SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As sanções impostas à Rússia, como a retirada de bancos do sistema internacional de pagamentos Swift e o congelamento de parte das reservas internacionais, pode inviabilizar o embarque de produtos daquele país para o Brasil e até atrasar o desembarque de mercadorias que já estão a caminho do nosso país.
Especialistas na área de comércio exterior avaliam que o maior risco para o Brasil neste momento é não garantir a entrega de adubos e fertilizantes, produtos que representaram 62% das importações vindas da Rússia em 2021.
Já as exportações poderiam ser direcionadas para outros países, uma vez que o país estrangeiro representou apenas 0,6% do mercado exterior para os brasileiros no ano passado.
Mauro Lourenço Dias, diretor-presidente da Fiorde Logística Internacional, afirma que as sanções impostas à Rússia podem inviabilizar a concessão de cartas de crédito a exportadores e importadores. Sem essa garantia de recebimento, tanto empresas brasileiras como suas contrapartes russas não teriam segurança para concretizar suas operações.
"Fica inviável você fazer o comércio internacional. O sistema de pagamentos já ficou comprometido. Se não tem swift, os grandes bancos não vão dar carta de crédito para operações com a Rússia", afirma.
Segundo o executivo, isso coloca a Rússia em situação semelhante à de Cuba, Venezuela e Irã, que também estão fora do sistema bancário internacional.
Ele afirma que mesmo mercadorias que já foram embarcadas podem ficar retidas mais tempo nos portos brasileiros até que a empresa importadora consiga fazer o dinheiro chegar ao vendedor na Rússia. "O navio vai chegar aqui e vai ter dificuldade de liberar a carga", afirma.
José Augusto de Castro, presidente da AEB (Associação de Comércio Exterior do Brasil), afirma que o Brasil tem como compensar uma possível queda nas exportações de produtos para Rússia, entre eles a soja, carne e café, direcionando a oferta para outros países.
Em 2021, a Rússia responde por apenas 0,6% das vendas brasileiras ao exterior, com valores que representam cerca de um terço do verificado em 2008, durante o boom anterior de commodities.
Para ele, o problema será a importação, especialmente de fertilizantes. Esses produtos representaram 62% das compras brasileiras de produtos russo em 2021. No ano passado, a importação desses insumos alcançou o valor recorde de US$ 3,5 bilhões, um aumento de 98% em relação a 2020.
"O que se vende de carne, soja e outras coisas para lá não é tão importante. A exportação no ano passado foi de R$ 1,6 bilhão. Isso você pode colocar em outros países sem nenhum problema", afirma.
"Agora, na importação de fertilizantes, não tem mercado alternativo hoje. Se deixo de comprar fertilizantes, vai afetar a produtividade e vamos ter menos produtos para exportar, seja para a Rússia ou para outros países."
O presidente da AEB diz que as dificuldades com o sistema de pagamento Swift são um segundo problema. O primeiro será garantir que a oferta do insumo à lavoura não seja afetada. Ele avalia que os russos podem segurar suas vendas para valorizar o produto, pois sabem que não há alternativas hoje para os consumidores desses produtos.
"O Brasil, por ser o grande produtor do agronegócio, depende do fertilizante da Rússia e também da Ucrânia. Não temos mercado alternativo. Novos embarques vão depender do que a Rússia decidir e ela pode suspendê-los."
No ano passado, o Brasil exportou US$ 1,6 bilhão para a Rússia e importou o valor recorde de US$ 5,7 bilhões (107% a mais do que em 2020), segundo dados do Ministério da Economia.
Os gargalos no comércio exterior são mais um fator que deve contribuir para a alta de preços de produtos importados pelo Brasil.
Economistas avaliam que os conflitos na Ucrânia tendem a gerar um aumento da pressão inflacionária no Brasil, o que pode levar a uma necessidade de juros ainda maiores por parte do Banco Central, e, consequentemente, a um crescimento econômico menor.
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, assinala que o Brasil importou cerca de 40 milhões de toneladas de fertilizantes ao longo do ano passado.
Dessa quantia, pouco mais de 20% foi proveniente da Rússia, aponta o economista, acrescentando que a tendência natural é de um aumento no preço dos insumos, frente à escalada bélica na Ucrânia e as sanções de países do Ocidente contra a Rússia.
"A guerra na Ucrânia traz um choque que não é nada trivial em cima de uma economia brasileira que já está muito pressionada por uma inflação de dois dígitos", afirma Vale.
Com uma projeção de 5,8% para o IPCA para este ano e com uma Selic de 12,25%, o economista-chefe afirma que os conflitos no Leste Europeu devem fazer com que a inflação brasileira alcance a marca dos 6% em 2022, com uma taxa de juros que pode chegar mais perto de 13% ao final do ciclo de aperto monetário.
Neste cenário, o crescimento da atividade econômica, que a MB Associados já previa próximo de zero em 2022, tende a ficar no campo negativo, diz o economista.
"Não dá para descartar que a gente tenha, de fato, uma recessão", afirma Vale.
Ele lembra que, além da escalada dos riscos globais, é preciso atenção também com o cenário doméstico, em que as incertezas relativas ao campo político devem turvar ainda mais a expectativa do mercado para o desempenho da economia local.
"Além da pressão de preços trazida pela alta das commodities, a corrida por ativos mais seguros deve favorecer uma apreciação do dólar, em detrimento a moedas de mercados emergentes como o Brasil", diz Alexandre Schwartsman, economista da consultoria Schwartsman & Associados e ex-diretor de assuntos internacionais do BC.
Embora a inflação deste ano deva ser menor do que a de 2021, a desaceleração esperada para os preços deve ocorrer de maneira mais lenta do que se previa anteriormente, afirma Schwartsman.
No mais recente relatório Focus, a mediana das projeções aponta para uma inflação de 5,56% no ano, com um PIB de 0,30% e uma taxa Selic de 12,25%.
"Pelo andar da carruagem, não descartaria a inflação testando níveis acima de 6% neste ano, com a possibilidade de postergação da convergência da inflação à meta para 2024", afirma o economista, que diz considerar como uma "possibilidade bastante real" o BC ter de levar a taxa Selic para o patamar de 13% ao ano.
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