Com a popularização e acesso facilitado ao mundo digital, as fake news ganharam ainda mais força. Mas, o compartilhamento de notícias mentirosas pode trazer grandes consequências para a vida das pessoas. O Terra entrevistou o filho dos donos da Escola Base e a filha de uma mulher que foi linchada até a morte após ser vítima de um boato. Os dois casos são exemplos de notícias falsas que marcaram o país.
O caso Escola Base ocorreu no início de 1994, em São Paulo. À época, os donos de uma escola infantil, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, assim como um motorista de transporte escolar e um casal de pais de um aluno, foram acusados por duas mães de abuso sexual.
A acusação, que foi amplamente divulgada pela mídia após ser reforçada por um delegado, foi comprovada ser falsa tempos depois. Mas, quando a verdade veio à tona, o estrago estava feito. A reputação da Escola de Educação Infantil Base já tinha ido à ruína, ainda que muitos pais tenham defendido os donos da instituição na época.
E os danos não foram só esses. Os acusados tiveram suas reputações destruídas e carregaram traumas psicológicos por toda a vida.
O filho do casal dono da escola, Ricardo Shimada, de 42 anos, relatou em entrevista ao Terra como foi a vida de seus pais após a notícia falsa ter sido espalhada. À época do ocorrido, Ricardo tinha apenas 14 anos. Ele relembra que os pais ficaram "paralisados" com a acusação.
"Depois da minha mãe ser levada para delegacia e passar por toda essa exposição, a primeira coisa que ela teve foi um derrame no olho. Inclusive, ela estava tratando esse problema quando teve a prisão preventiva decretada. Lembro que na época vi a notícia [sobre a prisão] na TV, avisei meus pais e foi aí que eles decidiram fugir, se esconder", relembra Shimada.
Depois do derrame, ele conta que a saúde dos pais se deteriorou. A mãe dele faleceu por causa de um câncer em 2007, e, em 2014, o pai morreu por infarto. "Minha mãe teve depressão e tentou se matar duas vezes. Ela não podia escutar as chamadas da Globo por causa do trauma. E ficou quase um ano sem sair do apartamento por medo de ser reconhecida na rua e não saber como lidar".
Segundo Shimada, isso não abalou só os pais, mas a ele também, que enfrentou uma depressão após todo ocorrido. Ele conta que o que ajudou a superar os traumas foram o jiu jitsu e a religião.
"A escola sempre foi o sonho da minha mãe, já que ela lecionava antes de eu nascer. Meu pai tinha uma copiadora na Praça da Sé e foi desse comércio que vivemos após a escola ser fechada. A imprensa achou que estava dando um furo de reportagem, devido a certeza que era afirmada pelo delegado e pelas mães, mas faltou ouvirem o lado dos meus pais. Basicamente um lado só foi contado na época. Não houve empatia com nenhum dos acusados", relata
Shimada, que atualmente dá palestras sobre o que viveu, agora lançará o livro "O Filho da Injustiça", obra em que irá abordar não só as investigações, mas também detalhes da sua vida com os pais antes, durante e após todo o ocorrido. Além disso, contará sobre sua perspectiva todo o ocorrido.
O filho do casal vítima de uma mentira que marcou o paí viu de perto o quanto uma notícia falsa pode destruir vidas. "Se fosse hoje, com o advento do celular e da internet, talvez meus pais tivessem sido linchados. Infelizmente, fake news seguem sendo compartilhadas e fabricadas e hoje ainda dão até dinheiro", lamenta ele.
Boato gerou morte por linchamento
E não é exagero dizer que a fake news mata. Em maio de 2014, Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, foi espancada até a morte por moradores em Guarujá, no litoral paulista, após a publicação e o compartilhamento de uma notícia falsa sobre ela no Facebook. À época, ela foi confundida com uma suposta sequestradora de crianças para rituais de magia negra, amarrada e agredida. Quatro pessoas foram presas pelo crime.
A dona de casa Yasmin de Jesus Neves, de 21 anos, tinha apenas 13 anos quando a mãe foi brutalmente assassinada. Ela relata que foi um "choque" muito grande o que aconteceu. "Foi uma vida tirada da gente. Já sabíamos que estava rolando um boato na internet, mas ainda não sabíamos por qual motivo. Então na hora que soubemos a causa da morte da minha mãe foi mais dolorido ainda", disse.
Até hoje a família sente a dor pelo que ocorreu. Yasmin conta que a irmã mais nova tinha 1 ano quando a mãe faleceu e até hoje não sabe a verdadeira causa da morte. "Para minha irmã, minha mãe saiu, bateu a cabeça e morreu. Ela faz tratamento psicológico e a profissional está vendo a melhor forma de explicar para ela tudo o que realmente aconteceu, porque ela vê reportagens sobre a minha mãe e sempre pergunta. Meu pai ficou mal por um tempo e eu, até hoje, penso como seria se ela estivesse aqui. E agora tentamos levar como dá, mas nunca iremos esquecer."
Foi Yasmin que cuidou da irmã depois que tudo aconteceu e a família ainda luta até hoje pela indenização da rede social em que a fake news foi disseminada. "As pessoas precisam ter muito cuidado com o que compartilham nas redes sociais para que não aconteça o mesmo que ocorreu com a minha mãe. Se não fosse uma notícia falsa, nossos destinos poderiam ter sido totalmente diferentes", finaliza.
Mentiras que geraram conflitos internacionais
Durante uma palestra no TED Talks, a jornalista ucraniana Olga Yurkova, ativista engajada no combate a notícias falsas - cofundadora do site StopFake - disse que as fake news são "uma ameaça à democracia e à sociedade".
No programa, a especialista apontou três exemplos, de três países diferentes, de notícias ou informações fabricadas que chegaram à mídia e tiveram grande impacto. O primeiro deles foi uma notícia distribuída pela mídia russa que contava o caso de Galyna Pyshnyak, apresentada como uma refugiada russa.
Aos prantos, a mulher aparecia contando que soldados ucranianos haviam crucificado publicamente um menino de três anos de idade diante de sua mãe, "como se ele fosse Jesus", enquanto o garotinho gritava, sangrava e chorava. Mas tudo era mentira. Pyshnyak era na verdade a mulher de um militante pró-russo.
Outro exemplo de fake news de grande repercussão mundial teve como protagonista uma outra menor: Nayirah, uma menina kuwaitiana de 15 anos que denunciava atrocidades cometidas por invasores iraquianos em seu país. A história teria ocorrido em 1990.
À época, Nayira apareceu diante do Congresso dos Estados Unidos com uma história brutal em que assegurava que os soldados iraquianos retiravam bebês prematuros de incubadoras de um hospital no Kuwait, onde disse ser voluntária. O impacto do seu testemunho foi tão grande, que muitos no Ocidente se convenceram de que era preciso expulsar as tropas de Saddam Hussein.
O que não sabiam era que o depoimento, na realidade, havia sido preparado por uma agência de relações públicas nos Estados Unidos ligada à monarquia do Kuwait, segundo revelou uma investigação conjunta da Anistia Internacional, da Human Rights Watch e de jornalistas independentes.
O terceiro caso é de setembro de 2017. A equipe do BBC Reality Check, criada para identificar e reportar notícias falsas, confirmou como uma série de imagens falsas "intensificou" a crise dos rohingya, o povo muçulmano - que representa 5% da população (de 60 milhões de habitantes) de Mianmar - que a Organização das Nações Unidos (ONU) afirma ter sido alvo de limpeza étnica.
As imagens em questão são fotos e vídeos de conflitos ocorridos há décadas, como a guerra de Ruanda, e que foram usados como propaganda para acusar os rohingyas de serem violentos. Essas fotos foram circuladas antes do aumento da violência no norte de Mianmar, explicou a BBC. A informação é do Portal Terra.
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