O patrimonialismo é uma forma de dominação política em que a distinção entre o que é público e o que é privado é inexistente ou muito tênue. Nesse sistema, o Estado é tratado como uma extensão do patrimônio pessoal do governante, que usa os bens e cargos públicos para satisfazer seus próprios interesses e os de seus aliados.
Origem do conceito
O conceito de patrimonialismo foi desenvolvido pelo sociólogo alemão Max Weber, que o usou para analisar sociedades com uma dominação de caráter tradicional. Em oposição ao Estado moderno, que se baseia na dominação racional-legal e na burocracia, o Estado patrimonial é caracterizado pela submissão do aparelho estatal aos interesses pessoais do chefe político.
Características principais
Confusão entre o público e o privado: O traço mais marcante é a apropriação dos recursos e do aparato estatal pelo detentor do poder, como se fossem sua propriedade pessoal.
Dominação tradicional: O poder é legitimado pela tradição, pelo costume, e não pela meritocracia ou por leis impessoais.
Nepotismo e clientelismo: Cargos públicos são distribuídos com base na lealdade e no favorecimento pessoal (nepotismo) ou na troca de favores em busca de apoio político (clientelismo), em vez de serem ocupados por competência.
Ausência de meritocracia: Os cargos e as funções públicas não são acessíveis por mérito, mas por laços de lealdade e proximidade com o governante.
Patrimonialismo no Brasil
A análise da história e da formação do Estado brasileiro, com autores como Sérgio Buarque de Holanda, frequentemente aponta a presença de raízes patrimonialistas.
Período colonial: O sistema de capitanias hereditárias é um exemplo. As terras foram concedidas pela Coroa Portuguesa a particulares, que as tratavam como propriedades pessoais e exerciam autoridade sobre elas, misturando a gestão pública com o interesse privado.
Herança colonial: A mentalidade patrimonialista perdurou após a independência, marcando a administração pública brasileira por uma longa tradição de privilégios, nepotismo e clientelismo.
Patrimonialismo e a administração pública
O patrimonialismo é o modelo de gestão pública mais arcaico, contrastando com os modelos subsequentes, como o burocrático e o gerencial.
Administração Patrimonial: O Estado é o patrimônio do soberano e os funcionários são seus servos, não há separação de funções e os interesses particulares se sobrepõem aos públicos.
Administração Burocrática: Modelo que busca a profissionalização, a impessoalidade e a meritocracia, com a clara separação entre público e privado.
Administração Gerencial: Foca na eficiência, na eficácia e na busca por resultados, sem, contudo, abandonar os princípios impessoais da burocracia. Segundo a Jornalista Mestra e Doutora Nadini de Almeida Lopes, no Oitavo e Ultimo Semestre da Habilitação em Jornalismo na Comunicação Social, pelas Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAAM FAAM).
Confira abaixo o artigo das autoras Janaína Rigo Santin e Anna Gabert Nascimento
PATRIMONIALISMO NA GESTÃO PÚBLICA: O
CASO DO BRASIL
Janaína Rigo Santin1
Anna Gabert Nascimento2
Resumo: A pesquisa faz uma abordagem histórica da prática do
patrimonialismo na administração pública brasileira, a fim de
verificar se a crise política atual pode ser fruto de um histórico
de má gestão e de corrupção no trato com a coisa pública no
Brasil, somado ao desinteresse de grande parte da população
com as questões públicas e/ou coletivas. O artigo visa relacionar
as práticas patrimonialistas reproduzidas historicamente com a
crise política e econômica atual, as quais estão presentes em to
dos os âmbitos do pacto federativo (Município, Estado e União).
Entende-se que para superar este estado de coisas é preciso o
engajamento massivo da população nas questões públicas, par
ticipando ativamente da política, em especial em âmbito local,
bem como na exigência de maior transparência nas ações dos
governantes, a fim de fortalecer a fiscalização e o controle so
cial.
Palavras-Chave: Prestação de Contas, Patrimonialismo, Admi
nistração Pública, Burocracia.
PATRIMONIALISM IN PUBLIC MANAGEMENT: THE
1Pós- doutorado em Direito pela Universidade de Lisboa (Bolsa CAPES). Doutora
em Direito UFPR. Mestre em Direito pela UFSC. Advogada e professora do Mestrado
em Direito e do Doutorado em História da UPF. Professora da faculdade de Direito
da UCS. Professora Visitante do Mestrado em Direito da Universidade Agostinho
Neto, em Luanda, Angola.
2Estudante da Graduação do Curso de Direito da Universidade de Passo Fundo. Bol
sista de iniciação científica FAPERGS.
Ano 5 (2019), nº 6, 1157-1178
_1158________RJLB, Ano 5 (2019), nº 6
BRAZILIAN CASE
Abstract: This research takes a historical approach to the prac
tice of patrimonialism in the Brazilian public administration, in
order to verify if the current political crisis is the result of a his
tory of mismanagement and corruption in dealing with public in
Brazil, coupled with the disinterest of part of the population with
public and/or collective issues. The article aims to relate the re
produced patrimonial practices with the current political and
economic crisis, which is present in all areas of the federative
pact (Municipality, State and Union). It is understood that over
coming this state requires the massive engagement of the popu
lation around public management by demanding greater trans
parency from the rulers in order to strengthen supervision and
social control.
Keywords: Accountability, Patrimonialism, Public administra
tion, Bureaucracy.
INTRODUÇÃO
O
quadro de incertezas políticas e econômicas iden
tificado em grande parte da gestão pública brasi
leira neste limiar do século XXI coloca em evi
dência algumas falhas históricas na condução da
coisa pública, tanto por órgãos da administração
direta quanto por entes da administração indireta e seus servido
res. Práticas clientelísticas, costumeiramente presentes nas rela
ções público-privado, acabam por reduzir a receita financeira
disponível para garantir, por meio de políticas e serviços públi
cos, a efetividade de tutelas constitucionais, especialmente aque
las previstas como direitos sociais.
Infelizmente, criou-se um sentimento popular de que o
clientelismo e a apropriação privada da coisa pública são
RJLB, Ano 5 (2019), nº 6________1159_
práticas presentes exclusivamente do período recente da história
do país, a partir da redemocratização e da proibição da censura.
Todavia, em verdade, esses atos de conduta indevidos estão evi
denciados na política desde o período colonial brasileiro, per
passando por diversas formas e modelos de gestão, grupos e par
tidos políticos. Em verdade, o que se tem pós Constituição Fe
deral de 1988 é uma imprensa livre e um aprimoramento da au
tonomia dos órgãos de controle, o que acaba por revelar práticas
patrimonialistas e clientelistas que são históricas, mas que, atu
almente, estão sendo desveladas e muitas delas punidas.
Assim, a presente pesquisa visa problematizar as práticas
históricas de malversação e apropriação privada da coisa pú
blica, bem como do patrimonialismo e seus correlatos, como o
coronelismo, o filhotismo, o mandonismo, o clientelismo, o em
preguismo e o nepotismo. Trata-se de uma forma de conduzir a
coisa pública que acompanha os diversos contextos históricos do
país, sempre reinventando-se, perpassando e permanecendo pre
sente até os dias atuais.
Por conseguinte, buscar-se-á investigar possíveis solu
ções para superar este tipo de conduta, a partir da participação
popular em sentido amplo e estrito, bem como do fortalecimento
das instituições de controle sobre as instituições públicas. A pes
quisa é de revisão bibliográfica, a partir dos métodos histórico e
lógico-dedutivo, na partir da hipótese de que a atual crise polí
tica, econômica e institucional do Brasil advém de um grande e
longo processo histórico de apropriação privada da coisa pú
blica, que perdura desde o período colonial, permanece e se rein
venta até os dias atuais.
1.
PATRIMONIALISMO: CONCEITOS E ABORDA
GENS HISTÓRICAS.
É notório que há problemas com a gestão do país, devido
à malversação do dinheiro público e à corrupção, fatores estes
_1160________RJLB, Ano 5 (2019), nº 6
somados à grande crise e recessão que vem se alastrando por
diversos governos neste limiar do Século XXI. O Brasil passou
por diversos modelos de administração pública em sua história.
Logo na época colonial foi inserido no país o modelo patrimoni
alista, que perdurou por todo o império e permaneceu durante a
maioria dos governos, até assumir matizes das mais diversas
para se reinventar no período pós democratização.
O patrimonialismo entende que não há separação do Es
tado e pessoa privada, ou seja, os interesses do detentor de poder
se tornam parte de seu governo (Holanda, 1995, p. 145-146).
Ainda, de acordo com Weber, uma das principais bases de sus
tentação do poder está no patrimônio, o qual se mantém vincu
lado a benefícios e fragmentos de poder perante o Estado. (We
ber, 1996, p. 217)
Este tipo de pensamento e conduta é uma forma de ad
ministração que pode ser observada desde o Brasil Colônia,
quando o país era de domínio dos portugueses. Perpetrou-se
também após a independência e durante grande parte dos gover
nos republicanos no país. Nas palavras de Bresser Pereira, na
história política brasileira o “nepotismo e o empreguismo, senão
a corrupção, eram norma.” (Pereira, 1998, p. 241)
Sendo assim, o governante, ao não fazer essa separação
entre público e privado, pode se beneficiar, aumentando o seu
poderio político e até mesmo, em alguns casos, financeiro. Atra
vés desses subterfúgios, o aparelho estatal acaba por se formar
por pessoas que não são dotadas de capacidade para estar no po
der, já que, uma das facetas dessa apropriação privada da res
publica é o nepotismo, ou seja, o gestor utiliza-se dos chamados
cargos de confiança, de livre nomeação e exoneração, para fixar
pessoas de sua parentela ou por meio de barganha política. Para
Lopes, “O patrimonialismo entende o cargo como um dom rece
bido do senhor ou do rei. O ofício (ou cargo) é um auxilium,
servitium da vassalagem, correspondente à fidelidade pessoal
que se estabelece.” (Lopes, 2019, p.171) Tal modelo não reúne,
RJLB, Ano 5 (2019), nº 6________1161_
de regra, medidas que visem beneficiar a população em sua to
talidade, mas sim prol dos individualismos do detentor de poder
e de seus afilhados políticos, sendo colocado em segundo plano
os interesses de classes sociais mais desfavorecidas.
Durante o domínio da Coroa Portuguesa, o país sofreu
com graves problemas, que eram causados pela forma de go
verno lusitano. Segundo Raymundo Faoro,
A coroa conseguiu formar, desde os primeiros golpes da recon
quista, imenso patrimônio rural (bens “reguengos, “regalen
gos”, “regoengos”, “regeengos”) cuja propriedade se confun
dia com o domínio da casa real, aplicado o produto nas neces
sidades coletivas ou pessoais, sob as circunstâncias que distin
guiam mal o bem público do bem particular. (Faoro, 2012, p.1)
Logo, ao tornar privado o patrimônio público, os primei
ros gestores do Estado colonial brasileiro governavam apenas
para o cumprimento de seus respectivos interesses, anexando
territórios e se eximindo de obrigações com a população comum.
Segundo o padre Antônio Vieira, em uma de suas cartas, fica
muito clara a situação política do Brasil Colonial, ao afirmar que
“neste Estado há uma só vontade e um só entendimento e um só
poder, que é o de quem governa.” (Vieira, 1925, p.458) Exclu
íam-se das decisões políticas da época nativos e escravos, con
siderados res, bem como mulheres e pessoas de baixo nível so
cial.3 (Carvalho, 2008, p.293) Quem detinha o poder eram aque
les que possuíam terras, títulos de nobreza e relações com a Co
roa, bem como, “comerciantes voltados ao comércio externo.”
(Fausto, 1995, p.70)
Os interesses desta elite colonial eram sempre preponde
rantes ao do restante da população, e tomavam medidas que cla
ramente seriam para benefício próprio, visando adquirir cada
3Nas palavras de José Murilo de Carvalho, essas pessoas eram de grande uso nos
trabalhos agrícolas de comércio internacional. Desta forma, eram os grandes respon
sáveis pelos ganhos do governo no período colonial. Havia ainda, escravos empe
nhando-se para que seus senhores pudessem realizar comércio agrícola nacional, bem
como, achava-se muitos desses realizando atividades nas cidades. Tratava-se de uma
mão de obra barata e eficaz. (Carvalho, 2008, p.293).
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vez mais poder e agregação de patrimônio. Por sua vez, a maio
ria da população era analfabeta e carente de infraestrutura e um
mínimo para viver com dignidade. Esta parcela mais era forçada
a trabalhar para os senhores de engenho. Mais grave ainda era a
situação dos escravos, trazidos forçosamente da África, eram li
gados a um dono no qual eram obrigados a corresponder com
todos os seus desejos. Tratados como objeto, seus direitos eram
mínimos e, na maioria dos casos, nulos. Além disso, pessoas li
vres desafortunadas eram vítimas desse sistema, afinal, não ti
nham representatividade nenhuma, apenas eram subordinados à
nobreza e à burguesia. (Carvalho, 2002, p.17-23)
No entanto, movimentos populares começam a ser orga
nizados pelas castas que eram consideradas medianas economi
camente. Essas inquietações populares davam-se pela alta co
brança de impostos e em crítica a leis autoritárias do governo
português, fazendo nascer reivindicações pelo processo de inde
pendência. Umas delas resultou na chamada inconfidência mi
neira,4 na qual participou essa população considerada emergente
na época. (Luz, 2003, p. 440-442) Os inconfidentes, naquele pe
ríodo, eram uma parcela da população que não podia exercer a
sua opinião sobre as decisões feitas por uma classe social consi
derada superior. Tiradentes, o principal líder, buscava poder in
corporar bens ao seu patrimônio e ter uma maior “projeção so
cial”. Entretanto, também defendiam interesses coletivos, como
a defesa do desenvolvimento do Brasil, a partir da implementa
ção de pequenas indústrias e da exploração de minério, que
4Foi uma revolta em Minas Gerais, liderada por Joaquim José da Silva Xavier (Tira
dentes) em 1792, na qual pessoas nascidas no Brasil, desprovidas de poder, uniram
se contra a coroa portuguesa em face à discordância com uma limitação feita por uma
lei lusitana que, segundo Tiradentes, as propriedades individuais não poderiam ultra
passar “10.000 Cruzados”, sem que houvesse mínimas expectativas de um cresci
mento patrimonial e representativo político da classe. Somando isso a uma elevada
carga tributária, populares revoltam-se contra o governo. Havia um sentimento de es
tarem desafortunados em um local onde havia muitas riquezas, como o ouro. Com o
apoio de intelectuais da época, dão início a uma das mais representativas revoltas pró
independência. (Luz, 2003, p. 440-442)
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ficavam bloqueadas devido a uma forte cobrança de tributos por
parte do governo português e por leis que limitavam o cresci
mento pessoal patrimonial de brasileiros. (Luz, 2003, p. 441).
A Constituição do Império do Brasil de 1824 estabeleceu
que os detentores do poder seriam o Imperador D. Pedro I, uma
Assembleia Geral, e o Judiciário. Era, pois, constituída de quatro
poderes, o Legislativo, Moderador, Judicial e Executivo. O Im
perador era titular do Poder Executivo e do Poder Moderador,
considerado superior aos demais poderes, já que tinha a possibi
lidade de intervir em cada um deles. Havia o voto censitário; ou
seja, para votar e para ser membro da Assembleia Geral, o su
jeito deveria corresponder a alguns requisitos, como o de ter um
número considerável de patrimônio e ser do gênero masculino.
Excluíam-se, assim, pessoas de baixa renda, mulheres e escravos
do poder político (Brasil, 1824). Isto posto, práticas patrimonia
listas eram naturalmente empregadas, já que havia uma zona de
conforto estabelecida para os detentores do poder da época, que
poderiam decidir facilmente sobre o patrimônio público, sem
maiores mecanismos de controle de seus atos e decisões.
Contudo, ao verificar um cenário econômico desgastado
e uma constância de desigualdades e direitos negados, houve um
apelo popular por mudanças, mediante revoltas regionalizadas,
como a Confederação do Equador5 contra o governo de Dom
Pedro I (Fausto, 1995, p.152). Esses fatores, somados à morte de
Dom João VI, que deixou o trono português vago, levam ao Im
perador Dom Pedro I a abdicação de seu mandato, para de ime
diato dirigir-se para a Europa, assumindo o cargo deixado por
seu pai, o de rei de Portugal. (Fausto, 1995, p. 154-156)
Pedro de Alcântara, filho de Dom Pedro e único na linha
sucessória, tinha apenas 5 anos na época, e precisa assumir o
trono brasileiro sem, entretanto, exercê-lo. Desta forma, o país
5Segundo Boris Fausto, foi uma revolta causada pela “nomeação de um governador
não desejado,” somado ao fato de movimentos pró “ideias republicanas, antiportugue
sas e federativas”. (Fausto, 1995. p.152.)
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passa a ser governado por regentes nomeados até que o herdeiro
do comando do Império brasileiro atingisse a maioridade. Esse
período foi um dos mais turbulentos da história, em face ao pa
trimonialismo advindo dos regentes, o que agravou as condições
de vida da população comum, desencadeando revoltas com vis
tas a fortalecer a economia das províncias, bem como diminuir
a elevada tributação. Não havia confiança nos gestores que co
mandavam o Império, liderados pelos partidos “conservador e
liberal”. Em vista disso, em 23 de julho de 1840, Dom Pedro II
é emancipado aos 14 anos e é coroado Imperador do Brasil, fa
zendo que a maioria das revoltas do período regencial fossem
acalmadas, já que um de seus principais objetivos eram o de ter
um novo Imperador no poder. (Fausto, 1995, p.161-174)
Há de se constatar que no período de reinado de Dom
Pedro II, havia um temor por parte dos grupos estadistas de que
a classe média da época, trabalhadores e intelectuais, viessem a
ser influenciados por ideais liberais advindos das revoluções
burguesas na Europa, e em um futuro viessem a exigir o direito
ao sufrágio universal (Rocha, 1995, p.15). Além disso, culmi
nando com a pressão feita pelas classes trabalhadoras, advinha
da Europa também uma intensa influência para que houvesse a
liberação dos escravos. Essa pressão se dava muito pela estrutura
de mercado internacional, que pós revolução industrial necessi
taria cada vez mais de consumidores para seus produtos. Havia
assim, um forte temor dos gestores brasileiros perante a Ingla
terra, que era uma das principais interessadas nesse processo.
(Carvalho, 2008, p.293-306) Em 1888, a Lei Imperial de nº
3.353, conhecida como Lei Áurea, é assinada pela princesa Isa
bel6 (Carvalho, 2008, p. 293-306), com o objetivo de extinguir a
6Nesse período houve uma pressão proveniente da Inglaterra, que após a Revolução
Industrial buscava consumidores para seus produtos. Desta forma, não seria lucrativo
haver escravos, já que eles sendo considerado como Res, não teriam condições finan
ceiras de comprar itens ingleses. Além disso, a Inglaterra buscava com que o açúcar
proveniente de suas colônias fosse mais barato que de outros países. Entretanto, com
uma mão de obra mais barata, os países escravagistas poderiam fazer um preço melhor
RJLB, Ano 5 (2019), nº 6________1165_
escravidão no Brasil. (BRASIL, 1888)
Todavia, após essa libertação, não houve políticas públi
cas para que os escravos tivessem condições adequadas para se
rem integrados a uma sociedade na qual quem tinha valor social,
com direitos políticos e participação em decisões, eram pessoas
que possuíam alto poder financeiro (Carvalho, 2002, p. 17).
Sendo assim, a população recém liberta foi subordinada à popu
lação mais abonada política e financeira da época, que não tinha
interesse em implementar programas de desenvolvimento social
e de distribuição de renda. Assim, as propriedades rurais conti
nuariam com os mesmos proprietários, não existindo possibili
dade de uma ascensão financeira e representativa dos agora ci
dadãos livres. Sucedeu-se, portanto, um novo período miséria
para as classes mais baixas, agora exploradas como trabalho as
salariado, agravando as diferenças no país. Havia também um
absolutismo por parte do poder moderador, no qual se colocava
acima de todos os outros poderes e cidadãos da sociedade.
Ideias republicanas e liberais passam a imperar no país,
sob o comando do jurista Rui Barbosa, o qual “propunha a so
berania racional como substituta do Poder Moderador.” Desta
forma, “os privilégios e títulos de nobreza seriam extintos, cons
tituindo o saber e a propriedade as únicas condições para a ob
tenção de cidadania plena” (Rocha, 1995, p. 67). Contudo, ao
estabelecer essa linha de raciocínio, deve-se considerar que na
quela época, a maioria da população era analfabeta e, ademais,
o patrimônio da época era concentrado na mão de poucos. Para
que, efetivamente, o republicanismo e as ideias liberais fossem
implantados no país, era necessário educar seu povo. Assim,
para Rui Barbosa, a instrução era “a condição necessária para o
exercício da liberdade política e da plena obtenção da cidadania.
Todos os homens têm direito de serem iguais e livres, mas
que o inglês. Outrossim, a igreja também buscava com que houvesse a abolição, sendo
que, naquele período os únicos países cristãos que ainda existiam escravos eram Es
panha, que já estava em processo de abolição, e Brasil. Com essa pressão internacional
e com receio de represálias, assinou-se a Lei Áurea. (Carvalho, 2008, p. 293-306.)
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somente a instrução pode fornecê-los o direito de exercer os di
reitos políticos.” (Rocha, 1995, p. 70)
A Proclamação da República no Brasil deu-se em 15 de
novembro de 1889 (BRASIL, 1889), como resultado de uma su
cessão de fatos, como o descontentamento com o resultado das
eleições da época, obtidos de forma ilícita, inconformismo mili
tar com a Guerra do Paraguai e polêmicas geradas pela liberta
ção dos escravos (Fausto, 1995, p. 216-221). Em 1891, é escrita
uma nova Constituição, agora republicana, escrita pelas mãos de
Rui Barbosa. Convocam-se novas eleições, nas quais participam
a junta militar e a civil. Todavia, quem poderia votar eram ape
nas homens, alfabetizados e maiores de 21 anos, mantendo-se a
exclusão de parte da população: “analfabetos, mendigos, os pra
ças militares”. (Fausto, 1995, p. 251) Foi instituído também na
Constituição de 1891 que o voto não seria secreto. (BRASIL,
1891). Sendo assim, o poder continuaria nas mãos de quem tinha
condições de intimidar ou de fazer a de compra de votos, ofere
cendo dinheiro ou troca de favores. Instituiu-se, assim, nos pri
meiros anos da República, o chamado “voto de cabresto”, que
era caracterizado por violência política, clientelismo e demais
ações imorais praticadas para a perpetuação no comando pú
blico. (Leal, 2012, p.42)
Inspirado no modelo estadunidense7 (Rocha, 1995,
p.125), os Constituintes, sob o comando de Rui Barbosa, estabe
lecem a descentralização do poder político no Brasil, substi
tuindo o modelo unitário imperial pelo modelo federativo repu
blicano. Instaurou-se no país o federalismo8, no qual haveria
7Mesmo adotando o mesmo modelo de sucesso estadunidense, não se foi levado em
conta que haveria grandes diferenças entre os dois países, Rocha explica que “O pro
blema federativo nacional era, então, o oposto do que tinha sido os dos Estados Uni
dos, pois enquanto na América do Norte estados independentes cederam parte de sua
soberania a união, no Brasil o governo central deveria ceder parte de sua soberania às
províncias. ” (Rocha, 1995, p.125). Ver também (Santin; Rodigheri, 2016)
8
Indaga José Afonso da Silva que “O federalismo, como expressão do Direito Cons
titucional, nasceu com a Constituição norte-americana de 1787. Baseia-se na união de
coletividades políticas autônomas, quando se fala em federalismo, em Direito
RJLB, Ano 5 (2019), nº 6________1167_
autonomia dos estados perante a união. No entanto, é de suma
importância ressaltar que esse modo acabou prejudicando algu
mas unidades da federação, eis que, pelas dimensões continen
tais do país, com diferentes valores étnicos e variações entre as
localidades, apresentaram-se disparidades entre os entes da fe
deração, e assim houve a facilitação de políticas de caráter oli
gárquico, como a aliança entre mineiros e paulistas. (Ferreri,
1995, p.27-28)
Esse pacto entre os governos do sudeste foi chamado de
“política do café com leite”. Dado que, a região de Minas Gerais
tinha uma farta produção de leite e São Paulo possuía uma ex
tensa produção de café. (Fausto, 1995, p. 270-271) Isto posto,
essa forma de condução do comando central do país coaduna-se
com a forma eleitoreira da época, na qual quem tinha poder eram
os grandes proprietários de terra. (Leal, 2012, p. 39-41) Quem
escolhia os representantes políticos eram a população mais afor
tunada daquele período, como os grandes coronéis. Segundo Ra
imundo Faoro, o povo, mesmo exercendo a democracia do voto,
tem de se submeter a uma pessoa superior intelectual ou econo
micamente. Nesse contexto, existe a figura do coronel, que co
manda várias pessoas e mantém seu poder pela troca de favores,
violência política e cooptação do público pelo privado. (Faoro,
2012, p. 542)
Para Leal, “é sobretudo um compromisso, uma troca de
proveitos entre o poder público, progressivamente fortalecido, e
a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos
senhores de terra.” (Leal, 2012, p.40) Caracterizando-se assim,
uma das descendências do patrimonialismo da época do Impé
rio: o coronelismo, que teve sua maior aplicação na história bra
sileira durante este período. Janotti refere que no coronelismo da
primeira república, as autoridades, os chamados coronéis,
Constitucional, quer-se referir a uma forma de Estado, denominada federação ou Es
tado Federal, caracterizada pela união de coletividades públicas, dotadas de autono
mia político-constitucional, autonomia federativa.” (Silva, 2014, p. 101)
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impunham ao povo votante, a eleição de representantes por eles
escolhidos. Tratava-se de uma política de compromissos, “con
chavos” e “toma-lá-dá-cá” entre os governos estaduais e os go
vernos locais, com troca de favores e violência política para ma
nutenção do poder (Janotti, 1981, p. 7)
Sendo assim, no período da república velha havia uma
grande repressão das classes subalternas, perpetuando-se no po
der aqueles que o detinham. A cooptação e a violência política
às oposições eram uma constante, com a submissão de grande
parte da população a ordens dos grandes proprietários de terra,
em troca de favores9 ou até mesmo por serem ameaçadas, já que
o voto não era secreto. (Rocha, 1995, p. 151-152) Além disso,
no modelo de Estado brasileiro da primeira república é explícita
a ideia dos gestores em prejudicar grupos da sociedade comum,
quando estes elaboravam movimentos para reduzir a exploração
das classes dominantes. (Ianni, 1984, p. 14)
Porém, em 1929, houve uma das maiores crises econô
micas mundiais já vistas, culminando com o fim da primeira re
pública. Após o término da Primeira Guerra Mundial, com a Eu
ropa devastada em face aos acontecimentos, os Estados Unidos
passam a lucrar com a exportação de seus produtos. Era notório
o crescimento das indústrias; porém, não houve um grande pla
nejamento no que se refere à geração das mercadorias. A super
produção gerada por este processo desequilibrado de industria
lização desencadeia uma enorme crise nos Estados Unidos, já
que, o poder aquisitivo das pessoas nacionais não cresceu, e o
comércio internacional diminuiu. Somada a isso, uma queda na
bolsa de valores de Nova York, que após chegar em seu auge,
começa a decair. Desta forma, no dia 24 de outubro de 1929
acontece o denominado “crash da Bolsa de Nova York”, que
afeta o mundo todo. (Mazzuccelli, 2009, p. 179-189)
9Segundo Paul Singer, configura-se também como Clientelismo quando o candidato
a gestor faz barganhas eleitoreiras. Ou seja, em troca de favores, a população vota
naquele governante. São os “cabos eleitorais” (Singer, 1965, p. 77).
RJLB, Ano 5 (2019), nº 6________1169_
O Brasil também foi acometido com a crise, dado que na
época era um grande exportador de café. Também aqui havia
uma extensa produção, voltada à lucratividade dos barões do
café da época, que visavam com o produto da exportação do café
adquirir mais propriedades e gerar cada vez mais poder para si.
No entanto, ao se instaurar o desequilíbrio econômico global, a
oferta de produtos era maior do que a procura. No Brasil, os
grandes proprietários das lavouras de café tiveram um declínio,
já que havia uma grande quantidade de café, todavia não existia
demanda para a sua comercialização. (Furtado, 2005)
As elites oligárquicas do sul do país, aliadas com alguns
estados do nordeste, aproveitaram este momento para, a partir
da liderança de Getúlio Dornelles Vargas, reforçar-se o discurso
de que a matriz econômica precisaria ser mudada, com a indus
trialização e urbanização do país. Também seria necessário alte
rar o exercício do poder político, com o fim da “política café
com leite”, a fim de abranger outros estados que não só Minas
Gerais e São Paulo. Veja-se:
Em 1929 a oligarquia cafeeira, principal força do bloco agrário,
entra em crise. A revolução de 30 assinala a transição para uma
época na qual se dinamizam processos econômicos, políticos,
culturais, demográficos e outros tais como os seguintes: indus
trialização, urbanização, sindicalismo estatal, intervencio
nismo governamental crescente na economia, fortalecimento
do aparato estatal, principalmente do executivo. (Ianni, 1984,
p. 16)
Getúlio Vargas sustentava em seus discursos um viés
marcadamente nacionalista e populista, defendendo a busca por
direitos sociais. Da mesma maneira, defendia a implementação
de indústrias nacionais, onde mais tarde, dentro de seu governo,
foram fundadas diversas estatais como a Companhia Siderúrgica
Nacional, a Vale do Rio Doce, a Petrobrás, entre outras. Por
tanto, os proprietários de terra, devastados com a crise de 1929,
corroborada com a ascensão de Vargas, passam a contar com um
declínio do seu poder político. (Fausto, 1995, p. 325-328) Esta
vam delineados os fatores que desencadearam a Revolução de
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1930,10 que resultou na indicação e na confirmação de Getúlio
Dornelles Vargas como presidente da República, findando a re
pública velha. (Fausto, 1995, p.323)
Em seu governo, Vargas instaura no Brasil algumas mo
dificações de forte apelo popular como, por exemplo, a justiça
do trabalho, o voto feminino e direitos trabalhistas, como a im
plementação do salário mínimo e de férias remuneradas. (Santin,
2017, p. 120). Este novo modelo de industrialização levou a um
grande êxodo rural e ao fortalecimento do meio urbano, que cada
vez mais era habitado. Tais fatores favoreceram o crescimento
da economia e, com isso, a melhora nos índices educacionais da
população brasileira. (Fausto, 1995, p. 325-326).
Contudo, Vargas era, em essência, autoritário. Em seu
segundo mandato, não consegue manter sua popularidade de
vido a denúncias de atos que envolviam corrupção e malversa
ção do dinheiro público. Assim, mesmo com a conquista de di
reitos sociais, a população ainda continuou tendo que conviver
com antigas práticas nefastas de governo, que provocaram inú
meras greves no período final de governo de Getúlio Vargas.
(Fausto, 1995, p. 406-412) A partir do Atentado da Rua To
nelero,11 pedidos para que o presidente deixasse seu cargo se in
tensificam pela perda do seu controle sob as forças armadas. No
entanto, o gestor máximo da nação suicida-se antes de ser de
posto. (Fausto, 1995, p. 416-417)
Ao findar a chamada Era Vargas, novos governantes su
cederão a ele, todavia o patrimonialismo e a corrupção continu
arão em evidência, percorrendo o período do golpe militar, per
passando pela redemocratização, sendo ainda muito recorrente
10 Foi um conflito entre as classes litigantes de poder, que buscavam colocar não mais
um representante paulista ou mineiro na presidência do Brasil. Desta forma, cria-se
uma situação de tensão, onde várias denominações da sociedade estão incorporadas.
Esta revolução, tem como estopim o assassinato de João Pessoa. (Fausto,1995, p. 323)
11 Segundo Boris Fausto, foi um atentado que visava vitimar a vida de Lacerda, um
dos grandes opositores de Vargas. No entanto, ao deferir os tiros, o malfeitor Alcino
do Nascimento acaba por atingir o major da Aeronáutica, Rubens Vaz. (Fausto, 1995.
p. 416-417)
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na atualidade. Em cada uma destas administrações públicas, se
jam elas de forma direta ou indireta, acumularam-se problemas
nos quais levaram pouco a pouco o país a estagnar-se em uma
crise política, econômica e institucional.
Com o avanço da industrialização, grandes obras e em
presas públicas alavancaram o país, em especial após a edição
do Decreto Lei 200/67, que fomentou o agigantamento da admi
nistração indireta no Brasil, com a criação de inúmeras empresas
públicas, autarquias, sociedades de economia mista e fundações.
Porém, há de se constatar que muitas dessas obras e/ou empresas
foram feitas com o intuito de arrecadar, de forma ilegal e imoral,
recursos para incrementar o patrimônio daqueles que as promo
veram. A confusão entre o público e o privado sempre foi nefasta
na política e na economia brasileira. Nas palavras de Barrucho,
ainda que se houvesse um crescimento no que tange a economia,
como no caso do “milagre econômico”, muitas dessas ações ge
raram dívidas históricas incessantes até a atualidade, bem como
prejudicaram as classes menos favorecidas da época. (Barrucho,
2018)
Nos atuais governos, operações policiais evidenciam
cada dia mais o uso do patrimonialismo e corrupção, já que o
que é percebido é o uso de dinheiro público para benefício par
ticular, com vistas ao financiamento, manutenção e reprodução
daqueles que estão no poder. (Ministério Público Federal, 2019)
Portanto, é certificado que o republicanismo no uso do
dinheiro e da máquina pública sempre foi algo muito falho. Em
consequência disso, os recursos para execução de políticas pú
blicas e serviços para garantia dos direitos sociais, previstos
constitucionalmente, são cada vez mais reduzidos, já que pare
cem não ser convenientes aos detentores do poder.
2.
A PARTICIPAÇÃO POPULAR NO SÉCULO XXI
Assim como referido anteriormente, práticas
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patrimonialistas acompanham a gestão pública brasileira desde
a colonização portuguesa, onde a representação das classes me
nos favorecidas era praticamente nula. Contudo, principalmente
após a redemocratização do país e a edição da Constituição Fe
deral de 1988, com a conquista do direito ao sufrágio universal
a todo e qualquer cidadão, maior de dezesseis anos, independen
temente de raça, gênero ou condição social ou econômica, con
forme o artigo 14 da Constituição Federal da República Federa
tiva do Brasil de 1988.12 A democracia semidireta foi a escolha
do constituinte, na qual há uma combinação entre democracia
representativa e participativa: “todo poder emana do povo, que
o exerce por meio de representantes eleitos ou, diretamente, nos
termos desta Constituição” (parágrafo único do artigo 1.) Decor
rência disso, paulatinamente foram sendo reconhecidos na legis
lação infraconstitucional os direitos de participação do cidadão
no exercício do poder político, tanto no executivo, quanto no le
gislativo e no judiciário.
Importa ressaltar que a participação de todos os “poten
cialmente envolvidos” deve ser feita para que haja a efetivação
de interesses públicos, mesmo essas pessoas estando fora do âm
bito estatal. Sendo assim, em governos democráticos, deve-se
haver uma participação popular não apenas com o voto, mas
também com indivíduos que atuem ativa e constantemente em
todas as esferas do poder do Estado. (Goczeviski, 2015, p. 125)
Desta forma, há várias maneiras de participar: a) na esfera do
executivo, na definição das políticas públicas por meio dos con
selhos gestores; b) na esfera do judiciário, com o amicus curiae,
o tribunal do júri para delitos dolosos contra vida, bem como os
juízes leigos, conciliadores e mediadores no processo civil e pe
nal; c) na esfera do legislativo, na edição de leis com o plebis
cito, referendo e iniciativa popular; d) na execução de políticas
públicas, por meio de parcerias entre governo e o público não
12 Refere que, “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto
direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei. ” (Brasil,1988).
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estatal, também chamado de terceiro setor; e) no controle do po
der, de forma individual ou organizada, ou mesmo utilizando-se
do ombudsman, fiscalizando a efetividade e qualidade dos ser
viços e da administração pública. Trata-se de inúmeras formas
de o cidadão exercer seu papel ativo na construção de uma soci
edade mais justa e igualitária.
Jürgen Habermas cita que, “Os direitos de participação
política remetem a institucionalização jurídica de uma formação
pública da opinião e da vontade, a qual culmina em resoluções
sobre leis e políticas.” (Habermas, 1997, p. 190) Evitar, com a
atuação efetiva da sociedade civil no âmago da sociedade polí
tica, da colonização do mundo da vida pelas esferas sistêmicas
do Estado e do Mercado, que só visam poder e dinheiro para si
e seus companheiros. Inserir mecanismos de racionalidade co
municativa nas esferas sistêmicas, para que se abram efetiva
mente para os interesses dos mais fracos. Dowbor refere que “é
indiscutível que aproximar o poder de decisão e de controle so
bre os processos de desenvolvimento, das pessoas que arcarão
com o benefício ou o prejuízo, e que estão, portanto, diretamente
interessadas nos resultados, constitui simplesmente boa visão
administrativa.” (Dowbor, 2016, p.37)
Todavia, a participação popular atualmente resume-se ao
período eleitoral, onde de 4 em 4 anos há discussão de quem irá
representar os interesses dos membros da sociedade brasileira,
seja em âmbito municipal, estadual ou federal. Devido a um des
crédito com a classe política, a maioria das pessoas denominadas
“comuns”, integrantes da sociedade civil, não buscam aprimorar
estudos sobre propostas e vida pública pregressa de seu eleito, a
fim de qualificar seu voto. Também são influenciadas facilmente
pelas pesquisas eleitorais, pelas campanhas midiáticas e as evi
dentes fake News, decisivas nas últimas eleições. Abre-se, assim,
espaços para que possíveis candidatos mal-intencionados ve
nham adentrar no poder.
Todos estes fatores corroboraram com a grave crise
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institucional e financeira do país, que não é apenas de responsa
bilidade de um governo, e sim de todo um histórico de falhas na
condução da administração pública, corroborada com o enfra
quecimento e, por vezes, cooptação das instituições de controle.
Tais fatores, conjugados à apatia política e a inércia da popula
ção em lutar no combate de fraudes, corrupção e práticas patri
monialistas, com vistas a dirigir os recursos públicos a quem re
almente deles necessita, os mais fracos. Este enfraquecimento
dos direitos sociais atinge o constitucionalismo e levam a um
descrédito da própria democracia brasileira.
CONCLUSÃO
Portanto, o artigo abordou algumas passagens da história
política brasileira, a fim de focar em erros e situações-problema
na condução da coisa pública por parte de muitos dos governan
tes, desde o período do Brasil colônia, as quais se reinventam e
permanecem até os dias atuais, sendo que todas estas matizes
estão voltadas para o patrimonialismo e para a apropriação pri
vada da coisa pública.
Esse sistema nefasto levou o país a um déficit gigantesco
nas finanças públicas e, como consequência, na má realização
de serviços públicos e insuficiente cumprimento de tutelas cons
titucionais para a população, levando também ao falecimento de
diversas partes do sistema estatal.
Como consequência desta precária situação do Estado e
de muitas de suas instituições de administração direta ou indi
reta, a classe política começa mais uma vez entrar em descrédito
com o seu povo. Todavia, esse descontentamento leva a um de
sinteresse com os assuntos coletivos, fazendo com que as classes
mais necessitadas sejam afetadas. Afinal, a partir desse fator os
maus administradores públicos criarão uma espécie de zona de
conforto. Essa na qual, fará com que apenas os seus interesses e
de seus aliados sejam realizados, deixando a maioria da
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população à mercê apenas de propostas eleitoreiras que, na mai
oria dos casos, não são concretizadas.
Isto posto, deve-se analisar que as maiores conquistas da
sociedade brasileira foram através de movimentos populares,
como nos casos da Inconfidência Mineira, de Canudos, das Di
retas Já, dentre outros movimentos e manifestações, onde se ob
servou que a população saiu de sua comodidade e seu “berço
esplêndido” e foi lutar pela concretização de seus direitos e por
melhores condições de vida.
É de suma importância ressaltar que o Estado só trará
condições mais justas a todos, com o cumprimento de suas obri
gações sociais em prol de uma igualdade material, e não apenas
formal, se houver um engajamento de todos na fiscalização e
busca por transparência nos governos e representantes políticos.
Inserir mecanismos de razão comunicativa na esfera sistêmica
estatal, por meio da participação da sociedade civil nas audiên
cias públicas, nos conselhos gestores e com o ombudsman. De
vem também verificar os portais da transparência de seus esta
dos, municípios e do governo federal, pois de nada adianta uma
lei que garanta o acesso público a todos os dados administrati
vos, quando não há pessoas para fiscalizar estes dados. Exercer
sua cidadania não só no sufrágio eleitoral, mas também com me
canismos de cobrança do exercício do mandato aos seus repre
sentantes, para que assim, cumpram com o disposto no ordena
mento jurídico do país.
Não há como haver progresso sem que o povo tenha a
consciência de que a responsabilidade sobre o desenvolvimento
do país é de todos os seus cidadãos, que devem além de votar,
atuar conjuntamente com seus eleitos, para que assim, velhas
práticas não idôneas de gestão sejam extintas no futuro. Cons
truir assim, uma sociedade de bem-estar para todo e qualquer
indivíduo e não apenas para as classes dominantes, historica
mente no poder e se reproduzindo nele.
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O patrimonialismo no Brasil se manifesta na confusão histórica entre o público e o privado, onde o Estado é frequentemente tratado como uma extensão da propriedade dos governantes e das elites. Essa prática tem raízes na herança colonial portuguesa e, de acordo com diversos teóricos, ainda tem reflexos na sociedade e na política brasileira.
Confusão entre o público e o privado: O ponto central do patrimonialismo é a apropriação do que é público para benefício pessoal ou de um grupo específico. A máquina pública é usada para atender a interesses privados, em vez de servir ao bem-comum.
Nepotismo e clientelismo: O acesso a cargos públicos não se baseia no mérito, mas em laços de lealdade e favores pessoais. Cargos e benefícios são trocados por apoio político, criando redes de dependência.
Hierarquia e relações pessoais: As relações pessoais e a cordialidade (conceito desenvolvido por Sérgio Buarque de Holanda) se sobrepõem a regras e princípios impessoais. A dominação é tradicional, aceita por acreditar que "sempre foi assim".
Concentração de poder: O poder é centralizado nas mãos do líder, que age de forma arbitrária. A administração pública se torna uma extensão do poder do soberano, em vez de um sistema formal e burocrático.
Sérgio Buarque de Holanda: Em seu livro Raízes do Brasil, ele aborda o caráter patrimonialista do Estado brasileiro, destacando a "ética da cordialidade" que favorece as relações pessoais e afetivas em detrimento das regras impessoais.
Raimundo Faoro: Para ele, desde a Colônia, uma estrutura burocrática controlou a vida política e econômica, tratando o Estado como um negócio privado e impedindo o desenvolvimento de um capitalismo autônomo. O patrimonialismo seria a raiz do subdesenvolvimento brasileiro.
Celso Furtado: Também enxergava no (neo)patrimonialismo uma causa do subdesenvolvimento brasileiro. Para ele, esse padrão sociopolítico resultou em uma concentração de renda e terra e desigualdades sociais duradouras.
Críticas ao conceito: Alguns teóricos questionam a ideia de um "patrimonialismo brasileiro" como algo único. Eles argumentam que a apropriação do Estado pela classe dominante é uma característica de todo Estado capitalista e que a visão patrimonialista pode desviar a atenção das desigualdades estruturais.
Corrupção institucionalizada: A apropriação do público pelo privado é a base para a corrupção sistêmica que permeia a política e a administração pública brasileira.
Desigualdade social: O patrimonialismo perpetua privilégios para as elites e dificulta o desenvolvimento de políticas públicas eficazes, agravando a desigualdade social e a má distribuição de renda e terra.
Cidadania precarizada: A falta de zelo pelo bem-comum e a priorização de interesses particulares prejudicam a garantia de direitos públicos básicos, como saúde, educação e segurança, minando a cidadania plena.
Economia e infraestrutura: A apropriação dos recursos públicos para enriquecimento e projetos pessoais impede o progresso econômico e social do país, desviando verbas que deveriam ser investidas em infraestrutura e serviços públicos. Segundo a Mestra e Historiadora Sandra Lima, no Primeiro Período da Habilitação em Jornalismo na Comunicação Social, pelas Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAAM FAAM).
Triste Brasil.
Confira a reportagem no UOL .https://noticias.uol.com.br/
E assim caminha a humanidade.
Imagem ; Site Brasil Escola. Portal UOL.
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