O privilégio social no Brasil se manifesta na forma de vantagens não merecidas que certos grupos detêm em detrimento de outros, devido a fatores como raça, classe social, gênero, e orientação sexual. Essas vantagens são frequentemente invisíveis para quem as possui e se naturalizam na sociedade, gerando desigualdades profundas e persistentes.
Principais formas de privilégio social no Brasil:
Privilégio racial (branquitude): O racismo estrutural no Brasil confere privilégios a pessoas brancas em relação a pessoas negras e indígenas. Isso se reflete em:
Maiores oportunidades: Pessoas brancas ocupam posições de liderança no setor público e privado com mais frequência.
Melhores condições de vida: A desigualdade racial ainda é evidente em indicadores como acesso a empregos, saneamento, educação e renda. Um estudo de 2025 mostrou que a probabilidade de homens brancos estarem entre os 25% mais ricos é significativamente maior do que para homens negros, mulheres brancas e, principalmente, mulheres negras.
Segurança e justiça: Pessoas negras são desproporcionalmente vítimas de violência e têm uma taxa de homicídios muito mais alta do que pessoas brancas. Além disso, a violência policial muitas vezes atinge de forma seletiva a população negra.
Privilégio de classe: A alta concentração de renda e riqueza no Brasil cria uma elite que usufrui de benefícios econômicos e políticos.
Poder político e econômico: Empresários e políticos utilizam seu poder para obter vantagens do Estado, como salários altos e benefícios exagerados. A legislação tributária brasileira muitas vezes beneficia setores já abastados.
Acesso a serviços: Serviços básicos como saúde e educação de qualidade acabam se tornando privilégios acessíveis apenas a quem pode pagar.
Privilégio histórico: A herança da escravidão ainda afeta a mobilidade social. Pessoas negras, devido a séculos de escravidão, tendem a nascer em famílias com menos recursos econômicos e culturais, o que impacta sua trajetória educacional e profissional.
Privilégio de gênero: A discriminação de gênero persiste, e as mulheres continuam a enfrentar desvantagens em relação aos homens. Durante a pandemia de COVID-19, a desigualdade de renda entre homens e mulheres se acentuou.
Privilégios sutis: Existem privilégios mais discretos, mas igualmente impactantes, que reforçam a segregação social:
Arquitetura urbana: A segregação é visível até mesmo na arquitetura de edifícios, que muitas vezes têm elevadores sociais e de serviço separados, perpetuando a distinção de classe.
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4
A cultura do privilégio no Brasil
A origem do nosso Direito corresponde à família romano-germânica1e o
nosso padrão cultural está diretamente submetido às características gerais que a
colonização portuguesa imprimiu no Brasil, obviamente, com a interação do
elemento indígena e do escravo negro.
Este padrão cultural legado por Portugal não foi composto apenas do
português conhecido pela figura do degredado ou do condenado, verdadeiros
párias aos olhos da sociedade portuguesa, os quais chegavam ao Brasil Colônia ao
invés de serem submetidos à pena capital.
Por isso mesmo, a idéia geral que se tem do português responsável pela
disseminação da sua cultura no Brasil, na verdade, não pode ficar adstrita ao
conceito do português degredado e condenado, mas de uma pessoa portadora de
contornos próprios, a qual GILBERTO FREYRE visualizava como uma figura
vaga, falta-lhe o contorno ou a cor que a individualize entre os imperialistas
modernos. Assemelha-se em alguns pontos à do inglês; em outros à do espanhol.
Um espanhol sem a flama guerreira nem a ortodoxia dramática do conquistador
do México e do Peru; um inglês sem as duras linhas puritanas. O tipo do
contemporizador. Nem ideais absolutos, nem preconceitos inflexíveis2.
O homem português no Brasil Colônia, decorrente ou não da
miscigenação, acabou formando a nossa cultura, a qual serviu de embasamento
para a criação do Direito, apesar de personificar, como GILBERTO FREYRE
denominou “um tipo contemporizador” e “sem ideais absolutos ou preconceitos
inflexíveis”, não escapou à realidade de uma sociedade devidamente estratificada,
1DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
1996, p. 61.
2
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da
economia patriarcal. 50ª ed. São Paulo: Global, 2005, p. 265.
109
mas não impermeável, porquanto não havia uma aristocracia fechada na
sociedade portuguesa3.
Assim, presente a separação das classes sociais sem que isso fosse o
impedimento à contínua miscigenação e, ainda, a incidência constante dos
privilégios na vida portuguesa e brasileira, o que é sintetizado por SÉRGIO
BUARQUE DE HOLANDA ao mencionar que, no fundo, o próprio princípio de
hierarquia nunca chegou a importar de modo cabal entre nós. Toda hierarquia
funda-se necessariamente em privilégios. E a verdade é que, bem antes de
triunfarem no mundo as chamadas idéias revolucionárias, portugueses e
espanhóis parecem ter sentido vivamente a irracionalidade específica, a injustiça
social de certos privilégios, sobretudo dos privilégios hereditários. O prestígio
pessoal, independente do nome herdado, manteve-se continuamente nas épocas
mais gloriosas da história das nações ibéricas4.
Não espanta, assim, que o privilégio estivesse arraigado à cultura brasileira
e houvesse criado numa parcela significativa da sociedade uma passividade ética
e moral que facilitou a sua aceitação, mesmo porque, historicamente, as classes
trabalhadoras almejavam as mesmas benesses que os nobres ou os seus patrões, o
que dificultou o estabelecimento de um processo coletivo de rejeição. Factível a
conclusão de que não se põe em questionamento o que um dia pode-se vir a ter.
Tão nítido o inter-relacionamento entre nobres e empregados em Portugal
e no Brasil Colônia que as Ordenações estabeleceram regras privilegiando os
empregados dos nobres ou fidalgos (vide capítulo I, item 1.2.3.1), situação
diagnosticada por SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA ao buscar e citar os
ensinamentos de ALBERTO SAMPAIO enfatizando que “como a lei consignada
nas Ordenações confessa que havia homens da linhagem dos filhos d’algo em
todas as profissões, desde os oficiais industriais, até os arrendatários de bens
rústicos; unicamente lhes são negadas as honras enquanto viverem de trabalhos
mecânicos. A comida do povo – declara ainda – não se distinguia muito da dos
3HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil: Edição comemorativa 70 anos. São Paulo:
Companhia das Letras, 2006, p. 25.
4HOLANDA, Sérgio Buarque de. op. cit., p. 24.
110
cavalheiros nobres, por isso que uns e outros estavam em contínuas relações de
intimidade; não só os nobres comiam com os populares, mas ainda lhes
entregavam a criação dos filhos. Prova está na instituição do amádigo pela qual
os nobres davam a educar seus filhos aos vilãos, que desfrutavam, neste caso, de
alguns privilégios e isenções.”5
Em face do inter-relacionamento inerente à cultura portuguesa, a aceitação
do privilégio restou admissível entre nós, diferentemente de outros países da
Europa, onde a separação das classes sociais fomentou um maior repúdio ao
estabelecimento de privilégios, uma vez que os nobres do restante da Europa não
mantinham uma convivência mais direta com os seus empregados e,
conseqüentemente, os casamentos só ocorriam entre aqueles de classe
semelhante6, justamente o que foi confirmado acima, por ocasião do exame das
classes privilegiadas na França (vide nota de rodapé 174)7.
O privilégio, ademais, sempre fez parte do cotidiano do Brasil Colônia,
segundo o que nos revela MARIA FERNANDA BICALHO8 ao analisar todo o
processo de desenvolvimento da Cidade do Rio de Janeiro desde o século XVII e
demonstrar que a idéia do privilégio alcançou tamanha difusão e naturalidade,
chegando ao ponto de ser parte integrante da estrutura da Cidade.
Acentua MARIA FERNANDA BICALHO que “em 1642, os cidadãos da
cidade de São Sebastião recebiam os mesmos privilégios, honras e liberdades
conferidas por carta régia de 1º de junho de 1490 aos cidadãos do Porto” e
“estendidos em meados do século XII aos colonos do Rio de Janeiro, esses
privilégios atribuíam-lhes certas prerrogativas de fidalguia, e à cidade, o título de
“Leal”. Uma primeira observação a se fazer acerca desses privilégios é o fato de
serem concedidos aos cidadãos e não a todos os habitantes das cidades
5HOLANDA, Sérgio Buarque de. op. cit., p. 25.
6HOLANDA, Sérgio Buarque de. op. cit., p. 24, citando GIL VICENTE, in Obras Completas.
Reimpressão fac-similada da edição de 1562, Lisboa, 1928, fol. CCXXXI.
7Estabelecendo uma visão mais ampla e complementar do tema após a Revolução Francesa,
verifica-se o pensamento de MICHELLE PERROT, in História da Vida Privada, 4: Da Revolução
à Primeira Guerra. Organização de Michelle Perrot, 8ª reimpressão, São Paulo: Companhia das
Letras, 2001, p.105-114.
8BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o império: o Rio de Janeiro no século XVIII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 322.
111
contempladas. Por cidadãos entendiam-se aqueles que por eleição
desempenhavam ou tinham desempenhado cargos administrativos nas câmaras
municipais – vereadores, procuradores, juizes locais, almotacés etc. –, bem como
seus descendentes. Entre as prerrogativas a que tinham direitos estavam as
distinções de serem metidos a tormentos9 por quaisquer malefícios que tivessem
cometido10, salvo nos modos em que eram os fidalgos do reino; de não poderem
ser presos por nenhum crime, somente como eram e deviam ser os mesmos
fidalgos, e de lhes ser permitido portar quaisquer tipos de armas.”11
Foram diversos os privilégios concedidos aos cidadãos na Cidade do Rio
de Janeiro e aos seus empregados12, o que fornece a evidência precisa da
participação do privilégio no nosso cotidiano e de como o mesmo inspirou a
formação cultural de uma sociedade desde o século XVII, à medida que todos
procuravam a obtenção de uma projeção social para alcançar o gozo dos referidos
privilégios.
Não é de se estranhar, por conseguinte, que o privilégio tenha tido uma
configuração própria e que a sua aplicação tenha continuado mesmo após o
advento da Revolução Francesa e a proposta de igualitarismo nela contida.
9JOSÉ ANTÔNIO PIMENTA BUENO, o Marquês de São Vicente, ao versar sobre o art. 179, §19
da Constituição do Império, na sua obra Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do
Império. Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1958, p. 407-408 informa que: “Nossa antiga
legislação criminal, datada de três séculos anteriores, quando os conhecimentos jurídicos e
sociais estavam ainda muito acanhados, reconhecia as penas degradantes ou bárbaras de
açoutes, tortura, marca de ferro e outras semelhantes. O homem por ser delinqüente não deixa de
pertencer à humanidade; é de mister que seja punido, mas por modo consentâneo, com a razão,
próprio de leis e do govêrno de uma sociedade civilizada.”
10Ressalte-se que o término das práticas de tortura no Brasil ocorreu com o art. 179, §19 da
Constituição do Império de 1824, nos seguintes termos: desde já ficam abolidos os açoites, a
tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas cruéis.
11BICALHO, Maria Fernanda. op cit., p. 322-323.
12BICALHO, Maria Fernanda. op cit., p. 323.
112
4.1
Análise dos Privilégios Concedidos pela Coroa Portuguesa aos
Ingleses em Território Português e no Brasil Colônia. Atuação da
Inglaterra na garantia de benesses aos súditos ingleses.
Se atentarmos para a substanciosa rede de privilégios criados nas
legislações portuguesas, com efeito, podemos adicionar a ocorrência de uma
evidente submissão da soberania portuguesa à Coroa Inglesa em terras brasileiras,
pois Dom João VI às vésperas da partida de Portugal (Lisboa) para o Brasil (Rio
de Janeiro) permitiu aos seus encarregados e/ou ministros que celebrassem um
acordo em Londres - "A Convenção Secreta" – com o representante inglês em
Portugal - Lord Strangford -, que determinava a transferência temporária da sede
da Monarquia lusitana para o Brasil e, acima de tudo, o reconhecimento, por parte
do governo britânico da dinastia de Bragança como legitima detentora do poder
político, o compromisso de Portugal (monarca) de não permitir a instalação do
Tribunal da Inquisição, uma vez que os ingleses eram anglicanos, além de
autorizar a instalação de um Tribunal constituído por juizes ingleses para julgar os
crimes que os súditos da Coroa Britânica viessem a cometer no Brasil13.
A possibilidade dos súditos ingleses em solo português (Brasil Colônia)
responderem pela prática de eventuais delitos com a aplicação da lei penal inglesa
revela uma evidente proteção e, obviamente, um dos privilégios mais acentuados
e somente explicável pela relação de subserviência que se instalou entre Portugal,
então ameaçada pelas tropas napoleônicas, e a Inglaterra que manteve o
reconhecimento de Portugal como nação.
Aliás, os privilégios concedidos aos ingleses em solo brasileiro foram
profundamente criticados e considerados impopulares, ao que se depreende do
comportamento dos brasileiros à época, os quais taxaram de verdadeiramente
13GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta
enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Planeta do Brasil,
2007, p. 208-209.
113
usurpadores os termos dos acordos e tratados elaborados pela Coroa Portuguesa
com a Inglaterra14.
As normas editadas em Portugal guardaram um forte protecionismo às
pessoas mais abastadas, em alguns casos, incluindo até os seus empregados, daí
porque os privilégios permitidos aos ingleses pela Coroa Portuguesa, por mais
estranhos que possam parecer, não se evidenciam anormais.
Em verdade, o cotejo das normas produzidas na Península Ibérica revela
uma evidente interiorização do privilégio na cultural diária, desmistificando e
impedindo a criação de qualquer resistência à sua manutenção.
É possível reconhecer, desta maneira, que a cultura do privilégio não
causava espanto, diante da tamanha interiorização do tema, razão pela quais todas
as situações expostas nos ordenamentos legais nunca foram repudiadas, ao
contrário do sentimento desenvolvido na vertente inglesa (Common Law), cuja
atuação primou, principalmente, pela limitação dos privilégios do clero, hipótese
nunca cogitada no Direito Português, onde a influência da Igreja foi
extremamente significativa, inclusive, transplantando-se para o Direito Brasileiro
e mantendo-se presente até no período imperial brasileiro por força do Decreto n.
609, de 18 de agosto de 1851.
Vale dizer, que mesmo após o advento da Revolução Francesa, das
Constituições Liberais de Cádiz de 1812 e do Porto de 1822 e, bem como, da
Constituição Brasileira de 1824, a idéia de se conferir proteção aos membros do
clero não foi infirmada, o que revela um traço cultural importante, suscetível até
de um profundo estudo antropológico, considerando os componentes sócio
culturais que atuam em relação ao tema privilégio.
Tais fatores servem para explicar o comportamento e o motivo de o povo
brasileiro, mesmo nos dias atuais – século XXI –, associar a prerrogativa de
função elaborada pelo modelo republicano e direcionada à preservação dos cargos
14WILCKEN, Patrick. Império à deriva: A corte portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2005, p. 151 e 159.
114
públicos, como um mecanismo destinado à concessão de benesses aos políticos
eleitos pelo voto popular, apesar de uma constante extrapolação quanto à escolha
das autoridades que fazem jus a tal prerrogativa, o que leva, aparentemente, a
distorção popular de qualificar prerrogativa como privilégio.
4.2
Constituição do Império de 1824, a instituição do Poder Moderador, a
abolição dos privilégios puramente pessoais e a instituição dos
privilégios de causa ou de foro. A manutenção dos privilégios aos
membros da Igreja no Decreto 609, de 18/08/1851.
Independentemente da influência exercida na nossa Constituição do
Império de 1823 pela Revolução Francesa, as Constituição Francesas de 1791 e a
de 4 de junho de 1814, a Constituição Espanhola (Cádiz) de 19 de março de 1812
e a Constituição Portuguesa (Porto) de 23 de setembro de 1822, não se deve
perder a perspectiva de que a nossa primeira Constituição, sem dúvida nenhuma,
mais do que um produto decorrente da inspiração do constitucionalismo liberal
oriundo da Europa, de fato, representou, no cenário brasileiro a concretização dos
“fatores reais de poder”15 porque, como bem assinala MARCELLO
CERQUEIRA, “a Carta Imperial foi um pacto entre a coroa e a escravidão.
Desfeito conduziu à República.”16.
Como é possível identificar, o idealismo que presidiu a Constituinte de
1823 teve a sua fundação no liberalismo, o qual “pretendia ao mesmo passo
remover do plano institucional os abusos do passado, os vícios de poder, os erros
da tradição, os prestígios injustos dos privilégios, enfim, suprimir séculos de
autoridade pessoal absoluta, de que era expressão concreta e histórica as
chamadas monarquias do direito divino.”17.
15Neste sentido, FERDINAND LASSALLE. Que é uma Constituição? Guanabara – Rio de
Janeiro: Laemmert, 1969, Cap. II, p. 27: “Sim, existem sem dúvida, e esta incógnita que estamos
investigando apoia-se, simplesmente, nos fatôres reais do poder que regem uma determinada
sociedade. Os fatôres reais do poder que regulam no seio de cada sociedade são essa força ativa
e eficaz que informa todas as leis e instituições jurídicas da sociedade em apreço, determinando
que não possam ser, em substância, a não ser tal como ela são.”
16CERQUEIRA, Marcello. A Constituição na história: origem e reforma. op.cit., p. 287.
17BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 92.
115
Nada obstante a pujança contida no liberalismo, PAULO BONAVIDES E
PAES DE ANDRADE detectam que “o idealismo e a pureza desses postulados
não se concretizou na realidade institucional senão durante breve período, e de
modo consideravelmente incompleto”18, uma clara demonstração de que o
pragmatismo, ou seja, a utilidade e o próprio êxito ou satisfação da sociedade
brasileira inserida numa estrutura política monárquica moderadora – Chefe
Supremo da Nação e seu primeiro representante –19 e num modelo de vida social
permeada pelo componente senhorial, agrícola e escravocrata.
A estrutura constitucional surgida com a Carta Outorgada de 1824
introduziu, entre nós, a figura do Poder Moderador, embora a Constituinte de
1823 nada tivesse falado acerca deste privilégio que foi conferido ao Imperador20
de possuir um controle direto sobre os demais poderes21.
Assim, o poder moderador estabelecido no artigo 99 da C. do Imp. afirma
que “A pessoa do imperador é inviolável e Sagrada: ele não está sujeito a
responsabilidade alguma”22, uma nítida fixação de um privilégio em favor do
monarca.
Firmaram-se as prerrogativas reais, em especial, aquela que determinava a
irresponsabilidade integral do monarca “The King can do no wrong”23, o que foi
interpretado por BENJAMIN CONSTANT como algo natural porque “um
monarca hereditário pode e deve ser irresponsável. É um ser à parte no topo do
edifício; sua atribuição, que lhe é particular e que é permanente, não apenas
nele, mas em toda a sua estirpe, dos seus ancestrais aos seus descendentes,
separa-o de todos os indivíduos do seu império. Não é nada extraordinário
18BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. op. cit., p. 93.
19HORTA, Raul Machado. op. cit., p. 56.
20SOBRINHO, Barbosa Lima; MELLO, F. I. M. Homem de; ALENCAR, José de; et al. A
Constituinte de 1823: Obra comemorativa do sesquicentenário da Instituição Parlamentar.
Brasília: Senado Federal, 1973, p. 100.
21Vide CAETANO, Marcelo. op. cit., pp. 504-506.
22Vide JORGE MIRANDA. op. cit., p. 211.
23Nesse sentido, RENÉ DAVID in O direito inglês. op. cit., p. 85: “Durante séculos, até 1947,
proclamou-se na Inglaterra o princípio de que “o rei não pode agir mal”, The King can do no
wrong. Não é possível, juridicamente, que o soberano tenha agido contrariamente ao direito e que
se possa argüir, por conseguinte, a responsabilidade contratual ou delitual da Coroa”.
116
declarar um homem inviolável quando uma família é investida do direito de
governar um grande povo, com exclusão das outras famílias e expondo-se ao
risco de todos os azares da sucessão.”24.
Sem dúvida, o Poder Moderador25 nada mais foi que a inclusão de um
privilégio, ou seja, uma faceta para que o Imperador exercesse o controle absoluto
sobre os demais poderes de Estado instituídos pela Constituição, ou seja, uma
monarquia que RAUL MACHADO HORTA assinala como estatamental e feudal,
na hipótese, conhecedora de inúmeros privilégios, antes que a República e o
próprio governo monárquico contemporâneo abolissem os privilégios, visando à
conservação das prerrogativas26.
Entretanto, a nossa primeira Constituição buscou a eliminação dos
processos causadores de desigualdade entre as pessoas, uma iniciativa que
correspondeu à formulação de uma idéia protetiva que PIMENTA BUENO
afirmava imprescindível, porque argumentava que “embora porém exista essa
desigualdade importante e incontestável, por outro lado é fora de dúvida que
todos os homens têm a mesma origem e destino, ou fim idêntico. Todos têm o
mesmo direito de exigir que os outros respeitem os seus direitos, de alegar que
uns não nasceram para escravos, nem outros para senhores, que a natureza não
criou privilégios, favores e isenções para uns, penas, trabalhos e proibições para
outros; enfim que não tirou uns da cabeça de Brama, e outros do pó da terra.
Consequentemente, qualquer que seja a desigualdade natural ou casual
dos indivíduos a todos os outros respeitos, há uma igualdade que jamais deve ser
violada, e é a da lei, quer ela proteja, quer ela castigue, é a da justiça, que deve
24CONSTANT, Benjamin. Escritos de Política. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins
Fontes, 2005, p. 222, apud Réflexions sur les constitutions et les garanties.
25Acerca do assunto, ver J. J. GOMES CANOTILHO, in Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 137, apud BENJAMIN CONSTANT,
“Principes de Politique”, in De La Liberté chez lês Modernes, org. de M. Gauchet, Paris, 1980, p.
280 : “A ideia do poder moderador é um “produto teórico” trabalhado sobretudo por Benjamin
Constant. Designando-o por “pouvoir royal”, este autor justificava a sua existência pela
necessidade de o “poder real” ser um “poder neutro”, a fim de evitar o vício de quase todas as
constituições”: “ ne pás avoir créé um pouvoir neutre, mais d’avior placé la somme totale
d’autorité don til doit être investi dans l’un des pouvoirs actifs”.
26HORTA, Raul Machado. op. cit., p. 595.
117
ser sempre uma, a mesma, e única para todos sem preferência, ou parcialidade
alguma.”27.
A extinção ou a abolição dos privilégios puramente pessoais foi a tônica
imprimida na C. do Imp., no art. 179, §§16 e 17 seguindo a mesma esteira da
Carta Francesa de 1791 e das Constituições Liberais do século XIX de Cádiz de
1812 e do Porto de 1822, nos seguintes termos:
“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e políticos dos Cidadãos
Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade,
é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte
§16. Ficam abolidos todos os Privilegios, que não forem essencial, e inteiramente
legados aos Cargos, por utilidade publica.
§17. A’excepção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juízos particulares,
na conformidade das Leis, não haverá Foro privilegiado, nem Commissões
especiaes nas Causas civeis, ou crimes.”28
Por ocasião da supressão dos privilégios estritamente pessoais na C. do
Imp., PIMENTA BUENO, com muito acerto, enalteceu a nova vertente
constitucional, para tanto, justificando que “a abolição dos privilégios, salva a
única exceção dos que forem essencial e inteiramente exigidos por utilidade ou
serviços públicos, é uma outra conseqüência necessária do justo e útil princípio
da igualdade perante a lei”29.
A conclusão fornecida por PIMENTA BUENO para justificar a eliminação
dos privilégios pessoais se insere no reconhecimento de que os mesmos são
absolutamente odiosos, razão pela qual, a melhor diretriz é aquela que está
correlacionada à observância rigorosa de que os “privilégios”, se existentes,
devem recair sobre os cargos e empregos, com abono nos seguintes critérios:
“A lei deve ser uma e a mesma para todos, qualquer especialidade ou prerrogativa,
que não fôr fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público,
será uma injustiça e poderá ser uma tirania.
27PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do
Império. op. cit., p. 412.
28MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 225.
29PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do
Império. op. cit., p. 414.
118
Os privilégios que como dissemos podem versar sôbre diversos objetos ou
concessões quaisquer, e ser mais ou menos extensos, mais ou menos importantes,
costumam ser divididos ou distinguidos em pessoais e reais.
582. Chamam-se pessoais os que são concedidos à pessoa em razão de si mesma,
por amor dela, ou seja por graça, ou a título de remuneração de serviços. Êste
privilégio é odioso, é um péssimo meio de remunerar serviços, ainda mesmo
quando sejam verdadeiros; há mil outros meios de fazê-lo sem ferir a lei comum.
Felizmente nossa sábia Constituição aboliu êste abuso para sempre.
583. Denominam-se reais os que são concedidos, não às pessoas, embora
redundem também em proveito delas, e sim às coisas que estão relacionadas com
tais pessoas, como os cargos, empregos, dignidade, invenções, descobertas, etc.
Êstes nada têm de odiosos desde que o interêsse público os demanda e que não
provêm de abuso, tal é o privilégio que tem o deputado, ou senador de não ser
prêso senão nos únicos têrmos excepcionais da Constituição. O privilégio do fôro,
ou juízo privativo do senado, de que trataremos no parágrafo seguinte, é um outro
que está no mesmo caso.
Salvas pois as bem fundadas exceções reais, nossa lei fundamental não consente
favores parciais, ou injustas arbitrariedades.”30.
A C. do Imp. inspirada nas Cartas Liberais Francesas editadas de 1791 a
181431, na C. de Cádiz de 1812 e na Constituição do Porto de 1822 reconheceu
que o privilégio de causa ou de foro teria fundamento nas pessoas ou poderia ser
geral, o que revela a preocupação de se estabelecer um óbice aos privilégios
postos em prática antes do surgimento da C. do Imp. e, por outro lado, a
afirmação de que os “privilégios reais” residiriam, com exclusividade, para as
causas criminais, excluindo toda a matéria atinente às causas cíveis.
Disso resulta que PIMENTA BUENO indica com total clareza que “o foro
privilegiado em benefício das pessoas felizmente já não existe mais entre nós, era
uma desigualdade, que o § 16 do art. 179 da const., aboliu, não deixando
subsistir privilegio algum que não fosse essencial e inteiramente ligado aos
cargos por utilidade publica. Não tendo pois actualmente tal privilegio civil, não
nos demoraremos sobre esta parte da divisão desta competência.”32.
Nesses termos, a C. do Imp. de 1824, chama a atenção, por haver difundido
no constitucionalismo brasileiro à idéia do foro privilegiado (privilégios reais) ou
30PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do
Império. op. cit., p. 414-415.
31VideDEBBASCH, Charles. e PONTIER, Jean-Marie. Les Constitutions de La France. 3a. ed.,
Paris: Dalloz, 1996, p. 113-131.
32 PIMENTA BUENO, José Antônio. Apontamentos sobre as formalidades do processo civil. op.
cit., p. 45.
119
do denominado foro por prerrogativa de função, o que se observa da demarcação
efetivada por PIMENTA BUENO, in verbis:
“588. 1.º) Os privilégios reais dos deputados e senadores, que constam dos arts.
26, 27, 28 e 47 da Constituição.
2.º) Os dos ministros e conselheiros de estado, na conformidade dos arts. 38, 47,
133 e 148 da Constituição.
3.º) Os dos conselheiros do supremo tribunal de justiça, desembargadores,
presidentes de províncias, membros do corpo diplomático e bispos, na forma do
art. 164 §2.º da constituição, e lei de 18 de agosto de 1851.
4.º) Os dos juízes de direito e comandantes militares, nos têrmos dos arts. 154 e
155 da Constituição, e do cód. do procrim., art. 155 § 2.º.
Êstes privilégios, à exceção do que respeita aos comandantes militares, prevalecem
tanto nos crimes responsabilidade, como individuais; vigoram porém sòmente no
crime e não no cível.
Assim é que não valem mais os tít. 5.º e 12 da ord. do liv. 3.º, que autorizavam a
certos privilégios em matérias cíveis, ainda quando eram autores, a chamar à côrte
seus concidadãos, embora residentes nos confins do império, para aí virem perder
seus direitos, sem meios de prova, onerados de incômodos e despesas, em suma,
sem esperanças de justiça! Não valem mais tantas outras leis extravagantes em
todos os sentidos, senão para monumentos da injustiça, e por isso mesmo de novos
estímulos de amor à sábia constituição, que nos rege e que em cada uma de suas
disposições oferece aos brasileiros belas e preciosas garantias.
O parágrafo constitucional que analisamos confirma enfim mais uma vez a
proscrição de tôdas as comissões especiais, quer em causas cíveis, como em causas
criminais, abuso sem dúvida injustificável e de que já nos ocupamos.”33.
A estrutura do foro por prerrogativa de função ou, então, como era
conhecido à época “os privilégios reais”, na C. do Imp., foram esquematizados
com o julgamento dos delitos eventualmente cometidos por autoridades junto ao
poder legislativo e judiciário.
Cumpre verificar que o art. 47, §1º da C. do Imp. estabelecia o julgamento
pelo Senado dos membros da Família Imperial, Ministros de Estado, Conselheiros
de Estado, Senadores a qualquer tempo e Deputados, durante o período da
legislatura, cuja autorização deveria ser concedida pela Câmara dos Deputados,
nos termos do art. 38 da C. do Imp., no tocante à acusação contra os Ministros de
Estado e Conselheiros de Estado.
Por outro lado, o art. 164, §2º da C. do Imp. atribuiu ao Supremo Tribunal
de Justiça o julgamento pela prática dos “erros de ofício” e dos “delitos”
33PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do
Império. op. cit., p. 417/418.
120
cometidos pelos seus Ministros, os Magistrados dos Tribunais das relações, os
empregados no Corpo Diplomático e os Presidentes das Províncias.
A estrutura concernente ao foro por prerrogativa de função na C. do Imp. foi
distribuída entre o Poder Judiciário (Supremo Tribunal de Justiça) e o Poder
Legislativo (Senado), tendo, assim, uma configuração diferente da Carta
Portuguesa de 1822, a qual só estabeleceu o conhecimento dos “erros de ofício” –
não menciona a expressão delito –, condicionando o julgamento dos Secretários
de Estado a prévia deliberação das Cortes (Poder Legislativo).
Houve, obviamente, uma plena identidade do art. 154 da C. do Imp. com a
Carta Portuguesa de 1822 quanto ao exame das questões envolvendo abusos de
poder e erros de ofício praticados pelos magistrados e as queixas contra eles
dirigidas que permaneciam sob a tutela e aferição do Imperador no Brasil, sendo
certo que, na sistemática firmada nos artigos 196 e 197 da Carta Portuguesa de
1822, da mesma forma, a competência para a análise da matéria era exclusiva do
monarca.
Quanto ao assunto destacado no parágrafo precedente, de modo diferente, a
C. de Cádiz (artigos 239 e 253) fez expressa alusão de que as eventuais queixas
contra os magistrados ficariam ao encargo do Supremo Tribunal de Justiça e o
Conselho de Estado com a responsabilidade pela efetivação da suspensão dos
mesmos.
Ao que se depreende da nossa primeira Constituição, de fato, o exercício do
foro por prerrogativa de função restou dividido entre os Poderes Judiciário e
Legislativo, resultando numa configuração própria ao tema, caso seja efetivado
um balizamento com a estrutura decorrente do constitucionalismo liberal Francês
de 1791 e aquelas provenientes do século XIX (Cartas Espanhola de 1812 e a
Portuguesa de 1822).
Nota-se, acima de tudo, que a extinção dos privilégios no corpo da
Declaração de Direitos e das Constituições liberais não foi capaz de impedir que a
121
Igreja continuasse a gozar de influência ímpar, levando-se em conta o
mencionado Decreto n. 609, de 18 de agosto de 1851, in verbis:
“Art. 1 Os arcebispos e bispos do Império do Brasil, nas causas que não forem
puramente espirituais, serão processados e julgados pelo Supremo Tribunal de
Justiça.”34.
Vê-se, por conseguinte, que a eliminação total dos privilégios não foi
alcançada na vigência da nossa C. do Imp. de 1824, o que é explicável,
considerando a simbiose existente entre a Igreja e o Estado.
Com o surgimento da República ex vi do Decreto n.º: 1, de 15 de novembro
de 1889 e, por fim, com o que foi disciplinado no Decreto n.º: 119 A, de 7 de
janeiro de 1890 ficou consolidada a dissociação da Igreja e do Estado, partindo-se
para o Estado brasileiro laico, um dos Princípios mais importantes da forma de
governo republicana, uma vez impede a intromissão dos aspectos puramente
dogmáticos, inquestionáveis e concernentes à fé nos assuntos do Estado, a par de
suprimir os privilégios conferidos aos membros da Igreja Católica, a partir
daquela data, não mais a religião oficial do País.
Firma-se, neste diapasão, entre nós, a instalação da República e, com ela,
sem mais delongas, a criação do foro por prerrogativa de função ou dos chamados
“privilégios reais”, que impulsionava, no caso, a concessão da citada prerrogativa
às autoridades, em decorrência do cargo e da importância mesmos na vida política
e republicana do País.
4.3
Instituição da República no Brasil e o foro por prerrogativa de
função.
A Constituição da República de 1891 seguindo o mesmo roteiro da Carta
do Império, em síntese, fez expressa alusão ao foro por prerrogativa de função,
34PIMENTA BUENO, José Antônio. José Antonio Pimenta Bueno, marquês de São Vicente /
organização e introdução de Eduardo Kugelmas (Coleção Formadores do Brasil), op. cit., p. 680.
122
salientando que proibia o exercício do foro privilegiado e dos tribunais de
exceção.
Assim, a Carta Republicana de 1891, quis atrair a atenção para a efetiva
proibição de instituição do foro privilegiado, inclusive, alojando tal proibição no
capítulo pertinente aos Direitos e Garantias Individuais.
Realmente, a adoção do preceito Republicano impossibilita a manutenção
de qualquer item no texto constitucional que venha a endossar a falta de
alternância no poder e restrição quanto à sucessividade dos governantes35e, ainda,
elementos que venham a mitigar o compromisso de apuração da responsabilidade
dos agentes públicos, pois, como exposto por GERALDO ATALIBA “a simples
menção ao termo república já evoca um universo de conceitos intimamente
relacionados entre si, sugerindo a noção do princípio jurídico que a expressão
quer designar. Dentre tais conceitos, o de responsabilidade é essencial. Regime
republicano é regime de responsabilidade. Os agentes públicos respondem pelos
seus atos. Todos são, assim, responsáveis. Michel Temer afirma: “Aquele que
exerce função política responde pelos seus atos. É responsável perante o povo,
porque o agente público está cuidando da res publica. A responsabilidade é
corolário do regime republicano” (Elementos de Direito Constitucional, p. 163).
João Barbalho, de seu lado, já asseverava: “É da essência do regime republicano
que quem quer que exerça uma parcela do poder público tenha a
responsabilidade desse exercício; ninguém desempenha funções políticas por
direito próprio; nele, não pode haver invioláveis e irresponsáveis, entre os que
exercitam poderes delegados pela soberania nacional” (Constituição Federal
Brasileira Comentada, Rio, 1924, p. 61). A responsabilidade é a contrapartida
dos poderes em que, em razão da representação da soberania popular, são
investidos os mandatários. É lógico corolário da situação de administradores,
lato sensu, ou seja, gestores de coisa alheia. Dalmo Dallari assevera: “Todos os
que agirem, em qualquer área ou nível, como integrantes de algum órgão público
ou exercendo uma função pública devem ser juridicamente responsáveis por seus
atos e omissões. Para efetivação dessa responsabilidade é preciso admitir que o
35Vide MELLO FILHO, José Celso. Constituição Federal Anotada. São Paulo: Saraiva, 1984, p.
11.
123
agente do poder público ou o exercente de função pública possam ser chamados
a dar explicações, por qualquer pessoa do povo, por um grupo social definido ou
por um órgão público previsto na Constituição como agente fiscalizador”
(Constituição ..., p. 30). Se a coisa pública pertence ao povo, perante este todos
os seus gestores devem responder. Diversos matizes tem a responsabilidade dos
mandatários executivos, no regime republicano: político, penal, civil. Quer dizer:
nos termos da Constituição e das leis, respondem eles (presidente, governadores
e [...] prefeitos) perante o povo, ou o Legislativo ou o Judiciário, por seus atos e
deliberações. Nisso opõe-se a república às demais formas de governo,
principalmente a monarquia, regime no qual o chefe de Estado é irresponsável
(the king can do no wrong) e, por isso, investido vitaliciamente.”36.
A condição imposta ao Estado Republicano e Federativo desde a edição da
nossa “pré-Constituição” – o Decreto n.°: 1, de 15 de novembro de 1889 –, já
exigia dos nossos Constituintes de 1890 à busca de dados para respaldar a
elaboração do novo texto constitucional, o que resultou numa integração da Carta
Política americana, embora CARLOS MAXIMILIANO tenha acentuado as
diferenças propositadamente estabelecidas porque a nossa Constituição
Desviando-se, em parte, do modelo norte-americano, o estatuto brasileiro não
sujeitou a impeachment os crimes communs do Presidente e seus Ministros:
preferiu o julgamento pelos tribunaes ordinarios. Rodeou apenas aqueles altos
servidores do Estado de algumas garantias compativeis com a sua posição
alvejada pela calumnia e pela inveja. O processo não tem andamento sem que a
Camara dos Deputados declare procedente a accusação; aos mais altos juizes,
collocados, na propria hierarchia, em nivel igual ao dos réus poderesos e
illustres, na ordem administrativa, compete colher e apreciar a prova e
condemnal-os ou absolvel-os afinal. As denuncias tendenciosas, que visam
apenas magoar o homem publico, humilhal-o, desvial-o, provisoriamente ao
menos, do desempenho de altos deveres, caem logo, no plenario da Camara. Se
por alli transitam em triumpho, esboroam-se adeante, ante a serenidade olympica
e a rectidão esclarecida do Supremo Tribunal. Dispõe o estatuto norte
americano: “Em todos os casos concernentes aos embaixadores, outros ministros
36ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 65-66.
124
públicos e consules, e naquelles em que um Estado for parte, a Côrte Suprema
terá jurisdicção originaria”(art. 3º, secção 2ª, n. 2). Refere-se o texto a
diplomatas estrangeiros; e deu margem a duvidas sobre se abrangia os
secretarios e demais auxiliares de legação, inclusive os creados. Acha-se o
codigo brasileiro em mais perfeito accôrdo com o Direito Internacional.”37.
A necessidade de materializar o princípio republicano concernente à
responsabilidade dos agentes públicos fez com que a Constituinte de 1890
reproduzisse da Carta Americana o impeachment e, concomitantemente, pusesse
em prática a competência originária do Supremo Tribunal Federal para julgar
Presidente da República e os Ministros de Estados, hipótese não prevista na Carta
Americana, porém com exemplificação e parâmetros na Constituição Portuguesa.
A explicação da sistemática que veio a prevalecer na Constituição de 1891
foi dada com substanciosa fundamentação por PEDRO LESSA ao concluir que as
modificações entre o modelo constitucional americano e aquele que aqui restou
efetivado foram de ordem significativa a começar pelo “artigo 59 da nossa
Constituição por se afastar nesse ponto (o que fez o legislador em tantos outros)
do seu modelo, que é a Constituição norte-americana. A passo que nos Estado
Unidos da América do Norte o único julgamento excepcional, estatuído para o
Presidente da República, é o impeachment, em que funciona o Senado como
Côrte de justiça, entre nós alêm do impeachment temos para os próprios crimes
communs do Presidente da Republica uma competencia excepcional, a originaria
e privativa do Supremo Tribunal Federal, com a prévia declaração pela Camara
dos Deputados da procedencia da accusação (artigo 53 da Constituição
Federal). Tem esta ultima providencia por fim manifesto obstar a que prosigam
denuncias aleivosas, processos infundados, acções que innoportuna ou
inconvenientemente poderiam arredar do seu posto o chefe da nação, em graves
conjuncturas da politica nacional, ou da politica internacional. Tanto
nos
crimes communs, como nos de responsabilidade, são os ministros de Estado
processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Dispõe o artigo 52 da
Constituição que esses funccionarios públicos não são responsaveis perante o
37MAXIMILIANO, Carlos. Comentários Constituição Brasileira. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro
dos Santos, 1918, p. 588-589.
125
Congresso, ou perante os tribunaes, pelos conselhos dados ao Presidente da
Republica; respondem, porêm, quanto aos seus actos pelos crimes qualificados
em lei, sendo processados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal nos crimes
communs e de responsabilidade, e nos connexos com os do Presidente da
Republica pela autoridade competente para o julgamento deste.”38.
E prossegue, tecendo considerações acerca das diferenças vislumbradas
entre as Cartas Constitucionais Americana e Brasileira, no sentido de concluir que
“ao Supremo Tribunal Federal tambem compete processar e julgar, originaria e
privativamente, “os ministros diplomaticos, nos crimes communs e nos de
responsabilidade”. O que primeiro que tudo desperta a attenção de quem lê esta
parte do artigo 59, é a differença de redacção entre o nosso preceito
constitucional e o correlativo na Constituição norte-americana e na argentina. A
norte-americana declara, numa expressão ampla, que ao poder judiciario (isto é,
á Suprema Côrte Federal, como se explica na seguinte alinea) compete julgar
todos os litigios que interessam a embaixadores, ministros publicos e consules
(all cases affecting ambassadors, other public ministers, and consuls). A
argentina usa destes termos: “Corresponde à la Corte Suprema... el
conocimiento y decision… de las causas concernientes à embajadores, ministros
publicos e consules extranjeros.”Quasi reproduz a disposição norte-americana,
acrecentando á enumeração dos funccionarios sujeitos á jurisdicção da Côrte
Suprema o qualificativo – estrangeiros. Diante da redacção do legislador norte
americano estudam os commentadores da Constituição daquelle paiz a questão
de saber em que casos, em se tratando de que litigios, estão os embaixadores e
agentes diplomaticos das nações estrangeiras, acreditados junto do governo
norte-americano, sujeitos á jurisdicção da Suprema Côrte Federal. Marshall em
um processo celebre investidou se a competencia originaria e privativa da
Suprema Côrte se estende aos secretarios e famulos de uma embaixada de nação
estrangeira nos Estados-Unidos. Na exegese do artigo corresponde da
Constituição argentina inquirem os seus interpretes igualmente quaes as
hypotheses em que os agentes diplomaticos estrangeiros pódem ser partes, tanto
no civel como no crime, perante a Suprema Côrte Federal. Aguntin de Vedia
38 LESSA, Pedro. Do Poder Judiciário. 2º milheiro. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1915, p. 45
46.
126
noticia alguns julgados desse alto tribunal argentino, relativos á sua competencia
para conhecer de questões civeis e criminaes, em que são interessados
embaixadores e outros agentes diplomaticos de nações estrangeiras.
A
competencia de que cogitou o nosso legislador constituinte neste preceito do
artigo 59, é muito diversa da que constitue o objecto das disposições referidas na
Constituição norte-americana e da argentina. Aqui ficou o Supremo Tribunal
Federal investido pelo artigo 59 de competencia originaria e privativa para
processar e julgar os ministros diplomaticos brasileiros, nos crimes communs e
de responsabilidade.”39.
A Constituinte de 1890, como se vê, teve um mérito de desenvolver uma
identidade própria ao nosso direito, porque a Constituinte de 1823 foi
inteiramente mal sucedida e acabou por ser suplantada com a Carta Outorgada de
1824.
Sendo assim, a Constituição Brasileira de 1891 adaptou o impeachment,
definiu foro por prerrogativa de função especificamente para a matéria criminal,
em termos absolutamente corretos, enquanto a Carta Americana limitou o
julgamento do Presidente da República ao julgamento com fundamento na
responsabilidade política.
O significado deste ato pela Constituição de 1891 foi que a delimitação do
foro por prerrogativa de função apenas para as autoridades públicas essenciais à
vida republicana do país, portanto, a lição mais importante que se extrai do
assunto debatido.
39 LESSA, Pedro. op. cit., p. 48-49.
127
4.4
A evolução do foro por prerrogativa de função na Constituição
Federal de 1946 e nas Constituições Estaduais promulgadas na
vigência da mesma Carta Política. Coronelismo uma forma
representativa do exercício de um privilégio odioso.
A Carta de 1946 representou a consumação de um período conturbado da
vida política e constitucional do país, a qual foi antecedida pelas Cartas Políticas
de 1934 e 1937, todas elas efetivadas no Período Vargas, o que representou uma
retomada no processo democrático brasileiro que seria interrompido com o golpe
militar de 1964.
A respeito da Constituição de 1946 é importante o registro feito por PAES
DE ANDRADE e PAULO BONAVIDES ao comentar o término do Período
Vargas acentuando que “A Constituição de 1946 nos traz a certeza de que toda
ditadura, por mais longa e sombria, está determinada a ter um fim. E, no caso da
ditadura de Vargas, pode-se dizer que a luz que se seguiu às trevas foi de especial
intensidade: o liberalismo do texto de 46 deve ser motivo de orgulho para todos
os brasileiros. Foi parâmetro importante para nossa recente experiência
constituinte e há de ser lembrada com atenção e respeito”.40.
PAES DE ANDRADE e PAULO BONAVIDES enfatizam, ainda, que a
Carta de 1946 “buscava devolver ao Legislativo e ao Judiciário a dignidade e as
prerrogativas características de um regime efetivamente democrático”41, o que é
até explicável, considerando os vários anos da Ditadura Vargas, a qual concentrou
as estruturas de poder do Estado, desfigurando, assim, as Instituições Políticas.
Por isso mesmo, não se desconhece que o advento da Constituição de 1946
está marcado por um momento de profunda instabilidade política e democrática,
uma vez que se operou durante a transição dos quinze anos ininterruptos de
Getúlio Vargas como Presidente do País.
40 BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. op. cit., p. 409.
41 BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. op. cit., p. 409.
128
Tal instabilidade política percorreu o Estado brasileiro nas décadas de 40 e
50 e foi exasperada com o retorno de Vargas à Presidência da República até a
divulgação da sua morte em 24 de agosto de 1954 e da sua Carta Testamento, em
virtude de inaudita perseguição política desencadeada por detratores, a despeito
de a sua eleição ter ocorrido sob o plano da legitimidade democrática.
O Estado social configurado na Constituição de 1946 quis inserir um
compromisso democrático, no entanto, o mesmo teve que conviver com a visão
populista disseminada na sociedade brasileira e, ainda, com a presença do
coronelismo no nordeste e nas zonas rurais.
A agregação do populismo e do coronelismo fornece a base conceitual da
persistência do privilégio e, por conseguinte, da hierarquização, da demarcada
estratificação social e do autoritarismo no seio das instituições brasileiras, como
precisamente indicado por GILBERTO FREYRE ao enunciar que “a nossa
tradição revolucionária, liberal, demagógica, é antes aparente e limitada a focos
de fácil profilaxia política: no íntimo, o que grosso modo se pode chamar “povo
brasileiro” ainda goza é a pressão sobre ele de um governo másculo e
corajosamente autocrático.”42.
A compreensão do populismo está associada à idéia do privilégio e,
sobretudo, explica a formação da consciência autoritária a que fazem referência
PAES DE ANDRADE e PAULO BONAVIDES, no intuito de demonstrar o
déficit democrático instalado no país na vigência da Carta Política de 1946, tendo
em vista a franca aceitação do populismo e de todas as suas formas de
manifestação (clientelismo, caudilhismo, coronelismo e o autoritarismo)43.
O privilégio está ínsito ao populismo e a todas as demais formas perniciosas
ou comprometedoras da liberdade de expressão, dentre elas, o aliciamento político
efetivado no clientelismo e também no coronelismo, o qual se manteve vivo no
Brasil mesmo na vigência da Constituição de 1946 e que foi devidamente
estudado por VICTOR NUNES LEAL, ao salientar que “a rarefação do Poder
42 FREYRE, Gilberto. op. cit., p. 114.
43 Vide BONAVIDES, Paulo e ANDRADE, Paes de. op. cit., p. 410/411.
129
Público em nosso país contribuiu muito para a ascendência dos “coronéis”, já
que, por esse motivo, estão em condições de exercer, extra-oficialmente, grande
número de funções do Estado em relação aos seus dependentes. Mas essa
ausência do poder público, que tem como conseqüência necessária a efetiva
atuação do poder privado, (...)”44.
A atuação do coronel no Brasil na década de 50 representa uma forma nítida
de exercício do privilégio no âmbito da sociedade, uma espécie de preponderância
autoritária, inquestionável e que foi analisada por MARCOS VINÍCIUS VILAÇA
e ROBERTO CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE como o exercício da função
de “árbitro social, que decorre do seu poder e do medo de sua vingança, também
se explica por seu papel de definidor e de intérprete indiscutido e até
prazerosamente acatado da sociedade que domina. É ele, com efeito, juiz entre
questões e disputas humanas na jurisdição de seus domínios, função que quase
sempre exerce de maneira deveras impressionante. Resolve questões de terra,
disputas de dinheiro, casos de família; acata criminosos e malfeitores, que
protege exaltando-lhes a bravura e convertendo-os em instrumentos de sua força.
Esses poderes pessoais de polícia e de juiz, é claro que se atenuam com a
penetração do Estado como autoridade em seus domínios. No entanto, na maior
parte dos casos, continua o coronel-político a exercê-los, se bem que
despersonalizados, através de delegados e de juízes que indica aos governos – e
que remove, quando lhe desagradam.” 45.
A atuação dos Coronéis no processo de indicação dos Prefeitos no período
do Estado Novo, bem como a interferência na escolha de Delegados, Juízes e
Promotores tornavam o mesmo imune à aplicação lei em relação aos mesmos e
aos seus apaniguados 46.
A condição de estar e permanecer acima da lei, em síntese, representava um
privilégio dos mais odiosos, cuja influência perde espaço, não só com o
44 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo Enxada e Voto: O Município e o Regime Representativo no
Brasil. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 62-63.
45VILAÇA, Marcos Vinicios e ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti. Coronel, Coronéis –
Apogeu e declínio do coronelismo no Nordeste. 4ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p.
57-58.
46LEAL, Victor Nunes. op. cit., p.146 e 242.
130
aperfeiçoamento do modelo eleitoral47, contudo, também, em decorrência do
maior assistencialismo público e da imposição do concurso público para a
admissão dos delegados, juízes e promotores de justiça, os quais passaram a gozar
de autonomia e não ficavam mais a mercê do chefe político que o indicou para o
cargo.
O coronelismo, durante um largo período, representou uma forma de
superação aos ditames da lei, albergando um sentido extremamente amplo e que
impedia a concretização da Justiça, daí o porquê de registrarmos a sua atuação
deletéria nas decisões tomadas pela esfera pública.
A despeito da conjuntura social acima relatada, é imprescindível mencionar
que, na vigência da Carta de 1946, é oportuno salientar que a competência por
prerrogativa de função se achava definida no artigo 101, I, alíneas a, b e c, perante
o Supremo Tribunal Federal, sendo que, a qualidade e a quantidade dos agentes
públicos detentores do foro por prerrogativa de função, de fato, representava o
exercício da prerrogativa de função instituída pelo modelo republicano e não um
“inchaço” na competência originária do Supremo Tribunal Federal.
As Cartas Estaduais estavam autorizadas, ex vi do artigo 124 a
estabelecerem as suas competências originárias, o que ocorreu com a parcimônia
recomendada e dentro dos limites da competência de auto-organização dos
Estados-Membros.
4.5
Foro por prerrogativa de função na vigência da Constituição de 1967
(EC n. 1 de 17-10-69) e o Ato Institucional n. 5, de 18 de dezembro de
1968.
O período de vigência da Constituição de 1967 foi alcançado pela
decretação do AI-5, que no artigo 5º., inciso I, determinou a cessação de
47LEAL, Victor Nunes. op. cit., p. 282.
131
privilégios de foro por prerrogativa de função, cuja aplicação, ao menos, se fez
bem efetiva até a promulgação da Constituição Federal de 1969.
A referida determinação – AI-5 –, levada a efeito em dezembro de 1968,
foi incorporada ao preâmbulo da Emenda Constitucional n. 1/69, contudo, não
teve o condão de suprimir o exercício do foro por prerrogativa a partir de 17 de
outubro de 1969, daí porque a competência originária do STF fixada no artigo
119, inciso I, alíneas “a” e “b” teve plena efetividade, bem como restabeleceu-se a
elaboração do foro especial no plano da Justiça Comum Estadual nos termos do
artigo 144, §3º. da EC n. 1/69.
A existência do AI – 5 na vida constitucional brasileira é um incidente
lamentável da nossa vida constitucional que já era portadora de outras máculas e
de necessária referência, não só para recordar o momento histórico pelo qual
passamos, mas, acima de tudo, servindo de advertência às gerações futuras do
perigo de se ceder aos falsos argumentos e promessas de restauração da ordem
publica em detrimento do Estado de Democrático de Direito.
4.6
Foro por prerrogativa de função na Constituição de 1988: a
inadmissibilidade da manutenção do julgamento às autoridades não
mais detentoras de cargo público e a impossibilidade de extensão
do foro por prerrogativa às ações de improbidade da Lei n. 8.429/92.
É inquestionável que a Constituição brasileira delimitou, de maneira
específica, a concessão do foro por prerrogativa de função às autoridades públicas
pertencentes à estrutura da União e do Município, além de haver permitido que os
Estados-Membros pudessem efetivar a escolha dos agentes políticos que fariam
jus ao mesmo (artigo 125, §1º da CF).
O texto constitucional brasileiro, no que concerne à prerrogativa de função
estabelecida no plano federal e municipal, ao contrário dos Estados-Membros, não
admitiu a complementação legislativa para a escolha das autoridades detentores
da prerrogativa de função.
132
“Tratando-se de crime de competência da Justiça Federal, é curial que esta não
perde a sua competência constitucional, quando o acusado é deputado estadual.
Considerando-se que a Constituição e as leis estaduais não podem alterar as regras
de competência da Constituição federal, parece fora de dúvida que os deputados
estaduais respondem perante os Juízos e Tribunais da União, quer na instância
comum, quer nas especializadas – Justiça Federal, Justiça Eleitoral, Justiça Militar – cujas competências privativas não podem ser deslocadas para a dos Tribunais de
Justiça dos Estados.”48.
Aliado ao contexto da competência privativa da União para legislar sobre
matéria processual, é importante lembrar que o Supremo Tribunal Federal no
julgamento do inquérito 687, na seção de 25/08/1999 cancelou a Súmula 394 com
a eficácia ex nunc e fez cessar a manutenção do processo, isto é, a prerrogativa de
função depois de terminada a investidura funcional, neste momento, o STF
sinalizou pela inadmissibilidade da perpectuatio juridictionis.
No passado, foram inúmeras as discussões quanto à possibilidade do
indivíduo não mais no exercício de função pública perpetuar o julgamento perante
o órgão jurisdicional que tinha o gozo do foro especial sob argumento de que o
foro por prerrogativa se protrairia no tempo.
Todas as considerações que levaram ao surgimento da Súmula 394 apenas
servem para exemplificar as distorções que podem ter incidência sobre o assunto
até que se alcance a completa descaracterização da prerrogativa de função e a sua
conversão em verdadeiro privilégio, fugindo, por completo, à essência do
fundamento Republicano, o qual amparado no princípio da responsabilização dos
agentes públicos quis possibilitar o julgamento perante os Órgãos Jurisdicionais
Superiores daquelas autoridades mais importantes da República.
Além disso, é de ser lembrada a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º que
foram acrescidos ao art. 84 do Código de Processo Penal pela Lei nº 10.628, de
24/12/2002 reconheceu a inconstitucionalidade da norma amparada na
circunstância de que promovia o restabelecimento da Súmula 394, afrontando,
48TRIGUEIRO, Oswaldo. Direito Constitucional Estadual. Rio de Janeiro, Forense, 1980, p. 161.
133
assim, o princípio republicano, pois o foro por prerrogativa de função só poder ser
concedido enquanto no exercício da função.
“Art. 84. (...)§ 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a
atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial
sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.
§ 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992,
será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente
o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do
exercício de função pública, observado o disposto no § 1º.”
O STF deixou evidenciado no julgamento da ADIn 2.797 (15.9.2005), o
STF declarou a inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002, que acresceu, ao art. 84
do CPP, os respectivos §§ 1º e 2º, é bem esclarecido em despacho do Min.
CELSO DE MELLO:
“Cumpre enfatizar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, no referido
julgamento plenário da ADI 2.797/DF, ao declarar a inconstitucionalidade da Lei
n. 10.628/2002, na parte em que esta introduziu o § 2º no art. 84 do CPP,
explicitou que, tratando-se de ação civil pública por improbidade administrativa
(Lei n. 8.429/92), mostra-se irrelevante, para efeito de definição da competência
originária dos Tribunais, que se cuide de ocupante de cargo público ou de titular
de mandato eletivo ainda no exercício das respectivas funções, pois, em processo
dessa natureza, a ação civil deverá ser ajuizada perante magistrado de primeiro
grau.
Cabe assinalar, por outro lado, que esta Suprema Corte, em tal julgamento,
reconheceu a inconstitucionalidade da Lei n. 10.628/2002 também no ponto em
que esse diploma legislativo atribuía prerrogativa de foro a ex-ocupantes de cargos
públicos e a ex-titulares de mandatos eletivos, sendo indiferente, para esse efeito,
que, contra eles, houvesse sido instaurado ou estivesse em curso, quer processo
penal de índole condenatória, quer processo resultante do ajuizamento de ação
civil pública por improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92) (Recl. 2.997, DJ
30.9.2005).”.
A decisão do STF fixou a impossibilidade da ampliação dos agentes
públicos detentores do foro por prerrogativa de função na esfera da competência
originária dos Tribunais, bem como definiu que a concessão da prerrogativa em
apreço não pode ser dada para as ações cíveis, mesmo porque, somente é
apropriado correlacionar o foro por prerrogativa para as ações ou demandas que
venham a ensejar condenação na órbita criminal.
134
Disso resulta, que a extensão do foro por prerrogativa às ações de
improbidade da Lei n. 8.429/92 causaram efetiva mácula ao preceito
constitucional que determina a competência dos Estados membros para tratarem
dos assuntos relativos à sua justiça (artigo 125, § 1º da CF).
Verdadeiramente, o que se pretendeu com a inclusão dos §§ 1º e 2º que
foram acrescidos ao art. 84 do Código de Processo Penal pela Lei nº 10.628, de
24/12/2002, de modo imediato e ostensivo, foi a reativação da Súmula 394
cancelada e a invasão de competência reservada ao Estado para legislar sobre
organização judiciária.
4.6.1
Foro por prerrogativa de função no plano municipal.
Na esfera municipal, o tema foi exaurido no artigo 29, inciso X, da
Constituição Federal ao dispor o seguinte:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o
interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara
Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta
Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
I a IX - ...omissis...;
X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça; (Renumerado do inciso
VIII, pela Emenda Constitucional nº 1, de 1992)
.
Como se vê, a Constituição Federal não ofereceu chance aos responsáveis
pela elaboração da Constituição Estadual quanto ao tema, ou seja, impediu a
ampliação das autoridades que seriam portadoras do foro por prerrogativa no
plano municipal, daí porque, esta diretriz constitucional decorrente de uma
preordenação, a rigor, só poderia ser observada na maioria dos textos estaduais49.
49Constituições estaduais compatíveis com o artigo 29, inciso X, da CF/88: Acre (art. 95, I, “a” e
“b”), Alagoas (art. 133, IX, “b”), Amapá (art. 133, II, “a”), Amazonas (art. 72, I, “a”), Bahia (art.
123, I, “a”), Ceará (art. 108, VII, “a”), Espírito Santo (art. 109, I, “a”), Goiás (art. 46, VIII, “f”),
Maranhão (art. 81, IV), Mato Grosso (sem norma correspondente, o que enseja a reprodução
obrigatória do texto da Constituição Federal), Mato Grosso do Sul (art. 114, II, “a”), Minas Gerais
(art. 106, I, “b”), Pará (art. 161, I, “a”), Paraíba (art. 104, XIII, “b”), Paraná (art. 101, VII, “a”),
Pernambuco (art. 61, I, “a”), Rio Grande do Norte (art. 71, I, “d”), Rio Grande do Sul (art. 95, XI),
Rondônia (art. 87, IV, “a”), Roraima (art. 77, X, “a”), Santa Catarina (art. 83, XI, “b”), São Paulo
(art. 74, I), Sergipe (art. 106, I, “a”) e Tocantins (art. 48, §1º, VI).
135
Ainda assim, no aspecto realçado, pelo menos duas Constituições estaduais
ousaram desobedecer à clareza do texto da Constituição Federal, como se infere,
por exemplo, da redação firmada na CERJ - Constituição do Estado do Rio de
Janeiro, a qual, no artigo 161, inciso IV, alínea “d”, número 3, estendeu
indevidamente o foro por prerrogativa aos Vice-Prefeitos e Vereadores50.
A ampliação do foro por prerrogativa em prol dos Vice-Prefeitos e
Vereadores praticada pela Constituição Fluminense foi alvo de impugnação na
ADIN 558-8, cujo julgamento final ainda se acha pendente.
Desde logo, é de se ressaltar a inconstitucionalidade da previsão
constitucional de foro por prerrogativa de função por parte de alguns agentes
públicos relacionados na Carta Estadual.
O dispositivo da Constituição Estadual que venha a ser invocado,
possivelmente, albergará inconfessável descompasso em face à Constituição da
República Federativa do Brasil, uma vez que somente os Juízes e membros do
Ministério Público Estaduais foram abrangidos por esta prerrogativa, à luz do que
dispõe o artigo 96, III, da Constituição Federal, em conjugação com o artigo 161,
IV, alínea “d”, número 2, da Constituição Estadual e, da mesma forma, os
Prefeitos municipais ex vi do artigo 29, X, da Lei Maior combinado com o artigo
161, IV, alínea “d”, número 3, da CERJ.
No que tange à prerrogativa de foro junto ao Eg. TJRJ - Tribunal de Justiça
do Estado do Rio de Janeiro e que foi conferida aos Vereadores na Constituição
Estadual do Rio de Janeiro pelo art. 161, inciso IV, alínea “d”, nº 3, obviamente, o
preceito se acha eivado de manifesta inconstitucionalidade, vis a vis o sistema
adotado pela Constituição Federal de 1988, isto é, o poder constituinte derivado
decorrente exercido pelos Estados federados (art. 25 da C.F.).
É impossível qualquer situação que venha ampliar o foro por prerrogativa
de função na órbita municipal, sob pena de provocar efetiva inconstitucionalidade
50No mesmo sentido, apenas a Constituição do Estado do Piauí (art. 123, III, alínea “d”, número
4).
136
pela invasão da competência privativa da União quanto a legislar sobre o
processo.
A questão em apreço está submetida aos aspectos teóricos que fundam o
chamado Poder Constituinte Derivado Decorrente, o qual se encontra subordinado
aos Princípios Constitucionais estabelecidos pela Carta Magna, precisamente,
quando no artigo 11 caput do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
determina que à Assembléia Legislativa dotada de poderes constituintes elaborará
sua Constituição Estadual obedecidos os Princípios constantes da Carta Política.
No mesmo sentido, verifica-se o artigo 25 da Carta Magna ao estabelecer
que a capacidade política de auto-organização será efetivada pela constituição
Estadual, porém, observados os Princípios Constitucionais Estabelecidos na
própria Carta Política Federal.
Nada obstante tal fato, o artigo 125 da CRFB - Constituição da República
Federativa do Brasil, em tom reverencial, novamente adverte que a capacidade
política de auto-organização do Estado federado está limitada e submetida ao
influxo dos princípios estabelecidos nesta Constituição.
É incontroverso, assim, que é vedado ao Poder Instituído Decorrente supor
que não se acha subordinado a incidência dos preceitos da Carta Magna, pois, da
mesma forma, que o Poder constituinte derivado reformador está submetido aos
limites materiais enumerados no artigo 60§4o, incisos I a IV, ou seja, às cláusulas
pétreas e, ainda, a eventuais limites implícitos, o Poder constituinte derivado
decorrente deve e tem que se amoldar aos limites impostos pelos princípios
constitucionais que atuam em relação à chamada capacidade política de auto
organização, a saber, o poder de que o Estado federado possui para criar e
elaborar a sua Carta estadual.
As limitações aplicadas à Federação são de duas espécies, a saber,
inicialmente os chamados Princípios Constitucionais Sensíveis, definidos no
artigo 34, inciso VII, alíneas “a” a “e”, da Carta Magna cujo descumprimento
propicia a incidência do mecanismo da representação interventiva que resulta na
137
supressão temporária da autonomia estadual e, por outro lado, os Princípios
constitucionais estabelecidos, onde a inobservância do dispositivo da Carta
Política acarretaria a inconstitucionalidade do preceito estadual, mediante o
exercício do controle repressivo da constitucionalidade difuso ou concentrado.
A subordinação aplicada pelo Poder constituinte originário em relação à
Constituição estadual que é expressão do Poder constituinte derivado decorrente é
uma exigência lógica da organização federal, razão pela qual o constituinte
estadual reproduz uma idéia constitucional, traçando, assim, caminho de extrema
dependência, ao revés do que acontece com o Constituinte federal que prima pela
originalidade, mormente, em virtude do seu caráter soberano e de inicialidade.
A verdade é que ter autonomia, nem sempre significa ter liberdade criadora,
porquanto a mesma só poderá ser experimentada pelo constituinte estadual nos
assuntos onde a sua capacidade política de auto-organização não esteja
restringida, caso contrário, o desiderato a ser percorrido consistirá na observância
rígida das chamadas normas centrais (Princípios constitucionais estabelecidos,
normas de preordenação do Estado-membro, normas de reprodução obrigatória)
que condicionam a auto-organização do Estado Federado e, via de conseqüência,
o Poder constituinte derivado decorrente.
A propósito do tema analisado, revela-se enriquecedora a lição ministrada
por RAUL MACHADO HORTA51, ao definir que “As normas centrais da
Constituição Federal, tenham elas a natureza de princípios constitucionais, de
princípios estabelecidos e de normas de preordenação, afetam a liberdade
criadora do Poder Constituinte Estadual e acentuam o caráter derivado desse
poder. Como conseqüência da subordinação à Constituição Federal, que é a
matriz do ordenamento jurídico parcial dos Estados-membros, a atividade do
constituinte estadual se exaure, em grande parte, na elaboração de normas de
reprodução, mediante as quais faz o transporte da Constituição Federal para a
Constituição do Estado das normas centrais, especialmente as situadas no campo
da preordenação.”
51HORTA, Raul Machado. op. cit., p. 77.
138
Redação diferente, por menor que seja, que venha a ser implementada ou
realizada ao talante do Constituinte estadual resultará apenas na cominação de
inconstitucionalidade da Carta Estadual no aspecto salientado.
Assim ocorreu e, por tais motivos, as Constituições Estaduais do Rio de
Janeiro e do Piauí se puseram em inconciliável contraste com a Carta Magna
Federal, ofendendo os aludidos preceitos contidos nos artigos 25 e 125 desta
última, sem falar no artigo 11 do ADCT da CF/88, a par de preterir, de roldão, a
regra de competência privativa da União para legislar sobre direito processual
(art. 22, inc. I da C.F.), na medida em que criou hipótese de foro especial por
prerrogativa de função não correspondente a qualquer permissivo da Constituição
Federal.
A hipótese versada, aliás, guardada a devida proporção, já tinha merecido
exame de JOSÉ ANTONIO PIMENTA BUENO52 que salientou, com absoluta
pertinência, que “Aquelles privilegios, embora sejam estabelecidos, não por amor
dos individuos, sim do caracter, cargos ou funções que elles exercem, embora
n’esse sentido se possam chamar reaes ou estabelecidos ratione materiae,
todavia tornam-se necessariamente pessoaes no sentido de que se extendem a
todos os actos, quer publicos quer privados, que a pessoa pratica: é por isso que
os collocamos sob esta rubrica.”
Com referência às autoridades municipais - Vice-Prefeito e Vereadores –
tratadas anteriormente, revela-se oportuno acentuar que a própria Constituição
Federal acentua a limitação existente em âmbito municipal, em virtude do seu
artigo 29, X haver direcionado a concessão do foro por prerrogativa de função ao
Prefeito Municipal, sendo certo que a Lei Maior reafirma tal limitação quando
atribuiu ao Vereador apenas o gozo da imunidade material ou absoluta em razão
dos pronunciamentos emitidos na sua circunscrição territorial e vedando-lhe o
exercício da imunidade formal ou processual.
52PIMENTA BUENO, José Antonio. Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasileiro. op. cit.,
p. 86.
139
O porquê dessa restrição imposta pela Constituição Federal, na realidade,
serviu para conferir o tom a ser impresso pelo constituinte estadual quando da
elaboração da Constituição estadual.
Embora o Supremo Tribunal Federal no exame da liminar na ADIN 558-8,
neste particular, não tenha suspendido a eficácia e nem declarado
inconstitucionalidade do art. 158, IV, "d", n. 3, da Constituição do Estado (atual
artigo 161, inciso IV, alínea “d”, número 3 da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro), a hipótese foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça local
em inúmeros julgamentos53, dentre eles, o emitido na Ação Penal Originária n.º:
1990.068.00001 - Ação Penal Pública (Originária), Relator, o Sr. Des. CLAUDIO
LIMA - Julgamento: 31/05/1990 – Órgão Especial, com a seguinte redação:
“VEREADOR
FORO PRIVILEGIADO POR PRERROGATIVA DE FUNCAO
COMPETÊNCIA
ART. 158, INC. IV, AL. D,N. 3, da CONSTITUICAO ESTADUAL DE 1989
INCONSTITUCIONALIDADE
Ação penal. Incompetência. Acusado Vereador. Inconstitucionalidade do art. 158,
IV, "d", n. 3, da Constituição do Estado. Necessária observância, pelos Estados,
dos princípios da Constituição Federal. Compete privativamente a União legislar
sobre Direito Processual. Não é da competência do Tribunal de Justiça o processo
e o julgamento de ação penal em que é acusado Vereador. Determinação de
retorno dos autos ao douto Juízo de origem. (RC). Ementário: 31/1990 - N. 39 -
13/09/1990 REV. DIREITO DO T.J.E.R.J., vol 11, pág. 278”.
Importante destacar e refutar, neste passo, que o tratamento aplicado ao
assunto pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, onde o exame da matéria
atinente à Constituição Estadual, ultimamente, consubstanciou-se pela
insistência em determinar que o artigo 161, inciso IV, alínea “d”, número 3
53 No mesmo sentido, os arestos proferidos nos seguintes julgamentos: Apelação Criminal n.º:
1993.050.00126, Des. Paulo Gomes da Silva Filho - Julgamento: 15/03/1994 - Primeira Câmara
Criminal, Habeas Corpus n.º: 1999.059.01204, Des. João Antonio - Julgamento: 24/06/1999 -
Oitava Câmara Criminal, Peças de Informação n.º: 1999.062.00003, Des. Manoel Alberto -
Julgamento: 15/04/1999 - Quinta Câmara Criminal, Habeas Corpus n.º: 2000.059.02382, Des.
Fátima Clemente - Julgamento: 19/09/2000 - Quarta Câmara Criminal, Recurso em Sentido Estrito
n.º: 2002.051.00530, Des. J. C. Murta Ribeiro - Julgamento: 26/11/2002 - Segunda Câmara
Criminal, Habeas Corpus n.º: 2003.059.00732, Des. Carmine A. Savino Filho - Julgamento:
03/06/2003 - Sétima Câmara Criminal, Habeas Corpus n.º: 2004.059.05944, Des. Maria Raimunda
T. Azevedo - Julgamento: 25/11/2004 - Oitava Câmara Criminal, Apelação Criminal n.º:
2005.050.06296, Des. Marly Macedônio França - Julgamento: 11/04/2006 - Quarta Câmara
Criminal, Argüição de Inconstitucionalidade n.º: 2006.150.00001, Des. Gamaliel Q. de Souza -
Julgamento: 13/11/2006 - Órgão Especial e Habeas Corpus n.º: 2007.059.05104 - Des. Antonio
Carlos Amado - Julgamento: 04/10/2007 - Sexta Câmara Criminal.
140
da Constituição do Estado do Rio de Janeiro seria constitucional54, como se
vislumbra das decisões proferidas desde 2005, nos seguintes termos:
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. VEREADOR. COMPETÊNCIA
POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. FORO PRIVILEGIADO
ESTABELECIDO PELA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. POSSIBILIDADE
DIANTE DA SIMETRIA ENTRE CARGOS NAS ESFERAS MUNICIPAL,
ESTADUAL E FEDERAL. ORDEM CONCEDIDA.
1. A redação da Súmula 721/STF, no sentido de que "A competência
constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função
estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual", indica, claramente, a
possibilidade de atribuição de foro privilegiado por prerrogativa de função
estabelecido – exclusivamente – por Constituição estadual.
2. Com efeito, prescreve o art. 125 da Carta da República, que "Os Estados
organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta
Constituição", acrescentando, ainda, no § 1º, que "A competência dos tribunais
será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de
iniciativa do Tribunal de Justiça".
3. A análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – visto que se trata de
matéria constitucional – aponta para a declaração de inconstitucionalidade ou para
a suspensão, em sede de liminares, da eficácia de dispositivos de Constituições
estaduais que outorgam competência penal originária a seus tribunais para
processar e julgar ações instauradas contra seus agentes públicos, cujos símiles, no
âmbito federal, não detenham prerrogativas de foro conferidas pela Carta da
República (ADINs 2.587-2/GO, DJ de 6/9/2002; 882-0/MT, DJ de 23/6/2004 e
2.553-8/MA, DJ de 22/10/2004).
4. Assim sendo, por opção de natureza política – que comporta juízo discricionário
do constituinte – matéria infensa a exame pelo Judiciário, a Constituição estadual
pode atribuir competência ao respectivo tribunal de justiça para processar e julgar,
originariamente, vereador, por ser agente político, ocupante de cargo eletivo,
integrante do Legislativo municipal, o qual encontra simetria com os cargos de
deputados estaduais, federais e senadores, sendo que estes, por força do disposto
na própria Constituição Federal (art. 102, inc. I, letra b), têm foro por prerrogativa
de função perante o Supremo Tribunal Federal, e aqueles perante os respectivos
tribunais de justiça, conforme Cartas estaduais, tendo em vista, inclusive, a regra
que se contém no art. 25, parte final, da Carta da República.
5. No caso, o paciente, que exerce o cargo de vereador, foi condenado por Juízo de
1º grau, não obstante a competência originária do respectivo Tribunal de Justiça
prevista na Constituição estadual, o que enseja a nulidade absoluta da sentença.
6. Ordem concedida.
(HC 40.388/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, Rel. p/ Acórdão Ministro
ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 13.09.2005, DJ
10.10.2005 p. 401)”.
O fundamento constante dos arestos emitidos pelo STJ tomou assento na
perspectiva isolada de que a Constituição Estadual poderia ampliar o foro por
54No mesmo sentido, os arestos proferidos nos seguintes julgamentos: HC 57.340/RJ, Rel.
Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 27.03.2007, DJ 14.05.2007 p. 339 HC 57.341/RJ,
Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 04.10.2007, DJ 05.11.2007 p.
299.
141
prerrogativa do artigo 29, X da CF porque a concessão do mesmo ao Vereador e
Vice-Prefeito seria compatível com a Constituição Federal.
A ilação retirada pelo STJ é a de que o Vereador e o Vice-Prefeito têm
direito ao foro por prerrogativa de função conferida pelas Constituições estaduais
do Rio de Janeiro e do Piauí porque a Constituição Federal concedeu tal
prerrogativa para agentes públicos idênticos (Deputados Federais e Estaduais,
Senadores e Vice-Presidente), o que corresponderia à aplicação de uma simetria
constitucional.
Entretanto, não pode haver a incidência da simetria constitucional nas
situações em que o constituinte originário manifestou o total exaurimento da
matéria, porquanto o artigo 29, inciso X, da CF só faz alusão ao agente
político Prefeito, traduzindo-se, na verdade, num silêncio eloqüente, o qual
excluiu as demais figuras políticas do Município, donde se permite concluir
que o artigo em comento não permite a visualização de qualquer tipo de lacuna
constitucional.
O artigo 29, inciso X, da CF, portanto, é insuscetível de complementação
(ampliação) nas Constituições Estaduais, nas leis em sentido formal ou de
apropriação pelo mundo dos atos normativos, cuja incidência deve ser
veementemente rejeitada neste caso.
Cabe salientar, nesta oportunidade, que a Súmula 702 do STF prescreve
que “a competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se
aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a
competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau”, ou
seja, ao TRE (os crimes pertinentes à matéria da Justiça Eleitoral) e ao TRF (os
delitos concernentes à matéria da Justiça Comum Federal).
Anote-se que os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas
municipais são julgados perante o Superior Tribunal de Justiça nos termos do
artigo 105, inciso I, alínea “a” da CF/88.
4.6.2
142
Foro por prerrogativa de função e o exame na esfera da Justiça
Eleitoral.
Na órbita do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça
e dos Tribunais Regionais Federais, o foro por prerrogativa das autoridades
foi estabelecido nos seguintes artigos:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) - ...omissis...;
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os
membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da
República;
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de
Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o
disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de
Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999).
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I - processar e julgar, originariamente:
a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e,
nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos
Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e
do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais
Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos
Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais;
Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:
I - processar e julgar, originariamente:
a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da
Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do
Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;
Como se vê, a competência processual para o julgamento das autoridades ou
dos agentes políticos federais é o que predomina junto ao STF, STJ e ao TRF,
embora seja possível a observância de autoridades públicas estaduais e municipais
submetidas ao foro por prerrogativa junto ao Superior Tribunal de Justiça.
A Constituição não delimitou a competência pelo foro por prerrogativa de
função no âmbito da Justiça Trabalhista (arts. 111 a 116 da CF com a redação
dada pelas Emendas Constitucionais 24/1999 e 45/2004).
143
Entretanto, os artigos 121, caput e 124, parágrafo único, da CF
possibilitaram ao legislador infraconstitucional a eventual fixação do foro por
prerrogativa de função das autoridades pertencentes as suas respectivas estruturas,
ou seja, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar, in verbis:
Art. 121. Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos
tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais.
Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares
definidos em lei.
Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a
competência da Justiça Militar.
A Constituição Federal de 1988 quanto à Justiça Eleitoral, houve por
bem estabelecer que o disciplinamento, a organização e a competência dos
tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais ficassem a cargo de uma lei
complementar.
Ao que se depreende da Constituição atual, a mesma recepcionou o Código
Eleitoral (Lei n.º: 4.737/65), obviamente, naqueles pontos em que a competência
ratione personae não se encontrasse em confronto com o texto constitucional.
Deste modo, a competência por prerrogativa de função existente para o
Tribunal Superior Eleitoral no artigo 22, inciso I, alínea “d” do Código Eleitoral
em relação “aos crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos cometidos
pelos seus próprios juízes e pelos juízes dos Tribunais Regionais” não foi
recepcionada, porquanto o art. 102, I, “c” da CF define que o julgamento dos
magistrados com assento no Tribunal Superior Eleitoral será efetivado no STF e o
art. 105, I, “a” e incluiu na competência ratione personae do STJ, o julgamento
dos membros dos Tribunais Regionais Eleitorais.
Cabe trazer à discussão, ademais, a existência de posicionamento
minoritário sobre a permanência do foro por prerrogativa no TSE, o qual assinala
que os crimes eleitorais não estariam subsumidos na categoria de crimes comuns
utilizada no texto constitucional, fato que determinaria a qualificação dos crimes
144
eleitorais dentro de uma classificação diferenciada, nos mesmos moldes dos
crimes militares, ou seja, crimes especiais.
Com efeito, o que se pretendeu estabelecer, em suma, foi uma chamada
competência ratione materiae, onde o TSE ficaria responsável pelo julgamento
dos crimes eleitorais praticados pelo Presidente e Vice-Presidente, o TRE
encarregado do julgamento de Senadores, Suplentes, Deputados, Governador,
Vice-Governador e Prefeitos e os Juízes Eleitorais o exame dos delitos eleitorais
eventualmente praticados por Vice-Prefeito e Vereadores, uma vez que JOEL
JOSÉ CÂNDIDO sustenta que não há justificativa plausível para que a Corte
Eleitoral (TSE) não tenha a competência originária para o julgamento dos delitos
praticados por determinadas autoridades, no caso o Presidente e o Vice-Presidente
55.
A tese acima, no entanto, foi amplamente rejeitada pelos Tribunais56, o que
permite assegurar que o TSE não exerce a competência por prerrogativa de função
atualmente, pois os termos dos artigos 102, I, “c” e do art. 105, I, “a”, ambos da
CF, na verdade, só estabeleceram diferenças entre os crimes comuns e os de
responsabilidade, não permitindo a criação de uma competência ratione materiae,
isto é, que o exame e julgamento dos processos que envolvam crimes eleitorais
estejam adstritos aos órgãos da Justiça Eleitoral57.
Possível concluir, assim, que não há competência ratione personae no
Tribunal Superior Eleitoral, tendo em vista a ausência de recepção do artigo 22,
inciso I, alínea “d” do Código Eleitoral58, sendo certo que a competência ratione
personae subsiste no Tribunal Regional Eleitoral ex vi da redação contida nos
55CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral Brasileiro: São Paulo, 11ª ed., 3ª tiragem, EDIPRO,
2005, p. 341-342.
56REspe nº 14.962-AC, Relator: Min. Eduardo Alckmin, julgamento em 30-6-98, DJ de 7-8-98, p.
139, Resoluções 17.537 e 17.914 do TSE e RE 398.042, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
julgamento em 2-12-03, DJ de 6-2-04.
57 NETO, Armando Antonio Sobreiro. Direito Eleitoral – Teoria e Prática: Curitiba, 3ª ed., 2ª
tiragem, Juruá, 2005, p. 49-50.
58Neste sentido: TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, 2º volume: São Paulo,
11ª ed., Saraiva, 1989, p. 117, GOMES, Suzana de Camargo. A Justiça Eleitoral e sua
Competência: São Paulo, 1ª ed., Revista dos Tribunais, 1998, p. 217, PINTO, Djalma. Direito
Eleitoral. Improbidade Administrativa e Responsabilidade Fiscal – Noções Gerais: São Paulo, 2ª
ed., Atlas, 2005, p. 268-269.
145
artigos 96, inciso III e 108, inciso I, alínea “a” da CF para o processo e
julgamento dos membros do Ministério Público e Juízes com atuação em primeira
instância e do Prefeito Municipal (Súmula 702 do STF) “A competência do
Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência
da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao
respectivo tribunal de segundo grau.”.
4.6.3
A competência originária do Superior Tribunal Militar.
Quanto à competência por prerrogativa de função nos crimes militares,
especificamente, no que diz respeito ao Superior Tribunal Militar - STM, a
Constituição é silente acerca do tema, todavia exige a edição de norma
disciplinadora da questão, o que deu azo a elaboração da Lei n.º: 8.457/92 com a
redação efetivada pela Lei 8.719/93 estabelecendo que:
Art. 6° Compete ao Superior Tribunal Militar:
I - processar e julgar originariamente:
a) os oficiais generais das Forças Armadas, nos crimes militares definidos em lei;
(Redação dada pela Lei nº 8.719, de 19.10.93).
Indiscutível que o exame do foro por prerrogativa no plano das autoridades
públicas federais demanda complementação legislativa, no que diz respeito à
Justiça Eleitoral e Militar, as quais foram realizadas com o aproveitamento das
normas existentes (recepção constitucional) ou pela criação de outras que
versaram sobre o assunto.
Não há a possibilidade de qualquer complementação normativa com o
emprego de atos normativos, uma vez que o tema em apreço está essencialmente
relacionado com a lei em sentido formal, sendo certo que, em alguns casos, chega
a estar submetida à reserva da lei complementar.
4.6.4
146
A autonomia dos Estados Federados e o foro por prerrogativa de
função.
Impõe-se, ainda, a análise do foro por prerrogativa no plano estadual,
especificamente, com o estudo da técnica utilizada para a sua atribuição às
autoridades públicas estaduais.
O tema já incorporou, automaticamente, a concessão do foro por
prerrogativa à figura política do prefeito municipal (artigo 29, X da CF) e,
também, aos membros da magistratura e do Ministério Público Estadual (96, III
da CF), ambos já mencionados no curso deste trabalho.
As citadas regras preordenaram a delimitação do foro por prerrogativa de
função, o que importa numa pequena restrição quanto à concessão do foro para os
agentes políticos que atuam na órbita dos Estados-Membros e dos Municípios
acima indicados.
A autonomia estadual não ficou restringida, contudo, ficou obrigada a
reproduzir uma parcela da Carta Política de 1988, sem que isso tenha causado
menoscabo à escolha das demais autoridades estaduais detentoras do foro por
prerrogativa nos termos do que reza o artigo 125, § 1º da CF:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios
estabelecidos nesta Constituição.
§ 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo
a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.
Como se vê, a Constituição Estadual recebeu uma permissão do
Constituinte para definir a competência dos tribunais, neste caso, partindo da
observância e enumeração de determinados agentes políticos, os quais fariam jus
à prerrogativa de função.
O assunto não é suscetível ao disciplinamento por ato normativo,
pertencendo ao estrito domínio da lei em sentido formal.
147
A escolha dos detentores do foro por prerrogativa, ainda hoje, faz parte de
uma extensa controvérsia quanto aos limites de sua concessão, o que restou
consolidado em diversos julgamentos acerca do foro por prerrogativa de função
no plano estadual, razão pela qual, são freqüentes as dúvidas sobre a atribuição da
mesma a determinados agentes públicos.
Inicialmente, a norma que trata da prerrogativa de foro (§ 1º do artigo 125
da CF), valendo-se da autonomia estadual, ou seja, da sua capacidade política de
auto-organização, em síntese, autorizou a Constituição Estadual a deliberar com
total liberdade acerca dos agentes detentores da referida prerrogativa, contudo,
assuma total relevância a advertência pronunciada por FRANCISCO CAMPOS
porque “As assembléias democráticas têm uma tendência muito pronunciada a
exagerar o sentimento da sua própria importância, o que as conduz, muitas vêzes,
a estender, além do limite razoável, as prerrogativas e privilégios que elas julgam
essenciais à garantia e defesa da sua independência. Tanto quanto, porém,
matéria tão plástica e difusa, própria a ser afeiçoada ao capricho das
oportunidades e ao sabor dos sentimentos e emoções, a que se acham tão
expostas as assembléias legislativas, comporta regras e princípios, o princípio
que deve presidir à interpretação ou construção dos privilégios parlamentares é
o de que devem ser entendidos nos seus termos estritos, como tôda exceção às
regras gerais de imputabilidade e de responsabilidade, particularmente em
regimes democráticos, em que o postulado da igualdade perante a lei só deve
declinar em casos absolutamente excepcionais e por motivos de rigorosa
necessidade ou utilidade pública.”59.
É razoável concluir que o tema está sujeito a algumas limitações,
considerando que a autonomia estadual para a definição da prerrogativa de foro na
Constituição Estadual foi tomada com parâmetros na Constituição Federal, o que,
por si só, inibe a pretensão de que a Constituição Estadual poderia dispor com
liberdade sobre a prerrogativa de foro.
59CAMPOS, Francisco. Direito Constitucional. Rio de Janeiro – São Paulo: Freitas Bastos, 1956,
2º vol., p. 107.
148
A propósito, revela-se oportuno o ensinamento firmado por OSWALDO
TRIGUEIRO que complementa a visão doutrinária exposta no parágrafo
precedente, uma vez que “desde que não podem legislar sobre matéria penal, ou
mesmo processual – reservadas à competência privativa da União – os Estados
devem limitar-se a reproduzir o direito federal, com as adaptações necessárias e
indispensáveis. Daí encontrar-se, em todas as Constituições estaduais, o mesmo
sistema de garantia do mandato legislativo.” 60.
Obviamente, os limites aplicados à autonomia estadual fazem parte de uma
discussão que tem se mostrado acentuada no STF e suscetível a mudanças quanto
aos critérios para a escolha dos agentes públicos detentores do foro por
prerrogativa.
Nesses termos, a Constituição brasileira ao relacionar os agentes públicos
agraciados por foro por prerrogativa de função nos artigos 29, X e 96 III da CF,
na verdade, não quis exaurir o rol dos detentores do foro por prerrogativa, caso
contrário, estaria interferindo na autonomia estadual.
Depreende-se, assim, que o foro por prerrogativa estadual (Tribunal de
Justiça) não está exaurido na preordenação constante dos artigos 29, X e 96, III da
CF, o que permitiu a inclusão de outros agentes públicos na relação dos detentores
desta prerrogativa, v.g. Defensores Públicos, Procuradores do Estado e Vice
Governador.
O que se discute, no entanto, são as justificativas firmadas para a definição
deste processo de escolha, o qual gravitaria entre a total liberdade quanto à
indicação dos detentores do foro por prerrogativa até uma sensível restrição, no
que diz respeito à enumeração dos mesmos.
Deste modo, o STF reconheceu que o foro por prerrogativa, num primeiro
momento poderia ser concedido na Constituição Estadual com total liberdade61,
como é possível visualizar da decisão ora transcrita:
60TRIGUEIRO, Oswaldo. op. cit., p. 160-161.
61HC 70.474, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 17-8-93, DJ de 24-9-93.
149
“A Constituição — ao outorgar, sem reserva, ao Estado-Membro, o poder de
definir a competência dos seus tribunais (art. 125, § 1º) — situou positivamente no
âmbito da organização judiciária estadual a outorga do foro especial por
prerrogativa de função, com as únicas limitações que decorram explícita ou
implicitamente da própria Constituição Federal. Desse modo, a matéria ficou
subtraída do campo normativo da legislação processual ordinária: já não incide,
portanto, na área da jurisdição dos Estados-Membros, o art. 87 C. Proc. Penal.”
(HC 70.474, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 17-8-93, DJ de 24-9
93).
Posteriormente, o STF veio a estabelecer a aplicação de um modelo federal
à concessão do foro por prerrogativa, ou seja, o processo de escolha das
autoridades estaduais teria que necessariamente estabelecer uma simetria com a
Constituição Federal, donde se infere que uma eventual discrepância, de fato,
implicaria em inconstitucionalidade das constituições estaduais62:
“(...) o art. 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua
própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa
organização aos princípios "estabelecidos" por ela, Carta Maior, neles incluídos os
constantes do art. 37, cabeça.” (ADC 12-MC
, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento
em 16-2-06, DJ de 1º-9-06).”
“O Tribunal concluiu julgamento de ação direta ajuizada pelo Partido dos
Trabalhadores - PT contra a alínea e do inciso VIII do art. 46 da Constituição do
Estado de Goiás, na redação dada pela EC 29/2001, que, ampliando as hipóteses
de foro especial por prerrogativa de função, outorgou ao Tribunal de Justiça
estadual competência para processar e julgar, originariamente, "os Delegados de
Polícia, os Procuradores do Estado e da Assembléia Legislativa e os Defensores
Públicos, ressalvadas as competências da Justiça Eleitoral e do Tribunal do Júri" -
v. Informativos 340 e 370. Por maioria, acompanhando a divergência iniciada pelo
Min. Carlos Britto, julgou-se procedente, em parte, o pedido, e declarou-se a
inconstitucionalidade da expressão "e os Delegados de Polícia", contida no
dispositivo impugnado. Entendeu-se que somente em relação aos Delegados de
Polícia haveria incompatibilidade entre a prerrogativa de foro conferida e a
efetividade de outras regras constitucionais, tendo em conta, principalmente, a que
trata do controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público.
Considerou-se, também, nos termos dos fundamentos do voto do Min. Gilmar
Mendes, a necessidade de se garantir a determinadas categorias de agentes
públicos, como a dos advogados públicos, maior independência e capacidade para
resistir a eventuais pressões políticas, e, ainda, o disposto no §1º do art. 125 da CF,
que reservou às constituições estaduais a definição da competência dos respectivos
tribunais. Vencidos, em parte, os Ministros Maurício Corrêa, relator, Joaquim
Barbosa, Cezar Peluso e Carlos Velloso que julgavam o pedido integralmente
procedente, e Marco Aurélio e Celso de Mello que o julgavam integralmente
62ADC 12-MC, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 16-2-06, DJ de 1º-9-06 e ADI 2587/GO,
rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ acórdão Min. Carlos Britto, 1º.12.2004.
150
improcedente. ADI 2587/GO, rel. orig. Min. Maurício Corrêa, rel. p/ acórdão Min.
Carlos Britto, 1º.12.2004. (ADI-2587).”
A abordagem ora efetivada quis, primordialmente, visualizar o nosso
sistema constitucional relativo à prerrogativa de função, além de demonstrar que
todo o plano de complementação legislativa concernente ao mesmo, na verdade,
não se coaduna com o emprego de atos normativos (decretos, medidas
provisórias, ou leis delegadas), uma vez que a complementação exigida deve ser
estabelecida na lei em sentido formal, verbi gratia, a definição da competência da
Justiça Eleitoral e Militar e junto às Constituições estaduais.
De qualquer sorte, o STF registrou algumas circunstâncias onde o emprego
de ato normativo restou franqueado ao tema, como se infere da decisão que
reconheceu a constitucionalidade do regimento interno dos tribunais para o
disciplinamento do órgão jurisdicional da estrutura do Tribunal de Justiça que
seria competente para o julgamento do Prefeito e, sem dúvida nenhuma, de
qualquer outra autoridade que tenha recebido a prerrogativa de foro63, tal como é
possível concluir da decisão abaixo citada:
“HC 73232 / GO – GOIÁS
Habeas Corpus
Relator(a): Min. Maurício Corrêa
Julgamento: 12/03/1996 - Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação: DJ 03-05-1996 PP-13902
EMENT VOL-01826-02 PP-00379
Parte(s)
PACIENTE: DELCIDES PACHECO PIRES
IMPETRANTES: ROBINSON PEREIRA GUEDES E OUTRO
COATOR: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIAS
EMENTA: "HABEAS-CORPUS". CRIME PRATICADO POR PREFEITO
MUNICIPAL (ART. 1., I E IX, DO DECRETO-LEI N. 201/67). REGIMENTO
INTERNO E RESOLUÇÃO N. 15/91 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO
ESTADO DE GOIAS: COMPETÊNCIA ORIGINARIA PARA PROCESSAR E
JULGAR PREFEITO ATRIBUIDA AS CÂMARAS CRIMINAIS ISOLADAS
(CF, ART. 29, VIII, DA REDAÇÃO ORIGINAL, OU ART. 29, X, COM A
REDAÇÃO DADA PELA E.C. N. 1/92). 1. Cabe, exclusivamente, ao Regimento
Interno do Tribunal de Justiça atribuir competência ao Pleno, ou ao Órgão
Especial, ou a órgão fracionário, para processar e julgar Prefeitos Municipais (CF,
art. 29, X, e art. 96, I, "a"). 2. A Resolução n. 15, de 12.06.91, do Plenário do
Tribunal de Justiça goiano, que vigora como Emenda Regimental, atribui
63No mesmo sentido: HC 72.476, rel. Min. Maurício Corrêa, sessão de 8.8.95 (precedente
noticiado no Boletim Interno nº 308/95) e HC 71702 / RS -Relator(a): Min. Sydney Sanches,
Julgamento: 02/04/1996, Órgão Julgador: Primeira Turma e Publicação DJ 13-12-1996 PP-50160.
151
competência originaria as Câmaras Criminais Isoladas para o julgamento de
Prefeitos Municipais, ressalvados os crimes dolosos contra a vida, cuja
competência e do Pleno. 3. Improcedência da alegação de incompetência da
Primeira Câmara Criminal, para julgar Prefeito Municipal. 4. "Habeas-corpus"
conhecido, mas indeferido.”
Com efeito, o artigo 29, inciso X, da CF apenas prescreve que o julgamento
do Prefeito ocorra no Tribunal de Justiça e não impõe, neste diapasão, como
restou demarcado acima, qual o órgão jurisdicional incumbido de fazê-lo, ou seja,
se a câmara criminal, a câmara especializada, a seção criminal, o grupo de
câmaras, o pleno ou órgão especial.
O que importa, assim, para a manutenção da constitucionalidade do
regimento interno, da resolução ou de qualquer ato normativo que seja editado
pelo colegiado do Tribunal de Justiça é que a deliberação acerca do processo e
julgamento de Prefeitos, membros do Ministério Público e Juízes preservem a
competência constitucionalmente fixada pela Constituição.
4.6.5
Crítica ao foro por prerrogativa de função anteriormente definido em
Medidas Provisórias.
Impende notar, por último, que o STF demonstrou enorme flexibilidade ao
aceitar que a concessão do foro por prerrogativa de função pudesse ser realizada
por intermédio de medida provisória, não restringindo que a normalização do
assunto ficasse estritamente reservada à lei em sentido formal.
O STF em duas situações, todavia, permitiu que o tema pudesse ser alvo de
disciplinamento por medida provisória, como se deduz das decisões que
reconheceram a atribuição do foro por prerrogativa de função ao Advogado-Geral
da União e ao Presidente do Banco Central64, in verbis:
64 O STF, no entanto, não reconheceu a competência para o processamento e julgamento do
Secretário Especial de Agricultura e Pesca encaminhada por Medida Provisória e, na
oportunidade: “declarou a sua incompetência para processar e julgar o feito, ao entendimento de
que o Secretário Especial de Aqüicultura e Pesca, por não ser Ministro de Estado, não possui a
prerrogativa de foro estabelecida no parágrafo único do artigo 25 da Lei nº 10.683/2003, com a
redação dada pela Lei nº 10.869/04. Além disso, esta egrégia Corte decidiu que a extensão de
prerrogativas, garantias, vantagens e direitos equivalentes aos Ministros de Estado a que alude o
152
INFORMATIVO Nº 201
Competência para julgar Advogado-Geral da União
PROCESSO
INQ - 1660
ARTIGO
O Tribunal, por maioria, reconheceu a sua competência para conhecer e julgar
queixa-crime contra o Advogado-Geral da União, tendo em vista a edição da
Medida Provisória 2.049-22, de 28.8.2000, que transforma o mencionado cargo de
natureza especial em cargo de ministro de Estado, atraindo, portanto, a incidência
do art. 102, I, c, da CF ("Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar,
originariamente: ... c) nas infrações penais comuns e nos crimes de
responsabilidade, os Ministros de Estado, ..."). Vencidos os Ministros Marco
Aurélio e Celso de Mello que, considerando a decisão na Petição 2.084-DF,
proferida em 8.8.2000, no sentido de que o Advogado-Geral da União, por não ser
ministro de Estado, não dispunha de prerrogativa de foro penal perante o STF,
entendiam casuística a nova edição da MP 2.049-22 e declaravam a
inconstitucionalidade formal da mesma na parte em que incluiu o Advogado-Geral
da União como ministro de Estado pela falta de urgência necessária à edição da
Medida Provisória (expressão "e o Advogado-Geral da União", contida no
parágrafo único do art. 13 e do art. 24-B da Lei nº 9.649/98). Prosseguindo no
julgamento, o Tribunal, por maioria, vencido o Min. Marco Aurélio, concedeu
habeas corpus de ofício ao querelado para o fim de rejeitar a queixa-crime, uma
vez que a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal - ADPF, autora
da ação, não tem legitimidade ativa ad causam para promover, em sede penal,
interpelação judicial em defesa da honra de seus filiados, dado o caráter
personalíssimo do bem jurídico penalmente tutelado. Inquérito (QO) 1.660-DF,
rel. Min. Sepúlveda Pertence, 6.9.2000.(INQ-1660)
ADI 3289 / DF - DISTRITO FEDERAL
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 05/05/2005
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJ 03-02-2006 PP-00011
EMENT VOL-02219-02 PP-00304
REPUBLICAÇÃO DJ 24-02-2006 PP-00007
Parte(s)
REQTE.(S) : PARTIDO DA FRENTE LIBERAL - PFL
ADV.(A/S)
: ADMAR GONZAGA NETO
REQDO.(A/S)
ADV.(A/S)
: PRESIDENTE DA REPÚBLICA
: ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade contra a Medida Provisória nº
207, de 13 de agosto de 2004 (convertida na Lei nº 11.036/2004), que alterou
disposições das Leis nº 10.683/03 e Lei nº 9.650/98, para equiparar o cargo de
natureza especial de Presidente do Banco Central ao cargo de Ministro de Estado.
2. Prerrogativa de foro para o Presidente do Banco Central. 3. Ofensa aos arts. 2º,
52, III, "d", 62, §1º, I, "b", §9º, 69 e 192, todos da Constituição Federal. 4.
§ 1º do art. 38 do referido diploma legislativo repercute somente nas esferas administrativa,
financeira e protocolar, mas não na estritamente constitucional (Informativo nº 374 do STF)”.
153
Natureza política da função de Presidente do Banco Central que autoriza a
transferência de competência. 5. Sistemas republicanos comparados possuem
regulamentação equivalente para preservar garantias de independência e
imparcialidade. 6. Inexistência, no texto constitucional de 1988, de argumento
normativo contrário à regulamentação infraconstitucional impugnada. 7. Não
caracterização de modelo linear ou simétrico de competências por prerrogativa de
foro e ausência de proibição de sua extensão a Presidente e ex-Presidentes de
Banco Central. 8. Sistemas singulares criados com o objetivo de garantir
independência para cargos importantes da República: Advogado-Geral da União;
Comandantes das Forças Armadas; Chefes de Missões Diplomáticas. 9. Não
violação do princípio da separação de poderes, inclusive por causa da participação
do Senado Federal na aprovação dos indicados ao cargo de Presidente e Diretores
do Banco Central (art. 52, III, "d", da CF/88). 10. Prerrogativa de foro como
reforço à independência das funções de poder na República adotada por razões de
política constitucional. 11. Situação em que se justifica a diferenciação de
tratamento entre agentes políticos em virtude do interesse público evidente. 12.
Garantia da prerrogativa de foro que se coaduna com a sociedade hipercomplexa e
pluralista, a qual não admite um código unitarizante dos vários sistemas sociais.
13. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.
As decisões proferidas pelo STF abrangem períodos diferentes quanto à
medida provisória, pois, quando o STF reconheceu a constitucionalidade do foro
por prerrogativa ao Advogado-Geral da União, a mesma ocorreu antes das
medidas provisórias serem alcançadas pelos limites temáticos impostos pela
Emenda Constitucional n.º: 32/2001, o que torna admissível, mas não aceitável
que o assunto se prestasse a este tipo de regulamentação, mesmo porque,
substanciosa corrente doutrinária à época, já defendia que a matéria processual
não poderia ser disciplinada por medidas provisórias, inclusive o próprio STF em
algumas decisões65.
A mesma justificativa, no entanto, não se aplica à concessão do foro por
prerrogativa em prol do Presidente do Banco Central, pois o assunto foi efetivado
na vigência da E.C. n.º: 32/2001, ou seja, sob o pálio da expressa vedação contida
no artigo 62, §1º, inciso I, alínea “b” da CF, de que a medida provisória verse
sobre matéria processual.
Nada obstante a restrição temática da Constituição, o julgamento da ADI
3289 no Supremo Tribunal Federal, relator Min. GILMAR MENDES, chancelou
e deu total evidência a designação do foro por prerrogativa de função ao
Presidente do Banco Central.
65 ADInMC 2.332-DF, rel. Min. Moreira Alves, 5.9.2001. Informativo 240.
154
Com efeito, o STF enfrentou o tema e a decisão do Sr. Min. GILMAR
MENDES impressiona pela sua argumentação, mormente, ao definir que a
prerrogativa de foro, no caso, (a) seria um reforço à independência das funções
de poder na República ex vi de razões de ordem política-constitucional, (b)
justificada pela diferenciação de tratamento entre agentes políticos em virtude do
interesse público evidente e (c) que referida garantia se coaduna com a sociedade
hipercomplexa e pluralista, a qual não admite um código unitarizante dos vários
sistemas sociais.
Ainda assim, é de se concluir que a concessão do foro por prerrogativa de
função ao Presidente do Banco Central com o emprego de medida provisória,
norma em sentido material, integralmente a mercê de um ato discricionário do
Chefe do Executivo, sem qualquer dúvida, se revela um ato inconstitucional e o
fundamento desta imperfeição está na leitura da Constituição, a qual poderia ser
restringida pelo responsável direto e final da sua interpretação, o Supremo
Tribunal Federal. O artigo na PUC RIO.
A cultura do privilégio social no Brasil refere-se a um conjunto de atitudes, comportamentos e estruturas que beneficiam indivíduos e grupos que ocupam posições de poder ou que se encaixam nos padrões valorizados pela sociedade, muitas vezes em detrimento de outros. Esse sistema de vantagens tende a ser naturalizado por quem o usufrui, dificultando a percepção de que certas oportunidades e tratamentos diferenciados não são fruto apenas da meritocracia
Herança colonial: A mentalidade de privilégio remonta ao período colonial, especialmente ao sistema de capitanias hereditárias, que concedia direitos exclusivos sobre terras a poucos indivíduos.
Apropriação do público: Desde a época colonial, essa cultura levou à visão de que se pode usar bens públicos como se fossem privados, um comportamento que persiste em certas esferas da sociedade.
Formação de oligarquias: A concentração de poder e terra nas mãos de uma pequena elite desde o Brasil Colônia consolidou privilégios que se expandiram para áreas administrativas, jurídicas e militares.
Manifestações da cultura do privilégio
As manifestações desse fenômeno podem ser observadas em diferentes setores da sociedade brasileira:
Classe social: Pessoas de classes mais altas, frequentemente brancas e heterossexuais, gozam de vantagens em várias esferas. A pandemia de Covid-19, por exemplo, evidenciou o contraste entre a proteção acessível a uns e a vulnerabilidade de outros.
Tratamento diferenciado pela lei: Casos como os de pessoas ricas que intimidam autoridades ou recebem um tratamento policial mais leniente mostram como o poder econômico pode influenciar a aplicação da justiça.
Corrupção e apropriação indevida: A busca pela apropriação de recursos públicos para benefício próprio é uma forma de privilégio, especialmente visível em casos de corrupção política e privilégios concedidos no setor público.
Acesso à cultura: A falta de acesso a espaços culturais como livrarias, cinemas e teatros na maioria das cidades brasileiras cria um privilégio para quem tem poder aquisitivo e mobilidade para consumir arte, que se torna uma relação de consumo em vez de um direito.
Confira a reportagem no UOL. .https://noticias.uol.com.br/
E assim caminha a humanidade.
Imagem ; RH Pra Você .
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