É preciso entender o jogo perigoso praticado por Jair Bolsonaro no caso do funcionamento das igrejas. E agora o Don Giovanni da Zona Oeste do Rio encontrou mais um candidato a Leporello: Kássio Nunes Marques, o Kássio Conká. Já não bastavam André Mendonça, advogado-geral da União, e Augusto Aras, procurador-geral da República a produzir e a dizer coisas indignas a respeito.
Antes de chegar ao ponto, uma questão: o trio sabe que essa história de funcionamento de igrejas com uso de máscara, álcool em gel e ocupação de apenas 25% da capacidade dos templos é conversa para idiotas. Que instrumento existe para que se faça cumprir a exigência? Quem vai fiscalizar? O voto de Kássio Conká investe no vale-tudo e ponto final.
Na quinta, na live do Cafofo do Osama, Bolsonaro já havia defendido o funcionamento das igrejas, apelando a uma fatia do seu eleitorado e a uma parcela do Congresso.
Prestem atenção: o presidente sabe que vai perder. Kássio Conká sabe que seu voto vai virar picadinho. Até porque é de tal sorte estúpido que há de provocar até constrangimento em seus colegas. O que responder a um ministro que admite que está concedendo liminar a um peticionário que ele próprio admite ser ilegítimo? Mais: essa ilegitimidade já foi reconhecida pelo próprio tribunal, de acordo, no caso, com a Advocacia Geral da União.
É pouco? Conká reconhece que a matéria já foi votada no tribunal. Há alusão em sua liminar à votação dos 11 a zero que reconheceu a competência concorrente dos entes da federação para decidir o que pode e o que não pode funcionar. Sem ter onde amarrar o seu burro, resolveu apelar a um voto da Corte Suprema dos EUA. O STF já parece pouco para as ambições intelectuais do pensador.
Ainda que ele não consiga fazer melhor do que aquilo — ou quem quer que tenha feito a coisa em seu lugar —, deve ter a noção de que o voto é de uma ruindade assombrosa. Já afirmei que bastaram duas manifestações em temas mais ou menos polêmicos, e eis o homem, não é mesmo? Conká se revelou.
Bolsonaro está testando um aliado e constata que, até agora, Caramuru não dá chabu! Bastou precisar dos serviços, e eles apareceram à mão. E Conká, vê-se, é destemido. Não tem medo do ridículo. Como já escrevi aqui, enganou-se quem pensou que seu voto no caso da suspeição de Sergio Moro já havia chegado ao paroxismo do exotismo. Não!
Como a demanda planaltina é grande, vem mais por aí. Nesse caso das igrejas, o homem superou a própria marca. Sai ridicularizado do processo. Mas ele não está lá para cuidar da sua reputação técnica ou intelectual. Faz sentido: por esses caminhos, jamais chegaria àquela cadeira. Assim, seus votos são gratos e servis aos critérios que o guindaram ao posto máximo da Justiça.
Quando tomar na cabeça um provável 10 a 1, então a posição do ministro na escala bolsonarista estará consolidada. Pronto! Ele já é um deles.
A provável derrota da tese do presidente da República no Supremo será uma vitória. Ele ganha ganhando e ganha perdendo. Se prevalecer a tese de Conká, o que é improvável, Bolsonaro dirá que o funcionamento das igrejas se deve a seu esforço. Se o Supremo cumprir a sua obrigação, o "Mito" afirmará a parte considerável de sua base que, por ele, as igrejas estariam abertas e que a decisão do tribunal viola um direito fundamental.
Bolsonaro perde a votação no Supremo, mas ganha um elemento a mais para fazer proselitismo junto a seus radicais e para mantê-los unidos.
Se alguém, como escreveria Ivan Lessa, encostar o ouvido ao peito de Bolsonaro, ouvirá seu coração torcendo para que o Supremo faça o que tem de fazer: proibir o funcionamento dos templos. Assim, o ogro ganha um discurso.
O nome disso? Necropolítica. Populismo da morte. O artigo é do Jornalista Reinaldo Azevedo, no Portal UOL, na manhã desta segunda feira (05)
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