quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Patrimonialismo.

 O patrimonialismo e seus reflexos na administração 

pública brasileira

 Patrimonialism and its reflections in the Brazilian public administration

 Flávia Carvalho Mendes Saraiva1

 RESUMO

 Este artigo traz um breve relato das origens do patrimonialismo brasileiro, 

oriundo do Estado patrimonial português, e constata que mesmo diante de 

todas as transformações históricas e culturais, preservou sua característica 

fundamental, representada pela presença nos quadros burocráticos de um 

determinado estamento, e posteriormente classe, que rege e governa obser

vando apenas seus próprios interesses, sem atentar para as normas legais 

e a impessoalidade, valor fundamental no exercício do múnus público. O 

propósito deste estudo foi discutir a importância de compreender, a partir 

de resgate histórico, como se formou a administração pública brasileira, 

e verificar a influência do patrimonialismo institucionalizado pelo Estado 

colonial português – que ainda está presente na administração brasileira 

contemporânea. Este trabalho foi realizado com objetivo de conhecer e 

verificar as diferentes contribuições disponíveis sobre o tema, abordado a 

partir de uma consulta à literatura nacional e estrangeira. Como metodo

logia, realizou uma pesquisa qualitativa, bibliográfica, de caráter explora

tório. Esta pesquisa contribuiu para a atividade acadêmica ao possibilitar 

a compreensão do sistema administrativo brasileiro dentro de uma estru

tura marcada por origens patrimonialistas, fator este percebido pelo pró

prio Estado nas tentativas de mudança com as reformas administrativas. 

Concluiu-se que o patrimonialismo brasileiro vem se reinventando com 

o passar dos anos, e que as relações de clientelismo vêm sobrevivendo, 

Doutoranda em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Mestre em Planejamento e Políticas 

Públicas pela Universidade Estadual do Ceará (2016). Especialista em Direito e Processo Tributários pela Unifor 

(2006). Bacharel em Direito pela Unifor (2004). Advogada. Professora dos cursos de Direito do Centro Universitário 

Christus (Unichristus) e da Faculdade Maurício de Nassau (Uninassau). Coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídi

cas da Uninassau, Fortaleza. E-mail: flaviacarvm@gmail.com

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 através da readequação de tais práticas às novas realidades, inclusive as 

de mercado.

 Palavras-Chave: Patrimonialismo. Administração Pública. Evolução. Reformas.

 ABSTRACT

 This paper presents a brief report of the origins of Brazilian patrimonia

lism, originating from the Portuguese patrimonial State, and verifies that 

even before all historical and cultural transformations, it preserved its fun

damental characteristic, represented by the presence in the bureaucratic 

frameworks of a given estate of the realm, and later class, which rules and 

governs by observing only its own interests, with no regard to legal norms 

and to impersonality, a fundamental value in the exercise of the public 

office. The purpose of this study was to discuss the importance of unders

tanding, from historical rescue, how the Brazilian public administration 

was formed, and to verify the influence of institutionalized patrimonialism 

by the Portuguese colonial State – still present in contemporary Brazilian 

administration. This paper was carried out to know and verify the different 

contributions available on the theme, approached from a consultation of 

national and foreign literature. As a methodology, it conducted a qualita

tive, bibliographical and exploratory research. Thus, this research contri

buted to the academic activity by enabling the understanding of the Bra

zilian administrative system within a structure marked by patrimonialist 

origins, a factor perceived by the State itself in the attempts to change with 

administrative reforms. In conclusion, Brazilian patrimonialism has been 

reinventing itself over the years, and the patronage relations have survived 

through the readjustment of such practices to new realities, including those 

of the market.

 Keywords: Patrimonialism. Public Administration. Evolution. Reforms.

 Recebido: 15-04-2019

 Aprovado: 09-09-2019

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1 INTRODUÇÃO

 A administração pública tem como escopo duas grandes ações. A 

primeira, como já diz seu próprio nome, exercer as atividades próprias de 

direção decorrentes de sua organização. Já a segunda engloba a grande fi

nalidade do Estado, que trata da gestão dos interesses públicos na prestação 

dos direitos fundamentais e de tudo que interfira diretamente no bem-estar 

da coletividade, com o interesse de alcançar o que for melhor para a po

pulação. Assim, a função administrativa consiste precipuamente em pro

mover a satisfação dos interesses de seus cidadãos, em consonância com o 

conjunto de direitos fundamentais dispostos no texto da Carta Magna.

 Porém, no caso do Brasil, nos deparamos com um sistema político 

no qual os gestores não reconhecem os limites entre público e privado. 

Exercem suas atividades buscando apenas satisfazer suas necessidades 

pessoais ou de certa classe, desconsiderando quais são os desejos e carên

cias reais da população.

 Machado de Assis, em uma de suas duras críticas à sociedade brasi

leira da época, narra em seu conto “Teoria do Medalhão2” o diálogo entre 

pai e filho, ocorrido após o jantar de comemoração dos 21 anos do jovem. 

Um dos conselhos que o pai deixa para o filho é que “o nome fica ligado 

à pessoa”, ou seja, ele deveria se tornar um medalhão para com isso obter 

fama, prestígio e poder. O Bruxo do Cosme-Velho nada mais fez do que 

retratar a sociedade patrimonialista do séc. XIX, e que até hoje persiste, 

reflexo da cultura que se desenvolveu no Brasil, arraigado na configuração 

de dominação tradicional do poder, que subjuga o interesse público em 

benefício do particular.

 Diante do exposto, este artigo discute a importância de compreen

der, dentro de um resgate histórico, a formação da administração pública 

brasileira e de como o patrimonialismo institucionalizado pelo Estado por

Conto de Machado de Assis, originalmente publicado em Gazeta de notícias no ano de 1881 e posterior

mente recompilado em papéis avulsos.

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 tuguês ainda está presente na administração brasileira contemporânea, e 

tem como objetivo geral analisar o sistema administrativo brasileiro dentro 

de uma estrutura marcada por origens patrimonialistas, o que vem sendo 

percebido pelo próprio Estado nas tentativas de mudança com as refor

mas administrativas. Porém, o patrimonialismo vem se reinventando, o que 

possibilita sua readequação às novas realidades, inclusive as de mercado.

 Quanto aos aspectos metodológicos, foi desenvolvida uma pesquisa bi

bliográfica, de caráter qualitativo e exploratório, no qual o tema foi abordado a 

partir de uma consulta à literatura nacional e estrangeira, com base em material 

elaborado, principalmente de livros e artigos científicos, além de instrumentos 

normativos, como as Constituições Federais brasileiras, legislações esparsas e 

documentos elaborados por órgãos da administração pública.

 2 COMPREENDENDO O FENÔMENO DO PATRIMONIALISMO

 Deve-se a origem do termo “patrimonialismo” ao sociólogo Max 

Weber (1864-1920), em sua obra Economia e sociedade (Wirtschaft und 

Gesellchaft), ao abordar as formas de poder político e a legitimidade, quan

do estabelece os sistemas de dominação e de poder. Desta feita, Weber 

(1999) demonstra o elo direto entre obediência e ordem, e de dominação 

e poder. Assim, este último corresponde ao desejo do outro de impor sua 

vontade, e de como aquele que recebe a ordem a aceita e cumpre, tratando 

assim de uma relação de dominação e dominado, fundada num grau de 

desigualdade.

 A dominação (Herrschaft) legitima o poder (Macht) oferecendo-lhe 

aceitação popular, exercida mediante a autoridade e tornando válidas as 

associações entre os indivíduos. Logo, o sujeito passivo (dominado) acaba 

acatando por vontade própria aquilo que lhe fora ordenado pelo sujeito 

ativo (dominante).

 Segundo Raymond Aron, os tipos de dominação explicitados por 

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Weber são em número de três: racional, tradicional e carismática.

 A tipologia se fundamenta, portanto, no caráter próprio da mo

tivação que comanda a obediência. Racional é a dominação ba

seada na crença na legalidade da ordem e dos títulos dos que 

exercem a dominação. Tradicional é a dominação fundamen

tada na crença do caráter sagrado das tradições antigas e na 

legitimidade dos que são chamados pela tradição a exercer a 

autoridade. Carismática é a dominação que se baseia no devo

tamento fora do cotidiano, justificado pelo caráter sagrado ou 

pela força heroica de uma pessoa e da ordem revelada ou criada 

por ela (ARON, 2000, p. 496).

 Na dominação tradicional, deve-se obediência ao senhor, que é aque

le que manda, em razão de sua própria dignidade. Fundamentada na tra

dição, a vontade do senhor é norma, independentemente de estar certa ou 

errada, e se baseia naquilo que ele acredita a partir do seu ponto de vista 

pessoal e particular. É importante ressaltar que esta aceitação necessitava ser 

comprada ou conquistada por meio de favores, através de relações pessoais 

e até mesmo fundada em dependência econômica entre senhor e súdito.

 Cita Weber (1999) duas formas de apresentação da dominação tra

dicional presentes na história mundial: a estamental, presente na Idade 

Média, com o feudalismo (em que vassalos e senhores feudais estabele

ciam uma relação de dominação e dependência fundamentadas na lealdade 

pessoal) e a patriarcal, constituída por meio de relações de subordinação 

pessoal ao senhor (familiar, funcionários, amigos pessoais e favoritos). 

Estas também podem se basear na dependência econômica e na força físi

ca, e o senhor pode utilizá-las como instrumento de coação e até mesmo 

de punição no caso de desobediência de uma ordem por um dominado, 

pois são vistas como ações prerrogativas daqueles que mandam.

 Desta feita, com relação ao regime político, ao identificarmos a pre

sença do patriarcalismo, este regime assume o caráter patrimonialista, no 

qual súditos não possuem direitos, que são concedidos e retirados de acor

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 do com a vontade de seu senhor, sem qualquer necessidade de motivação. 

Prevalece no patriarcalismo a ausência da distinção entre o governante e 

o Estado (privado versus público). De acordo com Raquel Gandini, nos 

Estados patrimonialistas podemos verificar

 como traços relevantes, a indistinção clara e efetiva entre as es

feras e patrimônio públicos e privados, a frequente predominân

cia do poder executivo sobre os poderes legislativo e o judiciá

rio, a ausência da tradição de bases contratuais em suas relações 

de poder. A estes aspectos se acrescentam, consequentemente, a 

debilidade de instituições representativas e o predomínio de go

vernantes e governos personalistas, demagógicos e caudilhistas, 

mesmo em tempos republicanos. Também tem sido constante o 

exercício do poder por parte de uma camada burocrática e elite 

política, de forma centralizada (2008, p. 203-204).

 Com relação ao Estado brasileiro, a expressão “patrimonialismo” 

é bastante utilizada, principalmente quando se discute os problemas que 

envolvem corrupção, ausência de participação política das classes popula

res, a concentração de poder nas mãos de algumas famílias e até mesmo a 

atuação do Poder Judiciário no favorecimento de indivíduos.

 Jessé Souza (2015) ressalta que a noção de patriarcalismo é subuti

lizada e acaba sendo mais empregada dentro de uma perspectiva política 

do que científica, ao ser tratada como forma de justificação da realidade 

social e da corrupção do Brasil. Afirma que ao ser analisada desta maneira, 

simplifica e empobrece o debate, pois é discutida a partir da ideia de que se 

refere apenas a uma suposta ação de exploração do Estado pela elite e pela 

sociedade, ao designá-lo como a origem de todas as misérias do Estado 

brasileiro. Assim,

 O tema do patrimonialismo, precisamente por sua aparência 

de crítica radical, dramatiza um conflito aparente e falso, entre 

mercado idealizado e Estado “corrupto”, sob o preço de dei

xar à sombra todas as contradições sociais de uma sociedade – e nela incluindo tanto seu mercado quanto seu Estado –, que 

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naturaliza desigualdades sociais abissais e um cotidiano de ca

rência e exclusão. Essa é a efetiva função social da tese do pa

trimonialismo no Brasil (SOUZA, 2015, p. 34).

 Desta feita, se faz importante entender como ocorreu o processo 

histórico da formação do patrimonialismo brasileiro, como influenciou a 

dominação política presente no Estado brasileiro, e quais foram seus refle

xos na administração pública.

 3 ORIGENS DO PATRIMONIALISMO NO BRASIL: ALGUMAS 

CONSIDERAÇÕES SOBRE A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FOR

MAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA ATÉ A 

REPÚBLICA VELHA

 Ao tratarmos das origens históricas do patrimonialismo no Bra

sil, vários autores, como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e 

Florestan Fernandes se manifestaram sobre a origem desta prática, sendo 

Raymundo Faoro, em sua obra Os donos do poder: formação do patro

nato político brasileiro (1958), um dos que mais se aprofundaram sobre o 

estudo deste fenômeno.

 Aponta Faoro que, decorre da colonização portuguesa e da sua for

ma de organização a origem do patrimonialismo no Brasil. O autor busca 

aplicar a tese weberiana de patrimonialismo ao compreender que este se 

encontra presente na própria história de formação e de organização do 

Estado português.

 Portugal, desde seu processo de estatização, era um Estado com 

imenso patrimônio rural, que se confundia com o domínio da casa real. 

Tal fator tornava impossível distinguir o que era do Estado e o que era do 

rei (FAORO, 2012, p. 18). Quanto à questão da dominação, o rei portu

guês mandava, e seus súditos obedeciam, sem intermediários. Era senhor 

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 de tudo e sua propriedade (terras e tesouros), rendas, e despesas, se con

fundiam em seus aspectos públicos e particulares (Ibidem, p. 23). Diante 

disto, compreende Faoro que desde sua origem o estado português era 

eminentemente patrimonialista, haja vista se organizar burocraticamente 

com a presença latente da dominação do soberano sobre o súdito, anulan

do as liberdades individuais, tendo em conta exercer o pleno controle das 

atividades econômicas, dos contratos da concorrência, e inclusive a autori

zação e regulação do exercício das atividades profissionais (Ibidem, p. 35).

 E com esta forma de organização e atuação, se deu o processo colo

nizatório brasileiro, através do exercício do monopólio real sobre a forma 

de concessão para a exploração das terras recém-descobertas mediante a 

concessão de cartas de privilégios3. O Brasil era um negócio do rei, exerci

do por meio da exploração mercantil do pau-brasil e do emergente cultivo 

da cana-de-açúcar. Gerido e protegido pela realeza e completamente inte

grado à estrutura patrimonial e burocrática do Estado português.

 A colonização era essencial para manter a posse do território con

quistado e necessária para o bom funcionamento do comércio que era pra

ticado pelo Estado. Visto como um empreendimento, a escolha dos “ges

tores” da empresa era de responsabilidade do rei, exercida inicialmente 

através das feitorias, que foram utilizadas em maior parte para promover 

a ocupação das terras, sendo as primeiras criadas em 1502 e 15044. Com o 

aumento da quantidade de pedidos ao rei para estabelecerem-se no Brasil, 

Dom João III optou pela divisão do território em capitanias hereditárias, 

que foram distribuídas entre fidalgos chamados de donatários, que recebe

ram de El-Rei privilégios e poderes como forma de estimular a ocupação 

(DEL PRIORE, 2010, p. 41).

 Assim, a responsabilidade inicialmente auferida aos donatários 

nada mais era do que uma delegação pública de poderes engendrada e 

Nas palavras de Faoro, “o rei permaneceria comerciante, sem envolvimento imediato no negócio, mas 

vigilante, com o aparelhamento estatal a serviço de seus interesses. O primeiro concessionário, um cristão-novo, Fernão 

de Loronha, associou à empresa os mais ricos comerciantes de Lisboa. A concessão se fez mediante cartas de privilégio, 

na forma das antigas praxes portuguesas com respeito aos comerciantes estrangeiros.” (FAORO, 2012, p. 125).

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Cabo Frio, Rio de Janeiro e Pernambuco.

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controlada pela realeza, que de forma barata e eficaz garantia a exploração 

e o aproveitamento das riquezas produzidas pela colônia, principalmente 

com a inserção do cultivo da cana-de-açúcar. Desta feita, seriam um

 estabelecimento militar e econômico, voltado para a defesa ex

terna e para o incremento de atividades capazes de estimular o 

comércio português. […] constituídas na base do sistema polí

tico-administrativo do reino, com as adaptações sugeridas pela 

extensão brasileira (FAORO, 2012, p.138).

 Porém, o sistema de capitanias hereditárias entrou em colapso, tor

nando necessária a intervenção do monarca português para centralizar de 

forma mais eficaz e eficiente o poder em suas mãos, principalmente, em 

razão da privatização, segundo Faoro, de donatários e colonos, criando um 

estamento social que não mais respeitava seus próprios feudos, criando 

assim, a figura do Governo-Geral, tendo sido Tomé de Sousa o primeiro 

governador geral.

 Del Priore (2010) ressalta que não houve consistência nas diretrizes 

administrativas até meados do séc. XVIII, pois ao longo do tempo gover

nadores e depois vice-reis trariam mais regimentos e instruções, que eram 

elaboradas de acordo com a conjuntura do momento. Mesmo diante desta 

tentativa de controle, organizou-se um quadro de burocratas precário, o 

que emperrava a máquina governamental. A distância entre o centro do 

poder exercido em Lisboa e a administração colonial não se encontravam, 

principalmente nas áreas mais distantes.

 Esta situação originou o aparecimento de outras formas de poder 

baseadas no patriarcalismo, presente principalmente nos casos de casa

mentos entre os filhos dos senhores de engenho e dos funcionários da ad

ministração da metrópole. Estas alianças interferiam na escolha dos postos 

de prestígio e de comando nas Câmaras, e também nas decisões judiciais. 

Nos sertões, surgiram os grandes chefes locais abastados e dotados de 

poder. Donos de terras e escravos, eram bastante violentos e comandavam 

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 confrontos sanguinários que vinculavam suas famílias e aliados por gera

ções, sendo estes conflitos desprezados pelas autoridades da metrópole, 

que não se intrometiam, nem os contrariavam, principalmente dentro de 

seus domínios.

 O início do séc. XIX marca uma transformação nas relações pa

trimonialistas no Brasil. A vinda de D. João VI em 1808, fugindo de Na

poleão Bonaparte, altera o elo entre colônia e metrópole, em especial no 

que diz respeito às conexões que se desenvolveram sem a presença do rei. 

A corte portuguesa precisava ser alocada e as autoridades locais perdem 

seu poder para dar lugar aos fidalgos e aos funcionários reais que acom

panharam D. João VI, tendo, como lamenta Faoro, “os vícios e os abusos 

atravessado o Atlântico” (2012, p. 289).

 Para o autor, a transmigração da corte portuguesa sobrepôs total

mente a estrutura administrativa estabelecida na colônia, tendo atingido 

não apenas os indivíduos que dela participavam, mas a ordem social e eco

nômica que sentiu seu poder ameaçado, gerando conflitos armados. Em 

face da opressão, principalmente aquela gerada em razão da alta taxação 

dos tributos para custear os altos gastos da instalação da corte no Brasil, 

muitas revoltas contra o domínio português ocorreram de forma sucessiva 

e, como a Inconfidência Mineira, sofreram a influência dos ideais liberais 

e sua aliança com os grandes proprietários agrários.

 A revolução de 1820 em Portugal e a volta da família real promove, 

mais uma vez, uma reestruturação do poder. O Brasil voltaria a ser colô

nia, e os altos estamentos formados por brasileiros se preocuparam com o 

reestabelecimento do pacto colonial e a perda dos benefícios concedidos 

pelo rei de Portugal, principalmente as famílias ricas e poderosas, que vi

sando a manutenção de seus interesses apoiaram o rompimento com a me

trópole e conduzidos por José Bonifácio se aliaram ao príncipe D. Pedro I.

 Com a proclamação da independência, surge um Estado, e o novo 

imperador precisa promover a organização administrativa e política deste 

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país independente. De acordo com Faoro (2012), D. Pedro I não consegue 

reestruturar esta nova ordem política, mantendo a sistemática da adminis

tração colonial centralizadora com o estabelecimento do Poder Modera

dor, estabelecido pela Constituição do Império de 1824 (BRASIL, 1824). 

Desta feita, buscou manter o controle do país em suas mãos, e as estruturas 

que já existiam intactas.

 O regime colonial não se extingue, pelo contrário, passa por um 

processo de modernização: os remanescentes bragantinos se atualizam 

com a permanência do divórcio entre o Estado, monumental, aparatoso, 

pesado e a nação, informe, indefinida, inquieta. Uma ordem metropolita

na, reorganizada no estamento de aristocratas improvisados, servidores 

nomeados e conselheiros escolhidos, se superporia a um mundo desconhe

cido, calado, distante (Faoro, 2012, p. 331).

 Durante o Segundo Reinado se manteve o sistema de dominação 

tradicional, desta vez exercido pelo imperador D. Pedro II, que representa 

o poder. Em volta dele, a aristocracia perpetua seu poder de forma heredi

tária, mantendo no que pode a eleição e a permanência dos cargos dentro de 

seus círculos familiares e de amizade. Esta aristocracia governamental se 

apropria do Estado para também comandar, crescendo ainda mais a impor

tância dos cargos públicos como instrumento de poder e moeda de troca.

 No fim dos anos de 1870, nos deparamos com um grave momento 

de crise institucional do Império, que levará, em 1889, à proclamação da 

República, gerada principalmente pela quebra deste pacto de mútua coo

peração entre Império e aristocracia, rompido principalmente pela abolição 

da escravatura, que devastou completamente a relação entre o governo e os 

proprietários rurais. Estes compreendiam a libertação dos escravos como 

uma traição e um confisco ao seu direito de propriedade privada. Lília Mo

ritz Schwarcz (1998, p. 659) afirma que a abolição definitiva foi um dos 

principais motivos para a queda do imperador, haja vista ter sido uma das 

grandes perdas de apoio ao regime, pois representou o desprestígio de uma 

minoria muito ativa, que, como forma de retaliação, se uniu rapidamente 

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 para o lado dos republicanos, mesmo tendo sido premiada com títulos de 

baronato, e com a justificativa das pressões externas, tendo a falta de in

denização das “peças” sido a gota d’água que selou o rompimento com o 

Estado imperial.

 De igual forma, não se deve esquecer do estremecimento das rela

ções entre o exército e o governo imperial, que se encontrava extremamen

te deteriorada em razão da política de enfraquecimento promovida através 

do desaparelhamento e da desmobilização das forças armadas (DEL PRIO

RE, 2010).

 Outro ponto que deve ser lembrado como motivador da crise foi de 

caráter político, representado pela interrupção de mandatos e a convocação 

de novas legislaturas por D. Pedro II, o que não era bem visto pelos parti

dos políticos, considerando-se tais atos, prerrogativas do Poder Moderador, 

serem vistos como um obstáculo ao fortalecimento das oligarquias regio

nais, principalmente as das regiões Sul e Sudeste. Inclusive o exercício de 

tal prerrogativa fora exercida pelo Imperador por diversas vezes, segundo 

afirma Christian Edward Cyril Lynch, que este,

 na medida do possível, valeu-se da faculdade de escolher os 

senadores para, na impossibilidade de, no regime constitucio

nal, promover ele diretamente as reformas nas quais acreditava 

− entre elas, a eleitoral −, constituir uma verdadeira casta de 

administradores públicos de alto gabarito, que primavam pela 

honra pessoal e pela integridade moral. Quanto à faculdade de 

dissolver a Câmara dos Deputados, valeu-se desse expediente − 

respeitando as praxes parlamentares que se iam desenvolvendo 

− por mais de dez vezes em seu reinado, a fim de que os dois par

tidos monárquicos se alternassem no poder, em vez de promover 

golpes que ali os alçasse. O último se dera em 1842, quando das 

revoltas liberais em São Paulo e Minas Gerais. Foi esse rodízio 

que possibilitou 40 anos de paz entre as elites brasileiras. Quan

to à nomeação e demissão de ministérios, o Imperador valeu-se 

dessa prerrogativa tendo sempre em vista o que julgava útil para 

o país e as condições políticas das circunstâncias (2010, p. 103).

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De fato, não há como negar a influência das relações patrimoniais 

nesta crise institucional, haja vista o mutualismo desta relação deixar de 

existir, pois o Império não mais cumpria com seu papel que era o de ga

rantir os benefícios conquistados pelas oligarquias e pelos militares, logo, 

estes estamentos não precisariam mais retribuir favor algum, extinguindo

se assim o dever moral de “fidelidade”, próprio do patrimonialismo.

 Com a proclamação da República, percebe-se a presença da mesma 

relação de subordinação e dominação, entretanto, não era mais à figura do 

Imperador que se devia “obediência”. Os políticos, em sua grande maioria 

descendentes das grandes oligarquias, que já nasciam chefes e pretendiam 

manter intactos seus status quo, utilizam o poder que deles passaram a 

usufruir para eleger e indicar outros que permitam fazê-los continuar nesta 

relação parasitária. Na República Velha, surge uma evolução do patriar

calismo, representada pelo coronelismo, oriundos dos antigos coronéis da 

guarda municipal das colônias, tendo seus herdeiros mantido seus títulos 

graças à dominação tradicional por eles exercida em razão de seu grande 

poder político e financeiro. Grandes proprietários de terras mantinham sob 

rédea curta uma extensa camada de familiares, agregados e subordinados. 

O aumento de seu poder na República nesse período decorre principal

mente com a realização das eleições, em razão do sistema de ampla ele

tividade dos cargos, pois passaram a exercer sua dominação para aliciar 

eleitores e oferecendo apoio aos candidatos. Com a política dos gover

nadores, este processo se fortaleceu ainda mais, e desta forma, o coronel 

ingressou inteiramente nas relações de poder, principalmente dentro dos 

estados, conforme expõe Vitor Nunes Leal5:

 O bem e o mal, que os chefes locais estão em condições de fazer 

aos seus jurisdicionados, não poderiam assumir as proporções 

Ainda segundo o autor, esta influência se percebe nas nomeações, que atingem “os próprios cargos 

federais, como coletor, agente do correio, inspetor de ensino secundário e comercial etc. e os cargos das autarquias 

(cujos quadros de pessoal têm sido muito ampliados), porque também é praxe do governo da União, em sua política 

de compromisso com a situação estadual, aceitar indicações e pedidos dos chefes políticos nos Estados.” (LEAL, 

2012, p. 33).

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 habituais sem o apoio da situação política estadual para uma eoutra coisa. Em primeiro lugar, grande cópia de favores pesso

ais depende fundamentalmente, quando não exclusivamente, das 

autoridades estaduais. Com o chefe local — quando amigo — é 

que se entende o governo do Estado em tudo quanto respeite aos 

interesses do município. Os próprios funcionários estaduais, que 

servem no lugar, são escolhidos por sua indicação (2012, p. 33).

 É presente a quebra da linha tênue entre interesse público e privado, 

percebida através da existência de um sistema de reciprocidade exercido 

entre coronéis e governadores, entre coronéis e outros chefes municipais, 

e até entre os próprios coronéis: um laço de subordinação baseada na troca 

de favores e em compadrio.

 4 AS TENTATIVAS DE MODERNIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO 

PÚBLICA BRASILEIRA E A CAPACIDADE DE ADAPTAÇÃO DO 

PATRIMONIALISMO ÀS TRANSFORMAÇÕES

 Até os últimos dias do governo de Washington Luís (1926-1930), 

sobreveio fortemente a presente ordem, que passara a ser objeto de críti

ca nos movimentos revolucionários que culminaram com a revolução de 

1930, influenciada também pela grande crise financeira de 1929, a queda 

do preço do café no mercado internacional, e a marginalização de outros 

grupos oligárquicos fora do eixo dominado pela política do café com leite 

(MG e SP).

 Com a deposição do presidente, assume Getúlio Vargas, que busca 

articular os interesses daqueles estamentos descontentes ao seu redor no 

âmbito político – ao também estabelecer para as antigas oligarquias polí

ticas de valorização do café – todas em consonância com sua proposta de 

desenvolvimento econômico, o que diretamente favorece outro estamento 

que se encontrava em plena ascensão: o empresariado industrial brasileiro.

 347

 Rev. Controle, Fortaleza, v. 17, n.2, p. 334-363, jul./dez. 2019.

Verifica-se, a partir do Estado Novo (1930-1945), a presença de 

um governo mais participativo, caracterizado por uma marcante e exces

siva intervenção no domínio econômico com viés nacionalista. Uma das 

primeiras medidas tomadas pelo presidente foi a de reestruturação dos 

setores públicos, que se encontravam completamente desordenados por 

reproduzirem as estruturas que marcaram o Império e os primeiros anos 

da República.

 Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça (2008, p. 52) afirma que 

uma das grandes mudanças que aconteceram na administração pública se 

deu neste período, quando foram adotadas várias medidas que tiveram 

como objetivo sua modernização, caracterizada pela criação de novos ór

gãos, propiciando assim uma ampliação dos setores públicos baseadas no 

modelo racional de Max Weber (modelo burocrático). Este novo modelo 

tinha como diretriz a eficiência, a preocupação com o ingresso nos cargos 

públicos e a padronização de normas, além do estabelecimento de ins

trumentos de controle da administração pública. Isto refletiu inclusive na 

elaboração do texto da Carta Constitucional de 1934, que foi a primeira a 

institucionalizar a administração pública em seis artigos direcionados ao 

funcionalismo público.

 No ano de 1936 se deu a mais emblemática medida deste governo 

para a reforma da administração pública, representada pela lei n. 284 de 

1936, conhecida por Lei do Reajustamento. Esta criou o Conselho Fede

ral do Serviço Público Civil, um organismo dotado de autonomia, porém 

curiosamente subordinado diretamente ao presidente da república, que 

tinha como escopo definir e executar políticas de aperfeiçoamento dos 

serviços públicos e de admissão de servidores.

 A partir de 1937, promoveu o governo uma série de reformas que 

transformaram o aparelho estatal, tanto em sua forma de composição 

quanto em seu funcionamento. Nesse período foram criados inúmeros 

organismos especializados e empresas estatais6. Em 1938, é publicado o 

348

 “Até 1939, haviam sido criadas 35 agências estatais; entre 1940 e 1945 surgiram 21 agências, engloban

Rev. Controle, Fortaleza, v. 17, n.2, p. 334-363, jul./dez. 2019.

REVISTA

 Decreto-Lei 579, que aperfeiçoou a reforma e organizou o Departamen

to Administrativo do Serviço Público (Dasp), que absorveu o Conselho 

Federal do Serviço Público, tendo também como finalidade a promoção 

da formação de um quadro de servidores públicos nos estados, através da 

padronização de condutas orientadas pelo governo central.

 Porém, o Dasp não conseguiu atingir completamente seus objetivos, 

quando nomeações sem concurso público e a liberdade na distribuição de 

cargos nas estatais trouxeram inúmeras dificuldades para a implantação e 

continuidade das mudanças propostas. O patrimonialismo conserva sua 

força, e o favoritismo mantém muito peso na nomeação e nas promoções 

dos cargos públicos, ou seja, o ambiente cultural dominado pelas práticas 

do clientelismo e do fisiologismo continuavam a contaminar a administra

ção pública brasileira (MENDONÇA, 2008, p. 56).

 Com o fim do Estado Novo foram convocadas novas eleições e o 

aumento da participação eleitoral, pelo aumento dos investimentos em 

educação e na inclusão do voto feminino, implicam na alteração do perfil 

de eleitores e de candidatos, que não dependem mais exclusivamente dos 

coronéis, mas se utilizam das práticas clientelistas para conseguir mais 

votos em troca de favores ou empregos. Neste período, o Dasp perde sua 

força e é esvaziado.

 A Constituição Federal de 19467 fortaleceu tal prática ao flexibilizar 

os mecanismos de contratação de pessoal para o serviço público, ao pos

sibilitar a incorporação ao quadro de servidores todos aqueles que foram 

contratados fora do sistema de concursos (sistema de méritos), e a criação 

da figura jurídica da função pública, que poderia ser criada por decreto do 

Executivo, e não estava sujeita às mesmas regras dos ocupantes dos cargos 

públicos, criando, assim, um sistema paralelo de servidores (VASCON

do empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações” (LIMA JÚNIOR, 1998, p. 8). Até 1930 existiam 

no Brasil doze empresas públicas; de 1930 a 1945, foram criadas treze novas empresas, sendo dez do setor produtivo, 

entre elas a Companhia Vale do Rio Doce (COSTA, 2008, p. 845).

 7 

Ver, por exemplo, o art. 188, da Constituição Federal de 1946, que garante a estabilidade depois de dois 

anos de exercício, os funcionários efetivos nomeados por concurso e depois de cinco anos de exercício, os funcioná

rios efetivos nomeados sem concurso.

 349

 Rev. Controle, Fortaleza, v. 17, n.2, p. 334-363, jul./dez. 2019.

CELOS, 2006).

 As tentativas de reforma diminuíram, tendo sido retomadas apenas 

durante o segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954). Em 1952, Ge

túlio designou um grupo de trabalho com a finalidade de promover mais 

um projeto de reforma administrativa, sendo tal proposta reprovada pelo 

Congresso Nacional.

 Em 1956, com a eleição de Juscelino Kubitschek (JK), a reforma 

administrativa volta a ser objeto de discussão, através da perspectiva de 

seu Plano de Metas. Seu governo foi marcado pela realização de estudos 

e criação de projetos que discutiam a simplificação da burocracia e da 

prestação de serviços públicos, que refletiram na criação da Comissão de 

Simplificação Burocrática (Cosb) e da Comissão de Estudos e Projetos 

Administrativos (Cepa). A reforma propunha uma implantação de estru

turas paralelas, de caráter globalizado, que tinham relação direta com o 

cumprimento dos objetivos do Plano de Metas. Para tanto, foram criados 

outros órgãos administrativos, que atuavam diretamente na área econômi

ca, como a Superintendência para o desenvolvimento do Nordeste (Sude

ne)8 e o Conselho de Desenvolvimento (1956), e para a qualificação dos 

servidores a Escola Brasileira de Administração Pública. Desta feita, as 

propostas de reforma neste período se caracterizavam

 por uma crescente cisão entre a administração direta, entregue 

ao clientelismo e submetida, cada vez mais, aos ditames de 

normas rígidas e controles, e a administração descentralizada 

(autarquias, empresas, institutos e grupos especiais ad hoc), 

dotados de maior autonomia gerencial e que podiam recrutar 

seus quadros sem concursos, preferencialmente entre os forma

dos em think thanks especializados, remunerando-os em termos 

compatíveis com o mercado. Constituíram-se assim ilhas de 

Lei n. 3.692, de 15 de dezembro de 1959, que institui a Superintendência do Desenvolvimento do 

Nordeste e que tem por tem por finalidades (art. 2º), estudar e propor diretrizes para o desenvolvimento do Nordeste; 

supervisionar, coordenar e controlar a elaboração e execução de projetos a cargo de órgãos federais na região e que 

se relacionem especificamente com o seu desenvolvimento; executar, diretamente ou mediante convênio, acordo ou 

contrato, os projetos relativos ao desenvolvimento do Nordeste que lhe forem atribuídos, nos termos da legislação 

em vigor; coordenar programas de assistência técnica, nacional ou estrangeira, ao Nordeste.

 350

 Rev. Controle, Fortaleza, v. 17, n.2, p. 334-363, jul./dez. 2019.

REVISTA

 excelência no setor público voltadas para a administração do 

desenvolvimento (COSTA, 2008, p. 848).

 Nem os governos de João Goulart e Jânio Quadros, que sucederam 

ao de JK, promoveram transformações relevantes na administração públi

ca, principalmente em razão da efervescência política do momento.

 Porém, é o Golpe de Estado executado pelos militares em 1964 que 

gerará as mais profundas reformas que iriam modificar as bases da estrutu

ra da máquina administrativa brasileira, com o advento do Decreto-Lei n. 

200, de 1967, que irá substituir a administração burocrática por uma admi

nistração desenvolvimentista, promovendo, assim, uma primeira reforma 

com caráter gerencial (BRESSER-PEREIRA; SPINK, 1998, p. 13). Para 

Beatriz Wahrlich, este dispositivo consagrou a reforma administrativa não 

como uma tentativa ou meta, como aconteceu em outros mandatos, mas 

como plano de governo, pois ao prescrever princípios, conceitos, estru

turas e normativas, funcionava como uma lei orgânica da administração 

pública federal (1984, p. 52).

 Ressalte-se que o Decreto-Lei 200/1967 consolidou o caráter descen

tralizador da administração pública através da criação de novas autarquias, 

empresas públicas e sociedades de economia mista, que proliferaram neste 

período. Também modificou o regime de regulação do servidor público, que 

deixou de ser estatutário e passou a ser celetista para os entes descentrali

zados, com a finalidade de tornar o quadro burocrático mais qualificados e 

adaptáveis à realidade de mercado e passíveis de controle de resultados, o 

que era ideal para as pretensões econômicas do governo militar.

 Bresser-Pereira e Spink (1998, p. 273-274) atenta que a reforma 

não alterou a essência do sistema burocrático brasileiro, haja vista não ter 

cumprido com a eliminação da burocracia (desburocratização) em razão 

de ter aumentado a disparidade entre a administração pública direta e in

direta, além de não ter garantido a profissionalização do serviço público, 

que passou a ser visto como cabide de cargos, principalmente pelo fato de 

351

 Rev. Controle, Fortaleza, v. 17, n.2, p. 334-363, jul./dez. 2019.

são ser necessário o concurso para a contratação de pessoal nos entes da 

administração pública indireta.

 O governo militar, já em crise, decide promover mais uma tentativa 

de reforma em 1979, através da criação do Ministério da Desburocratiza

ção, e com a instalação do programa de desburocratização (Decreto-Lei 

83.740/1979), objetivando mais uma vez atingir a eficiência na prestação 

dos serviços públicos. Um dos objetivos deste programa foi considerado 

inédito, se compararmos todas as tentativas de reforma até o momento 

apresentadas: uma proposta de enxugamento da máquina estatal através 

da eliminação de supostos órgãos inúteis e a redução de entidades que 

tinham suas tarefas desempenhadas por outras.

 O ambiente cultural brasileiro dominado pelas práticas do cliente

lismo e do fisiologismo continuavam a contaminar a administração pú

blica (MENDONÇA, 2008, p. 56). Assim, o patrimonialismo neste perí

odo ainda conservou sua força, apesar de todas as tentativas de reforma, 

passando por uma evolução e adaptação às novas estruturas formadas e 

estabelecidas através da instituição das práticas do clientelismo e do favo

ritismo, que ainda tinham muito peso na nomeação e nas promoções dos 

cargos públicos, e passaram a ser utilizadas como moeda de troca para 

favorecimento pessoal.

 5 A REDEMOCRATIZAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 

1988 (CF/88): SURGE UMA NOVA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA?

 Com o processo de redemocratização e a preocupação da socieda

de e do Estado em reestabelecer a democracia brasileira, a administração 

pública ficou à espera de definições sobre seu futuro, principalmente em 

razão da gestação da nova Constituição, que ainda estava sendo discutida 

pela Assembleia Constituinte. Com a promulgação da Constituição Fede

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 Rev. Controle, Fortaleza, v. 17, n.2, p. 334-363, jul./dez. 2019.

REVISTA

 ral de 1988 (CF/88), a administração pública foi regulada e reorganizada, 

tendo em seu texto além de princípios direcionados à sua atividade, uma 

quantidade enorme de dispositivos que regulamentam e tratam tanto da 

administração pública direta e indireta quanto do serviço e do servidor 

público, nas esferas federal, estadual e municipal.

 O primeiro governo pós-redemocratização foi o do presidente José 

Sarney, que enfrentou diversas crises financeiras, e se ocupou principal

mente com a elaboração de planos que viabilizassem o controle da infla

ção e da economia brasileira. O governo reconhecia a necessidade de uma 

reforma administrativa, em especial para readequação à nova realidade 

que se apresentava, pois fazia-se necessário reorganizar o Estado, que se 

encontrava com a máquina governamental desarticulada, anacrônica, de

sestimulada e cada vez mais distante da sociedade que ansiava por demo

cracia (MARCELINO, 2003, p. 645). Porém, o combate à inflação e os 

insucessos dos planos econômicos puseram de lado a necessidade de uma 

reforma administrativa.

 Com o governo Collor (1990-1992), as ideias de Estado mínimo e a 

“caça aos marajás” foram as palavras de ordem para justificar as mudan

ças propostas para a máquina estatal. Retoma-se o processo de desestati

zação, iniciado nos anos 1980, sendo a privatização das empresas estatais 

a grande motivação para a propositura de reformas administrativas neste 

período, que fora marcado pela readequação do serviço público, que gerou 

demissões e aposentadorias em massa de servidores deste setor.

 A partir de 1995, já no primeiro mandato de Fernando Henrique 

Cardoso (1995-1998), um novo projeto de reforma na administração pú

blica baseado em princípios da administração de empresas, valorizando, 

principalmente, a gestão de resultados, a autonomia das decisões e o esta

belecimento de metas (KLERING; PORSE; GUARDAGNIN, 2010, p. 7) 

passou a ser objeto de discussão. Com a criação do Ministério da Adminis

tração e Reforma do Estado (Mare), liderado por Luís Carlos Bresser-Pe

353

 Rev. Controle, Fortaleza, v. 17, n.2, p. 334-363, jul./dez. 2019.

reira, à época ministro, é lançado em 1995 o Plano Diretor da Reforma do 

Aparelho de Estado (PDRAE), pensado dentro de um viés neoliberal, que 

buscava adequar a administração pública ao modelo econômico proposto 

pelo governo (de reafirmação do Plano Real). Compreendia a atuação do 

poder público dentro da perspectiva do Estado mínimo, e por isso, repas

sava para a iniciativa privada (empresas e terceiro setor) suas atividades e 

obrigações, inclusive as de cunho social. Reitera o autor que a reforma se 

deu a partir da descentralização dos serviços públicos,

 via instituição de mecanismos de privatização, visando a redu

zir o tamanho do aparelhamento administrativo do Estado, bem 

como a dinamizar e flexibilizar sua atuação; a quebra de mo

nopólios, para tornar competitivas as atividades exercidas com 

exclusividade pelo poder público; o recurso a autorizações, 

permissões e concessões de serviços públicos, delegando-se 

estes serviços ao Terceiro Setor e à iniciativa privada; o esta

belecimento de parcerias com entidades públicas ou privadas 

para a gestão associada de serviços públicos, ou serviços de 

utilidade pública, por meio de convênios, consórcios e contra

tos de gestão; a terceirização como forma de se buscar o supor

te de entidades privadas ao desempenho de atividades-meio da 

administração pública (KLERING; PORSE; GUARDAGNIN, 

2010, p. 8).

 Iniciou-se, assim, um processo de “agencialização” e de transferên

cias de responsabilidades, por meio da criação das Organizações Sociais 

(OS) e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).

 Em 2003, assume a presidência da República Luís Inácio Lula da 

Silva (2003 a 2006, e 2007 a 2010), cujos mandatos foram marcados, prin

cipalmente, pelos programas de inclusão social. As reformas administrati

vas destes períodos foram pautadas pela observância da qualidade na pres

tação dos serviços públicos, através da instrumentalização da eficiência e 

da transparência. A ampliação destes serviços tornou este período conhe

cido pela valorização do servidor público, com o aumento na quantidade 

de servidores (FADUL; SOUZA, 2006).

 354

 Rev. Controle, Fortaleza, v. 17, n.2, p. 334-363, jul./dez. 2019.

REVISTA

 É relevante ressaltar a implantação do Plano Plurianual (2004

2007), que primava pelo processo de participação popular através da cria

ção de canais para que a população fosse incluída no processo decisório 

de políticas públicas. Para Ribeiro, Pereira e Benedicto (2013, p. 9), esta 

participação não se concretizou, e quando ocorria, acontecia de forma du

vidosa, pela presença de relatos de casos em que quem determinava a par

ticipação popular nos processos decisórios era o próprio Estado, através 

da indicação de nomes feitos pelo Executivo ou por seus representantes 

para participarem e votarem nas audiências públicas.

 Após o fim do segundo mandato de Lula, assume Dilma Rousse

ff (2011-2014; 2015-2016). Seu primeiro mandato não trouxe inovações 

quanto a reformas administrativas, tendo se limitado a discutir instrumen

tos de modernização da gestão pública, principalmente sobre o uso de 

tecnologias como instrumento de facilitação da transparência das infor

mações. Em seu segundo mandato, Dilma inseriu em sua agenda a an

tiga proposta de desburocratização do Estado, que desta vez deveria ser 

promovida por intermédio de reorganização administrativa, melhoria dos 

gastos e controle de recursos. A reforma9 proposta se pautava na redução 

de ministérios, cargos comissionados e secretarias, culminando na criação 

da Comissão Permanente da Reforma do Estado, integrada ao Ministério 

do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG).

 6 REFLEXOS DO PATRIMONIALISMO NA ADMINISTRAÇÃO 

PÚBLICA BRASILEIRA

 Percebe-se que o patrimonialismo se fez presente durante toda a 

história da implementação e organização da administração pública brasi

Segundo o MPOG, a reforma visa “promover maior racionalização da estrutura administrativa, evitan

do-se sobreposições de atribuições entre ministérios ou entre órgãos de um mesmo ministério. Visa, também, reduzir 

gastos com estruturas de apoio destinadas a órgãos finalísticos, unificando áreas que desenvolvem políticas públicas 

afins.” (SECRETÁRIO…, 2015, p. 1).

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 Rev. Controle, Fortaleza, v. 17, n.2, p. 334-363, jul./dez. 2019.

leira. O conceito de “patrimonialismo” foi utilizado por diversos autores 

para discutir a forma como o brasileiro trata a política e os assuntos refe

rentes ao país.

 Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil (1936), enfatiza 

que o homem cordial não distingue o público do privado, e traz para a 

esfera pública características próprias da sua entidade familiar, predomi

nando, assim, suas vontades particulares nos assuntos relativos ao Estado. 

Desta forma, estes homens se caracterizam

 pelo que separa o funcionário “patrimonial” do puro burocrata, 

conforme definição de Max Weber. Para o funcionário “patri

monial”, a própria gestão política apresenta-se como assunto de 

seu interesse particular; as funções, os interesses e os benefícios 

que deles aufere, relacionam-se a direitos pessoais do funcio

nário e não a interesses objetivos, como sucede no verdadei

ro Estado burocrático, em que prevalece a especialização das 

funções e o esforço para se assegurarem garantias jurídicas aos 

cidadãos. A escolha dos homens que irão exercer as funções pú

blicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam 

os candidatos, e muito menos de acordo com as capacidades 

próprias. Falta a tudo a ordenação impessoal que caracteriza 

a vida do Estado burocrático (HOLANDA, 1995, p. 105-106).

 Pang e Seckinger exemplificam esta ideia, ao discorrerem sobre os 

indivíduos que exerciam os altos cargos da administração pública do Im

pério, que eram formados pelos altos estratos sociais e exerciam as atri

buições não pela competência, mas por estarem dentro de uma perspectiva 

patrimonialista. Os jovens bacharéis em Direito, após a graduação eram 

alocados nos cargos de

 municipal judge (juiz municipal) district judge (juiz de direito), 

public prosecutor (promotor público), district police chief (de

legado de polícia), and various minor offices of central and pro

vincial agencies. Higher offices include those of provincial po

lice chief (chefe de polícia), provincial presidente, and appellate 

court judge (desembargador). After beginning his political car

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 Rev. Controle, Fortaleza, v. 17, n.2, p. 334-363, jul./dez. 2019.

REVISTA

 rer, each person advanced according to a combination of perso

nality, charisma, talent, marriage ties, family connections, and 

political lucks10 (PANG; SECKING, 1972, p. 233).

 Faoro, já citado anteriormente, também entende o patrimonialismo 

como influenciador das relações do indivíduo com o Estado, e aprofunda 

a discussão não dentro da perspectiva do indivíduo, mas de uma estrutura 

patrimonial centralizadora que cria estamentos burocráticos, que por sua 

vez se apropriam do Estado e das funções para manter seu status quo e 

satisfazer seus próprios interesses.

 Assim, os autores buscam explicar este fenômeno que se encontra 

arraigado em nossa sociedade e refletido na administração pública, desde 

sua formação até o Brasil do século XXI. Mesmo com as transformações 

econômicas e sociais pelas quais o país passou, a cultura patrimonialista 

foi institucionalizada e vem se adequando às novas relações de poder.

 Em nossa história, a partir da proclamação da República, os servos 

do imperador passam a ser funcionários, e estes passam a se sentir donos 

de suas repartições e funções, ou seja, não se alterou a perspectiva “pú

blico e privado”, mas as coisas públicas agora pertenciam ao detentor do 

cargo público, através das práticas do clientelismo político da cultura do 

favor, apesar da modernização da administração com a burocracia.

 Oliveira Vianna também ressalta este caráter na formação de nos

sas instituições políticas, ao tratar o brasileiro como individualista. Para 

o autor, isto influi diretamente em sua visão do que é público e do que é 

privado, fazendo com que estes laços familiares sejam observados dentro 

de sua atuação na esfera pública, gerando uma visão de tudo privatista, 

desprovido de qualquer preocupação com o outro, que não tenha com ele 

10 

Tradução livre: juiz municipal (juiz municipal) juiz de direito, procurador público (promotor público), 

chefe de polícia do distrito (delegado de polícia) e vários escritórios menores de agências centrais e provinciais. 

Os escritórios superiores incluem os do chefe da polícia provincial (chefe de polícia), presidente provincial e juiz 

do tribunal de apelação (desembargador). Depois de começar sua carreira política, cada pessoa avançou de acordo 

com uma combinação de personalidade, carisma, talento, laços matrimoniais, conexões familiares e oportunidades 

políticas.

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qualquer tipo de ligação. Ao discorrer sobre os partidos políticos, comenta 

que

 Os partidos locais, como se vê, surgiam por meros motivos pes

soais: – eram sempre as ambições, as vaidades e as preocupa

ções de prestígio de família que decidiam da formação destas 

agremiações. Todos eles tinham um objetivo único: – procurar 

para si o apoio do Governador. Este era o centro de força da 

Província e, consequentemente, nas localidades (VIANNA, 

1982, p. 504-512).

 Machado de Assis, em seu conto “A teoria do Medalhão”, de 1891, 

reflete a sociedade do século XIX e destaca a importância dos laços na 

manutenção do status quo. Como conselho ao filho, o pai ensina que

 Essa é publicidade constante, barata, fácil, de todos os dias; mas 

há outra. Qualquer que seja a teoria das artes, é fora de dúvida 

que o sentimento da família, a amizade pessoal e a estima pú

blica instigam à reprodução das feições de um homem amado 

ou benemérito. […] Dessa maneira o nome fica ligado à pessoa; 

os que houverem lido o teu recente discurso (suponhamos) na 

sessão inaugural da União dos Cabeleireiros, reconhecerão na 

compostura das feições o autor dessa obra grave, em que a “ala

vanca do progresso” e o “suor do trabalho” vencem as “fauces 

hiantes” da miséria. No caso de que uma comissão te leve a 

casa o retrato, deves agradecer-lhe o obséquio com um discurso 

cheio de gratidão e um copo d’água: é uso antigo, razoável e 

honesto. Convidarás então os melhores amigos, os parentes, e, 

se for possível, uma ou duas pessoas de representação. Mais. Se 

esse dia é um dia de glória ou regozijo, não vejo que possas, de

centemente, recusar um lugar à mesa aos reporters dos jornais. 

Em todo o caso, se as obrigações desses cidadãos os retiverem 

noutra parte, podes ajudá-los de certa maneira, redigindo tu 

mesmo a notícia da festa (ASSIS, 2007).

 Como se pode notar, o autor revela o comportamento individualista, 

no qual este indivíduo, para ter sucesso, precisa priorizar as relações pes

soais – é uma tradição, e deve ser mantida: “o nome faz a pessoa”.

 358

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REVISTA

 Mesmo após a República, estas práticas permaneceram presentes, 

se readequando às novas relações de poder. As políticas de favores são uti

lizadas com frequência e vistas com normalidade, seja para obter cargos, 

privilégios, vantagens ou votos.

 Hoje, já se fala em neopatrimonialismo. Este, o da contemporanei

dade, que diz respeito não apenas ao Estado, mas a todos aqueles que 

vinculam interesses privados em detrimento do interesse público, que vai 

desde o cidadão que corrompe o guarda de trânsito, ao empresário que 

suborna o fiscal da Receita ou ao político que recebe dinheiro para votar 

um projeto de lei.

 A corrupção como pano de fundo. A lógica patrimonial na moderni

dade se confronta com a legitimação racional legal do poder, não na qual 

prevalece a separação entre o público e o privado. Desta forma, o patrimo

nialismo encontra dificuldade para legitimação em um plano maior. Mas 

nos lugares mais obscuros, ainda é prática comum e continua operando den

tro de todas as camadas da sociedade, inclusive na administração pública.

 Todas as tentativas de reforma aqui apresentadas tiveram um inimigo 

em comum: o fim do patrimonialismo. A instituição da burocracia, a tentati

va de implementação de Estado gerencial, a inserção da participação popu

lar nos processos decisórios foram formas de tentar acabar com a corrupção, 

f

 ilha do patrimonialismo.

 7 CONCLUSÃO

 Diante do panorama histórico apresentado, verificamos que o patri

monialismo brasileiro tem suas origens no Estado patrimonial português, 

e apesar de todas as transformações históricas e culturais, preserva sua 

característica fundamental, representada pela presença nos quadros buro

cráticos de um determinado estamento, e posteriormente classe, que rege 

e governa observando apenas seus próprios interesses, sem atentar para 

359

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as normas legais e à impessoalidade, valor fundamental no exercício do 

múnus público.

 Assim, o brasileiro construiu seu sistema de compreensão do poder 

político: opta por agir como pessoa, não como cidadão. Práticas como o 

coronelismo e o clientelismo, tão comuns no dia a dia do brasileiro nor

malizaram condutas imorais, e transformaram o “jeitinho brasileiro” em 

característica popular.

 O processo colonizatório e suas relações patrimoniais o perpetua

ram pelo Império e pelos primeiros anos da República, originando o apa

recimento de outras formas de poder baseadas no patriarcalismo – presen

te principalmente nos casos de casamentos entre os filhos dos senhores de 

engenho e dos funcionários da administração –, e no coronelismo. Com 

a revolução de 1930, passou-se a discutir reformas na administração pú

blica, tanto no que diz respeito ao funcionalismo, quanto à prestação dos 

serviços, buscando uma saída do modelo tradicional de administração. O 

estabelecimento do modelo burocrático weberiano, e depois o modelo de 

administração gerencial, esbarraram nas práticas neopatrimonialistas que 

surgiram, como o clientelismo, principalmente em razão do aumento da 

desigualdade e da influência dos grandes grupos econômicos na admi

nistração pública, que passaram a ter influência direta em seu processo 

decisório.

 Hoje, as práticas clientelistas são encontradas em uma nova esfera 

de poder, fundadas nas relações entre Estado e empresas (ex.: licitações), e 

utilizadas na grande maioria das vezes para mascarar as relações pessoais. 

Logo, não é o Estado o parceiro, mas aqueles que o personificam, como 

governadores, deputados, senadores.

 Desta forma, o patrimonialismo resiste, incrustado em nossa socie

dade e política. Deixam de ter caráter institucional as relações públicas, 

e passam a ter mais valor as relações interpessoais, permanecendo atua

lizado, o conselho que aquele pai, em pleno século XIX, deu ao filho: “o 

nome faz a pessoa”.

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REVISTA

 REFERÊNCIAS

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 Rev. Controle, Fortaleza, v. 17, n.2, p. 334-363, jul./dez. 2019. A dissertação da autora  Flávia Carvalho Mendes Saraiva

Patrimonialismo é um conceito desenvolvido pelo sociólogo Max Weber que descreve uma forma de organização política e social onde não se distingue entre o público e o privado, levando o governante a tratar o Estado como seu património pessoal ou familiar. Práticas patrimonialistas incluem o nepotismo, o apadrinhamento político e o uso da máquina pública para benefício pessoal, dificultando o desenvolvimento social e económico ao prejudicar a gestão de recursos e o bem-estar coletivo. 

Características do Patrimonialismo

Falta de distinção entre público e privado:

As fronteiras entre os bens do Estado e os bens pessoais dos governantes tornam-se confusas, com o poder sendo exercido para benefício próprio. 

Dominação pessoal:

A autoridade estatal é fundamentada no poder pessoal do governante, que o utiliza para exercer controle sobre suas propriedades e sobre a sociedade. 

Uso da máquina pública para fins privados:

Em vez de priorizar o interesse público, o Estado é utilizado para beneficiar famílias, amigos e apoiadores do governante. 

Nepotismo e clientelismo:

Estas práticas, como a concessão de cargos a familiares e amigos (nepotismo) e a troca de favores (clientelismo), são comuns no patrimonialismo. 

Impedimento ao desenvolvimento:

O patrimonialismo prejudica o progresso social e económico, pois o uso ineficiente e corrupto dos recursos públicos impede o alcance do bem-estar coletivo. 

Origem e Contexto Histórico

Max Weber:

O conceito foi desenvolvido por Max Weber para analisar um modo específico de dominação social e política. 

Brasil colonial:

A estrutura do patrimonialismo está ligada à colonização portuguesa no Brasil, onde a administração das terras se baseava em laços pessoais e familiares, com os donatários tratando as terras como um patrimônio próprio.  Segundo a Mestra e Historiadora Sandra Lima, no Primeiro Período da Habilitação em Jornalismo na Comunicação Social, pelas Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAAM FAAM).

Triste retrato do Brasil. Uma das maiores economias do mundo.

Confira a noticia no Portal G1 da Rede Globo.https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/09/03/afastamento-governador-tocantins-wanderlei-barbosa.ghtml

Confira a noticia no Portal G1 da Rede Globo..   https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/09/03/prefeito-de-macapa-e-alvo-de-operacao-da-pf-que-investiga-fraude-em-licitacao-de-hospital.ghtml

Confira a noticia na Folha de São Paulo.             .   https://www1.folha.uol.com.br/poder/2025/09/governador-de-tocantins-e-afastado-em-operacao-da-pf-sobre-desvio-de-emendas.shtml

E assim caminha a humanidade.

Imagem; Site Politizae.






 


 








 





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