segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Elites .

  As elites brasileiras têm um papel central na manutenção da desigualdade social no país, que possui raízes históricas e se perpetua por meio de diversos mecanismos econômicos, políticos e culturais. A concentração de renda e poder, aliada a uma lógica extrativista e patrimonialista, contribui para um sistema que favorece uma pequena parcela da população em detrimento da maioria. 

Concentração de renda e riqueza

Domínio econômico: O 1% mais rico da população brasileira detém uma parcela desproporcional da riqueza, resultado de um sistema que permite o acúmulo de capital por meio de lucros e dividendos, enquanto a renda do trabalho cresce a um ritmo muito mais lento. Em 2024, um relatório apontou que 63% da riqueza do Brasil estava nas mãos de 1% da população.

Privilégios tributários: A elite se beneficia de um sistema tributário regressivo, no qual os impostos sobre o consumo (que afetam a população mais pobre) são mais altos que os impostos sobre grandes fortunas e lucros. Há evidências de que os 10% mais pobres pagam uma porcentagem maior de sua renda em tributos do que os 10% mais ricos. 

Raízes históricas e estruturais

Legado colonial: A desigualdade social no Brasil é um reflexo do passado colonial, com a influência ibérica, a escravidão e o sistema de grandes propriedades de terra (latifúndios) estabelecendo as bases para a concentração de poder e riqueza.

Racismo e exclusão: A elite, historicamente branca e de origem europeia, utiliza mecanismos culturais e morais para justificar a subordinação e a desumanização das classes populares, principalmente de negros e mestiços, perpetuando o racismo estrutural. 

Mecanismos de perpetuação

Controle político: As elites exercem grande influência sobre o sistema político, garantindo que as políticas públicas sejam favoráveis aos seus interesses. Isso inclui a oposição a políticas redistributivas, a transferência de renda e a taxação de grandes fortunas, como apontado por análises críticas.

Influência ideológica: A elite e a classe média, muitas vezes aliada a ela, reforçam a lógica da meritocracia para justificar a desigualdade, ignorando as barreiras estruturais que impedem o avanço social das classes populares.

Visão colonialista: A mentalidade de parte da elite brasileira, descrita por alguns analistas como colonialista, prioriza o lucro e o investimento em ambientes que favorecem seus interesses, mesmo que isso signifique manter o país em uma condição de precariedade. 

Confira o artigo do autor  Juber MarquesPacífico

RTIGOORIGINAL

 Ainfluência das elites na

 manutenção dasdesigualdades

 sociais no Brasil

 Juber MarquesPacífico1

 RESUMO:Opresente artigo tem como objetivo central analisar

 brevemente a trajetória das desigualdades sociais brasileiras,

 pensadas a partir de sua construção histórica e seu processo de

 naturalização por mecanismos de poder derivados da

 colonização do Brasil, levando em conta a perspectiva da

 dominação das elites e as formas com as quais essa classe

 conseguiu manter seus privilégios e a manutenção de uma

 estrutura social favorável aos seus interesses. A partir das obras

 Elite do atraso, de Jessé Souza, Revolução Burguesa no Brasil,

 de Florestan Fernandes e Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro,

 realizou-se uma revisão e elucidação de fatos históricos e dos

 aspectos sociais envolvidos na temática para apresentar o

 contexto que evidencia a relação direta entre o poder das elites

 e amanutenção das desigualdades sociais.

 PALAVRAS-CHAVE: Desigualdade Social; Elites; Jessé Souza;

 Florestan Fernandes; Darcy Ribeiro.

 Theelites and the maintenance of social

 inequalities in Brazil

 ABSTRACT: The main objective of this article is to briefly analyze the

 trajectory of Brazilian social inequalities, thought from its historical

 construction and its process of naturalization by mechanisms of

 power derived from the colonization of Brazil, taking into account the

 perspective of elite domination and the forms with which this class

 managed to maintain its privileges and the maintenance of a social

 structure favorable to its interests. From the works Elite do atraso, by

 Jessé Souza, Revolução Burguesa no Brasil, by Florestan Fernandes

 and Povo Brasileiro, by Darcy Ribeiro, a review and elucidation of

 historical facts and social aspects involved in the theme was carried

 out to present the context that evidences the direct relationship

 between the power of elites and the maintenance of social

 inequalities.

 KEYWORDS: Social Inequality; Elites; Jessé Souza; Florestan

 Fernandes; Darcy Ribeiro.

 1Mestrando em Ciências Sociais pela UFJF. Bacharel em direito pela UFJF e em Ciências

 Humanas/Ciências Sociais pela mesma instituição. Pós-graduado em Direito Constitucional.

 COMOCITAR:PACÍFICO, Juber Marques. A influência das elites na manutenção das desigualdades sociais no

 Brasil. In: Revista Ensaios, v. 20, jan.-dez., 2022, p. 21-35.

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1. Introdução

 A desigualdade social é tema presente nas grandes discussões das ciências

 sociais no Brasil, por ser indispensável na tentativa de se estabelecer balizas que

 possam nortear e evidenciar a trajetória social, econômica e cultural do país. O

 chamado pensamento social brasileiro, esforço empreendido por diversos autores

 como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro, Florestan

 Fernandes e, mais recentemente, Jessé de Souza, entre muitos outros, tentam refazer

 de maneira crítica a nossa história social.

 Notadamente, a partir do final do século XX, predominou a definição de

 desigualdade social relacionada à diferença entre as possibilidades de acesso e

 obtenção de bens socialmente valorizados. Entretanto, apesar de ser uma definição

 mais prática por ser um fator mensurável, não é a mais adequada, nem deve ser a

 única forma de encarar a complexa realidade que determina a desigualdade social

 como um fenômeno característico das relações da sociedade em todo o mundo.

 Segundo Costa (2019), é necessário pensar em quatro dimensões: desigualdade de

 quê, entre quem, quando e onde. Partindo dessa premissa, é necessário pensar a

 desigualdade social sob vários aspectos, como renda, raça ou acesso às oportunidades,

 uma visão multidimensional que envolve diversos ângulos da vida humana e que

 devem ser pensados de forma interdependente.

 Os diversos atravessamentos presentes na atual conjuntura social, econômica,

 cultural e simbólica, que acabam por afetar diretamente o indivíduo, atualmente

 ganharam ainda mais importância nas pesquisas sociológicas. Temas que outrora não

 ocupavam espaços de relevo nas discussões acadêmicas, hoje possuem

 relevância.Vejamos os inúmeros debates acerca das desigualdades ambientais, ou

 ainda as discussões sobre desigualdade de gênero em ambiente de trabalho– dois

 exemplos que apontam para uma sociologia coerente com as novas realidades.

 A compreensão dessas disparidades exige que se explore o contexto histórico

 de sua construção, os atores e as instituições que fizeram e fazem parte da estrutura

 social daí derivada, bem como analisar os discursos que buscam justificar a

 manutenção do status quo. Nesse ponto, pretende-se expor de que forma as elites, ao

 longo de uma empreitada histórica, criaram e naturalizaram a estratificação social para

 manter privilégios e propagar a ideia de inferioridade das classes vulneráveis, sem

 possibilitar que qualquer mecanismo abrisse portas para superar as desigualdades e

 modificar a estrutura social.

 Para adentrar nessa discussão, utilizou-se da metodologia de revisão

 bibliográfica, sendo de destaque as obras de três sociólogos brasileiros que

 contribuíram de maneira substancial para a temática e que tentam descortinar as

 causas e as possíveis soluções para a desigualdade no país: Jessé Souza, com A elite do

 atraso (2019), Darcy Ribeiro, com O povo Brasileiro (1995) e Florestan Fernandes, com

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A revolução burguesa no Brasil (2006). Tais obras apresentam certa afinidade na ideia

 de uma sociedade marcada por diferenças importantes entre as classes que a compõe,

 permitindo tal aproximação.

 2. Desigualdade social no Brasil

 NoBrasil, a disparidade social é caracterizada principalmente pela concentração

 de riquezas na mão de um seleto grupo, pelo preconceito racial, pela exploração do

 trabalho, pela escassa participação de boa parte da população nas decisões políticas,

 pela diferença no acesso e no nível educacional, dentre tantos outros aspectos que

 causam ou derivam desses fatores. E o resultado dessas disparidades é, de um lado, a

 exclusão, a limitação e vulnerabilidade; e, de outro, o oportunismo e o privilégio.

 Essas desigualdades sociais não surgiram da noite para o dia: elas refletem,

 necessariamente, processos históricos de longo prazo pelos quais a sociedade

 brasileira e tantas outras no mundo, ainda que com suas diferenças, já passaram. Sobre

 essa perspectiva, importa observar que, apesar de momentos e tentativas de

 diminuição e erradicação das desigualdades, existem interesses na sua manutenção e

 perpetuação na estrutura social, e não há perspectivas de grandes mudanças nesse

 quadro.

 Jessé Souza, em seu livro A elite do atraso, destaca que em países europeus, os

 quais os brasileiros normalmente admiram, também existe desigualdade social, mas

 “ela não é abissal como aqui” (SOUZA, 2019, p. 84). Segundo o autor, a diferença é que

 a Europa se preocupou em criar condições sociais mais homogêneas para todas as

 classes.

 Por outro lado, no Brasil, desde a colonização, tem sido naturalizado o

 fenômeno da desigualdade social como forma de manter a relação de distanciamento,

 preconceito e dominação das elites sobre as classes populares. Essa herança

 escravocrata não perpetuou apenas o preconceito e desigualdade relacionados à cor

 da pele, mas serve de pano de fundo para justificar as diferenças de classes daí

 decorridas. Porém, como bem pontua Souza (Ibidem), ao contrário da cor da pele, as

 classes podem ser modificadas e, por isso, deve-se prestar atenção nas “carências que

 reproduzem as misérias”.

 A condenação escravocrata, que outrora se relacionava à raça, passa a ser uma

 condenação de classe. O escravo brasileiro na atualidade é aquele que forma a classe

 trabalhadora, o que Souza (Ibid.) chama de “batalhadores”, os alvos da elite do

 dinheiro com suas raízes escravocratas. Nesse sentido, Felix (2017, p. 93) afirma que a

 manutenção da ralé, termo utilizado por Souza para se referir às classes mais baixas da

 pirâmide social brasileira, será resultado dos esforços das elites do país nos ataques aos

 seus direitos.

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Essencial salientar que, apesar de a escravidão ao longo da nossa história ter

 ganhado novas formas e instrumentos, a relação entre elites e classes trabalhadoras

 passa necessariamente pela questão racial. As elites brasileiras, detentoras do poder e

 do controle dos meios de produção, na visão marxista, ou aqueles que possuem acesso

 ao capital cultural, na concepção bourdieusiana, são os brancos. Aos negros sobram os

 empregos menos remunerados, limitação no acesso à cultura, e a vulnerabilidade em

 todos os sentidos.

 Analisando a obra de Souza, Felix (2017, p. 92) cita o impeachment da

 Presidente Dilma Rousseff como exemplo evidente do pacto entre os donos do poder

 para perpetuar uma sociedade cruel e forjada na escravidão. A reforma trabalhista que

 penalizou os batalhadores, a redução do poder de fiscalização do trabalho escravo e a

 limitação na divulgação da lista suja de empresas que praticam trabalho análogo à

 escravidão seriam alguns dos vários exemplos de um golpe empreendido pelas elites

 para a manutenção de seus privilégios.

 O processo de manutenção das desigualdades é longo e constante. Durante o

 período de urbanização no Brasil, manteve-se a estrutura de distribuição desigual de

 privilégios perpetrada pela aristocracia da época. Mais uma vez, a intenção de manter

 a divisão social não seria superada, pois não havia esse interesse, pelo contrário, havia

 a “tendência nítida de defesa do desnivelamento dos privilégios daquela aristocracia”

 (FERNANDES, 2006, p. 46).

 A Revolução Burguesa, que tinha o intuito de modificar a estrutura política e

 econômica do país enquanto colônia, também sequer levou em consideração modificar

 as condições da população mais vulnerável, mas apenas de uma minoria de

 interessados. Segundo Fernandes (2006, p. 50),

 as elites nativas não se erguiam contra a estrutura da sociedade colonial.

 Mas, contra as implicações econômicas, sociais e políticas do estatuto

 colonial, pois este neutralizava sua capacidade de dominação em todos os

 níveis da ordem social.

 Mais do que isso, era premente para essa elite a “consecução de dois fins

 políticos interdependentes: a internalização definitiva dos centros de poder e a

 nativização dos círculos sociais que podiam controlar esses centros de poder” (Ibid.).

 A industrialização, a implantação e expansão do capitalismo também foram

 fatores que contribuíram para manter e ampliar o liame da desigualdade social,

 intensificando a formação e divisão da sociedade de classes. É o avanço desses

 processos que ajudou a criar o que ainda se vê atualmente, uma “classe trabalhadora

 crescentemente precarizada e ameaçada pelo desemprego e por cortes de direitos”

 (SOUZA, 2019, p. 100). O discurso que tenta responsabilizar os trabalhadores pelas

 problemáticas econômicas do país parece naturalizado, sempre se pensa em cortar

 direitos dos trabalhadores quando se quer beneficiar ainda mais aqueles que já

 possuem privilégios.

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Essa crescente distância entre estratos sociais e a forma intencional com que os

 processos de avanço das estruturas socioeconômicas perpetuaram as desigualdades

 condicionaram as camadas mais altas da sociedade a enxergar a ralé, nas palavras de

 Jessé Souza, como uma ferramenta de trabalho para produzir e gerar lucro, oferecendo

 o mínimo dedireitos para que eles continuem a exercer seu papel,

 Nem podia ser de outro modo no caso de um patronato que se formou

 lidando com escravos, tidos como coisas e manipulados com objetivos

 puramente pecuniários, procurando tirar de cada peça o maior proveito

 possível. Quando ao escravo sucede o parceiro, depois o assalariado

 agrícola, as relações continuam impregnadas dos mesmos valores, que se

 exprimem na desumanização das relações de trabalho (RIBEIRO, 1995, p.

 212).

 A ideia de naturalização da desigualdade social deriva também da noção de que

 essa estratificação construída historicamente é resultado da sua adoção como um

 “negócio” que enobrece e privilegia uma elite, tornando-os dominadores, e que

 degrada e subjuga os demais, encarados como objeto de enriquecimento. Mesmo com

 avanços pontuais na melhora da vida dos mais vulneráveis, o Brasil não tem

 conseguido se estruturar para garantir à população condições favoráveis de

 sobrevivência e progresso. Pelo contrário, o que se intensifica são os privilégios de uma

 pequena camada preocupada exclusivamente com interesses próprios.

 A continuidade desse processo de construção e manutenção das desigualdades

 sociais ao longo da história do país resulta para a sociedade, como afirma Ribeiro, em

 “incompatibilidades insanáveis”, como “a incapacidade de assegurar um padrão de

 vida, mesmo modestamente satisfatório, para a maioria da população nacional; a

 inaptidão para criar uma cidadania livre” que expõe a fragilidade da base na qual foi

 construído o sistema democrático brasileiro (1995, p. 218). Inclusive, isso se reflete na

 política, na elegibilidade de representantes que muitas vezes se mostram adversários

 das classes populares, mas que conseguem manipular e comprar votos dessa massa de

 eleitores.

 Aperpetuação da desigualdade social e sua consequente naturalização também

 derivam da reprodução, da transmissão familiar de ideologias, recursos e perspectivas

 dentro das próprias classes sociais, que dificilmente se modificam ao longo da vida dos

 indivíduos que as integram. Ou seja, “o privilégio de uns e a carência de outros são

 decididos desde o berço” (SOUZA, 2019, p. 85).

 Para Jessé Souza (2019), a partir de 1930, a elite passou a utilizar um

 mecanismo construído de modo consciente e planejado para manter um “pacto

 antipopular” que mistura aspectos racionais, como manutenção dos privilégios, e

 irracionais, como ódio e ressentimento de classes. Por conta disso, é como se existisse

 uma “lei da desigualdade”, invisível e silenciosa, que dita quem pode e quem não pode

 ser rico, quem pode e quem não pode dominar na ordem social.

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Assim, o Brasil se vê dividido, basicamente, em três estratos sociais: a elite,

 composta por um pequeno número de pessoas mais ricas, a classe média, formada por

 boa parte da população, e a classe popular, que conta com um número relevante de

 indivíduos que vivem à margem da sobrevivência.

 Na visão de Ribeiro (1995), existem quatro classes, denominadas “classes

 dominantes”, “classe intermediárias”, “classes subalternas” e “classes oprimidas”. Essas

 classes não poderiam ser colocadas numa estrutura triangular, mas sim de um losango,

 com um topo finíssimo formado pela classe dominante, seguido por um número pouco

 maior da classe intermediária, um pescoço que se alarga, representando trabalhadores

 regulares e consumidores, e a linha mais ampla com a parte marginalizada da

 população, a classe subalterna.

 A classe dominante representa a mínima parcela da população e possui

 efetivamente o poder sobre a sociedade, inclusive devido ao “apoio” das outras classes

 (RIBEIRO, 1995). É aquela que, ao longo do tempo, possui o maior interesse em manter

 os traços da desigualdade social.

 Já a classe intermediária representa um quantitativo bem maior em relação à

 dominante, normalmente tendo o papel de apaziguar ou intensificar tensões sociais, já

 que possuem cargos que de alguma forma são relevantes socialmente, mas que,

 apesar disso, não se preocupam em mudar o quadro social, e sim manter a ordem

 vigente (Ibidem). Além disso, é a classe que mais ajuda a elite a se manter no poder e

 perpetuar as desigualdades sociais, inclusive tentando tirar vantagem disso.

 A classe subalterna e a oprimida formam a maior parte da população. A

 primeira integra a vida social regular, tem empregos estáveis, faz parte do sistema

 produtivo e consumerista, preocupando-se em defender o que já possui e obter mais,

 sem que isso necessariamente seja uma forma de transformação social. Por fim, a

 classe oprimida é o elo mais fraco da desigualdade social. Excluídos, que buscam fazer

 parte do sistema produtivo e ter acesso ao mercado, são marginalizados, grande parte

 julgados por sua raça (normalmente pretos e mulatos), com trabalhos informais e

 recebendo o mínimo para o próprio sustento (Ibidem).

 Com este panorama, é possível entender porque o maior enfoque da

 desigualdade social brasileira é voltado para as questões socioeconômicas. Como bem

 pontua Ribeiro, “a distância social mais espantosa do Brasil é a que separa e opõe os

 pobres dos ricos” (1995, p. 219). Isso porque a renda é um fator que automaticamente

 coloca os indivíduos como pertencentes a determinada classe e também os imprime o

 rótulo de privilegiados ou oprimidos. Daí deriva uma cadeia de processos que mantêm

 a “lei da desigualdade” em funcionamento, impossibilitando a ascensão da maioria da

 população e ratificando a institucionalização desse sistema desigual.

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3. Asdimensõesdasdesigualdades sociais no Brasil

 É importante compreender os mecanismos de poder presentes na sociedade

 brasileira que bloqueiam as formas de reação das classes dominadas e como elas

 ocorrem em meio a um país que sedizdemocrático. A base para a desigualdade social

 no Brasil foi formada por uma sucessão de atos e acontecimentos em favor da

 naturalização do sistema de dominação e elitização da democracia. Portanto, torna-se

 plausível estudar os discursos que buscam justificar e desmascarar a perpetuação das

 desigualdades sociais no Brasil.

 Dentre as proposições que justificam a desigualdade, cabe o relato daquelas

 que se referem à herança deixada pelo passado colonial brasileiro, à que expõe o papel

 do Estado e a influência da corrupção política, e a diferença e oportunidade de acesso

 à educação de qualidade.

 3.1. O passado que condena

 A trajetória dos estudos sociológicos no Brasil– notadamente construída ao

 longo do século XX por autores criticados por Jessé Souza, entre os quais Gilberto

 Freyre, Buarque e Faoro– criou um tipo de culturalismo racista, ancorando um

 pensamento sociológico de “vira-lata” e que muito desconhece as verdadeiras raízes

 do drama da desigualdade. Para Souza, é na escravidão submetida ao país que se

 apoiam as bases fundamentais da desigualdade social atual. A colonização é, portanto,

 responsável por estabelecer hierarquia entre colonos e colonizados, exploradores e

 explorados.

 A cultura colonizadora dos portugueses, a escravidão e a exploração são as

 raízes que desencadearam o processo histórico de práticas e princípios que geram a

 desigualdade no país. Conforme esclarece Lopez, esse discurso

 [...] associa a desigualdade atual à herança institucional e cultural do

 passado remoto. A cultura dos colonizadores portugueses ou nascida da

 escravidão é a raiz das práticas e valores que, hoje, geram as desigualdades.

 É assim que a associação entre conceitos sociológicos como colonização de

 exploração e patrimonialismo compõe o léxico das explicações das mazelas

 brasileiras atuais, neste caso, herdadas dos portugueses (LOPEZ, 2020, p. 59)

 A naturalização das hierarquias sociais derivadas do sistema de escravização do

 povo foi determinante para que fosse disseminado a indiferença social em relação aos

 pobres, o que Jessé Souza viria a denominar de “ódio ao pobre”. Esse sentimento aos

 mais humildes, construído ao longo do tempo pela escravidão, estabeleceu uma

 distinção clara entre “nós e eles”. Aos mais pobres cabe a reprodução do trabalho

 realizado por seus ascendentes há 500 anos, braçal e menos remunerado, uma

 escravidão doméstica. Pode-se concluir, portanto, que a escravidão só prosperou com o

 ódio ao escravo, e que o Brasil de hoje é marcado não só pela sua exclusão, mas

 também pela sua humilhação (SOUZA, 2017).

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Ainda que muito dessa desigualdade inicialmente tenha mudado, com parcela

 da população marginalizada conseguindo mobilidade social, com o reconhecimento da

 dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais inerentes, as transições

 históricas pelas quais o Brasil passou jamais apagaram as desigualdades criadas

 anteriormente. Discursos racistas, a estrutura de dominação, humilhação e opressão

 escravocrata deixaram claros vestígios de ser a “herança maldita” que até hoje assola a

 população mais vulnerável da sociedade brasileira (SOUZA, 2019).

 3.2. O Estado e acorrupçãopolítica

 Por essa justificativa, o Estado teria a culpa sobre a desigualdade social no país

 devido à corrupção política perpetrada por seus agentes, governantes ou políticos. A

 administração estatal e as políticas públicas são utilizadas como ferramentas para

 desviar recursos públicos que deveriam ser direcionados a atender as necessidades do

 povo e, com isso, amenizar as desigualdades.

 Além disso, existe outro argumento que integra esse discurso e que está ligado

 à distribuição dos recursos para pagar e beneficiar os agentes do Estado. Segundo

 Lopez, “a variação do argumento é relacionar a desigualdade às remunerações e aos

 benefícios materiais do cargo político, percebido como via complementar para

 apropriação indevida de recursos públicos” (2020, p. 59).

 Ocorre que esse discurso já foi muito criticado, pelo fato de se considerar que

 essa corrupção deriva da herança cultural maldita deixada pelos portugueses, sem se

 pensar sobre outros agentes que atuam “silenciosamente” para interferir no Estado. É

 nesse ponto que se encaixa o termo justificativo para as mazelas políticas, o famoso

 “jeitinho brasileiro” de conseguir as coisas. Jessé Souza esclarece que esse termo se

 refere ao “capital social de relações pessoais”, que foi naturalizado devido à sua

 repetição e fácil explicação para as práticas sociais vantajosas. Assim, o termo se

 tornou tão comum, que passou a ser “pensado como algo generalizável para todos os

 brasileiros de todas as classes” (SOUZA, 2019, p. 86-87).

 A crítica do autor vem desmascarar justamente esse ponto. Os problemas do

 país seriam oriundos de seu processo de colonização que resultou na influência da

 elite, do setor privado e do mercado nas instituições. O chamado “jeitinho brasileiro”

 acaba por encobrir algo essencial na conclusão do raciocínio: a escravidão é a raiz das

 grandes disparidades existentes e responsável por impedir as transformações

 necessárias.

 Para Darcy Ribeiro, a lentidão dos processos revolucionários no Brasil é por

 culpa da resistência das classes dominantes, independente da estrutura arcaica e do

 atraso econômico que isso provoca.

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 A mais grave dessas continuidades reside na oposição entre os interesses do

 patronato empresarial, de ontem e de hoje, e os interesses do povo

 brasileiro. Ela se mantém ao longo de séculos pelo domínio do poder

institucional e do controle da máquina do Estado nas mãos da mesma classe

 dominante, que faz prevalecer uma ordenação social e legal resistente a

 qualquer progresso generalizável a toda a população. Ela é que regeu a

 economia colonial, altamente próspera para uma minoria, mas que

 condenava o povo à penúria. Ela é que deforma, agora, o próprio processo

 de industrialização, impedindo que desempenhe aqui o papel transformador

 que representou em outras sociedades (RIBEIRO, 1995, p. 250).

 Florestan Fernandes (2006), com o mesmo pensamento, afirma que, no período

 de transição para a independência brasileira, o Estado se mostrou desde o início como

 o alvo das elites e como uma entidade que poderia ser manipulável com vista à sua

 adaptação aos seus interesses econômicos, inclusive para implantação da política do

 liberalismo.

 Na fase de transição, as elites nativas encaravam o Estado, naturalmente,

 como “meio” e “fim”: “meio”, para realizar a internalização dos centros de

 decisão política e promover a nativização dos círculos dominantes; e o “fim”

 de ambos os processos, na medida em que ele consubstanciava a

 institucionalização do predomínio político daquelas elites e dos “interesses

 internos” com que elas se identificavam (FERNANDES, 2006, p. 53).

 Por outro lado, não seria possível perpetuar a tese de que essa corrupção do

 Estado é devido a uma transmissão cultural dos portugueses. Para Souza, isso é apenas

 uma construção fantasiosa do culturalismo racista que supõe uma “continuidade

 cultural com Portugal” que é transmitida de forma automática, como “um código

 genético”. Na verdade, os indivíduos são formados de acordo com as instituições que

 os rodeiam, como família, escola, economia, política e mercado (SOUZA, 2019, p. 39).

 É a partir dessa dominação e exploração mascarada do Estado pelas elites que

 surge a definição da política nacional como patrimonialista, isto é, o Estado brasileiro

 foi montado sob a imagem do homem cordial, que não distingue o público do privado.

 Este é o ponto em que o Estado é demonizado e o mercado poupado, como se deste

 nada de mal viria, porém, numa sociedade capitalista, quem detém o poder é

 justamente o mercado.

 Criticando a visão de Sérgio Buarque sobre esse patrimonialismo de uma elite

 derivada da herança portuguesa, Jessé Souza afirma que isso esconde a verdadeira

 elite do mercado que controla o aparato estatal, inclusive com poder de colocar sua

 chefia sob políticos que protejam seus interesses.

 Como a elite que vampiriza a sociedade está, segundo ele, no Estado,

 abre-se caminho [...] para uma concepção do mercado que é o oposto do

 Estado corrupto. Com isso, não só o poder real, do mercado e dos

 endinheirados, é tornado invisível, como o Estado é tornado o suspeito

 preferido [...] de todos os malfeitos. Essa ideia favorece os golpes de Estado

 baseados no pretexto da corrupção seletiva, mote que sempre é levado à

 baila quando o Estado hospeda integrantes não palatáveis pelo mercado

 ávido de capturá-lo apenas para si (SOUZA, 2019, p. 33).

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Nesse ponto, a corrupção do Estado passa a ser a corrupção do e para o

 mercado, tornada invisível para não mostrar os verdadeiros culpados, que manipulam

 legal e ilegalmente a máquina pública em favor dos seus interesses.

 Por outro lado, observa-se também a dificuldade que as classes mais oprimidas

 têm deinfluenciar nas decisões políticas as quais tendem a afetar seu próprio destino e

 concepções pessoais. Para Costa, isso se materializa justamente “nas distribuições

 assimétricas dos direitos políticos e sociais” (2019, p. 57).

 As classes vulneráveis, apesar de muito terem avançado em termos de

 conquista de direitos humanos, de cidadania, trabalho, entre outros, ainda

 permanecem à mercê de uma posição socioeconômica desigual, que não os permite

 uma proteção contra as mazelas que o sistema de poder criou para manter inacessíveis

 as oportunidades e privilégios. Esse quadro também é reflexo do sistema de educação

 brasileiro e da grande disparidade de qualidade entre o ensino público e privado, como

 será discutido no tópico a seguir.

 3.3. A disparidade entre níveis e oportunidades

 educacionais

 Em sua obra mais aclamada, O capital no século XXI, Thomas Piketty afirma que

 “No longo prazo, a força que de fato impulsiona o aumento da igualdade é a difusão do

 conhecimento e a disseminação da educação de qualidade” (2014, p. 29). As palavras

 do autor nos indicam que a educação ocupa lugar importante na determinação da

 desigualdade, pois é a partir dela que se vislumbra a possibilidade de mobilidade social

 e participação do mercado. Contribuindo com o tema, Lopez entende que a educação é

 um fator associado à empregabilidade e poder aquisitivo, pois a “educação é o meio

 para ampliar as oportunidades de emprego e renda” (2020, p. 60).

 O palco forjado para justificar as disparidades educacionais normalmente é

 relacionado à meritocracia, segundo a qual as posições sociais são resultado de

 conquistas pessoais dos indivíduos e não de fatores sociais externos. O argumento é

 aprimorado quando se diz que as pessoas deixam a escola por futilidades e desleixo,

 que não aproveitam as oportunidades que a vida oferece.

 Não é preciso ir muito longe para desmascarar esse discurso: veja-se a

 diferença entre a classe média e a classe oprimida. Geralmente, a primeira desde cedo

 é estimulada pela família a adquirir capital intelectual e focar nos estudos. Todo o seu

 tempo é dedicado àquilo que lhe permitirá o sucesso escolar e profissional, mantendo

 a cultura da sua classe, já que “todas as vantagens culturais e econômicas se juntam,

 mais tarde, para a produção, desde o berço, de um campeão na competição social”

 (SOUZA, 2020, p. 91).

 Por outro lado, a classe oprimida, em sua maioria constituída por uma família

 desestruturada, ainda que insista na educação como forma de escapar à pobreza, não

 30

é isso que a criança percebe, afinal, não funcionou para seus pais. Além disso, muitas

 dessas crianças ainda novas passam a trabalhar informalmente para complementar a

 baixa renda familiar e, consequentemente, não há prioridade para os estudos e para a

 formação crítica sobre sua realidade, o que impossibilita enxergar qualquer melhoria

 de vida. “São produzidos, nesse contexto, seres humanos com carências cognitivas,

 afetivas e morais, advindo daí sua inaptidão para a competição social” (SOUZA, 2019,

 p. 93).

 Sobre outra perspectiva, a desigualdade atrelada à educação se conecta ao

 quadro de corrupção do país, que reduz as oportunidades que poderiam ser criadas a

 partir de políticas públicas de qualidade, mas que, ao invés disso, sofrem com os

 desvios de recursos públicos e com o sucateamento das escolas e da educação pública.

 A disparidade dos níveis e da qualidade educacional entre classes podem explicar a

 desigualdade, mas esse problema resulta, em parte, por conta da corrupção política.

 Assim, sem conseguir mobilidade social, a classe oprimida continua pobre e

 vivendo à margem da sociedade, enquanto as classes mais abastadas podem pensar e

 moldar seu futuro, já que vivem se dedicando para obter conhecimento.

 À pobreza econômica foi acrescentada a pobreza em todas as outras

 dimensões da vida. Se a pobreza econômica, por exemplo, implica foco no

 aqui e no agora por conta das urgências da sobrevivência imediata, toda a

 atenção se concentra necessariamente no presente e nunca no futuro, posto

 que é incerto. Por outro lado, olhar para o futuro é o que constrói o

 indivíduo racional moderno, que sopesa suas chances e calcula

 constantemente onde deve investir seu tempo e suas habilidades. A prisão

 no aqui e no agora tende a reproduzir no tempo, portanto, a carência do

 hoje, e não a saída para um futuro melhor (SOUZA, 2019, p. 93).

 Isso condiz com a manutenção da desigualdade, pois a educação é um caminho

 para sua correção, e criar oportunidades de igualdade educacional seria um passo para

 romper com a estrutura social de dominação, distribuindo mais o capital econômico e

 cultural, o que não é desejável pelas elites.

 3.4. A concentração de riqueza e o sistema econômico

 A má distribuição de renda, com a concentração de maior parte das riquezas

 nas mãos de pouquíssimos e a maior parte da população tendo o mínimo para

 sobreviver, é mais um dos fatores que justificam a desigualdade social brasileira.

 Obviamente, mais renda significa melhor moradia, mais acesso à assistência médica,

 mais acesso à educação, lazer e tantas outras condições de vida melhores.

 Outrossim, o sistema econômico brasileiro foi sendo moldado e naturalizado à

 estrutura de classes derivada da sociedade colonial que, ao longo de seu processo

 histórico, foi firmando os obstáculos de ordem social, ideológica, política e cultural

 para impedir a mobilidade social das classes oprimidas. Isso se perpetuou e

 intensificou com a implantação e expansão do sistema capitalista desde a revolução

 burguesa que, conforme Fernandes, construiu uma ordem social provinda da opção

 31

dessa classe “por um tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira às

 iniquidades do desenvolvimento desigual interno e da dominação imperialista externa”

 (2006, p. 353).

 Esse é o mesmo sistema capitalista que ainda hoje preza pelo lucro acima de

 tudo e ao custo de explorar uma mão-de-obra barata, oprimida, miserável e resignada

 com seu destino, com a pobreza, com o desrespeito aos direitos e o tratamento

 desumano. Como bempontua Florestan Fernandes:

 Parece incrível que esse tipo de opressão sistemática possa existir nos dias

 atuais; e, mais ainda, que ela e os terríveis mecanismos de repressão a que

 precisa recorrer possam ser conciliados com os ideais igualitários, de

 respeito à pessoa humana, aos direitos fundamentais do homem e ao estilo

 democrático de vida” (FERNANDES, 2006, p. 353).

 Outro ponto é que o sistema econômico brasileiro legaliza políticas públicas que

 buscam diminuir as disparidades sociais, ao mesmo tempo que cria outras que as

 amplifica, tendo como exemplo, principalmente, políticas tributárias regressivas que

 pesam excessivamente sobre os pobres, mas que não afetam na mesma medida os

 ricos e ainda os beneficia.

 Evidentemente, isso pode ser associado ao que foi visto no tópico sobre o

 Estado e a corrupção política, pois, mais uma vez, o sistema econômico é corrompido e

 utilizado como um mecanismo de controle da estratificação social e da perpetuação da

 distribuição desigual da renda pelas classes dominantes que, notadamente, reflete nas

 outras esferas da desigualdade social.

 4. Aselites e seu papel sobre a desigualdade

 Uma coisa pode ser notada a partir do que foi dito até aqui: a elite aparece por

 qualquer ângulo que se estude a questão da desigualdade social no Brasil, e, além

 disso, consegue se tornar uma manipuladora invisível da “lei da desigualdade”. Sua

 denominação variou ao longo do processo histórico de construção da estratificação

 social: colonizador, senhorio, burguesia, elite etc., sempre aqueles que pertenciam às

 classes sociais mais altas e que detinham algum poder sobre a estrutura social vigente.

 É possível notar também que as instituições públicas, com destaque para o

 Estado, serviram de panaceia para encobrir as forças das classes dominantes sobre a

 estrutura social do país, que atuaram, além de escultoras de sua própria prosperidade,

 como “reitora do processo de formação do povo brasileiro. Somos, tal qual somos, pela

 fôrma que ela imprimiu em nós, ao nos configurar, segundo correspondia a sua cultura

 e a seus interesses” (RIBEIRO, 1995, p. 178). No mesmo sentido é a observação de

 Florestan Fernandes:

 32

 Dessa forma, as classes e os setores de classes burguesas podiam aproveitar,

 estrutural e dinamicamente, as vantagens de sua condição de minoria, ou

 seja, dos ‘pequenos números’, utilizando tais vantagens de modo consciente,

 deliberado e organizado. Essa concentração e essa centralização do poder

real processavam-se, simultaneamente, em dois níveis: o das relações

 diretas de classes; e o de dominação de classe mediada pelo Estado nacional

 (FERNANDES, 2006, p. 391).

 Para Jessé Souza, a elite que habita o Estado, apesar de possuir sua influência

 sobre o quadro social brasileiro, não é ainda aquela que dita as regras. Foi dada toda a

 atenção sobre o patrimonialismo para que se acobertasse a verdadeira corrupção. A

 lógica mercadológica capitalista e a verdadeira elite manipuladora estão fora do

 Estado: a mídia. A elite do atraso é, portanto, uma elite que controla as mídias e,

 através dela, manipula a classe média, movendo as peças do jogo político de acordo

 comseus interesses (SOUZA, 2019).

 Cabe ainda mencionar que a dominação da elite, na visão de Jessé de Souza,

 ocorreu, durante todo o seu processo, através da criação e propagação de ideias e pela

 força das instituições sociais. De umas décadas para cá, a principal ferramenta utilizada

 pela elite para manipular e distribuir essas ideias foi a mídia (programas de tv,

 imprensa, editoras, jornais etc.). Este seria o poder simbólico que esconde a

 responsabilidade da elite e de seus instrumentos, que ficam invisíveis e nunca são

 trazidos à luz, assim como deslegitima qualquer ação ou ideia que tenha a ver com

 demandas populares (Ibidem).

 Além da mídia, há um outro elemento que pode ser visto como mais uma

 vítima desse sistema, mas que também possui responsabilidade pela ampliação e

 manutenção da desigualdade social: a classe média (Ibid.). Ela que se apresenta como

 “capataz” da elite, se organiza, controla e difunde ideias e valores de vida, que também

 é manipulada pela mídia, que tem interesse de manter seus privilégios, eleger seus

 políticos e se incomoda com ampliação do acesso à cultura, ao lazer, ao ensino, à

 política, enfim, com a possibilidade de compartilhar oportunidades com menos

 desigualdade.

 Dessas conjunções e manipulações sociais, econômicas, culturais e políticas,

 derivam o atraso brasileiro em relação aos princípios de uma sociedade democrática,

 na qual a maior parte da população não tem, na realidade, a liberdade de ser ou ter o

 que quiser, senão indo contra todo um sistema montado para dificultar ou impedir que

 o faça. É interessante destacar o que aponta Darcy Ribeiro:

 O ruim aqui, e efetivo fator causal do atraso, é o modo de ordenação da

 sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre

 sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus. Não há, nunca

 houve, aqui um povo livre, regendo seu destino na busca de sua própria

 prosperidade. O que houve e o que há é uma massa de trabalhadores

 explorada, humilhada e ofendida por uma minoria dominante,

 espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto

 de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma da

 ordem social vigente (RIBEIRO, 1995, p. 452).

 Assim, os traços de poder de uma minoria elitizada sempre irradiaram por

 todos os níveis de organização da sociedade, dependendo dela o avanço ou o colapso

 33

do sistema. Essa elite não quer, e não pode, sem se destruir, renunciar aos privilégios e

 vantagens do controle social, econômico, cultural e político, e do controle sobre as

 classes e instituições.

 5. Considerações finais

 O surgimento da desigualdade social no Brasil e seu processo de naturalização

 iniciou-se com a colonização do país e, consequentemente, com a escravidão. As elites

 conseguiram, ao longo da nossa história, fortalecer seus poderes e exercer cada vez

 mais influência sobre as instituições, das quais o Estado foi o principal alvo e

 ferramenta para manter o controle da ordem social e, mais tarde, para acobertar a elite

 em sua empreitada de manipulação da esfera pública em favor de seus próprios

 interesses e do mercado.

 Observa-se que a naturalização levou séculos, mas tem cumprido seu objetivo

 de manter a estratificação social e criar uma cultura de menosprezo sobre as classes

 vulneráveis. O desinteresse, e mais do que isso, a necessidade da distribuição desigual

 e injusta de educação, cultura, renda, trabalho, oportunidades e tantos outros fatores,

 ajudam na manutenção da desigualdade e criam a perspectiva de impossibilidade de

 mobilidade social.

 A mídia também é usada como ferramenta de propagação de ideias que

 atendam ao interesse da minoria dominante. Além disso, há o papel da classe média

 de atuar como intermediária entre a classe pobre e a elite, geralmente favorecendo

 aos interesses desta para manter os seus distantes daquela.

 O que se percebe é que são pouquíssimas as chances de reforma da ordem

 social vigente, já que, como demonstrado, a elite sempre esteve pronta para impedir

 qualquer ameaça a sua estrutura de poder e dominação sobre as demais classes. Essa

 seria a forma como funciona e prospera silenciosamente a evidente e histórica

 disparidade de classes que impede a construção de uma sociedade mais justa.

 Referências bibliográficas

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 marcos da revolução burguesa. Perspectivas: Revista de Ciências Sociais, v. 53, 2019.

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 Ponto-e-Vírgula: Revista de Ciências Sociais, n. 22, p. 92-96, 2017.

 FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: ensaio de interpretação

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 34

LOPEZ, Félix. Repertórios sobre as Razões da Desigualdade no Brasil. Boletim de

 Análise Político-Institucional (BAPI), n. 23, jun. 2020. Disponível em:

 http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/10172. Acesso em: 14 de set. 2021.

 PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Tradução: Monica Baugarten de Bolle. 1. Ed.

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 RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 2. Ed. Curitiba:

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 RIZEK, Cibele Saliba. Jessé de Souza- A elite do atraso: da escravidão à Lava-Jato: À

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 SILVA FERREIRA, Ricardo Bruno da; FERNANDES, Isabela Duarte. Onde os fracos não

 têm vez: a elite do atraso ou o atraso da elite. Teoria e Cultura, v. 13, n. 2, 2018.

 SOUZA, Jessé. A elite do atraso. 1. ed. Rio de Janeiro: Estação Brasil, 2019.

 SOUZA, Jessé. Jessé Souza: É preciso explicar o Brasil desde o ano zero. Entrevista

 concedida a Amanda Massuela. Revista Cult (online). São Paulo: Bregantini, 2017.

 Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/jesse-souzaisponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/jesse-souza-a-elite-do-atraso/.

 Acesso em: 14 set. 2021.. O artigo do autor  Juber MarquesPacífico.

As nossas elites. Também são pegas em malfeitos. 

Confira a reportagem no UOL                         https://noticias.uol.com.br/colunas/natalia-portinari/2025/10/27/empresario-suspeito-de-elo-com-o-pcc-e-processado-pela-shell-apos-prisao.htm

 .E assim caminha a humanidade .

Imagem ; Site Sideshare, 




 


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