Patriarcado é um sistema social, político e cultural onde homens detêm a primazia do poder e autoridade, resultando na subordinação das mulheres e em desigualdades de gênero. Originado de "pai de raça" ou "chefe de família", o termo, na aceção feminista atual, descreve uma sociedade em que a dominação masculina prevalece em diversas esferas, embora não seja uma ordem natural e tenha sido alvo de críticas e luta por igualdade.
Origem Literal: O termo "patriarcado" deriva do grego patriarkhēs, significando "pai de uma raça" ou "chefe de uma raça", referindo-se inicialmente à autoridade autocrática de um chefe de família (o pater familias) sobre os demais membros.
Conceito Feminista: Atualmente, o patriarcado é um conceito central na literatura feminista, referindo-se a um sistema social e cultural em que homens concentram poder, privilégio e autoridade moral, privilegiando a masculinidade e subordenando as mulheres.
Características e Manifestações
Poder e Autoridade: Homens ocupam posições de liderança e controle em instituições sociais, políticas, econômicas e na esfera familiar.
Desigualdade de Gênero: Perpetua a desigualdade de oportunidades, interferindo negativamente no bem-estar psicossocial e na qualidade de vida, especialmente das mulheres.
Herança e Propriedade: Em algumas sociedades patriarcais e patrilineares, a propriedade e o título são herdados pelos homens, e a descendência é traçada através da linhagem masculina.
Padrão Normativo: A estrutura patriarcal privilegia homens brancos, cisgênero e heterossexuais, considerando-os como o padrão normativo de raça, gênero e orientação sexual.
Evolução das Sociedades: O patriarcado não é uma "ordem natural das coisas" e não tem sido sempre predominante, tendo se manifestado de forma diferente em várias culturas ao longo da história.
Fatores Históricos: Sociedades agrícolas e de criação de gado, onde a proteção de recursos e a acumulação de riqueza por parte dos homens foram cruciais, contribuíram para o desenvolvimento do poder masculino.
Movimento Feminista: O movimento feminista tem sido fundamental na crítica e no enfrentamento do patriarcado, buscando desconstruir suas bases através da luta por igualdade de gênero, direitos reprodutivos e combate à violência de gênero.
Interseccionalidade: O feminismo interseccional expandiu essa luta para incluir as experiências de mulheres racializadas, indígenas e LGBTQIA+, reconhecendo que o patriarcado afeta diferentes grupos de maneiras distintas.
Machismo é um sistema de crenças e um conjunto de comportamentos que promovem a superioridade masculina sobre as mulheres, resultando na sua subordinação e desigualdade de direitos. Manifesta-se em várias esferas sociais, desde atitudes culturais e institucionais até expressões de violência, e impõe papéis sociais desiguais, prejudicando o desenvolvimento pleno de ambos os géneros.
O que é machismo?
Ideologia de superioridade: É a crença de que os homens são inerentemente superiores às mulheres em diversos aspetos, como intelectuais, físicos e culturais.
Dominação masculina: Perpetua uma estrutura de poder em que os homens exercem domínio sobre as mulheres, buscando controlar e apropriar-se de seu tempo, corpo e trabalho.
Papéis sociais desiguais: Implica que as mulheres devem desempenhar papéis secundários e domésticos, enquanto os homens se destinam à esfera pública, como política e trabalho remunerado.
Manifestações do machismo
O machismo é visto em diversas manifestações:
Violência: Inclui violência doméstica, assédio sexual e psicológico, feminicídio e desqualificação de mulheres.
Discriminação no trabalho: Mulheres são preteridas em processos de contratação e progressão de carreira devido a expectativas sobre maternidade, levando a diferenças salariais.
Atitudes culturais: Comportamentos como desqualificar mulheres, impedir que expressem opiniões e intimidá-las são expressões do machismo.
Machismo estrutural e institucional: As desigualdades de género estão enraizadas em instituições, políticas e práticas culturais que mantêm a hegemonia masculina.
Para as mulheres: Resulta em opressão, discriminação, subjugação e violência de género.
Para os homens: Impõe padrões rígidos de masculinidade que limitam a expressão emocional e o pleno desenvolvimento de suas capacidades.
Para a sociedade: Perpetua desigualdades sociais, afeta a economia e as relações sociais, e cria um ambiente de insegurança.
Educação: A educação é um meio fundamental para desconstruir o machismo e construir uma sociedade mais igualitária.
Conscientização: Despertar a consciência sobre o impacto negativo da desigualdade de género é crucial para combatê-la.
Políticas públicas: A criação e implementação de políticas públicas que promovam a igualdade de género são essenciais.
A CULTURA PATRIARCAL, VIOLÊNCIA DE GÊNERO E A CONSCIÊNCIA DE
NOVOS DIREITOS: UM OLHAR A PARTIR DO DIREITO FRATERNO
THE PATRIARCHATE CULTURE, GENDER VIOLENCE AND THE AWARNESS OF NEW
RIGHTS: THE FRATERNAL LAW‟S POINT OF VIEW
Charlise Paula Colet Gimenez1
Noli Bernardo Hahn2
RESUMO
O tema deste artigo delimita-se às relações entre cultura patriarcal, violência de gênero e
consciência de novos direitos a partir do Direito Fraterno, estabelecendo-se o seguinte
questionamento: Quais relações podem ser estabelecidas entre cultura patriarcal e a consciência
de novos direitosdesde a ótica do Direito Fraterno? O objetivo é argumentar que a superação da
cultura patriarcal, sendo a violência de gênero uma de suas características, é simultânea à
consciência de novos direitos e àconsequente humanização do Direito a partir da fraternidade.
Para o desenvolvimento do estudo, adota-se predominantemente o modo de raciocínio dedutivo e
o método de abordagem sócio-analítico. Para argumentar a resposta central à pergunta delimitada
e atingir o objetivo proposto, integra-se o entendimento de Humberto Maturana de cultura como
uma rede de conversação mutante.
Palavras-chave:Cultura; Patriarcado; Violência de gênero; Novos direitos; Direito Fraterno.
ABSTRACT
The subject of this paper is the relation among patriarchal culture, gender violence and awareness
of new rights through the study of the Fraternal Law. So, it is established the following question:
What relations can be established between patriarchal culture and the awareness of new rights
from Fraternal Law‟s point of view? Thus, it aims to argue that overcoming the patriarchal
culture, pointing out the gender violence as its characteristics, is simultaneous to the awareness of
new rights and the consequent Law humanization from the fraternity. To develop the study, it is
1 Doutora em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Professora do Programa de Pós
Graduação stricto as sensu em Direito – Mestrado e Doutorado, e do Curso de Graduação em Direito, ambos da
Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, campus Santo Ângelo/RS. Integra o Grupo
de Pesquisa Conflito, Direitos Humanos e Cidadania, vinculado à Linha 2, Políticas de Cidadania e Resoluções de
Conflito, do PPG Mestrado e Doutorado em Direito da URI. Coordenadora do Curso de Graduação em Direito da
URI, campus Santo Ângelo/RS. Advogada. E-mail: charliseg@santoangelo.uri.br
2Doutor em Ciências da Religião, Ciências Sociais e Religião, pela UMESP. Professor Tempo Integral da URI,
Campus de Santo Ângelo. Graduado em Filosofia e Teologia. Possui formação em Direito. Integra o Corpo Docente
do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado e Doutorado em Direito. Lidera, junto com o professor Dr.
André Leonardo Copetti Santos, o Grupo de Pesquisa Novos Direitos em Sociedades Complexas, vinculado à Linha
1, Direito e Multiculturalismo, do PPG Mestrado e Doutorado em Direito da URI. Pesquisa temas relacionando
Gênero, Direito, Cultura e Religião. E-mail: nolihahn@santoangelo.uri.br
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predominantly adopted the deductive method, and the socio-analytical method of approach. In
order to argue the central answer to the delimited question and to achieve the proposed objective,
Humberto Maturana's understanding of culture integrates the study as a network of mutant
conversation.
Keywords: Culture; Patriarchate; Gender violence; New rights; Fraternal Law.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Inicia-se o texto com duas percepções da atualidade. Uma percepção, para quem já viveu
quatro décadas ou mais, é a de que hoje, comparado a alguns anos, vivenciam-se muitas situações
melhores do que em épocas passadas. Em muitos aspectos, a vida melhorou. Poder-se-iam citar
inúmeras realidades que mudaram para melhor, porém enfatiza-se e circunscreve-seum elemento:
muitas pessoas elaboraram e construíram uma consciência de novos direitos. Outra percepção não
é tão otimista. Os seres humanos vivenciam na atualidade também realidades que, comparando
com épocas que já foram, fazem as pessoas sentir saudade de experiências e vivências em que a
humanidade das pessoas era mais transparente e se fortificava em relações interpessoais muito
sadias.
Volta-se à primeira percepção em que se fez referência à consciência de novos direitos.
Recorre-se a uma memória de infância e escreve-se esta memória na primeira pessoa do singular,
destacando-a como uma experiência vivencial: “Quando eu era criança, soube que uma parenta
muito próxima a nossa família apanhava do seu marido. Lembro-me de falas de familiares
adultos que diziam que ele recorria a facão para dar surra em sua mulher.Os irmãos da mulher
que apanhava do seu marido, provavelmente não concordavam com o que se sucedia, mas não
interferiam. Até um dia escutei a mãe e uma das irmãs da vítima conversando sobre os conflitos
naquela família e elas diziam que esta filha e irmã merecia apanhar porque elas não queriam que
casasse com aquele sujeito, que agora era o genro e cunhado”.
Por que lembra-se, para construir este artigo, dessa realidade ou desse fato? Traz-se à
memóriapara chamar à atenção quatro ideias que caracterizam a cultura patriarcal e que naqueles
anos, ou seja, nos anos sessenta e setenta do século XX, encontravam-se internalizadas na
vivência das pessoas do meio de onde se fez esta memória. As quatro ideias que se pretende
destacar, a partir da memória de uma vivência, são estas:
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a) Uma surra, o apanhar em casa,mesmo sendo com facão, não era concebido ou
reconhecido como violência. O conceito que se tinha de violência não integrava surras e tapas em
espaços privados e domésticos, muito menos gritos e palavrões; b) Outra era a ideia de que „em
briga de homem e mulher não se mete colher‟.O espaço privado era um espaço subjetivo, sagrado
e protegido culturalmente e juridicamente para praticar atrocidades em nome de uma liberdade
individual que, em princípio, apenas o homem tinha direito; c) A terceira ideia é a de que a
mulher merecia surras e tapas, porque não tinha obedecido os pais e os irmãos mais velhos. Se ela
agora apanhava era exclusivamente culpa dela, porque não tinha escutado, no devido tempo, seus
pais e seus irmãos de mais idade; d) A quarta ideia a se destacar é a de que até o final dos anos
setenta do século XX, o imaginário religioso e cultural, com reforço do pensamento jurídico
majoritário, impedia pensar em separação de casais. Havia o entendimento religioso de que „o
que Deus uma vez uniu, jamais poderia serdesfeito‟, o que era corroborado pelo entendimento
jurídico, pois, no Brasil, a Lei do Divórcio data de 1977.
Fez-se a descrição dessa memória e uma análise introdutória vinculando-as à percepção
em que se fez a referência à consciência de novos direitos. Como entender este vínculo? Neste
artigo tem-se como principal objetivo argumentar que a superação da cultura patriarcal é
simultânea à consciência de novos direitos e simultânea, também, à consequente humanização do
Direito na ótica da fraternidade. Em outras palavras, esta ideia pode ser dita da seguinte forma: a
consciência de novos direitos acontece na medida em que se assimilam, se amplificam,se alargam
e, ao mesmo tempo, se redefinemnovos e antigos conceitos e valores. A questão central
delimitada a ser respondida na reflexão que segue, portanto, é esta: Que relações podem ser
estabelecidas entre cultura patriarcal, violência de gênero, a consciência de novos direitos e o
Direito Fraterno?
Na reflexão que segue, primeiro, explicam-se relações entre a cultura patriarcal e a
desigualdade de gênero para, a seguir, apresentar a metateoria do Direito Fraterno enquanto uma
nova abordagem a partir de um estudo transdisciplinar dos fenômenos sociais e, nas conclusões,
relacionar o crescimento da consciência de direitos com a desautorização da cultura patriarcal,
apresentando, para tanto, a proposta do Direito Fraterno. Na parte conclusiva, integra-se o
entendimento de cultura de Humberto Maturana com o objetivo de argumentar a tese de que a
superação da Cultura Patriarcal é possível integrando-se em nossas redes de conversação o olhar
do Direito Fraterno.
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1 RELAÇÕES ENTRE CULTURA PATRIARCAL E A DESIGUALDADE DE GÊNERO
A cultura patriarcal tem a ver com a origem da desigualdade de gênero. Para entender esta
relação, procura-se explicar primeiro como, no decorrer da história humana, a superioridade
física e mental dos homens sobre as mulheres foi se tornando cultura, originando dessa forma
relações assimétricas que se mostram em inúmeras injustiças, especialmente porque as mulheres
foram inferiorizadas nessas relações. Como explicam-se as desigualdades entre homem e mulher?
As posições se dividem fundamentalmente em dois tipos de explicação: de um lado têm
se as teorias de cunho biológico e, de outro, explicações da desigualdade de gênero como um
fenômeno cultural.
As teorias de cunho biológico defendem um determinismo biológico que tem sua origem
no “dimorfismo sexual e nas especificidades de gênero na função reprodutiva da espécie”
(PESSIS, 2005, p. 17). A mulher, por isso, teria racionalidade inferior ao do homem e,
comparado a ele, maior afetividade o que “condicionaria seu comportamento a padrões desiguais
e inferiores que aos dos homens” (PESSIS, 2005, p. 17). Por conseguinte, o determinismo
biológico
Configuraria um quadro de inferioridade e irracionalidade na mulher, que a incapacitaria
para tomar decisões de importância, mas que a tornaria apta para desenvolver atividades
simples, sem maiores responsabilidades. Nessa perspectiva a mulher não teria condições
de tomar decisões sobre problemas de sobrevivência, fato que a tornaria dependente do
outro gênero (PESSIS, 2005, p. 17).
As teorias de cunho biológico foram muito questionadas, especialmente no século XX. Os
críticos a essas teorias as questionaram e as desautorizaram por entender que a desigualdade é
uma construção cultural. Existem diferenças de cunho biológico, mas estas não devem ser
utilizadas para explicar desigualdades. Aqui se torna relevante lembrar que diferente faz par com
idêntico. Diferente e idêntico são conceitos culturais. Agora, igualdade faz par com desigualdade.
Estes, na compreensão de Saffioti (2005, p, 49), são conceitos políticos. Com base nesta
distinção, a autora citada explica:
Assim, as práticas sociais de mulheres podem ser diferentes das de homens da mesma
maneira que, biologicamente, elas são diferentes deles. Isto não significa que os dois
tipos de diferenças pertençam à mesma instância. A experiência histórica das mulheres
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tem sido muito diferente da dos homens exatamente porque, não apenas do ponto de
vista quantitativo, mas também em termos de qualidade, a participação de umas é
distinta da de outros. Costumam-se atribuir estas diferenças de história às desigualdades,
e estas desempenham importante papel nesta questão. Sem dúvida, por exemplo, a
marginalização das mulheres de certos postos de trabalho e de centros de poder cavou
profundo fosso entre suas experiências e as dos homens. É importante frisar a natureza
qualitativa deste hiato. Trata-se mesmo da necessidade de um salto de qualidade para pôr
as mulheres no mesmo patamar que os homens. Certamente, este não seria o resultado
caso as duas categorias de sexo fossem apenas diferentes, mas não desiguais
(SAFFIOTI, 2005, p. 49-50).
Mesmo que a autora da citação acima integra temas que diretamente não serão analisados
nesta parte do artigo, seu texto mostra a crítica radical às teorias de ótica biológica que procuram
explicar as desigualdades com base nas diferenças de cunho biológico.
Retorna-se à questão central desta parte do trabalho: como e por que se implantou a regra
da desigualdade de gênero nos tempos remotos da história do ser humano? A pergunta já remete
à compreensão de que as relações de gênero desiguais foram implantadas, construídas,
imaginadas, inventadas e estruturadas. A pergunta também faz compreender que na história da
espécie humana existiram relações de gênero igualitárias. Somente explicações de cunho cultural
poderão efetivamente explicar a origem de desigualdades.
Gerda Lerner sinala uma precondição ao surgimento da supremacia masculina em
sociedades remotas. Lerner, ao estudar sociedades em que a caça e a coleta ainda predominam,
chega a concluir que
Enquanto a coleta constitui atividade cotidiana, ocupando, portanto, o tempo das
mulheres ao lado de outras tarefas, inclusive maternagem, a caça ocorre uma ou duas
vezes por semana, deixando tempo livre aos homens. O exercício da criatividade exige
tempo livre, e os homens, certamente, o usaram para criar sistemas simbólicos que
inferiorizaram as mulheres, como também forneciam os elementos para a interpretação
do cotidiano no sentido da constituição de sua primazia. De posse, além do mais como
autores, dos esquemas de interpretação da realidade, foi, com certeza, fácil, para os
homens, estabelecer seu domínio sobre as mulheres (LERNER apud SAFFIOTI, 2005,
p. 54).
O tempo livre aos homens, para Lerner, foi uma precondição fundamental para criar
sistemas simbólicos que inferiorizariam as mulheres. Saffioti argumenta que esta é uma hipótese
relevante e plausível.
Allan G. Johnson, citado por Saffioti (2005, p. 53-54), parte do pressuposto de que antes
de existirem relações sociais desiguais entre homens e mulheres, existiam relações igualitárias. A
questão central por ele elaborada é esta: que fatores poderiam ter transformado relações de
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gênero igualitárias em relações desiguais? O que fez surgir um sistema de controle e opressão de
gênero? Por que teriam sistemas de cooperação e coexistência pacíficos cedidos lugar a sistemas
de competição e de guerra? Para esse autor, os excedentes de produção não foram, em si, a causa
das desigualdades, mas uma precondição de relações sociais e de gênero desiguais. Por que não
teriam sido a causa? Porque o excedente pode ser tanto partilhado, quanto acumulado, no entanto,
ele pode condicionar – e neste caso é uma precondição – o acúmulo e a desigualdade. Outro
aspecto importante que o autor percebeu é que a realidade do excedente faz surgir a prática do
controle, que é um conceito político. Quem controla acumula poder. O controle do excedente,
com certeza, teria passado às mãos masculinas. Nesse sentido, o excedente, conforme Johnson,
precondicionou a transformação de relações de gênero igualitárias para relações desiguais;
precondicionou o surgimento de um sistema de controle e de opressão de gênero.
Anne-Marie Pessis e Gabriela Matín, argumentando sobre a origem da desigualdade entre
homens e mulheres, afirmam:
A desigualdade de gênero parece se estruturar em torno de dois fatores originais que
condicionarão, ideologicamente, essa forma de organização social da espécie humana.
São estes os controles da informação técnica, ou seja, o conhecimento, e a solidariedade
masculina na apropriação e gestão dessa informação teleonômica (2005, p. 18).
Conforme estas autoras, o controle do conhecimento e a solidariedade de gênero são os
dois fatores originais que fazem surgir desigualdades. Argumentam esta ideia dizendo que em
pesquisas sobre diversas espécies de primatas, “não existem comportamentos dominantes
observáveis de segregação por gênero” (2005, p. 19) e também não se identifica a solidariedade
por gênero.
O que teria acontecido com a espécie humana para que a desigualdade fosse introduzida
em suas relações de gênero? Por que em primatas os comportamentos não se modificam e em
humanos há modificações tanto de comportamento, quanto de estruturas? Uma resposta é
articulada da seguinte forma:
Com o Homo Sapiens, esse comportamento sofrerá modificações em consequência do
desenvolvimento de novas especificidades. Entre os atributos da espécie humana se
encontra, principalmente, o aparecimento e aperfeiçoamento da capacidade de produzir
modificações técnicas na matéria prima, permitindo-lhe, através da produção de
instrumentos, compensar suas carências de origem biológica, próprias da nova mutação
(PESSIS; MATIN, 2005, p. 19).
Informações da arqueologia pré-histórica fornecem dados importantes que ajudam a
entender padrões comportamentais das primeiras populações humanas, enquanto não havia
modificações em consequência do desenvolvimento de novas situações mais complexas.
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Enquanto havia escasso desenvolvimento técnico, essencial era a sobrevivência. Nesse contexto,
o instrumental rudimentar disponível para sua defesa determinava que as pequenas comunidades
humanas tivessem que ter um grau de coesão e solidariedade essencial para a sua sobrevivência.
Cada um com suas especificidades e capacidades era apto para desempenhar uma função
específica para que o grupo pudesse atuar como um só indivíduo. Quanto maior era a
partilha que se fazia da informação para a defesa, maiores eram as possibilidades de
sobrevivência da comunidade. Essas necessidades grupais transcendiam às diferenças de
gênero (PESSIS; MATÍN, 2005, p. 20).
Nessa análise, concebe-se que as necessidades grupais, em sociedades ainda não
complexas, impediam o surgimento de relações desiguais de gênero. A organização social dos
grupos humanos pré-históricos estava estruturada como comunidade semi-nômade. Nessas
comunidades, para a sua defesa, a força física era importante, mas mais ainda era necessária a
astúcia das estratégias de defesa. Este dado é relevante, pois não sendo a força física
preponderante, o gênero masculino não se sobrepôs sobre o gênero feminino. A astúcia é uma
faculdade destacada, tanto esta pôde ser exercida pela mulher, quanto pelo homem.
Outro dado que provém das descobertas arqueológicas e etno-arqueológicas sugere que o
comportamento agressivo é inerente à espécie humana. A agressividade era necessária para uma
subsistência bem sucedida. A agressividade necessária para a sobrevivência, por si, não
explicariaas desiguais relações de gênero (PESSIS; MATÍN, 2005, p. 20-21). No entanto, é
preciso atentar a um elemento que pode ajudar a entender a mudança comportamental que dê
origem a desigualdades de gênero. Nesse sentido, manifestam-se as autoras:
Desde os primórdios da sua existência, a espécie humana é mais frágil na primeira etapa
da vida de uma criança. O Homo Sapiens nasce totalmente desprovido de iniciativa para
contribuir para sua própria sobrevivência. [...] Face à fragilidade da criança humana ao
nascer, o grupo deverá dar um maior suporte e ter muito cuidado para favorecer a
sobrevivência. Tendo os homens que garantir a proteção da comunidade, corresponderá
às mulheres destinar uma parte maior de seu tempo ao fornecimento desse apoio. A
exigência do cuidado das crianças assumido pelas mulheres originará uma
especialização na divisão do trabalho por gênero (PESSIS; MATÍN, 2005, p. 20).
Com essa situação e circunstância, ou seja, a das mulheres cuidarem dos filhos, elas vão
aos poucos sendo levadas a não ter todas as informações sobre novas técnicas e tecnologias
desenvolvidas para proteger o grupo;vão sendo excluídas do conhecimento; e privadas de
informações importantes que, em contrapartida, permanecerão restritas aos homens.
A especialização na divisão do trabalho por gênero, desde as sociedades mais remotas,
torna-se por conseguinte a principal causa da separação de espaços femininos e masculinos e a
separação condiciona as desigualdades futuras em sociedades mais complexas.
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Quando, aos poucos, os grupos humanos não se organizam mais somente em função da
defesa e necessitam organizar-se em torno do trabalho,
Ambos gêneros trabalharão, mas a mulher acumulará as responsabilidades da
maternidade produtora de filhos como riqueza e as do trabalho agrícola junto com os
homens. Assim como os homens garantiam a preservação do grupo, com a formação de
sociedades mais complexas, eles assumirão a responsabilidade da defesa do território, do
alimento e da riqueza. A mulher na sociedade agrícola passará a ser subordinada às
ordens do homem numa relação de continuidade da organização dos grupos humanos no
estado seminômade. Quando o grupo humano conta com poucos recursos será a mulher
que deverá garantir uma grande parte do trabalho, quando os grupos humanos se tornam
guerreiros de sucesso, a escravidão assumirá a maior parte do esforço produtor de
riqueza (PESSIS; MATÍN, 2005, p. 21-22).
Com as inovações técnicas, portanto, o homem toma conhecimento delas e cria uma
solidariedade masculina para transmitir esse conhecimento. As mulheres não terão acesso a esses
conhecimentos. A exclusão feminina do conhecimento será concebida como natural e se
constituirá uma estrutura masculina conservadora em torno da qual se organizará a maior parte
das sociedades históricas. “Existirá trabalho de homem e tarefas de mulher” (PESSIS; MATÍN,
2005, p. 22).Desta forma, a desigualdade se origina através da especialização de atividades entre
os gêneros. Entre o homem e a mulher não haverá trocas de conhecimentos. Abre-se uma
profunda brecha informativa entre ambos. “Fica evidente que na história dos gêneros, em todas as
classes sociais as mulheres serão excluídas da informação técnica” (PESSIS; MATÍN, 2005, p.
22).
Torna-se relevante a constatação de que a inovação técnica, ao longo da história, foi uma
precondição para a origem da desigualdade entre os gêneros, por constituir espaços de trabalho
separados entre homens e mulheres. Esta separação excluiu as mulheres de informações técnicas
das inovações. No entanto,
Paradoxalmente, será a inovação técnica que se tornará um instrumento de liberação da
mulher desse estado de desigualdade. Com a revolução industrial a mulher terá acesso às
fábricas, aos escritórios e ao serviço público, embora seja integrada também em posição
de desigualdade com relação aos homens. Mas o trabalho industrial lhe dará também
acesso à informação, à educação, e ao aprendizado técnico(PESSIS; MATÍN, 2005, p.
22).
Na atualidade permanece o desafio de superar os estereótipos comportamentais e as
formas de organização familiar estruturadas sobre a desigualdade de gênero. As ideologias foram
um grande aliado para a conservação de estruturas de desigualdade, que são geradoras de
violência institucional, intrafamiliar, de gênero e doméstica.
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Em síntese, as origens da desigualdade de gênero possuem relação com a solidariedade
histórica criada entre os homens e a não-partilha de conhecimentos destes com as mulheres,
quando da inovação técnica. As desigualdades de gênero, criadas ao longo da história, em
processos em que a mulher é inferiorizada em relação ao homem, caracterizam um sistema que
recebe o nome de patriarcado. Este sistema é, de fato, um caso específico de relações de gênero.
O patriarcado é um caso específico de relações de gênero porque consiste num sistema de
dominação masculina, em que a dominação se evidencia em violências, discriminações,
separações e inferiorizações. Estas marcas de dominação não se evidenciam apenas em relações
interpessoais. A dominação masculina, enquanto patriarcado, mostra-se em estruturas.
Qual o significado, então, de patriarcado para que se vislumbre as estruturas como causa
de separações, violências, discriminações e inferiorizações? Conceitos como dominação
masculina, falocracia, androcentrismo ou falogocentrismo teria o mesmo sentido de
patriarcado?Heleieth Saffioti, referindo-se a estes conceitos, afirma que:
Patriarcado exprime, de uma só vez, o que é expresso nos outros termos, além de trazer
estampada, de forma muito clara, a força da instituição, ou seja, de uma máquina bem
azeitada que opera sem cessar e, abrindo mão de muito rigor, quase automaticamente
(2005, p. 38).
Nesta definição, patriarcado é comparado a uma máquina que opera. E opera sem cessar
automaticamente, ainda que sem muito rigor. No entanto, patriarcado é uma força
institucionalizada. Esta definição evita homogeneizar compreensões. Patriarcado não se mostra
em todos os lugares, em todos os contextos, em todos os ambientes, do mesmo jeito e com a
mesma força. Não é possível afirmar que o patriarcado mostrava-se na Atenas clássica da mesma
forma como em Roma antiga. Da mesma forma, é impossível dizer que as manifestações
patriarcais, na atualidade, são semelhantes de país para país. Há países em que a mulher continua
sendo apedrejada em praça pública. Em outros, manifestações patriarcais são mais invisíveis e
sutis. Daí a importância do que diz Saffioti ao se referir a essa temática: “observam-se, por
conseguinte, diferenças de grau no domínio exercido por homens sobre mulheres. A natureza do
fenômeno, entretanto, é a mesma. Apresenta a legitimidade que lhe atribui sua naturalização”
(2005, p. 39).
Três elementos importantes podem, aqui, ser destacados. Um deles é o que diz respeito às
diferenças de grau, o outro, ao processo de naturalização da dominação e, o terceiro, à natureza
do fenômeno. O patriarcado não se manifesta, como se disse anteriormente, da mesma forma e do
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mesmo jeito, sempre. Há também intensidades diferenciadas e/ou diferenças de grau, na
linguagem de Saffioti, no exercício da dominação de homens sobre mulheres. Para a
compreensão das realidades de violência de gênero, esse entendimento torna-se relevante. A
naturalização do fenômeno do domínio exercido por homens sobre as mulheres acontece
exatamente porque a natureza estrutural do fenômeno é o mesmo.
Quando se procura compreender patriarcado, uma questão central a ser elaborada é esta:
houve, em algum momento da história, sociedades com igualdade social entre homens e
mulheres? Esta pergunta não incorre no erro de permanecer numa lógica dual e/ou repetir esta
lógica ao se elaborar questões centrais. Muitas vezes pesquisadoras e pesquisadores perguntavam
se houve matriarcado em algum momento da história. Esta pergunta se insere na lógica dual e não
ajuda a compreender, em profundidade, o patriarcado. Na compreensão de Saffioti, o conceito de
patriarcado é decisivo para descrever corretamente realidades patriarcais e para explicar a
inferioridade social das mulheres. Nesse sentido, a compreensão de Castells ajuda a entender o
tema em questão, pois o autorconceitua patriarcalismo em um sentido que ajuda a compreender
vários elementos de sociedades históricas do passado, como da sociedade atual. Segundo o autor
citado:
O patriarcalismo é uma das estruturas sobre as quais se assentam todas as sociedades
contemporâneas. Caracteriza-se pela autoridade, imposta institucionalmente, do homem
sobre mulher e filhos no âmbito familiar. Para que essa autoridade possa ser exercida, é
necessário que o patriarcalismo permeie toda a organização da sociedade da produção e
do consumo à política, à legislação e à cultura (CASTELLS, 1999, p. 169).
Para que esta autoridade do homem exista e possa ser exercida é necessário que o sistema
patriarcal esteja introduzido em toda a sociedade como um sistema político e social,
estabelecendo sua autoridade desde a produção até às questões políticas e culturais.
Na definição de Castells, há integrantes a serem destacados. Ele entende patriarcalismo
como estrutura. Para ele, patriarcalismo não é uma ideologia, apenas. Consiste num poder
institucionalizado como estrutura e que perpassa toda a sociedade. Uma das características é o
domínio do homem sobre a mulher e sobre os filhos no âmbito familiar. No entanto, o domínio
não se enquadra e não se reduz a esta instituição social apenas, ou seja, a familiar. Castells
concebe o patriarcalismo presente em toda a sociedade, em suas várias subestruturas: política,
social, econômica, religiosa e cultural.
A lógica patriarcal não necessariamente é reproduzida apenas por homens. O patriarcado
“funciona como uma engrenagem quase automática, pois pode ser acionada por qualquer um,
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inclusive mulheres” (SAFFIOTI, 2005, p. 39). O patriarcado não fomenta apenas a guerra entre
homens e mulheres, mas também entre as mulheres e, sem dúvida, entre homens. Há situações e
contextos em que não há presença de homens e violências se sucedem entre mulheres, sendo a
razão dessa violência estruturas e compreensões de ordem patriarcal. Para manter a tradição ou
em nome da tradição, mulheres, cumprindo a lei do pai ou do homem, agem com violência contra
outras mulheres.
O patriarcado é umaestrutura social criada, inventada, projetada e estruturada como
regime de relações homem-mulher na qual se vivem relações de subordinação, de dominação e de
violências legitimadas como sendo relações naturais. Ele não é, no entanto, somente e
exclusivamente um regime de relações homem-mulher. Patriarcado integra relações homem
homem. Antes de comentar e aprofundar esta dimensão integradora do regime patriarcal,
observa-se o conceito de Hartmann, citado por Saffioti:
[...] patriarcado como um conjunto de relações sociais que tem uma base material e no
qual há relações hierárquicas entre homens, e solidariamente entre eles, que os habilitam
a controlar as mulheres. Patriarcado é, pois, o sistema masculino de opressão das
mulheres (2005, p. 41).
Nesta definição, vários elementos devem ser destacados. Primeiro é dito que patriarcado é
um conjunto de relações sociais. Patriarcado não se restringe, por exemplo, a uma relação
homem-mulher, em espaço privado. Diz-se, a seguir, que estas relações sociais possuem uma
base material manifesta em relações hierárquicas entre homens, mas ao mesmo tempo entre eles
se conserva a solidariedade. A vivência de hierarquias e solidariedade entre os homens habilita-os
a controlar as mulheres. Nesta compreensão, o homem aprende a controlar a mulher pela vivência
e aprendizagem das relações hierárquicas que se estabelecem entre os homens. Esta hierarquia
masculina, porém, não rompe a solidariedade entre os integrantes do sexo masculino. Esse
entendimento faz enxergar patriarcado como um sistema, sendo esse sistema qualificado como
masculino e que possui a meta final oprimir pelo controle. A vítima maior deste controle é a
mulher.
Saffioti descreve que no regime patriarcal,
As mulheres são objetos da satisfação sexual dos homens, reprodutoras de herdeiros, de
força de trabalho e de novas reprodutoras. Diferentemente dos homens como categoria
social, a sujeição das mulheres, também enquanto grupo, envolve prestação de serviços
sexuais a seus dominadores. Esta soma de dominação com exploração é aqui entendida
como opressão. Ou melhor, como não se trata de fenômeno quantitativo, mas qualitativo,
ser explorada e dominada significa uma realidade nova (2005, p. 42).
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Esta descrição ajuda a entender o sentido ou significado qualitativo do patriarcado.
Quando a autora referida diz que se trata de um fenômeno não quantitativo e sim qualitativo, ela
está se referindo ao o que significa regime patriarcal. Ela está, também, se referindo à base
material do patriarcado. A novidade nessa compreensão está em não separar dominação de
exploração. “A dominação-exploração constitui um único fenômeno de duas faces”(2005, p. 42).
Por que não se deve separar dominação de exploração? Porque patriarcado não é uma
superestrutura acima da infraestrutura. O patriarcado é um sistema que integra dominação e
exploração, sendo um único fenômeno inseparável. Continua a citada autora:
A base econômica do patriarcado não consiste apenas na intensa discriminação salarial
das trabalhadoras, em sua segregação ocupacional e em sua marginalização de
importantes papéis econômicos e político-deliberativos, mas também no controle de sua
sexualidade e, por conseguinte, de sua capacidade reprodutiva. Seja para induzir as
mulheres a ter grande número de filhos, seja para convencê-las a controlar a quantidade
de nascimentos, o controle está sempre em mãos masculinas, embora elementos
femininos possam intermediar estes projetos (SAFFIOTI, 2005, p. 42).
Outro elemento necessário a ser lembrado para compreender bem o que seja patriarcado é
entender que este sistema não se reduz a uma hierarquia entre categorias de sexo. Quando em
presença de classes sociais e racismo, o sistema patriarcal traz em si, também, uma contradição
de interesses. Os homens têm interesses de manter o status quo. As mulheres têm interesses pela
igualdade social. A aspiração feminina não pode ser confundida com a da aspiração masculina.
Não existe, neste caso, apenas um conflito, mas contradição. Os interesses de ambos são
diferentes, por isso são contraditórios. Por esse fator,
Não basta ampliar o campo de atuação das mulheres. Em outras palavras, não basta que
uma parte das mulheres ocupe posições econômicas, políticas, religiosas etc.
tradicionalmente reservadas aos homens. Como já se afirmou, qualquer que seja a
profundidade da dominação-exploração das mulheres pelos homens, a natureza do
patriarcado continua a mesma (SAFFIOTI, 2005, p. 43).
Qual é a natureza do patriarcado? Fundamentalmente a hierarquia e a solidariedade
masculina, que se estrutura e se institucionaliza em forma de sistema, o que possibilita o controle
sobre o feminino.
Desse modo, uma vez conceituado patriarcado como estrutura de dominação masculina
que perpassa toda a sociedade, de natureza hierárquica e que se afirma social e culturalmente
naturalizando a violência, a separação de espaços e papéis, a inferiorização e a discriminação,
busca-se, na sequência, apresentar a metateoria do Direito Fraterno enquanto uma nova
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abordagem a partir de um estudo transdisciplinar dos fenômenos sociais.
2 A METATEORIA DO DIREITO FRATERNO NA INTERPRETAÇAO DOS
FENÔMENOS SOCIAIS
O vocábulo fraternidade deriva do latim frater, cujo significado éirmão, tendo como
derivadosfraternitas, fraternitatis e fraternitate, e significa parentesco de irmãos ou irmãs; união
fraternal; amor ao próximo; e, ainda, boa inteligência entre os homens, harmonia (FERREIRA,
2017).Para o presente estudo, interessa o quarto significado. Trata-se, nesse sentido, de um
direito de todos e para todos, em prol do bem comum e da harmonia em sociedade. Configura-se,
nessa ótica, de um direito proposto e aceito por todos, eis que a felicidade não é pressuposto da
individualidade, ao contrário, não há como ser feliz em uma comunidade infeliz (SPENGLER,
2012, p. 87).
Tem-se, desse modo, que uma sociedade humana não pode renunciar à fraternidade,
devendo articular a coexistência com a liberdade e a igualdade3, pois uma não exclui a outra.
Compreende-se, nesse contexto, o papel político desempenhado pela fraternidade ao interpretar e
transformar o mundo real, revelando um valor heurístico e uma eficácia prática. E, se eliminada
do cenário social, pode ser resgatada para possibilitar o reconhecimento do outro e de sua
alteridade. Eis o grande desafio4: “superar a lógica meramente identitária, e caminhar em direção
a um reconhecimento efetivo e eficaz da alteridade, da diversidade e da reciprocidade”
(SPENGLER, 2012, p. 90).
Assim, o estudo do Direito Fraterno revela-se como condicionante para a sobrevivência
da própria sociedade, aqui analisada não a partir de seus limites geográficos, mas enquanto
espaço mundial. Portanto, compreender o Direito Fraterno é analisar os fenômenos sociais de
forma transdisciplinar, cujo significado está em transgredir e, ao mesmo tempo, integrar.
Transgredir traduz-se na busca de fundamentos e pressupostos da subjetividade das ações sociais
e, por sua vez, integrar remete à ideia de analisar o todo, sem fragmentações. “Isso significa que
3 Ressalta-se que a fraternidade encontra-se somada à liberdade e à igualdade na Revolução Francesa, o que
demonstra que a presença de uma não exclui as demais.
4Nesse sentido, adiciona Spengler (2012, p. 90-91) que “cada ser humano nasce num determinado lugar geográfico e
social, e isso implica a assimilação de determinada língua, cultura e “maneira de ser no mundo”, que faz com que ele
se torne o que é. O homem, com efeito, não nasce homem, mas se faz homem. É impossível renunciar a essa
identidade originária, que faz parte da nossa condição humana, enquanto seres não totalmente predeterminados pela
natureza. Ela se constrói necessariamente num confronto intersubjetivo entre um eu e um outro, e entre nós e os
outros [...]”.
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quotidianamente é preciso questionar verdades, para que se resgatem velhos/novos conceitos, tais
como o conceito de fraternidade” (STURZA, 2016, p. 379). Tem-se, a partir do introito, que o
estudo do Direito Fraterno se refere à humanização do Direito e das relações sociais. Afirma-se
isso por se acreditar que
é somente na humanidade que os Direitos Humanos podem ser reconhecidos, tutelados
e, também, desrespeitados. A humanidade é a única que pode fazer valer os direitos
humanos ou burlá-los. Uma das tarefas do Direito Fraterno é justamente atentar para
esta responsabilidade de cada um de nós, de cada homem e mulher, de cada criança e
idoso, de cada um que compartilha o caráter de humanidade (STURZA, 2016, p. 384).
A sociedade fraterna acredita na própria humanidade e na existência de um bem comum,
pois compreende a existência do inimigo, não pelo seu descarte ou colocando-o à margem, mas o
reconhecendona rivalidade existente dentro de cada um e dentro da própria humanidade5. Nessa
ótica, defende-se que “o amigo da humanidade não é simplesmente o oposto do inimigo , mas é
algo diverso que , graças a sua diversidade , é capaz de s uperar o cará ter paranoico da oposição”
(GHISLENI; SPENGLER, 2011, p. 30).
Esse é um direito, outrossim, desvinculado da obsessão da identidade e de espaços
territoriais, que determinam quem é cidadão e quem não o é. Ele não se fundamenta em
um ethnos que inclui e exclui, mas em uma comunidade, na qual as pessoas
compartilham sem diferenças, porque respeitam todas as diferenças. Por isso, é um
direito inclusivo […] (STURZA, 2016, p. 381).
O rompimento da cultura do inimigo requer o reconhecimentodo outro como a si mesmo,
alcançando o reconhecimento de pertença, pressuposto da condição humana. Portanto, o próprio
Direito deve voltar-se ao desenvolvimento humano universal e superar a lógica individualista, a
lógica do interesse pessoal, de grupo, de classe, de gênero, ou de etnia, ou seja, o Direito deve
humanizar-se para “estar com o outro” e não “contra o outro” (SPENGLER, 2012, p. 93).
A metateoria ora estudada possibilita um novo olhar para estabelecer relações na
sociedade por meio de um modelo no qual a Justiça não seja a aplicação de regras frias, mas
esteja atrelada a uma moral compartilhada entre iguais, isto é, caracteriza-se por ser um modelo
5Assim, manifestam Sturza e Martini (2016, p. 996) que “por não se basear em etnocentrismos, o Direito Fraterno é
cosmopolita. Ele tutela e vale para todos não porque pertencem a um grupo, a um território ou a uma classificação,
mas porque são seres humanos. Nesse ponto, estabelece-se a grande diferença entre ser humano e ter humanidade.
Ter humanidade é respeitar o outro e a outra simplesmente porque partilham da mesma natureza: a humanidade. Esta
é uma atitude que requer responsabilidade e comprometimento”.
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de sociedade na qual a amizade seja entendida como relação pessoal e como forma de
solidariedade. Constitui-se, portanto, em um mecanismo de promoção dos direitos humanos6,ao
valorizar o ser humano (homem e mulher) na sua relação com iguais, bem como as pessoas
compartilham sem diferenças, porque respeitam todas elas, daí porque se afirma que é um direito
inclusivo, o qual considera as pessoas pelo simples fato de serem seres humanos (VIAL, 2007).
[...] O olhar vai para a humanidade como um “lugar comum” , e não como a abstração
que confunde tudo e mascara as diferenças . Os direitos humanos têm uma di mensão
“ecológica”, são espaço no qual as duplas opositivas são novamente compreendidas: isto
nos leva à conscientização de que os direitos humanos podem ser ameaçados sempre e
somente pela própria humanidade ; mas podem ser tutelados sempre e somente pela
própria humanidade (RESTA, 2004, p. 134).
O Direito Fraterno estrutura-se na amizade, na ruptura da busca pela identidade e no pacto
pela paz – o que não significa a ausência de conflitos. Não acredita na violência legítima, destitui
o código binário do amigo-inimigo e acredita na jurisdição mínima e na adoção de meios menos
violentos de tratamento de conflitos. Tem-se, assim, que “a amizade reaparece nos sistemas
sociais como diferença entre interação de identidades individuais, que se escolhem e orientam a
comunicação voluntariamente, e as relações burocráticas e heterodirecionadas dos mecanismos
dos grandes sistemas funcionais” (RESTA, 2004, p. 31). A característica do agir fraterno está na
gratidão pelo reconhecimento de um amigo, estabelecendo a mais consistente solidariedade que
fundamenta o sistema social e forma vínculos atemporais. Ao findar o circuito da amizade,
encontra-se lugar para o inimigo. Para o autor, a humanidade é o lugar da ambivalência, que
edifica e destrói; que ama e odeia; que vive de solidariedades e prepotências, de amizades e
inimizades, tudo simultaneamente. Na guerra, a humanidade nada pode fazer a não ser ameaçar
se a si mesma, o que evidencia que ser “homem” não corresponde a ter “humanidade”.
Defende-se, assim, a “[...] urgência de um direito fundamentado no pacto entre irmãos, no
cosmopolitismo, na humanidade como fundamento de qualquer código” (STURZA, 2016, p.
6Para Resta (2004, p. 54), “o Direito Fraterno coloca , pois, em evidência toda a determinação
histórica do direito fechado na angústia dos confins estatais e coincide com o espaço de reflexão
ligado ao tema dos Direitos Humanos, com uma consciência a mais : a de que a humanidade é
simplesmente o lugar “comum” , somente em cujo interior pode-se pensar o reconhecimento e a
tutela. [...] os Direitos Humanos são aqueles direitos que somente podem ser ameaçados pela
própria humanidade, mas que não podem encontrar vigor , também aqui, senão graças à própria
humanidade. Bastaria, para tanto , escavar na fenda profunda que corre entre duas diferentes
expressões como “ser homem” e “ter humanidade”. Ser homem não garante que se possua aquele
sentimento singular de humanidade”.
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385). Para Resta, o Direito Fraterno constitui-se em uma aposta cujo fundamento está na
linguagem de todos, de irmãos e de iguais, servindo o Direito como sentido e valor da vida em
sociedade (RESTA, 2004).
A compreensão da fraternidade a partir do Direito Fraterno traduz-se em um direito
jurado, em conjunto, por irmãos, homens e mulheres, com um pacto em que se „decide
compartilhar‟ regras mínimas de convivência. Estas existem e devem ser consideradas, mas no
sentido do que é de todos os seres humanos. Não há espaço para etnocentrismo e por isso o
Direito Fraterno é cosmopolita (pois reporta ao cósmico, ao valor universal dos direitos humanos,
e não à lógica mercantilista). O Direito Fraterno não é, portanto, violento; ao contrário, é
inclusivo e defende os direitos fundamentais ao pautar-se pelo acesso universalmente
compartilhado, onde todos gozam de forma igual da condição de seres humanos.
Nesse contexto, vislumbra-se que o mal-entendido deveria se resolver por outras vias, e os
povos deveriam aprender e compreender aquilo que os aproxima e a tolerar o que os diferencia.
Da guerra somente advém o vazio do luto e a elaboração da dor. Ser amigo da humanidade é
participar dos destinos dos seres humanos movido por uma ideia, ter respeito por qualquer outro e
por si mesmo, possuir sensibilidade, dever e responsabilidade, pois a humanidade é termo
inclusivo, é o lugar-comum das diferenças, eis que contém, ao mesmo tempo, amizade e
inimizade (RESTA, 2004).
Observa-se, desse modo, que a sociedade apresenta uma necessidade de insistir nos
códigos fraternos e tentar valorizar possibilidades diferentes, pois a fraternidade retoma a
comunhão de pactos entre diferentes sujeitos concretos, com suas histórias e suas diferenças.A
amizade constitui-se em um elemento importante na vida dos sistemas sociais, pois, quanto mais
a amizade deixar de sustentar as relações espontâneas da sociedade, mais haverá necessidade de
uma lei prescrita e, por conseguinte, da reverberação das cadeias de exclusão e distinção social
entre inimigos e cidadãos. Tem-se, portanto, a relação entre a metateoria do Direito Fraterno com
a superação do patriarcado e as relações de gênero. A partir desse estudo, objetiva-se, a seguir,em
sede de conclusão, relacionar o crescimento da consciência de direitos com a desautorização da
cultura patriarcal, apresentando, para tanto, a proposta do Direito Fraterno.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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O foco central, nestas palavras finais, está em argumentar a conexão entre a construção da
consciência de novos direitos e a superação da cultura patriarcal. Nas palavras iniciais deste
artigo, afirmava-se que a mulher, que apanhava do seu marido, apenas sabia que apanhava, mas
não tinha a consciência de que a surra que recebia era violência e muito menos sabia que esta
não-consciência era, de fato, uma inconsciência construída e naturalizada a partir de um processo
histórico cultural milenar.
O homem que recorria à surra, a tapas e outras possíveis agressões, sentia-se no direito de
tais práticas pelo idêntico processo cultural milenar. Na compreensão dele, imerso na cultura
patriarcal, não cometia violência, da forma como é compreendida hoje, e nem violava direitos,
pois estes não se encontravam reconhecidos social e juridicamente, muito menos inculturados na
consciência e no imaginário das pessoas.
Para entender com maior profundidade estas ideias, recorre-se a estudos de Humberto
Maturana sobre cultura. Este autor ajuda a esclarecer a conexão possível entre consciência de
direitos e a derrocada da estrutura patriarcal, na ótica do que se compreende por Direito
Fraterno.A conexão se estabelece fundamentalmente pelo entendimento do que significa cultura.
Para Maturana “uma cultura é uma rede de coordenações de emoções e ações na
linguagem, que configura o modo particular de entrelaçamento do agir e do emocionar das
pessoas que a vivenciam"7.Esta definição mostra que cultura não pode ser reduzida a ideias.
Cultura integra emoções e valores internalizados que se tornam vivências e convicções.
Se cultura é entendida como uma rede de coordenações de emoções e ações na linguagem,
conversar, diz ele, é “este entrelaçamento do falar e do emocionar que acontece no viver humano
dentro da linguagem”. Esclarece, ainda, que “todo fazer humano ocorre na fala e que todas as
atividades humanas se dão como sistemas distintos de conversação”. Culturas, para Maturana, em
síntese, são “redes de conversação”.
O ser humano, quando concebido e nasce, é jogado dentro de uma “rede de conversação”.
Essa rede, em grande medida, cria e modela indivíduos e coletividades. Sob este viés, pode-se
afirmar que o indivíduo é produto dessa “rede de conversação”. Esta rede, enquanto modeladora
de indivíduos e coletividades, faz com que indivíduos internalizem valores e ideias que são
professados por essa rede. Em processos sociais de internalização, simultaneamente acontecem
processos de naturalização de ideias, de valores, de vivências e de convicções. Essa consciência
7Todas as citações encontram-se em MATURANA, Humberto. Prefácio. In: EISLER, Riane. Cálice e a Espada –
nosso passado, nosso futuro.
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inconsciente, resultado da internalização e naturalização, reproduz os valores de uma determinada
rede de conversação. Numa cultura em que hierarquia, assimetria, violência, discriminação,
separação de papéis e espaços são internalizados como normalidade, tais realidades não são
percebidas como possíveis realidades mutantes. Tal pode ser chamado de objetividade da cultura.
A cultura bloqueia a compreensão e a visão do indivíduo fazendo com que ele enxergue apenas
seu modo de vida como único possível e permitido de ser vivido. Quando uma rede de
conversação se torna objetiva ao extremo, tudo o que se distancia ou se diferencia dessa rede não
é tolerado, muito menos acolhido. A intolerância cultural geralmente é resultado da objetividade
da cultura. Violências justificam-se dentro de uma visão em que visões não são permitidas e
toleradas, ou seja, a diferença se mostra tão estranha ao ponto de esta ser eliminada e anulada.
No momento em que a objetividade da cultura é questionada, a intolerância se mostra com
muita ira. A ira masculinaé um exemplo de reação que se verifica na cultura patriarcal quando
esta começa a ser questionada por ideias feministas e por novas vivências. Muitas mortes de
mulheres por seus companheiros explicam-se também por razões culturais.
No entanto, se o ser humano, de um lado, é resultado de uma rede de conversação, este
mesmo ser humano é também criador de culturas. Uma rede de conversação não é estática e
acabada. Esta se constitui numa dinâmica interminável de forças contraditórias, múltiplas e
opostas. As forças, na verdade, são diálogos permanentes e sempre inacabados que constroem e
reconstroem “redes”. Nessa ótica, o ser humano não é apenas moldado por uma cultura, mas
construtor e criador de culturas. Como o ser humano é, em parte, produto de uma cultura
inacabada e sempre em construção, o próprio indivíduo também se encontra nessa situação. Ele é
um ser inacabado e em construção permanente. Da mesma forma, a “rede” que sujeita esse
indivíduo e o molda, encontra-se num processo dinâmico de construção sem fimem distintos e
diversos contextos sociais.
Volta-se, neste momento, à questão central delimitada a este artigo. Nas palavras
introdutórias se dizia que „neste artigo tem-se como principal objetivo argumentar que a
superação da cultura patriarcal é simultânea à consciência de novos direitos e, também, à
humanização do Direito inerente à ótica da fraternidade. Em outras palavras, esta ideia pode ser
dita da seguinte forma: a consciência de novos direitos acontece na medida em que se assimilam,
se amplificam, se alargam e, ao mesmo tempo, se redefinem novos e antigos conceitos e valores‟.
O Direito, enquanto legislação, é linguagem cultural. As interdições, proibições e permissões são
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consensos culturais e, ao mesmo tempo, geradoras de culturas. A consciência de novos direitos
consiste numa assimilação e internalização de novas linguagens, de diferentes compreensões e de
aceitação de novas vivências. A superação da cultura patriarcal não se dá apenas por conceber
novas ideias, mas também pela vivência de compreensões diferenciadas. A consciência de novos
direitos se processa numa dinâmica contraditória, complexa e dialética de construção sempre
tensional de novas linguagens e outras redes de conversação.
Insere-se, nesse contexto, o Direito Fraterno, por se configurar em um Direito entre
iguais, reconhecido e proposto por todos. Assim, novas perspectivas são vislumbradas no
momento em que há um acordo estabelecido entre iguais – homens e mulheres – a partir de regras
mínimas de convivência,estabelecendo como ponto convergente não a sociedade, mas o fato de
serem humanos.
Cabe, neste momento, novamente integrar Maturana: O que são as diferentes culturas em
sua concepção? Culturas distintas, enquanto modos diferentes de convivência humana, responde
ele, “são redes diferentes de conversação”. “E uma cultura se transforma em outra (cultura)
quando muda a rede de conversações que a constitui e define.” Portanto, são redes de
conversação que constituem e definem a cultura. Para transformar uma cultura de violências,
como a patriarcal, necessitam-se criar novas redes de conversação, buscar uma redefinição de
valores e sua constante internalização em vivências diferenciadas. Estas vivências diferenciadas,
na prática, significam a superação de hierarquias, assimetrias, discriminações e inferiorizações e
integrar, em processos culturais de internalização, valores fraternos que possibilitam
convivências humanizantes e humanizadas.
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Submissão: 13.03.2018
Aprovação: 28.04.2018
Revista Paradigma, Ribeirão Preto-SP, a. XXIII, v. 27, n. 2, p. 110-129, mai/ago. 2018 ISSN 2318-8650
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E assim caminha a humanidade.
Imagem ; Site Click Museus .
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