do campo da segurança pública, con

tudo, não resultam apenas dessas fragilidades institucionais e identitá

rias das polícias. Eles também derivam da sua reconfiguração. A atual 

Constituição reconfigurou significativamente o campo, estabelecendo 

novas funções e prerrogativas a antigos atores políticos. O papel do 

MP foi profundamente alterado: além da tradicional função de titular 

da ação penal, os promotores passaram a desempenhar também fun

ções de proteção dos direitos difusos e controle externo da atividade 

policial. Ganharam, ainda, um novo instrumento: a ação civil pública. 

Apesar dessas novas funções, a estrutura do Ministério Público não 

foi alterada. O resultado é uma atuação pouco efetiva, desarticulada, 

que é incapaz de ditar uma política criminal.

 Nas últimas décadas também se assistiu ao aumento do protagonismo 

do governo federal nesse campo, com a criação da Secretaria Nacional 

264

CONCLUSãO

 de Segurança Pública (Senasp) e do Fundo Nacional de Segurança 

Pública (FNSP), com a missão de induzir, coordenar e articular ações 

no âmbito do federalismo brasileiro. Essa tarefa, no entanto, tem esbar

rado na fragilidade institucional da Senasp, na estrutura inadequada do 

FNSP, na precariedade do Sistema Nacional de Estatísticas de Segu

rança Pública (Sinesp) e na ausência de um marco regulatório para área.

 Igualmente, os municípios tornaram-se importantes atores no 

campo. Muitos deles criaram guardas municipais e órgãos de defesa 

social com status de secretaria. Apesar do seu potencial para execu

tar políticas preventivas, eles esbarram na indefinição constitucional 

sobre o seu papel nos temas de segurança pública. Isso resulta em 

desarticulação e conflitos com os estados.

 No âmbito da sociedade civil, se verifica o aumento da ativi

dade dos sindicatos no âmbito policial. Embora já existissem, essas 

instituições passaram a ser mais ativas após promulgação da Consti

tuição. Se os sindicatos de agentes e delegados são legalmente reco

nhecidos, por outro, a atuação sindical dos clubes e associação de 

policiais militares não possuem respaldo legal. Na prática, tantos os 

sindicatos quanto os quase-sindicatos passaram a desempenhar papel 

importante na definição, implementação e legitimação das políticas 

públicas de segurança.

 A mídia sempre foi ator importante no campo. As mudanças tec

nológicas dos últimos anos, entretanto, alteraram profundamente a 

relação entre ela e as polícias. Se antes os policiais eram as principais 

fontes de informações dos jornais e telejornais, agora eles dividem esse 

papel com ativistas sociais e associações civil e centros de pesquisa. 

O mesmo pode ser dito em relação à sociedade civil, cujas demandas 

por participação têm aumentado significativamente a pressão sobre as 

265

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 autoridades policiais apresentarem-no sentido de dar respostas mais 

efetivas aos problemas da área.

 A segurança pública é fundamentalmente um tema de política 

local. E cada estado tem uma configuração específica para o campo. 

No modelo federativo brasileiro, essas variações são significati

vas: em alguns os comandantes e diretores de política têm o mesmo 

status do secretário de Segurança; noutros as polícias são subordina

das às secretarias ou sequer contam com elas. Em alguns estados as 

secretarias acumulam as funções de coordenação de segurança em 

parceria com as de administração penitenciária; em outros essa tarefa 

é executada especificamente por órgão próprio.

 Essas diferentes configurações são resultado de conflitos e articu

lações das décadas passadas, mas, geralmente, foram estruturadas a 

partir do antigo paradigma de segurança. Seja como for, a articulação 

e a coordenação de ações são precárias; os instrumentos de gover

nança, quando existem, são frágeis e incipientes. As principais res

postas aos problemas do campo, chamadas genericamente de políticas 

de segurança pública, são orientadas para o combate à criminalidade, 

e raramente articulam redes ou são baseadas em evidências empíricas. 

O resultado é a baixíssima efetividade dessas políticas.

 Com frequência, os governantes e as autoridades policiais justifi

cam a incapacidade de responder aos problemas à falta de policiais e às 

limitações orçamentárias. Por isso o caso do Distrito Federal é interes

sante. A capital do Brasil conta com elevada proporção de policiais por 

habitantes. Eles têm salários superiores aos colegas dos outros estados, 

enquanto os gastos do DF com o setor estão entre os mais altos do país. 

Ou seja, do ponto de vista do paradigma tradicional, as polícias distritais 

gozam de condições privilegiadas. Apesar disso, até 2014, o Distrito 

266

CONCLUSãO

 Federal apresentava taxas de homicídios muito próximas às da média 

nacional. As causas para o fraco desempenho não eram, portanto, a falta 

de efetivos e recursos. O desempenho decepcionante era resultado da 

precária capacidade de governança da segurança pública local.

 O resultado mais dramático da baixa governança do campo da 

segurança pública brasileira é a sua incapacidade de responder aos 

problemas que persistem há décadas. É o caso dos homicídios. O Brasil 

responde pelo maior número de homicídios do planeta, a taxas que 

crescem quase initerruptamente, apesar das variações regionais. Não se 

trata de um problema invisibilidade, pois todos reconhecem a gravi

dade da solução. Trata-se da ausência de uma agenda de políticas públi

cas que articulem ações de repressão com ações preventivas focadas 

nas áreas, nas situações e nos grupos de risco.

 Se o número assustador de crimes violentos é o problema típico 

do século XX, o medo e a insegurança são problemas da agenda de 

segurança do novo milênio. Da mesma forma que os homicídios, 

as políticas públicas para redução do medo e aumento da sensação de 

segurança requerem a criação de redes coordenação e articulação de 

ações, elaboração de meta e indicadores.

 Apesar do quadro desalentador, é possível verificar novidades. 

Algumas Secretarias de Segurança Pública implementaram importantes 

instrumentos de governança. Foram criadas áreas integradas de segu

rança pública, sistemas de metas, órgãos de análise de dados, comitês 

gestores e centros integrados de comando e controle. Em alguns esta

dos, as novas gerações iniciaram um processo consistente de constru

ção de identidade profissional a partir da ideia de desenvolver a ciência 

policial. Também foram criadas unidades especiais de investigação 

criminal, cujo desempenho tem impressionado as autoridades.

 267

SEGURANÇA PÚBLICA, REDES E GOVERNANÇA

 No âmbito da sociedade civil, o surgimento de centros de pesquisa 

e organizações não governamentais dedicadas à elaboração de diag

nósticos e formulação de políticas públicas baseadas em evidências 

tem mudado radicalmente o quadro nacional da segurança pública. 

Esses novos atores, articulados com algumas lideranças policiais, 

têm exigido das autoridades públicas resposta mais efetivas, orienta

das pelo novo paradigma.

 Essa mudança é um processo longo, que depende das iniciativas 

dos comandantes e diretores para construir novas identidades, da alte

ração de mentalidades das autoridades políticas, bem como da parti

cipação dos governos federal, estaduais e municipais e da sociedade 

civil. É das tensões e coalizões entre esses atores que resultará a nova 

configuração do campo da segurança pública.

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Base eleitoral refere-se ao conjunto de eleitores, um grupo de apoio ou uma região geográfica específica, onde um determinado candidato, partido político ou corrente ideológica tem um apoio consistente e significativo. 

Trata-se de um conceito fundamental na política, que pode ser entendido de duas formas principais:

Geográfica/Regional: É a localidade (cidade, bairro, estado) onde um político é mais conhecido e popular, e de onde provém a maioria dos seus votos. Geralmente, é onde ele concentra seus esforços de campanha e mantém vínculos mais próximos com a comunidade.

Grupo de Apoio/Segmento Social: Pode se referir a um grupo específico de eleitores com interesses, características ou afiliações em comum (ex: agricultores, sindicalistas, membros de uma determinada religião, ou classe social) que tendem a votar de forma similar em determinado candidato ou partido. 

A manutenção e organização da base eleitoral são cruciais para a carreira política de um candidato, pois garantem um ponto de partida sólido e previsível de votos em cada eleição, o que permite focar a expansão da campanha para outras áreas ou grupos de eleitores. 

O termo também pode ser usado em referência aos partidos que dão suporte ao governo vigente no Congresso Nacional ("partidos da base do governo

Direita Esquerda e Centro. Alimentam suas basse eleitorais em discurso sobre seg urança pública.

Confira a noticia na Folha de São Paulo                         .https://www1.folha.uol.com.br/poder/2025/11/esquerda-direita-e-centro-tem-vidracas-na-seguranca-enquanto-tema-pauta-2026.shtml

E assim caminha a humanidade.

Imagens; Folha de São Paulo .





 


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