O pragmatismo político é a abordagem que prioriza os resultados práticos e a eficácia de uma ação, em vez de se apegar estritamente a ideologias, princípios ou doutrinas pré-determinadas. Em vez de se perguntar se uma política é "certa" ou "errada" em termos ideológicos, o pragmático político avalia se ela funciona ou não para atingir um objetivo específico.
Características principais do pragmatismo político
Foco na prática: O valor de uma ideia ou política é medido por sua utilidade prática e pelos efeitos que produz. Para um pragmático, a "verdade" é o que funciona na realidade.
Flexibilidade e adaptação: Políticos pragmáticos estão dispostos a mudar de tática ou a fazer concessões para alcançar um resultado desejado, mesmo que isso signifique se afastar de posições partidárias tradicionais.
Negociação e acordos: A busca por consensos e alianças estratégicas é comum, mesmo com adversários, para aprovar projetos e governar.
Orientação para soluções: A atenção está concentrada na resolução de problemas concretos e na superação de desafios imediatos, em vez de focar em debates teóricos ou ideológicos.
Exemplos e tendências recentes (2025)
Articulação política pragmática: Em 2025, no cenário político brasileiro, a palavra "pragmatismo" é apontada como a que dita o tom da política. A necessidade de negociação por parte do Executivo com o Congresso, especialmente em relação à liberação de emendas parlamentares, demonstra um enfoque pragmático para garantir apoio a projetos governamentais.
Bolsonarismo pragmático: Nas eleições de 2024, foi observada uma adaptação do bolsonarismo para um formato mais pragmático, buscando alianças com forças políticas que não se alinhavam necessariamente à sua ideologia, visando o ganho eleitoral.
Decisões judiciais (pragmatismo jurídico): Na esfera jurídica, o pragmatismo também ganha destaque, orientando decisões judiciais a considerar as implicações práticas e os efeitos sociais, e não apenas a teoria legal. Um exemplo disso é a discussão no STF sobre a omissão do Congresso em criar o imposto sobre grandes fortunas, onde a legislação é analisada sob a luz da igualdade material e dignidade humana.
Pragmatismo como crítica: O termo também é usado, por vezes, de forma crítica para descrever a ausência de ideologia ou a mudança de posições políticas que visam apenas o poder, sem um compromisso profundo com as plataformas originais. Segundo a Jornalista, Mestra e Doutora Nadini de Almeida Lopes, no Oitavo e Ultimo Semestre da Habilitação em Jornalismo na Comunicação Social, pelas Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAAM FAAM).
As eleições de meio de mandato (ou midterms) são as votações que ocorrem na metade do mandato presidencial nos Estados Unidos. Elas são importantes porque renovam cadeiras no Congresso e podem mudar a dinâmica política, influenciando a capacidade do presidente de aprovar sua agenda.
O que está em disputa nas eleições de meio de mandato
Câmara dos Representantes: Todas as 435 cadeiras são renovadas a cada dois anos. Todos os membros têm mandatos de dois anos, então todo o corpo é reeleito a cada eleição geral.
Senado: Um terço das 100 cadeiras do Senado é colocado em disputa a cada dois anos. Os senadores têm mandatos escalonados de seis anos.
Outros cargos: Além dos assentos no Congresso, as midterms podem incluir eleições para governador, legislaturas estaduais e outros cargos locais.
Próximas eleições e resultados recentes
Próxima eleição: As próximas eleições de meio de mandato ocorrerão em novembro de 2026.
Eleição de 2022: Na eleição de meio de mandato mais recente, em novembro de 2022, o Partido Republicano conquistou a maioria na Câmara dos Representantes, enquanto o Partido Democrata manteve o controle do Senado. A eleição foi amplamente vista como um referendo sobre a gestão do então presidente Joe Biden.
Importância política
Referendo popular: As eleições de meio de mandato são frequentemente interpretadas como uma avaliação do desempenho do presidente em exercício e de seu partido. Um resultado favorável para a oposição pode indicar insatisfação popular com a administração atual.
Controle do Congresso: O controle da Câmara e do Senado é crucial para a aprovação de leis. Se o partido do presidente perder a maioria em uma ou ambas as casas, o governo pode enfrentar dificuldades para implementar suas políticas, além de se sujeitar a mais investigações por parte da oposição.
Impacto na eleição presidencial: O resultado das midterms pode influenciar a eleição presidencial seguinte, afetando a corrida eleitoral de 2028.
Aumento da participação
A participação popular nas midterms tem aumentado. Nas eleições de 2022, por exemplo, mais de 40 milhões de cédulas foram enviadas pelo correio via voto antecipado.
Confira o artigo do autor Rafael R. Ioris1
TRUMP E A CRISE DA SOCIEDADE NORTE-AMERICANA:
AS ELEIÇÕES DE 2018 – SIGNIFICADOS E PERSPECTIVAS
Rafael R. Ioris1
Os Estados Unidos enfrentam hoje uma profunda crise política e social. O país se encontra polarizado
como há muito tempo não ocorria, situação que foi confirmada nas últimas eleições legislativas
em 2018 e que pautará o vindouro pleito presidencial no ano de 2020. Analisando de maneira
detalhada os resultados das eleições do ano passado, este artigo busca tecer apontamentos
interpretativos ligados às suas motivações e consequências de médio prazo. Da mesma forma,
busca-se apontar algumas das principais implicações mais amplas decorrentes desses eventos,
assim como as perspectivas de médio prazo para o país e a região.
Palavras-chave: Estados Unidos; comportamento eleitoral; polarização política; crise.
TRUMP AND THE CRISIS OF THE AMERICAN SOCIETY: THE ELECTION OF
2018 – ITS MEANINGS AND PERSPECTIVES
The United States faces today a historical political and social crisis, a process that was sharply
reflected in the mid-term elections of 2018. This trend shall define much of the electoral behavior
of 2020. Based on a close analysis events, the present piece offers some interpretive notes of the
main causes and direct impact of last year´s election for the country and the region as whole.
Keywords: United States; electoral behavior; political polarization; crisis.
TRUMP Y LA CRISIS DE LA SOCIEDAD ESTADOUNIDENSE: LA ELECCIÓN DE
2018 – SUS SIGNIFICADOS Y PERSPECTIVAS
Los Estados Unidos enfrentan hoy una crisis política y social histórica, un proceso que se reflejó
claramente en las elecciones para el congreso en 2018. Esta tendencia definirá gran parte del
comportamiento electoral de 2020. Basado en un análisis detallado de los acontecimientos, el
seguiente artículo ofrece algunas notas interpretativas de las principales causas y el impacto de
las elecciones de 2018 para el país y para la region en general.
Palabras clave: Estados Unidos; comportamiento electoral; polarizacion política; crisis.
JEL: D7; D70; D72.
https://doi.org/10.38116/rtmv5n1art10
1 INTRODUÇÃO
Os Estados Unidos estão imersos em um inverno intenso e paralisador.
Quando da escrita deste artigo, em fevereiro de 2019, na fria cidade de
Denver, tudo parece indicar que ainda teremos muitos dias frios e sombrios.
Não apenas no sentido climático, mas, talvez, e acima de tudo, em um sentido
mais metafórico, conforme busco explicitar a seguir.
1. Professor de história latino-americana e política comparada da Universidade de Denver. E-mail: <rafael.ioris@du.edu>.
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O governo federal norte-americano continua sem uma aprovação orçamentária
de longo prazo. Além disso, nada indica que o país esteja mais próximo de uma
resolução satisfatória do impasse criado pelo projeto de construção de um muro
na fronteira com o México, proposta que foi carro-chefe da campanha de Trump
em 2016. No seu pronunciamento anual junto ao Congresso (State of the Union),
no início do mês, o presidente reiterou essa exigência como condição sine quo non
para qualquer negociação orçamentária. Da mesma forma, confirmou sua retórica
nacionalista e xenofóbica orientada a manter sua base entre os segmentos sociais
de etnia branca e de menor poder aquisitivo e de educação formal, chave para sua
eleição em 2016.
Contextualizado ao longo dessas linhas analíticas, e com a licença poética
que espero que me seja permitida, o clima político norte-americano poderia, em
grande medida, ser definido pela ideia de que o inverno já chegou e tende a
permanecer aqui por algum tempo. Portanto, é no sentido de tentar esboçar uma
reflexão prospectiva que inseri o fenômeno Trump, assim como as eleições de meio
de mandato de 2018, no contexto da crise que possibilitou a sua candidatura, e
posteriormente a sua presidência.
Entendo que essa crise não começou, nem tampouco se esgota, com ele.
Nesse sentido, este texto é divido em cinco seções, sendo a primeira esta introdução.
Na segunda, busco situar a ascensão política de Trump dentro de um contexto histórico
mais amplo, definido por dois processos de clivagem. Um, de natureza econômica,
seria definido pela crescente deterioração dos salários dos segmentos médios e dos
trabalhadores da população, levando a um patamar de concentração de renda que
evoca os patamares de desigualdade do final do século XIX. A segunda clivagem, de
natureza cultural e simbólica, reflete-se no distanciamento crescente entre as posições
políticas e visões de mundo expressas por segmentos sociais residentes nas grandes
cidades, especialmente nas regiões costeiras do país, e os habitantes do interior dos
estados centrais, de maneira especial, mas do país como um todo.
Nas seções 3 e 4, analiso em detalhes os resultados mais significativos das
eleições de 2018, com vistas a tentar tecer apontamentos interpretativos ligados às
suas motivações e consequências de médio prazo. Por conseguinte, na conclusão
do artigo, tento apontar o que vejo como implicações mais amplas e perspectivas
de médio prazo para o país e a região, com base em uma leitura das tendências
atuais mais importantes.
Cabe ressaltar, por fim, que o artigo como um todo, pela própria natureza
e pelos objetivos embasadores da sua elaboração, se baseia, mais do que tudo,
em eventos que ainda estão sendo analisados de maneira mais detalhada – o
que justificaria o fato de seus dados e suas fontes serem sobretudo de natureza
jornalística. Da mesma forma, os apontamentos aqui apresentados são de
Trump e a Crise da Sociedade Norte-Americana: as eleições de 2018 – significados e perspectivas
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natureza prospectiva e, portanto, essencialmente provisórios, feitos mais com fins
de inspirar maiores debates, reflexões e estudos, do que prever acontecimentos
ainda em gestação – tarefa sempre arriscada e de limitada aplicabilidade.
2 TRUMP DENTRO DO CONTEXTO HISTÓRICO RECENTE
Apesar da retórica talvez excessiva alinhavada neste texto, parece-me, de fato, que
os Estados Unidos vivem nos dias de hoje uma realidade definida, em grande parte,
por uma profunda crise, não só econômica mas, acima de tudo, política, cultural e,
mesmo, civilizatória ou existencial, que vem sendo construída ao longo dos últimos
quarenta anos. Efetivamente, foi no final da década de 1970, em especial no início
dos anos 1980 – período caracterizado principalmente pela retórica internacional
belicista e políticas econômicas e sociais neoliberais do governo Reagan –, que se
pode perceber um novo marco da história recente do país.
Lembremos que, para muitos, particularmente entre os grupos sociais de etnia
branca das pequenas cidades do país, as mudanças culturais e políticas dos anos
1960 tinham ido longe demais. Isso, na visão desses grupos, seria demonstrado tanto
na turbulência social dos movimentos sociais que se valiam de estratégias de confronto
(por exemplo, Black Panthers Party), quanto pelo movimento pacifista e contra a
Guerra do Vietnã. Aliado a esses fenômenos turbulentos de matriz mais política,
cultural e social, a transformadora década de 1970, marcada profundamente também
pela crise institucional e simbólica criada pelo escândalo do Watergate, presenciaria
uma das maiores crises econômicas do pós-guerra no país, dando início a um forte
processo de desindustrialização e queda do poder aquisitivo das camadas médias da
população, com efeitos sentidos até os dias de hoje.
Dentro desse contexto de fadiga ampla e busca por alternativas, a
retórica altissonante de Reagan foi vista por muitos como o caminho a ser
seguido, não obstante o claro teor conservador das políticas apoiadas pela
nova coalizão no poder. Efetivamente, apesar de, na prática, ressuscitar a velha
lógica econômica anterior ao New Deal, que levara o país à falência no início
dos anos 1930, Reagan representava o “novo”, o não político que seria capaz
de apresentar um novo rumo a um país cada vez menos capaz de ser definido
pela retórica da América branca e protestante, onde todos teriam as mesmas
oportunidades de conquistar o famoso “sonho americano”. Nesse sentido, o
apelo de Reagan decorria, em grande parte, do fato de representar a promessa
de realização de algo impossível, qual seja, reverter a passagem do tempo e
levar de volta o país à década dourada dos anos 1950, quando o então ator
de papéis secundários em Hollywood fazia algum sucesso ao lado de estrelas
efetivamente de peso.
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Em linhas gerais, embora tenha havido crescimento econômico ao longo
dos anos 1980, a chamada reaganomics resultaria em um profundo processo
de financeirização da economia, desindustrialização da base produtiva e forte
concentração de renda – dinâmicas essas que teriam sequência e efeitos ao longo
dos trinta anos seguintes. De fato, durante os gloriosos anos 1990, quando os
Estados Unidos se apresentavam ao mundo como ganhadores incontestáveis da
Guerra Fria e Bill Clinton propagava as benesses da globalização aos quatro cantos
da Terra, a economia norte-americana se convertia de vez em uma economia de
serviços, e as empresas dos Estados Unidos passavam cada vez mais a transferir
suas plantas industriais para países do mundo em desenvolvimento. O período
foi definido, assim, pelo aprofundamento da flexibilização financeira iniciada
na década anterior, bem como pela internacionalização das cadeias produtivas,
chave da economia do país. Essa maior abertura comercial, a integração econômica
e a desregulamentação dos serviços, especialmente nas finanças, levaria o país à
retomada de níveis significativos de crescimento econômico, ainda que grande parte
disso fosse oriunda dos mercados financeiros e não de ganhos de renda real para a
grande maioria das famílias norte-americanas.
Embora a euforia da década dos 1990 tenha sido definida também por uma
abertura maior no âmbito cultural da sociedade norte-americana – quando inúmeros
estrangeiros bem qualificados passaram a viver e trabalhar em maiores números em
várias partes do país, como no Vale do Silício, por exemplo –, a concentração de
renda e a desigualdade crescente entre setores sociais e regiões geográficas com maior
ou menor proximidade aos novos setores econômicos em expansão (por exemplo, a
nova economia de serviços on-line) se aprofundavam de forma brutal, levando a um
crescente ressentimento nacionalista, por vezes xenofóbico, que ajudaria a recolocar
os conservadores na Casa Branca, com a vitória de George W. Bush na controvertida
eleição do ano 2000.
Ainda mais belicistas, intervencionistas e nativistas que nos anos 1980, os já
envelhecidos e cada vez mais ativistas neoconservadores (NeoCons) do início do
século buscavam reavivar a lógica confrontacionista da Guerra Fria, ironicamente,
dentro de um contexto de ausência clara de inimigos externos. Que o atentado de
11 de setembro de 2001 tenha, pois, sido rapidamente aproveitado pelos novos
ocupantes do poder como justificativa para uma verdadeira cruzada internacional
contra o chamado terrorismo de base religiosa islâmica não deveria apresentar
nenhuma surpresa. Também não surpreendeu que o governo George W. Bush
tenha se aproveitado do que era visto por muitos setores da chamada Middle
America como comportamentos aberrantes, chocantes, inapropriados – os excessos
cosmopolitas dos yuppies apoiadores de Clinton e dos agentes da chamada Nova
Economia dos grandes centros urbanos do país – para reavivar uma narrativa
tipicamente conservadora, por vezes populista de direita, que afirmava que a
Trump e a Crise da Sociedade Norte-Americana: as eleições de 2018 – significados e perspectivas
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chamada verdadeira América estaria sendo desfigurada por influências estrangeiras,
não importando que os ditos estrangeiros já fizessem parte há muito tempo da
sociedade norte-americana.
Que esses sentimentos e discursos tenham sido muito estrategicamente nutridos
e mesmo exacerbados durante o governo Obama tampouco deveria surpreender
ninguém. Tratava-se, de fato, de um governo bastante moderado e que, em muitos
aspectos, representava a continuidade das políticas econômicas liberalizantes dos anos
1990. O simbolismo do primeiro negro a ocupar a cadeira presidencial, contudo, não
permitia que os fatos se apresentassem por seus próprios méritos. Assim, a narrativa
de um país em crise, de uma nação que perdeu sua essência, onde grande parte dos
seus habitantes não mais se reconhecia no país dos seus pais e que queria, portanto,
ter o “seu país” de volta, deixa de ser um discurso marginal de extremados não
representativos da maioria da população e passa a se colocar como real opção política
no centro (mainstream) da narrativa e dos debates políticos.
Cabe ressaltar, porém, que, para ser possível, esse processo precisava de um
canal próprio de expressão que o legitimasse dentro do processo político formal.
O outsider contumaz, o não político perfeito, o empresário agressivo e celebridade
midiática recorrente, Donald J. Trump, seria o veículo encontrado para permitir
que essa dinâmica tão estranha pudesse se viabilizar. Criava-se, assim, uma lógica
própria de utilização recíproca sem pudores ou princípios, em que quanto mais
virulenta, xenofóbica, antidemocrática e confrontacionista fosse a retórica,
mais azeitada seria a parceria entre Trump e sua base conservadora extremista,
definida por um ultranacionalismo reacionário e apelos permanentes a uma
suposta maioria branca ameaçada por todos os lados.
É, pois, dentro da inusitada confluência de forças políticas que traz Trump
ao poder, e no substrato das transformações econômicas, sociais, políticas e
culturais dos últimos trinta ou quarenta anos, que entendo que os Estados Unidos
se encontrem hoje. Ou seja, de certa forma, o país está novamente frente a um
momento dilemático de possíveis definições e redefinições capazes de reorganizar
de modo profundo os rumos da nação no contexto das próximas décadas.
Caberia ressaltar que, em condições normais do funcionamento partidário e
da base eleitoral, especialmente entre as camadas mais pobres e brancas, sobretudo
dos estados do Meio-Oeste e Sul do país, talvez um candidato tão extremo
como Trump não tivesse conseguido eliminar todos os concorrentes dentro das
primárias eleitorais do Partido Republicano. E, se exitoso na disputa interna, teria
tido maiores dificuldades para ganhar a presidência nas eleições gerais. É certo
que, de maneira não democrática, o colégio eleitoral o beneficiou.
Ainda assim, não houvesse uma crise sistêmica da representação política da
democracia liberal (fenômeno que não se restringe ao caso dos Estados Unidos, mas
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se expande ao redor do mundo), assim como uma crise econômica continuada no
país, refletida mais que tudo no empobrecimento absoluto e especialmente relativo
dos setores médios e de trabalhadores assalariados, talvez uma retórica tão extremada
como a de Trump tivesse mais dificuldades para se viabilizar. De maneira alternativa,
porém, cabe levantar a hipótese de que talvez Trump somente tenha ajudado a revelar
uma lógica subjacente à América profunda, lógica esta que, se durável, apresentará
enormes dificuldades ao país, no curto e mesmo no médio prazo.
Qual das duas possibilidades estamos de fato vivenciando é algo que, entendo,
não esteja ainda muito claro. Especulações a respeito, portanto, só podem ser feitas de
maneira tentativa e provisória. O certo é que as instituições políticas norte-americanas
passam hoje por um teste muito forte, cujo resultado ainda está por ser mais bem
definido. O que este texto tenta alinhavar no que segue são possíveis cenários,
com base nos últimos desdobramentos eleitorais congressuais de meio de mandato
(mid-term elections) e nos últimos desdobramentos de importantes processos políticos
e legais em curso na grande potência norte-americana.
3 AS ELEIÇÕES DE MEIO DE MANDATO DE 2018 NOS ESTADOS UNIDOS:
SÍNTESE E ANÁLISE DOS PRINCIPAIS RESULTADOS
Olhando retrospectivamente, poderíamos afirmar que os dois primeiros anos
do governo Trump foram marcados por um forte desprezo e confrontação
constante com órgãos da mídia e da oposição no Partido Democrata. O processo
de polarização política e cultural nos Estados Unidos foi iniciado muito antes
da ascensão ao poder de Trump, como já apontado. Com figura de retórica
tão agressiva e polarizadora na presidência, as divisões políticas e também
socioculturais adquiriram, porém, novas dinâmicas e matizes.
Mantendo a retórica e o estilo da campanha presidencial de 2016 desde o
início do mandato, o novo presidente republicano se disse sob ataque da imprensa
de notícias falsas (fake news), tentando assim se resguardar de maneira preventiva
dos naturais escândalos que sua administração viria a se envolver – os quais, quase
que de forma profética, não demorariam muito a aparecer. De fato, já nos primeiros
meses de governo, uma série de revelações sobre o envolvimento do governo russo
na eleição vieram à tona, levando Trump a pressionar o então chefe do Federal
Bureau of Investigation (FBI), James Comey, a não investigá-lo pessoalmente, o
que foi recusado e provocou sua demissão logo em seguida. Esses eventos ganhariam
uma enorme dimensão, forçando o Departamento de Justiça (DOJ), mesmo que a
contragosto, a criar uma força-tarefa para investigar o assunto.2
2. Mais detalhes sobre a controversa demissão de James Comey e a consequente criação da força tarefa do promotor
independente disponíveis em: <https://www.cnn.com/specials/politics/james-comey-firing> e <https://www.justice.gov/
opa/press-release/file/967231/download>.
Trump e a Crise da Sociedade Norte-Americana: as eleições de 2018 – significados e perspectivas
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Com base nesses eventos, e consequentes ventos políticos contrários, ao
longo do verão norte-americano de 2018, quando o foco do mundo político se
dirigia para as eleições de meio de mandato, havia um crescente otimismo entre os
democratas em relação às eleições congressuais e de vários estados. Isso derivava,
em grande parte, de uma maior mobilização das bases eleitorais democratas,
especialmente entre movimentos sociais, assim como no crescente desgaste do
governo Trump, que, além das contínuas revelações sobre a interferência russa
nas eleições, provavelmente com a participação de membros de sua campanha
presidencial, também perdia membros de seu gabinete e principais agências
reguladoras, por exemplo, a Agência de Proteção Ambiental (Environmental
Protection Agency – EPA), por escândalos de corrupção ou inépcia.
Tudo parecia fazer crer que em novembro o país presenciaria a chamada
“onda azul” (cor do Partido Democrata), não fosse o fato de que o processo de
aprovação do indicado de Trump à vaga deixada na Corte Suprema pelo ministro
Kennedy, o ultraconservador juiz Brett Kavanaugh, viesse a se tornar uma
“causa célebre” entre as bases republicanas, que entendiam que as denúncias de
abuso sexual por parte do juiz, quando ainda jovem, representavam um complô
democrata contra um juiz qualificado para o cargo.3
Ao longo dos meses de setembro e outubro do mesmo ano, o processo
se polarizou fortemente. Os republicanos viam as acusações como um ataque
frontal contra um juiz que viria a consolidar uma maioria conservadora na Corte,
enquanto os democratas tomavam o processo como uma oportunidade única
para fortalecer o combate ao abuso sexual contra mulheres no país. As bases de
ambos os partidos acabariam por se mobilizar de forma expressiva em torno desse
tema nas eleições no mês seguinte. Assim, embora tenha confirmado importantes
vitórias democratas, na Câmara e em vários estados, inclusive com a eleição de
deputados de viés bastante progressista, como Alexandria Ocasio-Cortez, em
certa medida o resultado das eleições mostrou um país profundamente dividido,
já que, no Senado, os republicanos não só mantiveram o controle da casa mas
ampliaram em dois votos a sua maioria.
Ainda assim, os democratas conquistaram vitórias importantes, entre as
quais a ampliação de sua base na Câmara em quarenta cadeiras, obtendo assim a
maioria e a presidência da casa congressual. Mais importante, talvez, tenha sido
o fato de que o partido da oposição ao presidente tenha atingido um recorde de
votos no eleitorado em geral, obtendo 9 milhões a mais do que os eleitores que
votaram no Partido Republicano. Esses ganhos confirmaram a mobilização do
eleitorado democrata em todo o país, já que, mesmo em distritos onde o partido
não obteve a cadeira na Câmara, seus votos aumentaram. Apesar disso, dada a
3. Mais informações em Kray, Mandell e Carrol (2018).
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lógica do sistema distrital e do mecanismo do colégio eleitoral, tal maioria não se
refletiu em vitórias mais expressivas ou em simples vitória. Foi o que se deu em
2016, quando Hillary Clinton foi derrotada em sua campanha pela presidência
apesar de ter obtido cerca de 3 milhões a mais de votos.
Outros ganhos importantes do Partido Democrata, embora por vezes mais
de caráter simbólico do que demonstrativos de uma efetiva mudança ampla do
eleitorado em geral, se deram na eleição de mulheres indígenas e muçulmanas
para a Câmara Federal, de um governador assumidamente gay no estado do
Colorado – onde o partido obteve controle total do Executivo e Legislativo
estaduais –, o aumento no número de mulheres no Congresso em geral e
a redução da idade média dos representantes federais do país. Os democratas
assumiram o poder também em sete estados até então em mãos republicanas, com
ganhos legislativos associados à estratégia, já que o desenho dos distritos eleitorais
para a Câmara é feito pelas assembleias legislativas de cada estado com base no
censo que, nesse caso, será feito em 2020. Houve também ganhos democratas
em estados-chave, como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, o que demonstra a
precariedade da vitória de Trump nesses lugares em 2016. Por fim, os democratas
ainda conseguiram assumir em distritos sob controle de republicanos nos últimos
trinta anos, como no sul da Califórnia.4
Por sua vez, verificou-se que não houve um repúdio claro a Trump e a seu
partido. De fato, as enormes expectativas dos democratas por ganhos em estados
importantes como Texas e Flórida não se confirmaram. No Texas, o candidato
Beto O’Rourke tentou, sem sucesso, derrotar o senador republicano Ted Cruz,
candidato a reeleição. Na Flórida, os republicanos conseguiram, ainda que de
maneira apertada, a maioria dos votos e, portanto, o controle do estado, assim
como assumiram ambas as cadeiras do estado no Senado.5
Assim, ainda que tenha havido um aumento dos votos democratas em
ambos os estados e a base do partido tenha se mobilizado de forma inédita, o
que se confirmou é que o segundo e o terceiro maiores colégios eleitorais do país
ainda devem permanecer sob controle republicano nos próximos anos. Na mesma
direção, e como mencionado anteriormente, no Senado norte-americano, os
republicanos mantiveram o controle da casa, até mesmo ampliando sua maioria.
Note-se ainda, como também apontado anteriormente, que, em função do
desenho dos distritos eleitorais e especialmente dos sistemas de colégio eleitoral para
4. Mais detalhes sobre os resultados eleitorais estão disponíveis em: <https://www.politico.com/election-results/2018/
pennsylvania/; <https://www.politico.com/election-results/2018/wisconsin/>; <https://www.politico.com/election-results/2018/
michigan/>; e <https://www.nytimes.com/interactive/2018/11/06/us/elections/results-california-elections.html>.
5. Informações disponíveis em: <https://www.washingtonpost.com/election-results/texas/?utm_term=.7328492a5027>;
e <https://www.washingtonpost.com/election-results/florida/?noredirect=on>.
Trump e a Crise da Sociedade Norte-Americana: as eleições de 2018 – significados e perspectivas
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a eleição presidencial, os votos para o Senado não se organizam segundo uma lógica
estritamente democrática, ou seja, com o voto de cada eleitor tendo o mesmo peso
no resultado final. Apesar de terem obtido cerca de 56% dos votos para o Senado, os
democratas detêm hoje 49 cadeiras naquela Casa – incluindo dois senadores que votam
junto com os democratas na maioria dos casos, mas que se declaram independentes.6
De maneira particularmente dolorosa para os democratas, as derrotas, ainda
que apertadas, dos candidatos ao Senado no Texas e na Flórida devem requerer do
partido uma reavaliação de como seguir se mobilizando nesses estados. O chamado
voto hispânico, sempre aventado como o fator que tornaria ambos os estados azuis, ou
pelo menos roxo, insiste em não se materializar. Da mesma forma, parece muito difícil,
tendo em vista os estados onde eleições para o Senado estão previstas para 2020, que
o cenário atual nessa casa congressual se altere, a menos que os prospectos de uma
eleição renovadora para a Câmara e Presidência nesse ano – ainda incertos apesar
de maiores do que há três meses – venham a influenciar também esses pleitos que,
em essência, são de natureza estadual.7 Assim, em seu conjunto, quais as principais
conclusões que poderiam ser tiradas desses acontecimentos?
Em primeiro lugar, entendo que, como antecipado, em vez da tal onda
azul, o que as urnas demonstraram foi um quadro de polarização política que se
consolida. Por um lado, apesar da mobilização surpreendente dos republicanos, em
um contexto onde esse partido controlava tanto o Executivo como o Congresso,
os ganhos democratas foram, sem dúvida, muito significativos e apontam para
um cenário de crescente e, espera-se, contínua mobilização de suas bases.
Por outro lado, foi bastante surpreendente que os republicanos tenham
conseguido ativar seus apoiadores de tal forma. Normalmente, nesse tipo de eleição,
o partido da oposição é o que consegue atingir altos níveis de mobilização eleitoral.
No dia 6 de novembro de 2018, tivemos, de fato, uma das maiores participações
eleitorais em eleições de meio de mandato, com comparecimento de cerca de 49,2%
do eleitorado. Foi o segundo maior índice da história, nesse tipo de eleição, superado
apenas em 1914, quando – com a eclosão da Primeira Grande Guerra – cerca de 50%
dos eleitores norte-americanos compareceram às urnas (Stewart, 2018).
O que parece certo é que se confirmou um quadro de divisão política
bem demarcado no país, talvez mesmo seu aprofundamento. Essa polarização
é refletida nos votos dos dois partidos hegemônicos, mas que em muito os
transcende. Revelou-se, assim, uma vez mais, embora de maneira não de todo
inovadora (já que tais parâmetros vêm sendo demonstrados ao longo dos últimos
vinte anos), a existência de duas Américas claramente distintas: uma América
litorânea e uma América dos estados do centro do país; uma América urbana e
6. Disponível em: <https://www.politico.com/election-results/2018/senate/>.
7. Disponível em: <https://www.washingtonpost.com/graphics/2018/politics/2020-senate/?utm_term=.c25f72176803>.
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uma América rural; uma América das novas indústrias limpas e de serviços e uma
América desindustrializada, enferrujada (Rust Belt), de atividades econômicas
sujas e extrativistas, como o carvão; uma América laica e inclusiva e uma América
religiosa e dogmática; e por fim, uma América branca e uma América mestiça.
É inegável que nada no mundo concreto é tão esquemático assim. É fato,
inclusive, que muitos dos membros da dita América liberal também são brancos.
Ainda assim, é também certo que a base de apoio mais forte dos republicanos – e
especialmente de Trump – se encontra entre os norte-americanos brancos, nos estados
centrais, menos urbanos e economicamente menos ligados às indústrias novas, de alta
tecnologia e de energias renováveis. Nesse sentido, dentro de um quadro de divisão
interna consolidada, coloca-se um cenário difícil e volátil para o país.
O país refletido nas urnas precisa ser entendido como um país em fluxo,
cada vez mais diverso, multiétnico e multicultural. Ele é, contudo, uma nação
cindida de maneira profunda, em conflito consigo mesmo, com enormes
dificuldades, portanto, de se ver no espelho. As eleições refletiram, sim, um país
mais jovem, poliglota e multirreligioso. O pleito, entretanto, revelou também
novas iterações do profundo racismo histórico contra grupos não brancos,
anglo-saxões e protestantes, que permanece forte e profundamente arraigado em
múltiplas partes do país.
Completando o quadro, ficou claro que o peso da indústria fóssil continua
enorme, já que candidatos associados à agenda ambiental e proposições estaduais
de controle de emissões, em geral, não foram apoiados pelo eleitorado. E, embora
se perceba uma crescente preocupação relativa à temática do mapeamento
politicamente orientado dos distritos eleitorais, especialmente pelo Partido
Republicano, esse recurso continua sendo utilizado de maneira ampla ao redor
do país, com continuados efeitos deletérios ao processo democrático em geral.
O que se percebeu também foi um dos maiores problemas estruturais da
democracia norte-americana, qual seja, o fato de o peso do voto de cada eleitor
não ser de forma alguma equivalente ao voto de outro. Isso faz parte da lógica
historicamente oligárquica que rege o desenho da Câmara Alta nos parlamentos
ocidentais. Algo, no entanto, que vem sendo demonstrado de forma nítida em cada
eleição nos últimos anos é a existência de um descompasso generalizado também
no peso do voto dos eleitores para a Câmara de Deputados. Essa desigualdade
decorre da sub-representação dos estados mais populosos e do recorte dos distritos
em cada estado, concebido em geral para garantir maiorias ao Partido Republicano.
Dessa forma, os resultados eleitorais tendem a revelar uma representação congressual
(assim como presidencial) não equivalente ao voto popular expresso nas urnas – algo
que tanto as eleições de 2016 como as de 2018 demonstraram, só para citar as mais
recentes, conforme mencionado anteriormente.
Trump e a Crise da Sociedade Norte-Americana: as eleições de 2018 – significados e perspectivas
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Dentro da citada polarização entre grandes centros urbanos e o voto disperso
pelo interior dos estados e do país em geral, outro aspecto que chama atenção
na eleição de 2018, quando comparada com a eleição de Trump, em 2016, é
a significativa perda de apoio do Partido Republicano entre mulheres brancas,
portadoras de educação superior e habitantes dos chamados subúrbios de classe
média das grandes cidades – seja das costas litorâneas, ou mesmo nos estados
centrais, como Colorado, Michigan, Wisconsin e Ohio –, tradicionalmente
eleitoras do partido (Nort, 2018).Esse setor do eleitorado tem se demonstrado
chave para qualquer eleição desde o início dos anos 1990, quando Clinton
foi o primeiro a mobilizá-lo, em parte sob o rótulo de blue dog democrats, um
eleitorado volátil que pode ou não votar com o partido, dependendo do contexto
conjuntural de cada eleição.
Confirmou-se, pois, que a base cativa de Trump se concentra entre homens
brancos, especialmente sem educação superior, assim como entre grupos religiosos
conservadores, em geral também brancos e de base socioeconômica mais baixa.
São exatamente esses eleitores que tendem a ser mais facilmente mobilizados com base
em uma retórica nacionalista radical – por vezes com forte conotação supremacista
branca –, anti-intelectualista, isolacionista, protecionista e xenofóbica. Esses setores
vêm sendo muito eficientemente articulados por Trump e seus apoiadores e ativados
de maneira constante por meios de comunicação de massa de viés ultraconservador,
especialmente TV e rádios AM ao redor do país.
Da mesma forma, aprofundou-se o radicalismo e dogmatismo das bases
trumpistas, pois, no mais das vezes, os ganhos democratas na Câmara Federal
ocorreram pela perda de votos de candidatos republicanos de viés moderado, ao
passo que republicanos abertamente trumpistas tenderam a se eleger. De fato,
mesmo que a comparação entre distritos onde republicanos e democratas se saíram
bem seja afetada pelas diferenças de composição – demográfica, política, ideológica,
religiosa –, o produto final foi um Congresso mais polarizado, com lados menos
abertos à negociação e composição de posições políticas divergentes (Jones, 2018).
Como apontado anteriormente, é inegável que muito da manutenção do
peso do voto conservador e sua expressão na eleição de candidatos conservadores
(ou mesmo reacionários) no Partido Republicano têm dependido, já há décadas,
do desenho injusto e desequilibrado dos distritos eleitorais, assim como da
restrição dos votos das chamadas minorias, especialmente entre afro-americanos,
latinos e pessoas de mais baixa renda.
Ainda que essas manobras façam parte de uma longa e trágica história
de exclusão do voto de grupos não majoritários do eleitorado que sempre
definiu a história dos Estados Unidos, desde os anos 1960, com a passagem das
legislações federais de defesa dos direitos civis e políticos de todos cidadãos, esses
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revista tempo do mundo | rtm | v. 5 | n. 1 | jan. 2019
mecanismos de supressão eleitora vinham enfrentando dificuldades para serem
utilizados. A trajetória de democratização efetivada do eleitorado, contudo, tem
sido erodida nos últimos anos, especialmente na última década, com decisões
polêmicas da Suprema Corte norte-americana limitando a aplicabilidade
dessas legislações (Douglas, 2018). Como vem sendo demonstrado em vários
estado nas últimas eleições – especialmente na Carolina do Norte já há algum
tempo e nas últimas eleições na Geórgia –, o Partido Republicano não tem tido
nenhum tipo de escrúpulo em se valer de novas formas de exigências legais
para impedir que eleitores, sobretudo negros e hispânicos, consigam votar em
diversas partes do país (North Carolina..., 2018; Lopes, 2018).
Assim, apesar dos esforços continuados de movimentos sociais de base,
religiosos e seculares – que vêm tentando trabalhar com esses grupos no
sentido de obter os documentos exigidos pelas novas regras impostas pelos
republicanos8 –, e de organização nacionais de direitos civis e políticos
(por exemplo, a American Civil Liberties Union – ACLU), que combatem
juridicamente essas restrições ao sufrágio universal no país, parece certo
que ainda continuaremos assistindo por um tempo a um importante
descompasso entre a expressão, possível ou efetiva, do voto popular e a
representação política formal – no Congresso, nas assembleias e executivos
estaduais, assim como na Presidência.
4 AS ELEIÇÕES DE 2018: IMPLICAÇÕES DE CURTO E MÉDIO PRAZOS
Um mês em política é uma eternidade! Embora excessivamente usada, essa
máxima da política parece aplicável nas questões aqui examinadas. Desde as
eleições de novembro até a elaboração deste texto, lá se vão mais de três meses.
Nesse meio-tempo, os Estados Unidos passaram por uma nova crise gerada pela
falta de aprovação orçamentária, derivada da ausência de um acordo entre os
democratas, agora com a maioria na Câmara, e Trump. Como resultado dessa
discordância, o país ficou privado de serviços não essenciais providos pelo governo
federal durante o mais longo período de sua história.
Para além das questões diretamente ligadas ao temperamento de Trump, que
criou o primeiro fechamento do governo mais por birra do que por visão estratégica,
convém apontar alguns elementos do que entendo serem as grandes variáveis a
influenciar o contexto político norte-americano nos próximos dois anos.
O primeiro eixo de desdobramentos que deverá ter um papel-chave se
refere às investigações conduzidas pelo promotor independente Robert Mueller,
ex-diretor do FBI e figura de peso reconhecida pelos dois principais partidos.
8. Por exemplo, duas formas de documento oficial com foto para poder votar e registro eleitoral a ser feito meses
antes da eleição.
Trump e a Crise da Sociedade Norte-Americana: as eleições de 2018 – significados e perspectivas
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A menos que o teor do relatório seja explosivo, o que não acredito que venha a
acontecer, acho difícil que os republicanos venham a arregimentar forças contra
Trump. De similar importância, a forma como os democratas irão se comportar
na Câmara no próximo ano e os procedimentos de escolha de seus candidatos
para enfrentar os republicanos (presumivelmente, com Trump) em 2020 são
pontos que merecem um detalhamento maior.
Cabe ressaltar, a princípio, que não está claro, nem mesmo para o partido,
como os democratas deveriam agir no Congresso. Irão eles valer-se de sua maioria
para tentar dar início a um processo de impeachment? Serão uma oposição ferrenha
a tudo que vier da Casa Branca, ainda que sem tentar remover o presidente do
cargo? Ou irão tentar apresentar propostas próprias, dispondo-se a negociar com
o Executivo, mesmo que ocupado por Trump?
A depender de como o partido venha a se comportar – se é que conseguirá ter
uma linha unívoca de ação –, deve variar também o comportamento de Trump, e a
imagem de ambos junto do eleitorado se projetará de maneiras diferentes. Vale lembrar
aqui o arraigado pragmatismo e conservadorismo político, reiteradamente manifestos
pelo eleitorado norte-americano, a fim de apreciar melhor as opções mencionadas.
Embora vários congressistas novatos do Partido Democrata tenham um
perfil mais progressista, ainda é verdade que – talvez como reflexo mesmo do
humor médio da população, como um todo – o partido continua tendo um perfil
bastante moderado, agindo basicamente como uma agremiação de centro, com
traços de centro-esquerda. Na mesma direção, os parlamentares do partido que
acabaram de derrotar candidatos republicanos em distritos por estes controlados
ao longo de muitos anos, como no sul da Califórnia, são, por sua vez, bastante
moderados em seus perfis, algo que certamente teve a ver com suas vitórias.
Da mesma forma, apesar das perdas republicanas que permitiram a maioria
democrata na Câmara, é fato que vários candidatos próximos a Trump também
garantiram suas reeleições, o que demonstra não ser completamente certo que
o eleitorado como um todo tenha visto as eleições congressuais de 2018 como
um referendo sobre o presidente. Isso requer cautela, por parte dos democratas,
na definição de como prosseguir.
É certo que a atuação dos democratas no Congresso exercerá forte influência
na projeção da imagem do partido frente ao eleitorado em geral. Ainda não está
claro, contudo, se ele será visto como uma agremiação simplesmente oposicionista
(partido do não) ou como um partido viável, detentor de uma agenda capaz de
agregar apoio entre variados segmentos da população desse complexo e diverso país.
Em relação ao eventual nome do candidato do partido para enfrentar Trump
em 2020, tampouco está certo como os democratas devem se comportar. Talvez com
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o nome de Trump na cédula eleitoral, no caso de uma campanha por sua reeleição
em 2020, os recentes ganhos democratas em estados-chave como Pensilvânia,
Michigan e Wisconsin – onde Trump ganhou em 2016 – venham a ser eliminados.
Essa talvez seja mesmo a tendência mais provável, caso a economia norte-americana
continue a crescer com baixos níveis de desemprego, como nos últimos dois anos.
No mesmo sentido, os ganhos parlamentares recentes dos democratas
em estados já seguramente “azuis”, como a Califórnia, onde Trump é muito
antipatizado, não são úteis na eleição majoritária. Nesses estados, não importa
se a vitória do partido se dê por 50% mais um voto ou por 90% dos votos.
Certamente, também nos estados-chave da Flórida e do Texas, a história poderia
ser totalmente diferente caso os democratas conseguissem uma maioria, ainda
que mínima. Essas expectativas, contudo, ainda que sempre presentes no cenário
otimista dos consultores democratas de plantão, ainda não parecem ser realistas,
pelo menos no curto prazo, conforme demonstrado na última eleição.
Também não parece claro, nem mesmo para os consultores de plantão, se os
democratas deveriam tentar lançar um candidato mais tradicional, com apelo nos
estados do Meio-Oeste, onde a última eleição foi decidida, ou se deveriam optar por
uma rota mais inovadora, tanto do ponto de vista simbólico como de uma perspectiva
geográfica – ao centrarem seus esforços em estados do chamado “cinturão do sol”,
como Texas e Flórida, onde talvez um candidato hispânico, como Beto O’Rourke, ou
Julian Castro, pudesse motivar o eleitorado latino, que tem ajudado a decidir eleições
desde 2000. Em outras palavras, deveriam os democratas tentar ganhar de Trump
competindo no campo do adversário – isto é, no Meio-Oeste, predominantemente
branco –, ou em um novo campo de disputa, onde teriam maior capacidade de
inovação, com nomes novos, mais jovens e de etnia não branca, representativos das
mudanças populacionais dos últimos anos?
Ressalte-se ainda que a capacidade de ampliar seus votos nos estados
com mais eleitores de descendência latina é, por ora, simplesmente potencial.
Conforme anteriormente apontado, esse é um possível resultado que exigirá
muito trabalho de base, sem garantias de sucesso. Da mesma forma, complicando
ainda mais a vida do partido, os democratas, por um lado, precisam manter uma
contundente oposição a Trump, de modo a manter a mobilização de suas bases, e,
por outro, necessitam fazer cálculos estratégicos a respeito de como angariar votos
junto a um eleitorado mais arisco às suas propostas, especialmente em estados
majoritariamente conservadores.
Esse dilema se intensifica bastante no que se refere ao crescente entusiasmo,
entre segmentos importantes dos apoiadores, por candidatos mais à esquerda
do partido, como Bernie Sanders, assim como candidatos menos tradicionais,
especialmente uma mulher, como Elizabeth Warren, ou especialmente uma
Trump e a Crise da Sociedade Norte-Americana: as eleições de 2018 – significados e perspectivas
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mulher negra/mestiça, como Kamala Harris. Vale observar também que, em
contraste interessante, enquanto no Brasil as classes médias vêm se mostrando
nos últimos anos como o verdadeiro bastião do conservadorismo político, nos
Estados Unidos, a articulação das posições mais retrógradas, sejam elas relativas
a temáticas culturais ou mesmo econômicas, tem encontrado terreno mais
fecundo entre os segmentos socioeconômicos mais baixos, especialmente entre os
segmentos populacionais de matriz étnica branca europeia.
Essa realidade faz com que, considerando as continuadas limitações
institucionais para uma representação efetiva dos votos, mudanças no contexto
político norte-americano tendem, dentro de uma perspectiva histórica, a
seguir um passo mais incremental do que transformativo e especialmente
revolucionário. Ainda assim, conforme apontado no início do texto, esses padrões
de comportamento se aplicam mais a condições normais de funcionamento do
sistema e lógica política média dos Estados Unidos do que a momentos de crise,
como o atualmente vivido no país.
De um ponto de vista puramente especulativo, pode ser que os democratas
venham a assumir o risco de ter um candidato não tradicional em 2020 e que isso
venha a dar certo para seus interesses. Essa abordagem poderia servir, contudo,
para que Trump pudesse arregimentar seu eleitorado cativo – nem de longe a
maioria da população do país – de modo suficientemente eficaz, a fim de mantera presidência em mãos republicanas.
Antes de concluir esta reflexão, caberia apontar – ainda que de maneira muito
especulativa – alguns possíveis desdobramentos capazes de catalisar as dinâmicas
de curto prazo a ponto de desenhar uma possível resolução do impasse criado pela
profunda polarização consolidada no país nos dias de hoje, ou, inversamente, talvez
aprofundar esse cenário, visto aqui como o de uma longa e profunda crise nacional.
Caso Trump venha a radicalizar ainda mais sua retórica – partindo do
princípio de que isso seja possível –, como resposta a uma realidade onde as
investigações do promotor independente deem combustível para os democratas
tentarem dar início a um possível processo de impeachment na Câmara,
a polarização política do país viria a se aprofundar ainda mais, aumentando a
imprevisibilidade das eleições de 2020.
Por um lado, a depender de múltiplas variáveis (por exemplo, a gravidade
das acusações; a capacidade dos democratas de arregimentar o eleitorado médio
do país; o comportamento da mídia mainstream e a reação de Trump frente a
esse cenário etc.), os democratas poderiam vir a ser capazes de apresentar seu
eventual candidato dentro de uma narrativa de redenção nacional frente a uma
crise sem precedentes. Por outro lado, Trump poderia se apresentar, dentro do
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revista tempo do mundo | rtm | v. 5 | n. 1 | jan. 2019
mesmo contexto, como um candidato injustiçado, frente a quem um grupo de
radicais estaria agindo de maneira injusta, talvez mesmo ilegal.
Como disse, esses cenários são, por ora, puramente hipotéticos, embora pareçam
bastante razoáveis. O certo é que, mesmo que alguma versão deles se materialize, não
está claro como se desdobrariam durante uma longa campanha presidencial, como
ocorre nos Estados Unidos – cerca de um ano, período em que o foco político do país,
especialmente da mídia, é quase que exclusivamente dedicado aos candidatos.
Relacionado a essas questões, o teor das agendas e plataformas eleitorais dentro
de um cenário tão polarizado não seria de forma alguma de fácil previsibilidade.
Frente a um presidente defensor de uma agenda profundamente conservadora,
tanto do ponto de vista econômico como cultural e social, devem os democratas
apresentar uma alternativa claramente progressista (por exemplo,saúde pública
universal) ou devem continuar mantendo uma versão centrista, moderada
e incremental da política republicana? Conforme venham a se desenrolar os
cenários, a crise de polarização econômica e sociocultural profunda que atravessa
o país poderá ou não começar a ser superada.
5 APRECIAÇÕES FINAIS: 2020 NO HORIZONTE
Conseguirá a gigante democracia norte-americana desmontar a crise existencial
em que se encontra, ou tenderá ela a se consolidar, com consequências não de
todo previsíveis, não só para o país mas também para a nossa região e para o
mundo como um todo?
Os recentes acontecimentos ligados à política externa dos Estados Unidos
na América Latina, especialmente com relação à Venezuela, assim como a escalada
de tensões com a China justificam as mais vivas preocupações. Da mesma forma,
em uma escala mais ampla, parece cada dia mais evidente que a democracia liberal
enfrenta hoje um dos seus mais fortes questionamentos, pelo menos ao longo dos
últimos setenta anos. Essa realidade se mostra cada dia mais clara na Europa, na
América Latina e de maneira talvez ainda mais intensa nos Estados Unidos, seu
primeiro e maior defensor ao longo dos últimos dois séculos.
A fim de se manter atraente e viável para as próximas gerações, é imprescindível
que esse importante sistema de organização social demonstre de forma efetiva
sua relevância. Para tanto, será necessário reestabelecer meios mais inclusivos de
deliberação política com vistas a obter uma representação mais efetiva dos diversos
interesses da complexa sociedade norte-americana. Caso contrário, poderíamos
estar perto de presenciar o ocaso da democracia liberal na sociedade que tem sido
historicamente vista como um dos mais importantes casos históricos da aplicação
bem-sucedida dessa importante lógica de funcionamento político. O que parece
estar em jogo, portanto, é a própria sobrevivência de uma democracia digna
Trump e a Crise da Sociedade Norte-Americana: as eleições de 2018 – significados e perspectivas
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do nome no país que sempre se ocupou em projetar os valores desse sistema ao
redor do mundo.
Parece certo que a continuidade de Trump no poder por mais seis anos
aprofundaria a erosão institucional que vem se desenvolvendo já há algum
tempo na chamada “terra dos livres”. Não surpreende, pois, que, para a maioria
dos analistas políticos dos Estados Unidos, a eleição presidencial de 2020 já
estaria em curso. Essa será, de fato, uma das mais importantes oportunidades
para os cidadãos norte-americanos tentarem reverter o longo inverno político
que absorve sua nação.
Conseguirão eles contrapor os ventos do neofascismo crescente em
seu país com a renovação da promessa de inclusão do chamado “sonho
americano”? Ou será que já é muito tarde para a realização desse necessário
objetivo? É certo que o mundo inteiro acompanhará de perto esse importante
pleito, cujos resultados terão efeitos que irão muito além das fronteiras e
possíveis muros do território norte-americano.
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cs/2018/11/19/18103110/2018-midterm-elections-turnout>. O artigo do autor Rafael R. Ioris1
As eleições de meio de mandato nos Estados Unidos (também conhecidas como midterms) são realizadas na metade do mandato presidencial. A próxima ocorrerá em novembro de 2026.
A próxima eleição de meio de mandato é essencial para o segundo mandato de Donald Trump, que venceu a eleição presidencial de 2024 contra Kamala Harris. Os eleitores votarão para renovar as cadeiras do Congresso, e o resultado definirá se Trump terá maioria republicana ou se terá de lidar com um Congresso dividido.
Nas midterms, são disputadas as seguintes vagas:
Todos os 435 assentos da Câmara dos Representantes.
Cerca de 1/3 das cadeiras do Senado (35 assentos em 2026).
36 governos estaduais e outros cargos locais, como procuradores-gerais.
Desafio para Trump: Após a vitória na eleição presidencial de 2024, analistas apontam que Trump terá cerca de 18 meses para avançar sua agenda antes que as eleições de meio de mandato de 2026 possam mudar o equilíbrio de poder no Congresso.
Vantagem Republicana: Após a vitória de 2024, os republicanos conquistaram a maioria na Câmara e no Senado. No entanto, manter essa maioria em 2026 será um desafio, visto que historicamente o partido do presidente costuma perder cadeiras nessas eleições.
Sucessão de Trump : As eleições de 2026 podem ser importantes para a sucessão do movimento "Make America Great Again".
As últimas midterms aconteceram em 2022, na metade do mandato de Joe Biden. Os resultados trouxeram alívio para os democratas e foram vistos como um revés para Donald Trump.
Senado: Os democratas conseguiram manter o controle do Senado.
Câmara: Os democratas conseguiram se manter firmes na Câmara, apesar de terem perdido o controle para os republicanos.
Impacto no governo Biden: Os resultados impactaram a governabilidade de Joe Biden e foram vistos como uma avaliação das políticas do seu governo.
Estaria pesando o pragmatismo politico por parte de Donald Trump ?
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E assim caminha a humanidade.
Imagem ; BBC News Brasil.
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