O Consenso de Washington foi um conjunto de dez recomendações de políticas econômicas, de inspiração neoliberal, formuladas em 1989 pelo economista inglês John Williamson. O pacote era destinado a países em desenvolvimento, especialmente na América Latina, que enfrentavam crises de endividamento e hiperinflação.
As propostas de Williamson surgiram de um aparente consenso entre o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.
Principais medidas do Consenso de Washington
As dez propostas do Consenso de Washington incluíam:
Disciplina fiscal: Controle rígido dos déficits orçamentários dos governos.
Reorientação do gasto público: Redirecionamento do gasto público de áreas como subsídios para investimento em educação, saúde e infraestrutura.
Reforma tributária: Ampliação da base de contribuintes e redução das alíquotas marginais de impostos.
Taxas de juros de mercado: A fixação de taxas de juros deveria ser determinada pelas forças do mercado, e não por decisão governamental.
Câmbio competitivo: A taxa de câmbio deveria ser determinada livremente pelo mercado.
Abertura comercial: Eliminação de barreiras alfandegárias, como tarifas e cotas de importação.
Liberalização do investimento direto estrangeiro: Remoção de obstáculos para a entrada de capital estrangeiro.
Privatização: Venda de empresas estatais para o setor privado.
Desregulamentação: Redução da intervenção do Estado na economia e simplificação de regulamentos.
Direito de propriedade: Garantia de segurança e proteção aos direitos de propriedade privada.
O Consenso de Washington gerou debates e críticas significativas:
Resultados desastrosos: Em muitos países que implementaram as medidas, os resultados geraram crises , estagnação econômica e aumento da desigualdade social, como foi o caso da Argentina no início dos anos 2000.
Os críticos acusam o consenso de promover a venda de patrimônio público a preços irrisórios e de defender uma redução dos gastos públicos que impactou negativamente investimentos sociais.
Efeitos na indústria: A eliminação do protecionismo foi considerada prejudicial para indústrias nacionais que não tinham condições de competir com a produção de países mais avançados.
O Consenso de Washington no Brasil
No Brasil, as políticas neoliberais inspiradas no Consenso de Washington foram implementadas a partir dos anos 1990, com consequências marcantes:
Abertura econômica e privatizações: O país promoveu privatizações de empresas estatais e a abertura econômica, eliminando subsídios e proteções a setores específicos.
Lei de Responsabilidade Fiscal: A criação dessa lei, em 2000, exemplifica a adoção de medidas de controle dos gastos públicos, uma das premissas do consenso.
Período de inflação: A adoção das ideias foi vista por alguns analistas como uma resposta à crise de endividamento e à hiperinflação que o Brasil enfrentava nas décadas de 1980 e 1990. Segundo o Jornalista e Mestre Edson Rossi, no Sétimo Período da Habilitação em Jornalismo na Comunicação Social, pelas Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAAM FAAAM).
O CONSENSO DE WASHINGTON E O ESTADO DE
DEMOCRÁTICO DE DIREITO – O
INSUPERÁVEL PARADOXO ENTRE PREMISSAS
DICOTÔMICAS
Antônio Gomes de Vasconcelos 1
Nathália Lipovetsky 2
Resumo: O Consenso de Washington sumarizou em 1989 dire
trizes político-econômicas que já regiam a economia global
desde a década de 1970 e que persistem até hoje, em maior ou
menor grau, nos países em desenvolvimento. Tais diretrizes são
incompatíveis com os fundamentos, fins e objetivos do Estado
Democrático de Direito e do constitucionalismo contemporâneo.
O Estado, contrariando o constitucionalismo democrático, tem
operado segundo uma lógica de “socialização dos riscos e priva
tização das recompensas”. Preconiza-se o controle jurídico da
economia de modo que o Estado passe a operar segundo uma
lógica de distribuição proporcional dos riscos e benefícios e de
inclusão social, em substituição à busca exclusiva por cresci
mento econômico, de modo a se realizarem as disposições cons
titucionais, no caso brasileiro, bem como o direito dos povos e
do cidadão ao desenvolvimento, de modo global.
Palavras-Chave: Consenso de Washington. Economia. Desen
volvimento. Neoliberalismo. Neoconstitucionalismo.
1Professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre e Doutor em Direito
Constitucional. Coordenador do Programa Universitário de Apoio às Relações de
Trabalho e à Administração da Justiça (PRUNART-UFMG). Desembargador do
TRT-3.
2Professora da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre e Doutora em Direito.
Subcoordenadora do Programa Universitário de Apoio às Relações de Trabalho e à
Administração da Justiça (PRUNART-UFMG).
Ano 7 (2021), nº 4, 131-153
_132________RJLB, Ano 7 (2021), nº 4
THE WASHINGTON CONSENSUS AND THE DEMOCRATIC
RULE OF LAW – AN UNSURPASSED PARADOX BE
TWEEN DICHOTOMOUS PREMISES
Abstract: In 1989 the Washington Consensus summarized global
economic policies that have been governing the global economy
since the 1970’s that persevere to this day, to a greater or a lesser
extent, in developing countries. This establishment is incompat
ible with the foundations, ends and objectives of the democratic
rule of law and the contemporary constitutionalism. Contradict
ing democratic constitutionalism, the State is governed accord
ing to the logic of “socialization of risks and privatization of re
wards”. Legal control of the economy is advocated so that the
State starts to operate according to a logic of proportional distri
bution of risks and benefits and social inclusion, replacing the
quest to economic growth exclusively, in order to effectuate the
constitutional dispositions, in the Brazilian case, as well as the
right of peoples and citizens to development, globally.
Keywords: Washington consensus. Economy. Development.
Neoliberalism. Neoconstitutionalism.
INTRODUÇÃO
presente ensaio pretende abordar, de forma não
exaustiva, o conjunto de medidas que ficou conhe
cido como Consenso de Washington em suas prin
cipais características e discussões pertinentes. O
objetivo é demonstrar que as políticas econômicas
hegemônicas de enfrentamento das crises econômicas posterio
res à “época de ouro”3 ou “era de ouro” ou até mesmo “boom
3Período de expansão econômica ocorrido na segunda metade do século XX, ou seja,
no pós Segunda Guerra Mundial, durando até a crise econômica da década de 1970.
RJLB, Ano 7 (2021), nº 4________133_
econômico do capitalismo” são incompatíveis com os valores do
Estado Democrático de Direito nas economias ocidentais e com
o constitucionalismo que lhe dá sustentação.
O termo Consenso de Washington foi cunhado em 1989
por John Williamson, que o empregou em um artigo apresentado
para o Institute for International Economics, com o objetivo de
analisar até que ponto as antigas ideias relacionadas a desenvol
vimento econômico na América Latina desde a década de 1950
estavam sendo substituídas pelo grupo de ideias que vinham
sendo, segundo ele, há muito, aceitas como apropriadas dentro
da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econô
mico (OCDE). A lista com dez políticas que sumarizavam essas
ideias foi agrupada sob a denominação de Consenso de Wa
shington e inclui, genericamente: disciplina fiscal, redução dos
gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de
mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto
com eliminação de restrições, privatização das estatais, desregu
lamentação (afrouxamento da legislação econômica e traba
lhista), regulamentação e defesa do direito à propriedade inte
lectual. (WILLIAMSON, 2004)
Williamson afirma, anos depois, ao revisar os desdobra
mentos do Consenso de Washington, que seu conceito original
mente não tinha o mesmo sentido e significado que foi acumu
lado pelo termo com o passar dos anos, especialmente aquele
que tornou Consenso de Washington sinônimo de neolibera
lismo ou fundamentalismo de mercado. Em sua defesa, afirmou
que
a grande maioria dentre aqueles que engendraram ataques ve
nenosos ao Consenso de Washington não leram minha expli
cação sobre o que eu quis dizer com o termo. Quando li como
Países ocidentais do então chamado primeiro mundo experimentaram grande prospe
ridade, crescimento elevado e sustentado e também momentos de pleno emprego. Até
mesmo países devastados pela Guerra como França, Japão, Itália, Grécia e Alemanha
Ocidental puderam beber dessa fonte, que chegou até a Ásia Oriental na década de
1980.
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fora empregado por outros, descobri que havia sido interpre
tado para significar aniquilar o estado, um novo imperialismo,
a criação de uma economia global laissez-faire, que a única
coisa que importa é o crescimento do PIB, e muito mais sem
dúvida. Eu assevero que é difícil encontrar algum destes signi
ficados implícito na lista de dez políticas de reformas que apre
sentei.4 (WILLIAMSON, 2004)
Contudo, Steger e Roy em minuciosa e objetiva análise
da ascensão e crise do conjunto de medidas político-econômicas
enfeixadas sob o rótulo do neoliberalismo explicitam com cla
reza a pertinente associação entre as diretrizes oriundas do Con
senso de Washington e a ideologia neoliberal. As premissas do
Consenso, descritas acima, estão intimamente conectadas com
objetivo de um globalismo de mercado apresentado como um
processo racional que promove a liberdade individual e o pro
gresso material no mundo, sob a pressuposição de que os mer
cados e os princípios do consumo são universalmente aplicáveis
independentemente dos contextos sociais em que se inserem. A
liberação do comércio e a integração global dos mercados bene
ficiaria todas as pessoas materialmente. (STEGER e ROY, 2010:
53). Ora, a matriz do pensamento neoliberal reside nos dez pon
tos do programa político-econômico com Consenso de Washing
ton: disciplina fiscal e contenção do déficit fiscal, redução do
gasto público, reforma tributária, liberalização financeira com
taxas de juros determinadas pelo mercado, taxa de câmbio com
petitiva, liberalização dos mercados, promoção do investimento
estrangeiro direto, privatização, desregulação da economia e
proteção ao direito de propriedade. (STEGER e ROY, 2010: 20).
Esse conjunto de medidas de 1989 passou a ser adotado
4No original: the vast majority of those who have launched venomous attacks on the
Washington Consensus have not read my account of what I meant by the term. When
I read what others mean by it, I discover that it has been interpreted to mean bashing
the state, a new imperialism, the creation of a laissez-faire global economy, that the
only thing that matters is the growth of GDP, and doubtless much else besides. I sub
mit that it is difficult to find any of these implied by the list of ten policy reforms that
I presented earlier.
RJLB, Ano 7 (2021), nº 4________135_
como política oficial das Instituições Financeiras Internacionais
(IFI), como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional
(FMI), para a promoção de ajustes macroeconômicos dos países
que recorriam ao auxílio financeiro internacional.
O Estado Democrático de Direito tem por princípios bá
sicos a constitucionalidade, a democracia, o sistema de direitos
fundamentais, a justiça social, a igualdade em seus aspectos ma
terial e formal, a divisão de poderes e a independência do judi
ciário, na figura do juiz, a legalidade e a segurança jurídica.
(SILVA, 1999) Tomando por base esses princípios é que se
afirma a incompatibilidade das medidas elencadas pelo Con
senso de Washington com o Estado Democrático de Direito, o
que passaremos a analisar a seguir.
As políticas baseadas na ortodoxia estabelecida pelo
Consenso que já vinha produzindo efeitos contrários à sua pro
messa, incluído longevo período de estagnação econômica onde
foram adotadas, são apanhadas agora pelas nefastas consequên
cias da pandemia global que exporão definitivamente as contra
dições e a insustentabilidade de tais proposições.
O FRACASSO DO CONSENSO DE WASHINGTON: A INSU
FICIÊNCIA DA EPISTEMOLOGIA DE MERCADO E A UR
GÊNCIA DO RETORNO A UMA EPISTEMOLOGIA HU
MANISTA
A aplicação das políticas neoliberais na América Latina
foi orquestrada a partir do receituário contido no establishment
do Consenso de Washington que incluíam reformas que passa
ram a ser denominadas como de primeira de primeira geração
(no caso da lista original de dez medidas) e reformas de segunda
geração (quando de sua ampliação, que será abordada adiante),
as quais foram implementadas pelo FMI e pelo Banco Mundial.
(KUCZYNSKI; WILLIAMSON, 2003: 3-17) Como condição
para a obtenção de novos empréstimos para fazer face ao alto
_136________RJLB, Ano 7 (2021), nº 4
endividamento dos países da região – reestruturação da dívida –
os países do Sul global foram obrigados a aderir ao Consenso,
especialmente quanto à disciplina fiscal e contenção do déficit
orçamentário, redução das despesas públicas, reforma tributária,
liberação financeira e das taxas de juros.
Após mais de duas décadas da aplicação de tais políticas
constatou-se amplo fracasso das promessas de retomada do de
senvolvimento e uma sucessão de crises econômicas nos estados
emergentes latino-americanos (e.g. México, Argentina, Brasil) e
no leste asiático (e.g. Rússia e os denominados tigres asiáticos).
Williamson, sem discutir as razões profundas de tais crises, atri
buiu o fracasso à incompletude das reformas de primeira gera
ção, inclusive no Chile, invocado como exemplo de êxito de tais
políticas. As causas apontadas dizem respeito à política fiscal e
monetária (e.g. frouxidão fiscal, rigidez cambial e dívida pú
blica).
O Banco Mundial publicou em 2005 um estudo intitu
lado Economic growth in the 1990’s: learning from a decade of
reform em que se afirma não existirem fórmulas mágicas nem
universais e que é necessário buscar boas práticas para adotar.
Chama atenção o fato de países como China e India terem apre
sentado rápido crescimento econômico e altos índices de redu
ção de pessoas vivendo em pobreza extrema adotando políticas
que em nada se assemelham com o Consenso de Washington.
Embora tenham ampliado suas relações com as forças do mer
cado, mantiveram altos níveis de proteção comercial, não reali
zaram privatizações, adotaram políticas de industrialização e fis
cais. (RODRIK, 1994)
A maioria dos países que procederam reformas estrutu
rais com base no programa de ajuste estrutural (PAE) advindo
das instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial) que
já prenunciavam a radicalização neoliberal no sentido do enco
lhimento do papel do estado na economia, da redução do orça
mento, da privatização de estatais e desregulamentação
RJLB, Ano 7 (2021), nº 4________137_
(principalmente do comércio internacional), experimentaram re
sultados decepcionantes com uma dramática desaceleração do
crescimento nas décadas de 1980 e 1990. Na América Latina a
renda per capita despencou de 3,1% para 0,3% e o processo de
industrialização foi interrompido. (CHANG, 2015: 92)
Embora omitindo a abordagem das assimetrias desvanta
josas para os países em desenvolvimento em relação aos países
desenvolvidos – estes beneficiados pelas políticas oriundas do
Consenso, bem como das questões estruturais detratoras das
economias emergentes decorrentes da liberação do comércio in
ternacional e do fluxo de capitais financeiros exigidos pelos
prestamistas internacionais, Williamson aponta a causa interna
mais relevante da estagnação econômica dos países emergentes
(latino-americanos) regidos pelo receituário político-econômico
neoliberal e que diz respeito à estreiteza do alcance das políticas
de primeira geração. Dada a sua eloquência apresenta-se na sua
versão literal a narrativa do citado economista:
A política permaneceu focada na aceleração do crescimento,
não no crescimento junto com equidade. Persistia uma pequena
preocupação com a distribuição de renda ou com o social, ape
sar do fato de a renda da região ser mais concentrada do que a
de qualquer lugar do mundo, excluindo-se alguns poucos paí
ses africanos... (KUCZYNSKI; WILLIAMSON, 2003: 6)
O direcionamento da política econômica com foco exclu
sivo no crescimento pode ser viável, na perspectiva do autor, tão
somente em relação a países onde a pobreza é generalizada:
..., mas isso não é verdade para a América Latina, onde a elite
é tão rica em relação às massas que é inconcebível que os pa
drões de vida da pessoa média vão alcançar os dos países in
dustrializados apenas por meio do crescimento, sem um estrei
tamento do abismo entre ricos e pobres. Uma pequena redistri
buição de renda dos ricos para os pobres conseguiria o mesmo
impacto de redução de pobreza que teriam muitos anos de cres
cimento com uma mesma distribuição de renda, para não men
cionar o crescimento acompanhado pelo posterior alargamento
do hiato na renda. Mas isso não é verdade para a América La
tina, onde a elite é tão rica em relação às massas que é
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inconcebível que os padrões de vida da pessoa média vão al
cançar os dos países industrializados apenas por meio do cres
cimento, sem um estreitamento do abismo entre ricos e pobres.
Uma pequena redistribuição de renda dos ricos para os pobres
conseguiria o mesmo impacto de redução de pobreza que te
riam muitos anos de crescimento com uma mesma distribuição
de renda, para não mencionar o crescimento acompanhado pelo
posterior alargamento do hiato na renda. (KUCZYNSKI; WIL
LIAMSON, 2003: 6).
Stiglitz (1998) aponta o quanto o Consenso de Washing
ton se mostra equivocado e incompleto em suas políticas, ao afir
mar que não seria suficiente alcançar baixos índices de inflação
sem uma regulação financeira saudável, políticas de concorrên
cia e políticas para facilitar a transferência de tecnologias e pro
mover a transparência. Outro questionamento que traz é a res
peito do conceito de desenvolvimento, que se ampliou depois do
Consenso e passa a abranger sentidos como o de desenvolvi
mento sustentável, desenvolvimento igualitário e desenvolvi
mento democrático. Além disso, a negação de oportunidades
para os pobres resulta num desperdício do talento humano que
ajuda a explicar o fraco desempenho do crescimento da região.
(KUCZYNSKI; WILLIAMSON, 2003: 6)
A análise, oriunda de um dos protagonistas das teorias
econômicas em se sustenta a economia neoliberal, é de enorme
pertinência e revela o equívoco da incorporação parcial, tardia e
acrítica do pacote de políticas neoliberais pelos países em desen
volvimento como ocorre, neste exato momento, no Estado bra
sileiro. Contudo, a avaliação ainda incorre em grave reducio
nismo quanto a sua abrangência porque não adentra nas causas
estruturais da profunda desigualdade e assimetria predatórias
das economias emergentes nas relações entre o Norte e o Sul,
entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento.
Embora não integre centralmente o escopo deste ensaio
a questão epistemológica, não se pode deixar de registrar que
uma das estratégias para a obtenção da hegemonia ideológica e
dos saberes que interessam à persuasão teórica e sociopolítica
RJLB, Ano 7 (2021), nº 4________139_
das políticas neoliberais é o reducionismo epistemológico, os
quais determinam a hegemonia cultural do Norte global.
Trata-se de uma epistemologia destinada à difusão de
uma lógica de mercado consolidada no que, Mogobe Ramose
designa por “fundamentalismo econômico contemporâneo na
forma de globalização” para o qual “a dignidade, a segurança e
mesmo a sobrevivência do ser humano deixaram de ser o valor
central”. (RAMOSE, 2010: 175-220) Esse reducionismo episte
mológico além de descomprometido com o ser humano e suas
necessidades, esquiva-se de considerar os contextos político, so
cial e cultural de reprodução do conhecimento, revestido de uma
pseudo neutralidade e de conceitos vazios que ocultam suas reais
motivações e objetivos políticos dando como absolutamente vá
lida a epistemologia dos mercados com pretensão de universali
dade, em detrimento de uma epistemologia centrada no homem
e na sociedade.5
LIÇÕES DA HISTÓRIA ECONÔMICA DOS PAÍSES DE
SENVOLVIDOS: O PAPEL DECISIVO DO DIRIGISMO
ECONÔMICO (“INDÚSTRIA NASCENTE”)
Williamson visualiza a redução da vulnerabilidade dos
países da região à exposição ao esperado e contínuo irrompi
mento de crises econômico-financeiras e seus efeitos devastado
res, mediante a implementação de uma nova agenda “à prova de
crises”, a consumação das reformas de “primeira geração” e a
implementação das reformas de “segunda geração”, que são um
conjunto de dez novas medidas resultantes do assim designado
por Dani Rodrik como Consenso de Washington Ampliado (RO
DRIK, 1994 apud KUCZYNSKI; WILLIAMSON, 2003: 234).
Em síntese não exaustiva o conjunto destas medidas
5No mundo dos “neo” é possível se falar também de um neocolonialismo contempo
râneo sustentado, epistemologicamente, na ciência econômica com pretensões de uni
versalidade e sobreposição a todas as demais formas de conhecimento e com ascensão
sobre a política.
_140________RJLB, Ano 7 (2021), nº 4
incluiria: flexibilização (liberalização) do mercado de trabalho
cuja rigidez é vista como principal obstáculo à expansão do em
prego na economia formal e inclusão da mão de obra informal,
liberalização do comércio internacional (importações/exporta
ções), ampliação das privatizações (inclusive dos bancos esta
tais), liberalização do setor financeiro, reforma das instituições
estatais de modo a conferir um papel crucial ao Estado para a
criação e manutenção da infraestrutura institucional de uma eco
nomia de mercado, na provisão de bens públicos e corrigir dis
tribuição de renda em conformidade com as visões políticas ado
tadas6, investimento governamental em infraestrutura e na con
formação de um ambiente macroeconômico legal e político es
tável e previsível ao lado da construção de uma forte base de
recursos humanos, inclusão nas tarefas dos governos a de cons
trução de um sistema de inovação nacional (pesquisas e desen
volvimento), reforma do poder judiciário e do sistema educaci
onal, superávits orçamentários com estratégia de uso de déficit
estabilizadores em tempos de necessidade, restrições orçamen
tárias em todos os níveis de governo, cumulação de reservas e
fundo de estabilização para o enfrentamento de oscilações das
exportações, câmbio flexível como reforço à competitividade,
redução do uso do dólar com moeda, política monetária centrada
no controle da inflação, supervisão e controle do sistema bancá
rio para a prevenção de colapsos, fortalecimento da poupança
6Williamson considera que as reformas institucionais são as que implicam resistência
de poderosos grupos de interesses e sujeitam-se a confrontação política. Dentre estes
grupos destaca o funcionalismo público e, especial, o Poder Judiciário e os professores
das escolas públicas. Tece crítica ao Poder Judiciário latino americano por ignorar
considerações econômicas ao anular direitos dos credores de modo torná-los relutan
tes a emprestar, além de casos de corrupção dos juízes ao exigirem pagamento para
permitir a recuperação de créditos (KUCZYNSKI; WILLIAMSON, 2003: 10). Não
se pode ignorar as consequências antissociais de corporativos descomprometidos com
o interesse público, bem como os trágicos efeitos da corrupção dos poderes políticas
para a democracia, contudo, ao adentrar no mérito de questões jurídicas o autor incorre
em grave equívoco uma vez que desconsidera por completo as premissas do Estado
Constitucional Democrático de Direito, amplamente adotado nas nações latino ame
ricanas e as condicionantes constitucionais das políticas econômicas.
RJLB, Ano 7 (2021), nº 4________141_
interna como fonte de investimento preventiva da dependência
do capital externo. (KUCZINSKI; WILIAMSON, 2003: 6-11)
Duas considerações se tornam relevantes a esta altura. A
primeira diz respeito à inconsistência histórica e empírica das
políticas neoliberais impostas aos países emergentes; a segunda
refere-se ao fracasso dos resultados esperados com a implemen
tação destas políticas nos países que, em maior ou menor pro
porção, as praticaram.
O primeiro aspecto é elucidado por dois campos da eco
nomia desenvolvidos por Ha-Joon Chang, raramente explorados
nos estudos de economia e desprezados tanto pela economia ne
oclássica quanto pela economia neoliberal (obviamente): a eco
nomia do desenvolvimento e a história econômica. A abordagem
histórica da economia do desenvolvimento com o objetivo de
explicitar e “transmitir aos países em desenvolvimento as lições
extraídas da experiência histórica das nações desenvolvidas”.7
(CHANG, 2004: 20) Esses estudos revelam que a suposta histó
ria de livre-comércio e mercado livre praticados no processo de
industrialização e desenvolvimento dos países desenvolvidos,
especialmente as experiências britânica e norte-americana, é ilu
sória e “extremamente seletiva”. Chang registra, com espeque
nos estudos de List, protagonista da teoria da “indústria nas
cente”, que examina as políticas comercial e industrial dos paí
ses desenvolvidos do mundo ocidental, para concluir que “o li
vre comércio é benéfico entre países de nível semelhante de de
senvolvimento industrial..., mas não entre os que têm diferentes
níveis de desenvolvimento” (CHANG, 2004: 16). Ao dissecar a
7São particularmente importantes os estudos originários levados a efeito por Friedrich
List, ainda no século XIX. Cf. LIST, Friedrich. The national system of political econ
omy. London: Longmans, Green, and Company, 1885 (Tradução da edição original
alemã publicada em 1841 por Sampson Lloyd). Cf. ainda: DORFMAN, J. The role of
the german historical school in American economic thought. American Economic Re
view, v. 45, n.1, 1955; BALAKINS, N. Not by theory alone...: the economics of Gus
tav von Shmoller and its legacy to America. Berlin: Dunker and Humbolt, 1988;
HODGSON, G. How economics forgot history: the problem of historical speficity in
Social Science. London: Routledge, 2001.
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história do desenvolvimento nos países super desenvolvidos
(EUA, Reino Unido, Alemanha, França, Suécia, Japão e outros),
o autor demonstrou que estes países praticaram políticas alta
mente intervencionistas e somente abriram suas economias e
desfizeram de políticas protecionistas depois que alcançaram o
topo da escala dos países desenvolvidos8 e de modo seletivo e
paulatino, confirmando o argumento da “indústria nascente” de
List no sentido de que “em face dos países desenvolvidos os
mais atrasados não conseguem desenvolver novas indústrias
sem a intervenção do Estado, principalmente por meio de tarifas
protecionistas” (CHANG, 2004: 14). Daí resulta que a “versão
ortodoxa” da história da política econômica dos países atual
mente desenvolvidos é eivada de “mitos” ao enfatizar os benefí
cios do livre-comércio e da política industrial do laissez-faire,
lenda que, na visão do autor, “realça virtualmente todas as reco
mendações da política típica do Consenso de Washington”. São
irreais as assertivas de que o sucesso industrial britânico do lais
sez-faire demonstra a superioridade das políticas de mercado li
vre e livre-comércio. A ordem liberal de então se assentou em
reduzidas barreiras à internacionalização do comércio de bens,
capital e trabalho, a instabilidade do sistema político e econô
mico a partir da I Guerra Mundial por consequência do retorno
às barreiras comerciais. Apenas após a II Guerra a economia re
tomou o sentido da liberalização do comércio.
O autor demonstra que quase todos os países bem suce
didos em suas políticas de desenvolvimento adotaram políticas
públicas voltadas para a proteção da indústria, do comércio (es
pecialmente proteção tarifárias e restrições ao comércio interna
cional) e de desenvolvimento das tecnologias quando ainda se
encontravam em fase de desenvolvimento. São exemplos elo
quentes: a Grã-Bretanha, que adotou agressivamente políticas
8Os EUA somente liberaram o comércio e passaram a pregar o livre-comércio depois
da segunda guerra mundial após sua incontestável supremacia industrial. (CHANG,
2004: 58)
RJLB, Ano 7 (2021), nº 4________143_
ativistas nas áreas industrial, comercial e de tecnologia até con
quistar a hegemonia industrial; os EUA, os primeiros a sistema
tizar a lógica da “indústria nascente” (inclusive com a adoção
das mais altas taxas tarifárias sobre importações); a França, que
angariou a imagem de intervencionista justamente em razão da
adoção dessa estratégia que tornou bem sucedida a sua indústria;
a Alemanha, embora com intervencionismo menos agressivo,
adotou políticas de proteção tarifária tanto quanto os demais pa
íses em fins do século XIX e início do século XX.
O fato é que o protecionismo e o intervencionismo segui
ram coerentes com “a visão dirigista da economia que seguiu
dominando o cenário político do mundo desenvolvido até a dé
cada de 1980 e dos países em desenvolvimento até o início da
de 1980” (CHANG, 2004: 32), a partir de quando, em consonân
cia com as políticas neoliberais que enfatizam o Estado mínimo,
as políticas do laissez-faire e a abertura internacional, as políti
cas intervencionistas foram sendo abandonadas em todo o
mundo.
“OS PAÍSES POBRES SÃO POBRES POR QUE FAZEM ES
COLHAS QUE GERAM POBREZA”: INSTITUIÇÕES EX
TRATIVISTAS VERSUS INSTITUIÇÕES INCLUSIVAS
O fracasso do Consenso de Washington trouxe à tona
uma discussão renovada a respeito do papel das instituições na
economia, especialmente em se tratando de problemas relacio
nados à governança, à corrupção, à ineficácia do judiciário e a
uma suposta falta de flexibilidade das instituições do mercado
de trabalho. Mesmo para os defensores do Consenso de Wa
shington ficou evidenciado que a simples mudança de políticas
não teria resultados se o pano de fundo institucional fosse fraco.
A segunda geração de reformas surgiu dessa perspectiva. (RO
DRIK, 1994)
A redescoberta do foco nas instituições como
_144________RJLB, Ano 7 (2021), nº 4
determinantes nos resultados de longo prazo em se tratando de
desenvolvimento econômico não surge apenas dessa revisão do
Consenso de Washington , mas também de estudos empíricos
publicados que expuseram ao longo da história o papel das ins
tituições em países que se tornaram ricos e em países que per
maneceram pobres. (RODRIK, 1994)
Um desses estudos foi o que culminou na publicação da
obra Por que as nações fracassam?, um trabalho que busca de
monstrar que “por mais vitais que sejam as instituições econô
micas para determinar o grau de pobreza ou riqueza de dado
país, a política e as instituições políticas é que ditam que insti
tuições econômicas o país terá”. (ACEMOGLU; ROBINSON,
2012: 51)
Os autores realizam uma análise a respeito da prosperi
dade ao longo do tempo (muitas vezes utilizando o petróleo
como variável), identificando padrões de desigualdade que re
montam, de forma mais ou menos geral, à época da Revolução
Industrial. Nessa análise, uma das críticas que fazem é quanto às
hipóteses tradicionais para as origens da pobreza e da prosperi
dade (hipóteses geográfica, cultural e da ignorância) e indicam
que, na verdade, o tipo de resistência institucional encontrada
pelas elites e governos dos países parecem ter mais relação com
o tipo de sociedade que se desenha: “os países pobres são pobres
porque os detentores do poder fazem escolhas que geram po
breza. Erram, não por equívoco ou ignorância, mas de propó
sito.” (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012: 73)
A discussão perpassa a análise quanto à oposição entre
instituições extrativistas e instituições inclusivas, tanto políticas
quanto econômicas. A comparação é realizada no longo prazo,
abarcando praticamente toda a história recente dos países anali
sados e tendo a Revolução Industrial como divisor de águas na
queles países que permitiram e incentivaram seus cidadãos a
crescerem. Países do Oriente Médio, China e Rússia eram muito
mais avançados que a Inglaterra durante a Idade Média e nada
RJLB, Ano 7 (2021), nº 4________145_
parecia indicar que essas posições mudariam de forma tão sólida
e eloquente. (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012: 211-240)
A emergência de uma economia de mercado na Inglaterra do
século XVIII, baseada em instituições inclusivas e no cresci
mento econômico sustentado, teria reflexos em todo o mundo,
e não menos por ter possibilitado à Inglaterra colonizar boa
parte do globo. Contudo, se a influência do crescimento eco
nômico inglês sem dúvida espalhou-se pelo planeta, as institui
ções econômicas e políticas por ele responsáveis não se difun
diram de forma automática. A disseminação da Revolução In
dustrial gerou diferentes efeitos sobre o mundo, do mesmo
modo que a peste negra teve consequências distintas sobre
Oeste e Leste Europeu, assim como a expansão do comércio
atlântico teve impactos diferentes sobre Inglaterra e Espanha.
Foram as instituições em vigor nas várias partes do mundo que
determinaram como cada uma seria afetada – e tais instituições
eram de fato distintas, devido a pequenas diferenças que foram
sendo ampliadas ao longo do tempo por circunstâncias críticas
anteriores. As discrepâncias institucionais e suas implicações
tendem a persistir até o presente, ainda que de maneira imper
feita, em virtude dos círculos viciosos e virtuosos, e são a chave
para compreender tanto a emergência das desigualdades no
mundo quanto a natureza do atual estado de coisas. (ACEMO
GLU; ROBINSON, 2012: 117)
Nações fracassam hoje por terem instituições extrativis
tas, que por definição se prestam apenas a extrair bens materiais
e imateriais de um segmento da sociedade para benefício de ou
tro, em oposição às instituições inclusivas, que possibilitam e
estimulam à população participar e bem empregar seus talentos
e habilidades e fazer escolhas livres. (ACEMOGLU; ROBIN
SON, 2012: 79-81)
A mecânica das instituições extrativistas e inclusivas
leva ao desenvolvimento de círculos, que podem ser virtuosos
ou viciosos. Embora não exista uma receita exata, há uma con
vergência em torno da noção de que um círculo virtuoso se cria
com liberdade de imprensa, uma suprema corte independente,
movimentos sociais, pluralismo político – o que se mede a partir
da capacidade de fazer frente a tentativas de concentração de
_146________RJLB, Ano 7 (2021), nº 4
poder.
O círculo virtuoso nasce não só da lógica inerente do plura
lismo e do estado de direito, mas também porque instituições
políticas inclusivas tendem a sustentar instituições econômicas
inclusivas – o que leva a uma distribuição de renda mais igua
litária, conferindo mais poder e autonomia a um amplo seg
mento da sociedade e igualando ainda mais as condições de
participação no jogo político. Limita-se assim o que cada indi
víduo pode obter mediante a usurpação de poder político e re
duzem-se os incentivos à recriação de instituições políticas ex
trativistas. (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012: 300)
O círculo vicioso, por sua vez, se traduz em práticas que
buscam desguarnecer o Estado de suas defesas contra quem qui
ser usurpar e desvirtuar seus poderes; da desigualdade de renda
produzida pelas instituições extrativistas; do poder irrestrito sur
gido da permanência de elites no poder ou da alternância no po
der entre si por parte das elites. (ACEMOGLU; ROBINSON,
2012: 334)
Embora a análise quanto ao papel das instituições seja
um exercício válido e tenha sua pertinência, as reformas de se
gunda geração do Consenso de Washington Ampliado acabaram
por mostrar-se um beco sem saída, ainda que incluíssem o foco
institucional, por duas razões principais: primeira – não há refe
rências cruzadas que sejam capazes de demonstrar que arranjo
de instituições especificamente proporciona crescimento econô
mico; segunda – a pesquisa de Acemoglu e Robinson foca em
performance econômica de longo prazo, que mede a renda anual
e não a taxa de crescimento econômico num período específico.
Introduzir indicadores sobre instituições em regressões sobre
crescimento econômico traz resultados menos robustos. Para
ambas as razões os exemplos de China e Rússia servem para
provar que não existe receita exata. (RODRIK, 1994)
Rodrik alerta:
No limite, a obsessão com reformas institucionais leva a uma
agenda política que é desesperançosamente ambiciosa e virtu
almente impossível de cumprir. Dizer a países pobres da África
ou da América Latina que devem reproduzir as boas práticas
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institucionais dos Estados Unidos ou da Suécia é o mesmo que
dizer que o único jeito de se desenvolver é tornar-se desenvol
vido – conselho de política pouco útil!9 (RODRIK, 1994)
Nesse momento, cabe trazer a destaque novamente a im
portância da história econômica, que no caso das instituições
evidencia o comportamento já apontado nos países desenvolvi
dos: estabeleceram e consolidaram suas instituições inclusivas
cedo e implementaram em colônias e neocolônias (dependendo
do momento histórico) modelos de instituições extrativistas que
introduziram ou perpetuaram desigualdades. A diferença se es
tabelece apenas quanto à Revolução Industrial: com raras exce
ções, os países ricos e desenvolvidos da atualidade são os que
participaram da industrialização e da transformação tecnológica
ocorrida a partir do século XIX. (ACEMOGLU; ROBINSON,
2012: 293)
CONSTITUIÇÃO ECONÔMICA E DESENVOLVIMENTO
A constituição do Estado Democrático de Direito, mo
delo em que se inscreve a República brasileira, estabelece os di
reitos individuais e sociais fundamentais e as premissas básicas
da ordem social e econômica, além da concepção de um projeto
de sociedade, seus objetivos e as estratégias político-constituci
onais indispensáveis à sua realização. Há princípios, diretrizes e
regras sob os quais a economia deve ser conduzida para o cum
primento das disposições concernentes à ordem econômica e so
cial. Numa dimensão sistêmica e macroeconômica, a “constitui
ção econômica e financeira” é destinada a cumprir os objetivos
fundamentais da República de construir uma sociedade livre,
justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
9No original: In the limit, the obsession with comprehensive institutional reforms
leads to a policy agenda that is hopelessly ambitious and virtually impossible to fulfill.
Telling poor countries in Africa or Latin America that they have to set their sights on
the best-practice institutions of the United States or Sweden is like telling them that
the only way to develop is to become developed – hardly useful policy advice!
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as desigualdades sociais e regionais, promover o bem de todos.
Dentre esses, destaca-se o objetivo estratégico fundamental da
República de “garantir o desenvolvimento”. O conteúdo mate
rial destes valores reside nos direitos sociais constitucionais
como os trabalhistas, previdenciários, ambientais, educacionais,
culturais, indispensáveis ao desenvolvimento humano a serviço
do qual a constituição predispõe o desenvolvimento econômico
que se traduz por desenvolvimento humano, conforme redimen
sionado na Declaração do Direito ao Desenvolvimento (ONU,
1986).
A realidade socioeconômica, não pode, portanto, ser
apreendida pelo método puramente jurídico ou pelo método pu
ramente econômico, mas a partir de um complexo de considera
ções econômicas, jurídicas e sociológicas.
As políticas econômica, monetária e fiscal demandam
uma investigação interdisciplinar orientada pelos valores, prin
cípios e regras que se constituem como fundamento da “consti
tuição econômica” ínsita à Constituição da República.
A constituição compreendida a partir das premissas do
constitucionalismo democrático contemporâneo opõe obstácu
los jurídicos à captura do estado, da ordem jurídica e das insti
tuições por agentes beneficiados e comprometidos, exclusiva
mente, com as premissas do livre mercado.
No plano internacional, a Declaração das Nações Unidas
sobre o Direito ao Desenvolvimento define o esse direito como
um direito humano inalienável, nos planos individual e coletivo.
Este último compreende-se como o direito dos Estados nacionais
ao desenvolvimento em consequência do seu direito internacio
nal à autodeterminação política, econômica, social e cultural.
Tais perspectivas tornam indispensável uma abordagem
crítico-constitucional do que se tem designado com “crise eco
nômica” e dos interesses subjacentes às medidas adotadas para
o seu enfrentamento, considerando-se que as teorias e as políti
cas econômicas resultam de escolhas e preferências.
RJLB, Ano 7 (2021), nº 4________149_
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As teorias econômicas que serviram de sustentação polí
tico-ideológica às diversas transições do sistema capitalista no
enfrentamento de crises que privilegiaram o mercado em detri
mento da sociedade foram aquelas fundamentadas em métodos
abstratos e dedutivos e não aquelas que contemplam abordagens
empíricas, concretas e indutivas. A abordagem puramente abs
trata permite a definição arbitrária e axiomática de premissas que
privilegiam grupos de interesses dominantes e dão “coerência”
às políticas econômicas preferidas e/ou hegemônicas.
A conclusão marcante de Chang é a de que, contraria
mente à ortodoxia neoliberal, “o problema comumenfrentado
por todas as economias e, catch-up é que a passagem para ativi
dades de maior valor agregado, que constitui a chave do pro
cesso de desenvolvimento econômico, não se dá ‘natural
mente’”. (CHANG, 2014: 32) O “establishment internacional da
política de desenvolvimento” e os países desenvolvidos têm “in
teresses velados” em impor políticas e instituições diferentes das
que adotaram para se desenvolver aos países emergentes na me
dida em que passariam a ser beneficiários desse novo cenário.
(CHANG, 2004: 229) Por essa razão torna-se indispensável a
compreensão do papel das políticas e, principalmente, das insti
tuições no desenvolvimento econômico e, ainda, investigação
mais séria, no plano acadêmico e pragmático, das instituições
necessárias e benéficas ao desenvolvimento frente às condições
econômicas, políticas e culturais, considerando ainda o estágio
de desenvolvimento de cada país.
É momento de reafirmar o papel do Estado na economia.
No Estado Democrático de Direito, cabe ao Estado assumir pa
pel central na realização do projeto constitucional inscrito na
Constituição:
A finalidade ética da economia tem que ser dada pelo direito,
pois economia é técnica e a produção em si não necessita fazer
_150________RJLB, Ano 7 (2021), nº 4
juízos de valor. Escolhas precisam ser feitas e sua orientação
precisa ser ética, conteúdo que deverá ser trazido pelo direito
num Estado que assuma como sua responsabilidade o conteúdo
ético de seus atos, tomada a economia como principal fator de
influência nesses atos. Esse modelo de justiça deve ser aplicado
não apenas numa esfera Judiciária do direito, mas sim em se
tratando de produção legislativa e de políticas públicas, tarefas
do Estado que estão acima do plano objetivo do Espírito, seja
como direito privado, seja como sociedade civil. Não é a eco
nomia enquanto ciência que precisa ser ética, mas sim as fina
lidades atribuídas pelo direito à atuação do sistema econômico
num Estado Democrático de Direito é que devem ser éticas. O
direito no Estado Democrático de Direito (enquanto gestor e
legislador) deve ter a tarefa precípua e o compromisso de trazer
finalidade ética à economia. (LIPOVETSKY, 2017: 152)
Tomando-se como exemplo a Constituição brasileira,
torna-se evidente o paradoxo insuperável entre medidas liberali
zantes resultantes do desdobramento tardio das diretrizes do
Consenso de Washington e o dever constitucional do Estado de
“construir uma sociedade livre, justa e solidária” e, coerente
mente com esse objetivo se alinha o dever de “garantir o desen
volvimento”. Isto só é possível mediante o planejamento e a co
ordenação, pelo Estado e não pelo mercado, da atividade econô
mica. Assim é que a Constituição estabelece o dever de, medi
ante leis de iniciativa do poder executivo, elaborar plano pluria
nual e diretrizes orçamentárias, nas quais deverão se inspirar pla
nos nacionais, regionais e setoriais. “Como agente normativo e
regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma
da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo par ao
setor privado” (BRASIL, 1988, art. 174).
O “estado de coisas” com que enfrentamos o aguçamento
da pandemia de COVID-19 torna ainda mais evidente o neces
sário e urgente resgate do papel do Estado na economia. Nenhum
agente privado tem capacidade, disposição e as condições indis
pensáveis à reunião de esforços para implementar e organizar
políticas de saúde necessárias ao enfrentamento do desastre da
RJLB, Ano 7 (2021), nº 4________151_
pandemia e de suas consequências. A crise financeira de 2008 e
o resgate financeiro promovido pelo Estado já demonstrara,
como sustenta a economista Mariana Mazzucato10, que a econo
mia conduzida segundo as premissas expostas neste ensaio soci
aliza os riscos e privatiza as recompensas. Isto faz com que, por
exemplo, empresas financeiras ganhem na prosperidade e na
crise, porque, na crise, são consideradas “grandes demais para
quebrar” e se locupletam com quantias astronômicas transferi
das do setor público para o setor privado para livrar-lhes dos
efeitos deletérios da crise.
Assim, uma economia que socializa os riscos e privatiza
a recompensa, espacialmente quando o estado financia a evolu
ção tecnológica e privatiza seus benefícios, requer um reordena
mento incisivo para que ela seja também inclusiva e sustentável
(MAZZUCATO, 2014). Esta premissa, no entanto, remete à ne
cessidade do controle jurídico das políticas econômicas, temá
tica que insta urgente atenção dos juristas e economistas com
prometidos com esta premissa.
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fracassam? As origens do poder, da prosperidade e da
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