O trumpismo é a ideologia e o movimento político centrados em Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos e presidente eleito para o período a partir de 2025. Não se resume apenas às políticas de Trump, mas engloba um conjunto de características e comportamentos que atraem sua base de apoiadores, frequentemente identificada com o slogan "Make America Great Again" (MAGA).
Principais características
Populismo de direita: O movimento se baseia na ideia de que os anseios da "gente comum" são ignorados por uma elite política, econômica e cultural, contra a qual o movimento se opõe.
Nacionalismo e protecionismo: Defende o fortalecimento da nação americana e a priorização de seus interesses, o que se traduz em políticas como "America First" (América Primeiro) e em medidas protecionistas, como a imposição de tarifas sobre produtos importados.
Anti-globalismo: Critica acordos multilaterais e organizações internacionais, propondo uma postura mais isolacionista nas relações exteriores.
Retórica de confronto: Trump utiliza uma linguagem agressiva e muitas vezes ofensiva, polarizando o debate público e atacando adversários, a mídia e instituições. O movimento se nutre da polarização política.
Neoconservadorismo: Além de atrair a direita cristã, o trumpismo incorpora elementos de neofascismo e conservadorismo mais radical, gerando debates e críticas.
Incerteza e imprevisibilidade: Trump costuma adotar estratégias políticas que fogem das normas tradicionais, usando a "Teoria do Louco" para convencer seus adversários de sua imprevisibilidade e obter vantagens em negociações.
Divisão do Partido Republicano: A ascensão do trumpismo dividiu o Partido Republicano, com a base de Trump se tornando a facção dominante. O movimento gerou oposição interna, conhecida como "Never Trump".
Autoritarismo e questionamento da democracia: Alguns analistas veem no trumpismo inclinações autoritárias e uma desconsideração pelo Estado de direito. O movimento frequentemente questiona a integridade de processos eleitorais e dissemina teorias da conspiração.
Impacto global: O retorno de Trump à presidência em 2025 deve ter impacto nas relações internacionais, com a adoção de posturas protecionistas e o enfraquecimento de alianças tradicionais.
O trumpismo é frequentemente comparado a outros movimentos nacional-populistas e de extrema-direita que surgiram globalmente, como o bolsonarismo no Brasil. Ambos os movimentos compartilham
Confira ao artigo dos autores Ubirajara de None Caputoa e Henrique Araujo Aragusukua
Donald Trump e o fascismo: uma análise inspirada na teoria crítica
Ubirajara de None Caputoa *
Henrique Araujo Aragusukua
a Universidade de São Paulo, Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Social, São Paulo, SP, Brasil
Resumo: A atuação de Donald Trump durante o período em que esteve na presidência dos Estados Unidos
suscita a investigação de possíveis semelhanças entre ele e líderes fascistas do passado. A proposta deste
ensaio é apresentar reflexões sobre a atuação política de Trump, inspiradas pelas discussões sobre a psicologia
e a propaganda fascista na teoria crítica. Embora pareça impossível tomar Trump por um líder fascista clássico,
principalmente em razão de contextos históricos muito diferentes, também é impossível desconsiderar o nexo
entre suas estratégias políticas e o modus operandi de agitadores fascistas no século XX. Além disso, é inegável que
sua política mobiliza elementos sociopsicológicos que remontam às análises da emergência do fascismo histórico,
como a identificação com uma figura idealizada e transcendente, a submissão a uma autoridade ou causa superior
e a agressividade direcionada às ameaças do out-group.
Palavras-chave: fascismo, teoria crítica, fascismo digital, psicologia social.
Introdução
regimes fascistas das primeiras décadas do século XX –
que passaremos a chamar de fascismo histórico (Mann,
O termo “fascista” costuma ser usado para
desqualificar desafetos localizados em qualquer ponto
do amplo espectro político-ideológico. Recuperando a
história do fascismo, é preciso lembrar que “a direita é
o gênero de que o fascismo é espécie” e “a ideologia de
direita representa sempre a existência de forças sociais
empenhadas em conservar determinados privilégios . . .
de que tais forças são beneficiárias” (Konder, 2009, p. 27).
O fascismo, contrapondo-se à influência das ideias liberais
na própria direita, promove um Estado-nação transcendente
e totalizante (Mann, 2008; Paxton, 2008). No entanto, não
é raro encontrar o adjetivo “fascista” associado a ideias
progressistas, o que seria suficiente para implodir o termo,
necessariamente associado, em sua origem, a um tipo de
conservadorismo de direita.
Verifica-se que o senso comum atribui ao termo
“fascismo” sentidos diversos que o afastam de sua
configuração original. Mesmo que as múltiplas acepções
insultuosas do significante “fascismo” não sejam
nítidas, nota-se tendência de associá-lo ao autoritarismo,
à rigidez e à negação do humano. Tais associações são
compreensíveis, ao considerar que os movimentos fascistas
originais se tornaram regimes políticos conhecidos por
eliminarem seus oponentes pelo uso “justificado” da
violência, excluírem os que consideravam indesejáveis
e submeterem todos/as ao regime. O uso comum da
palavra “fascismo” para denunciar ações contra grupos
vulneráveis e posicionamentos políticos autoritários
e inflexíveis demonstra que os modos de agir dos
*Endereço para correspondência: biracaputo@gmail.com
2008) para melhor orientar a leitura – permanecem na
memória coletiva e nos discursos do presente.
O fascismo histórico foi um movimento político
emergente no início do século XX, marcado pelas
seguintes características: nacionalismo, chauvinismo
étnico e racial, estatismo, paramilitarismo, conteúdo social
conservador, uso de mitos irracionais para a justificação
de sua prática política, antiliberalismo, antidemocracia
e antissocialismo (e.g. Bianchi & Melo, 2018; Konder,
2009; Mann, 2008). Torna-se possível, em acordo com
Freud, porque “a dicotomia entre in-group e out-group é
de uma natureza tão profundamente enraizada que afeta
até mesmo aqueles grupos cujas ideias aparentemente
excluem tais reações” (Adorno, 2015a, p. 174). Sendo
assim, Freud livra-se da “ilusão liberal de que o progresso
da civilização iria produzir automaticamente um aumento
de tolerância e uma diminuição da violência contra os
out-groups” (Adorno, 2015a, p. 174). Por isso o fascismo,
enquanto uma tendência política, permanece nos dias
atuais. Atualiza-se de acordo com condições históricas
objetivas, mas permanece.
Problema e método
Neste ensaio, buscamos levantar algumas
reflexões sobre a atuação política de Donald Trump,
inspirados pelas discussões sobre psicologia e propaganda
fascista a partir da teoria crítica (Adorno, 2015a, 2015b;
Carone, 2002; Fromm, 1980), em conexão com outros
estudos sobre o fascismo histórico (e.g. Mann, 2008;
Paxton, 2008) e sobre as tendências fascistas na política
http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564e220050
Ubirajara de None Caputo & Henrique Araujo Aragusuku
(MAGA), em que se evidenciam dois elementos:
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contemporânea (e.g. Fielitz & Marcks, 2019; Neiwert,
2017). Nosso problema é lançar luz sobre como uma
questão do presente – a emergência da extrema direita
no cenário político estadunidense – pode ter confluências
com análises de um fenômeno político do passado.
Anteriormente um outsider da elite política
norte-americana, Trump foi eleito 45º presidente dos
Estados Unidos, em 2017 – cargo que exerceu até
janeiro de 2021 –, através de uma campanha permeada
por polêmicas e conflitos, amparando-se em uma
agenda radicalmente neoliberal no campo econômico
(avessa a direitos trabalhistas, políticas sociais etc.)
e conservadora no campo cultural (xenófoba, contra
as lutas dos movimentos LGBTI+, feminista e negro
etc.). Embora pareça impossível tomar Trump por
um líder fascista clássico, principalmente em razão
de contextos históricos muito diferentes, também é
impossível desconsiderar o nexo entre suas estratégias
políticas e o modus operandi de líderes fascistas no
século XX. Além disso, é inegável que sua política
mobiliza elementos sociopsicológicos que remontam
às análises da emergência do fascismo histórico.
Nosso objetivo neste ensaio não é discutir
exaustivamente os conceitos envolvidos em nossa análise,
mas sim traçar, de forma ampla, reflexões que produzam o
debate acadêmico e possam ser reaproveitadas no futuro,
inspirando novos estudos. Por meio dos fundamentos
da teoria crítica, compreendemos que os fenômenos
políticos estão intrinsecamente conectados a elementos
sociopsicológicos responsáveis por constituir a vida humana
em sociedade (Azevedo & Menin, 1995). Paralelamente,
tais fenômenos estão permeados por relações e estruturas
de poder, sendo um dos fins do pensamento crítico o
desvelamento das desigualdades e opressões que tornam
a vida em sociedade miserável para a maioria das pessoas.
Como definido por Max Horkheimer (2002), a teoria crítica
é “uma teoria dominada em todos os aspectos por uma
preocupação com condições razoáveis de vida” (p. 1999),
por um compromisso teórico com a justiça social e a
emancipação humana.
Consonâncias e dissonâncias
A discussão sobre a medida em que Trump e seu
projeto de poder se assemelham ao fascismo histórico e,
portanto, podem ser caracterizados como neofascistas,
requer urgência, uma vez que projetos análogos, os quais
propõem retrocessos sociais e políticos – ameaças às
liberdade civis, proposições etnonacionalistas, negacionismo
científico e afrouxamento de regras ambientais –, podem
ser identificados em diferentes países, como Hungria,
com Orbán; Turquia, com Erdogan; Filipinas, com Duterte;
Rússia, com Putin; e Brasil, com Bolsonaro (Löwy, 2019).
Inspirado em certa redução da influência dos
Estados Unidos no cenário internacional e na ameaça
econômica representada pela China, o mote da campanha
presidencial de Trump foi “Make America Great Again”
o nacionalismo e a necessidade de reerguer a pátria.
Tais elementos são amplamente reconhecidos como
características fulcrais e indispensáveis ao fascismo
(e.g. Griffin, 1991; Turner, 2019). É razoável que o líder
de uma nação a tenha em alta conta, mas o que se viu
na campanha de Trump e ao longo de seu mandato foi a
exacerbação da ideia de nação como um mito, exatamente
como Mussolini havia feito no século anterior: “Criamos
o nosso mito. O mito é uma fé, uma paixão. . . . O nosso
mito é a nação, o nosso mito é a grandeza da nação!”1
(Konder, 2009, p. 36).
Embora espere-se que um projeto de governo
inclua políticas que zelem pelos interesses do país, Trump
baseou o seu governo na afirmação de que os Estados
Unidos são uma nação ameaçada que deve ser defendida
ardorosamente, bem ao gosto de líderes fascistas do
passado. Em um discurso realizado no dia 3 de julho
de 2020, num evento comemorativo da independência
dos Estados Unidos, em meio a aplausos e um acalorado
público, Trump anunciou que:
Nossos fundadores declararam ousadamente que nós
somos todos dotados dos mesmos direitos divinos –
dados a nós por nosso Criador no Céu. E o que Deus
nos deu, não permitiremos a ninguém, nunca, tomar
de nós – nunca . . . Nossa nação está testemunhando
uma campanha impiedosa para varrer nossa história,
difamar nossos heróis, apagar nossos valores e
doutrinar nossas crianças. . . . Eles pensam que o povo
americano é fraco e brando e submisso. Mas não,
o povo americano é forte e orgulhoso, e ele não permitirá
que nosso país, e todos os seus valores, história e
cultura, sejam tomados dele (“Remarks…”, 2020).
É importante diferenciar o uso da “nação” como
mito capaz de unir uma coletividade a serviço de algo maior
do que si mesma do conceito de “Estado”. As concepções
do fascismo histórico e de Trump quanto ao Estado, como
ente político organizativo de uma sociedade, são muito
diferentes. Mussolini chegou a declarar que nada deveria
haver fora do Estado. É claro que o Duce não se referia a
um Estado popular, democrático ou socialista, mas sim
a um Estado capitalista-corporativista e intervencionista
que deveria se submeter a seus desígnios ditatoriais.
O estatismo é um elemento primordial do fascismo
histórico (Mann, 2008), sendo o Estado autoritário, avesso
às premissas do liberalismo, um meio de consolidação
do imaginário de nação.
Na Europa do século passado, os movimentos
fascistas surgiram em contraposição aos governos liberais,
nos quais “esperava-se que a intervenção governamental
se limitasse às poucas funções que os indivíduos não
podiam desempenhar para si próprios” e que “os assuntos
1 Tradução da fala original de Mussolini citada em Opera omnia
(Vol. XVIII, p. 457).
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Psicologia USP I www.scielo.br/pusp
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Donald Trump e o fascismo: uma análise inspirada na teoria crítica
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econômicos e sociais fossem entregues ao livre jogo das
escolhas individuais no âmbito do mercado” (Paxton,
2008, p. 135). Trump não preconizou a interferência do
Estado na economia de seu país. Ao contrário, defendeu o
modelo neoliberal ao trabalhar para reduzir a participação
do Estado em programas de saúde implementados pelo
seu antecessor, reforçando a ideia de autorregulação dos
mercados e de supressão de políticas sociais (Bianchi
& Melo, 2018). Enquanto as lideranças do fascismo
histórico são frutos da crise dos regimes liberais do
início do século XX (Fromm, 1980; Mann, 2008), Trump
surge no contexto de hegemonia neoliberal existente no
mundo globalizado, reafirmando as premissas basilares
do capitalismo financeiro em plano geopolítico, a despeito
de algumas medidas protecionistas para favorecer o
mercado estadunidense contra a concorrência externa.
O ideário liberal, contra o qual o fascismo
histórico se lançou, não repercute apenas nos modos
de funcionamento das economias. Ele se assenta na
ideia de liberdade individual como direito fundamental
dos/as integrantes de uma dada sociedade. O fascismo
histórico, ao contrário, preconiza a subordinação de
cada homem e mulher ao “bem comum”, com estreita
margem para escolhas livres e pessoais – o que o torna
essencialmente antidemocrático. Trump não ameaçou
abertamente as liberdades individuais e nem propôs
institucionalmente restrições democráticas, mas
buscou apagar a estrutura multicultural da sociedade
estadunidense. Ao desqualificar as pessoas latinas,
muçulmanas, asiáticas, negras e de outros segmentos
populacionais vulneráveis, por contraste, acabou por
delinear um modelo de cidadão/ã ideal, baseado em raça/
cultura, acentuando o imaginário de poder da população
branca e cristã, revitalizando as políticas segregacionistas
que marcaram a história dos Estados Unidos.
Outro inimigo do fascismo histórico foi o
comunismo. Também nos Estados Unidos, durante a
guerra fria, a retórica da ameaça comunista foi mobilizada
por grupos de direita. Expoentes da política institucional,
como o senador McCarthy, precedidos por religiosos,
como Martin Luther Thomas, entre outros ativistas de
extrema direita, tratavam os comunistas como “inimigos
do povo” (Carone, 2002, p. 198), justificando políticas
que suspendiam liberdades e direitos civis. Em seu
período como presidente, no qual o comunismo não
mais se configurava como ameaça, Trump elegeu as
pessoas imigrantes, em especial muçulmanas e latinas,
como inimigas dos valores de sua nação. E o fez de
forma muito semelhante a seus antecessores de extrema
direita, conforme se nota ao comparar sua retórica anti
imigração ao padrão da propaganda norte-americana
do início do século XX (Adorno, 2015a; Carone, 2002).
Ao alertar para os riscos de permitir a permanência
de imigrantes indesejados/as no país, Trump inverteu
os papéis de agressor e vítima. Segundo Iray Carone
(2002), “o aspecto psicológico imanente à construção
ideológica que converte o agressor em vítima ameaçada
e a vítima em agressor, consiste em estimular e justificar
a violência contra os out-groups, neles projetando o que
deles se imagina” (p. 202).
A respeito do vazio de argumentos que justificassem
uma cruzada pró-americana nos discursos da extrema
direita norte-americana do passado, Carone (2002)
acrescenta: “a argumentação era substituída pelo artifício
de nomear grupos, pessoas e raças como alvo de suas
diatribes” (p. 205), exatamente como fez Trump em diversos
discursos sobre imigrantes (e.g. Lind, 2019). Não é por acaso
que o público-alvo desses discursos – “pessoas de baixa
classe média, com pouca escolaridade, sujeitos de meia
idade ou idosos com profundas convicções religiosas de
caráter fundamentalista ou sectário” (p. 199) – se assemelha
ao público de seguidores/as mais fanáticos/as de Trump.
Esses/as eleitores/as foram convencidos/as, como
se deu no fascismo alemão e italiano do século passado,
de que se tornaram “vítimas de um sistema de exploração
internacional” (Konder, 2009, p. 37), e se sentiram impelidos/
as a lutar contra o inimigo para buscar “uma restauração de
algo do passado – uma revolução conservadora, a volta aos
bons velhos tempos” (Carone, 2002, p. 208). Sendo assim,
intencionalmente ou não, Trump agiu como um herdeiro
genuíno da retórica e das tendências fascistas existentes
em grupos da extrema direita estadunidense do século
XX, ressentidos com os processos de democratização e
o avanço dos movimentos por direitos civis para grupos
historicamente excluídos e perseguidos.
O personagem
O fascismo é indissociável da figura de um líder
capaz de sensibilizar uma massa de seguidores a cultuá-lo
e apoiá-lo em suas pretensões. Foi isso que Trump fez
ao incitar seguidores a invadirem o Capitólio em 6 de
janeiro de 2021. Nesse dia, ele discursou para milhares de
pessoas na capital estadunidense e insuflou uma multidão
a marchar e, posteriormente, invadir violentamente o
Congresso para tentar impedir o término da sessão que
formalizaria a vitória de seu sucessor à presidência da
república. Repetindo o slogan “Stop the Steal”, Trump
enfatizou que as eleições foram fraudadas para “impedir
sua esmagadora vitória”, mesmo sem qualquer evidência
ou compromisso em provar essas graves acusações
(“Trump’s…”, 2021).
Theodor Adorno tratou sobre a retórica de líderes
fascistas com maestria. Ele nos fala de uma atmosfera de
agressividade emocional propositadamente promovida
pelo líder, de uma reiteração constante de ideias, da
necessidade de o líder atuar narcisicamente para permitir a
identificação narcísica de seus seguidores (Adorno, 2015a).
Tais características são frequentemente identificadas nos
discursos de Trump e em suas constantes postagens nas
redes sociais. Conforme enfatizado por Ruth Wodak
(Jackson, 2021), foram 34 mil tweets disparados por
Trump entre junho de 2015 e janeiro de 2021, nos quais
circulou grande parte de sua propaganda – que privilegiou
Psicologia USP, 2024, volume 35, e220050
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Ubirajara de None Caputo & Henrique Araujo Aragusuku
ambiente televisivo, o que prevaleceu foi a excelência
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a escandalização, a provocação, a violação de normas
e a incitação ao ódio como formas de mobilização de
seus apoiadores/as. Sobre isso, Adorno (2015a) afirma:
O líder pode adivinhar os desejos e necessidades
psicológicas daqueles suscetíveis à sua propaganda,
porque os reflete psicologicamente e deles se
distingue por uma capacidade de exprimir, sem
inibições, o que é latente . . . a própria linguagem,
desprovida de seu significado racional, funciona de
uma forma mágica e favorece aquelas regressões
arcaicas que reduzem os indivíduos a membros de
multidões (p. 181).
Assim como as massas do entreguerras elegeram
líderes fortes, potencialmente capazes de restaurar a
ordem, nos dias atuais, quase metade do eleitorado
estadunidense tentou eleger Trump para um segundo
mandato, cuja campanha baseou-se em um suposto
mito da “restauração nacional” diante das ameaças
de inimigos internos e externos, presumidos como
sabotadores de valores verdadeiramente americanos.
Uma parte desse eleitorado se identificou de forma tão
absoluta com seu líder político que chegou a crer nas
afirmações de Trump, mesmo sem qualquer tipo de
evidência, de que a eleição havia sido fraudada e que
isso justificaria uma insurreição violenta.
É notável que o lema “Stop the Steal” tenha sido
empregado de forma instrumental, como uma propaganda
política sem qualquer compromisso com a verdade, tendo
como objetivo final a mobilização de uma base social.
Evidencia-se, assim, mais um elemento estruturante da
ideologia fascista: a mentira como estratégia para construir
uma realidade planejada (Arendt, 2012). Ao submeter a
própria verdade a seu poder, o líder fascista pretende atingir
os limites da dominação, e isso se torna possível, segundo
Federico Finchelstein (2020), porque o que o líder diz ou
faz torna-se mais importante do que os fatos. Conforme
Jason Stanley (2018), “a política fascista troca a realidade
pelos pronunciamentos de um único indivíduo. . . . Mentiras
óbvias e repetidas fazem parte do processo pelo qual a
política fascista destrói o espaço da informação” (p. 66).
A personalidade e a história de vida de Trump
estão longe de serem compatíveis com o exigido para
um líder responsável por combater a corrupção e pela
regeneração dos valores da nação. Enquanto ele dizia
defender valores conservadores do povo americano
oprimido pelo corrupto establishment, sua história era
permeada por contradições. Como um bilionário do ramo
da construção e celebridade televisiva, Trump faz parte
da elite econômica dos Estados Unidos. Sua história é
permeada por polêmicas, dentre elas, diversos casos
de corrupção e más práticas empresariais, infidelidade
conjugal e escândalos sexuais (e.g. Dickinson, 2018;
Prokop, 2016). No entanto, tais incoerências não
abalaram a sua influência política e sua capacidade de
convencimento de milhões de pessoas. Assim como no
na execução de um personagem, pois sua liderança não
se sustentou na coerência de suas práticas, mas sim
em sua performance como agitador e propagador de
uma narrativa política. Em acordo com as reflexões
de Adorno, esse elemento se assemelha à retórica de
agitadores fascistas do início do século XX.
Este caráter fictício é o elemento vital das
performances da propaganda fascista. . . . O caráter
fictício da oratória propagandista, o hiato entre a
personalidade do locutor e o conteúdo e caráter de
suas afirmações são atribuíveis ao papel cerimonial
que ele assume e que dele se espera. Essa cerimônia,
entretanto, é meramente uma revelação simbólica da
identidade que ele verbaliza, uma identidade que os
ouvintes sentem e pensam, mas não podem exprimir.
A gratificação que eles obtêm da propaganda
consiste muito provavelmente na demonstração dessa
identidade. . . . Certamente podemos chamar este ato
de identificação um fenômeno de regressão coletiva
(Adorno, 2015b, p. 146).
Desse modo, destacamos, a retórica fascista
se sustenta em processos primários de identificação – já discutidos por Freud (2011) em seu texto sobre a
psicologia das massas, retomado por Adorno (2015a) – em que a racionalidade das ações e a autonomia dos
sujeitos é suspensa pelo culto à liderança que encarna
valores e ideais superiores. Dentro dessa lógica, mentiras
e afirmações não baseadas em evidências, sempre imersas
em provocações e agitações, tornam-se práticas cotidianas
no jogo político, pois a coerência da narrativa política
não se dá por meio da racionalidade de suas proposições,
mas através de processos de identificação. Isto é, pela
evocação de uma identidade étnico-nacional idealizada
e sempre em perigo.
Inúmeras vezes Trump utilizou a expressão
“we, the american people” ao mesmo tempo que se
apresentava como o único e legítimo representante dos
interesses desse coletivo (que se entende como um povo
nação). Em seus pronunciamentos, ele constantemente
utilizou a estratégia retórica de afirmação de si – o amor
a si próprio do narcisismo (Freud, 2011) – novamente
recorrendo a declarações inverificáveis. Já em 2015,
quando se lançou candidato à presidência, Trump
afirmou: “eu sou o único que pode fazer a América
verdadeiramente grande novamente”. Ao longo dos
seus quatro anos de presidência, declarações como
“eu sou o único”, “sou o melhor” e “ninguém sabe
mais do que eu” foram utilizadas com frequência em
seus discursos, como uma forma de autoafirmação
de sua autoridade (NowThis News, 2019; Vice News,
2020). Mesmo as afirmações mais absurdas, como
“ninguém sabe mais sobre o Estado Islâmico que eu” e
“sou o melhor presidente para as pessoas negras desde
Abraham Lincoln [que aprovou o fim da escravidão em
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Psicologia USP I www.scielo.br/pusp
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Donald Trump e o fascismo: uma análise inspirada na teoria crítica
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1863]”, eram ouvidas com naturalidade e concordância
por seus/suas eleitores/as.
Como evidenciado por Adorno (2015b), “o agitador
fascista é usualmente um exímio vendedor de seus próprios
defeitos psicológicos. Isso somente é possível devido a
uma similaridade estrutural geral entre seguidores e
líder” (p. 144). Em uma espécie de narcisismo coletivo,
Trump corporificou a grandeza e infalibilidade da “nação
americana”, angariando fervorosos/as seguidores/as que
entregaram suas vidas e suas individualidades para uma
causa maior e para a defesa da nação.
O movimento MAGA
O fascismo não se constitui apenas por uma retórica
promovida por lideranças, agitadores e propagandistas,
mas também por um movimento que mobiliza pessoas
em ações políticas. Como agitadores fascistas convencem
uma parcela significativa da população de que suas ideias
políticas, geralmente incoerentes e irracionais, devem ser
seguidas? Quais os mecanismos sociais e psicológicos
que tornam possível a emergência de um movimento
fascista de massas?
Existem diferenças importantes entre o contexto
sociopolítico em que Trump presidiu os EUA e o da Europa
do entreguerras, o que dificulta qualquer tipo de analogia
direta e explícita (Bianchi & Melo, 2018). Entretanto,
existem notáveis semelhanças entre as estratégias
retóricas utilizadas por Trump enquanto líder político e
as propagandas fascistas do século XX. Em relação ao
caráter de seus/suas seguidores/as, também é possível
traçar alguns paralelos a partir das discussões sobre os
aspectos sociopsicológicos do fascismo histórico (Adorno,
2015a; Fromm, 1980).
Desde que se lançou como candidato à
presidência dos Estados Unidos, Trump organizou em
torno de si um potente movimento comprometido com
sua eleição – e, posteriormente, reeleição – e com a
defesa intransigente de sua liderança: o “Make America
Great Again (MAGA)”. Slogans desse movimento
foram estampados em camisetas, bonés e bandeiras,
os quais se tornaram importantes elementos de
autoidentificação e unificação de seus/suas seguidores/
as. A lealdade intransigente a esse movimento foi
enfatizada por diversos meios de comunicação e pelo
próprio Trump em um comício de campanha, em 2016,
quando afirmou que “eu poderia parar no meio da
Fifth Avenue [movimentada via de Nova York] e atirar
em alguém, e eu não perderia nenhum eleitor” (CNN,
2016), seguido por risadas e ovações do público que
lhe assistia. De fato, a lealdade a esse movimento foi
testada nas eleições de 2020, quando Trump recebeu
74 milhões de votos (em torno de 47% do total de
votos) graças à mobilização de suas bases eleitorais.
No entanto, há muitas diferenças entre o movimento
pró-Trump e o fascismo histórico. De modo distinto aos
movimentos fascistas do século XX, não existiu unidade
política e nem estrutura centralizadora no MAGA.
Trump atuou por meio do Partido Republicano, porém
não se ateve às decisões de seus organismos de direção.
Ao contrário, procurou sempre impor suas decisões ao
partido, recorrendo constantemente ao conflito direto com
as principais lideranças partidárias quando contrariado.
Diferentemente do fascismo histórico (Mann, 2008;
Paxton, 2008), não houve unidade entre movimento,
partido e liderança e, principalmente, não houve organismo
paramilitar responsável pela operação da violência política.
Apesar da existência de diversos grupos paramilitares pró
Trump – muitos responsáveis pela organização da invasão
do Capitólio –, estes atuaram de forma independente às
estruturas do Partido Republicano e à liderança de Trump.
Sendo assim, o modo de operar do movimento político
que sustentou Trump difere significativamente de seu
correspondente no fascismo histórico.
Por outro lado, quando analisamos os mecanismos
sociopsicológicos e as motivações que unificaram os/as
seguidores/as de Trump em um movimento, algumas
analogias são possíveis. Em suas teses sobre a psicologia
do fascismo, Erich Fromm (1980) defendeu que fatores
sociológicos relacionados à emergência do capitalismo –
em especial, a expansão da liberdade individual e a
desestruturação da ordem e da autoridade tradicional –
produziram efeitos em nível psicológico, como o aumento
da percepção da insegurança existencial e do desamparo
social, que modificaram a relação dos sujeitos com o
mundo. Atuante no plano político, o fascismo histórico
surgiu em reação às incertezas e inseguranças do mundo
moderno, tratando-se de uma resposta à universalização
do individualismo (desagregador e desamparador)
promovida pelo capitalismo e pelo liberalismo.
Fromm (1980) descreve dois mecanismos
psicológicos que atuam como recursos para a fuga das
incertezas geradas pela modernidade, podendo fazer as
pessoas aderirem aos movimentos fascistas. O primeiro
mecanismo é a renúncia do próprio ego individual e a sua
fusão a algo maior (uma liderança ou uma causa), suprindo
a impotência do eu perante o mundo. Trata-se de uma
forma de controle das ansiedades por meio da submissão
a uma autoridade ou identidade que promove estabilidade,
ordem e controle. O segundo é o da destrutividade,
isto é, a busca pela destruição dos objetos (podem ser
grupos, pessoas, ideias etc.) considerados responsáveis
pela insegurança e impotência perante o mundo.
A destruição das ameaças produziria assim um mundo
mais seguro e menos incerto. Ambos os mecanismos
atuaram em conjunto no caso do fascismo histórico:
“o indivíduo sobrepuja o sentimento de insignificância
em comparação com o poder esmagador do mundo
exterior, seja renunciando à sua integridade individual,
seja destruindo outros de maneira que o mundo deixe
de ameaçá-lo” (p. 150).
Adorno (2015a) também descreve alguns
mecanismos psicológicos capazes de fazer as pessoas
aderirem a movimentos fascistas; esses mecanismos
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massa de pessoas aparentemente indiferentes,
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estruturam traços de personalidade que os tornam o que o
autor, ao tratar sobre a personalidade autoritária, chamou
de indivíduos potencialmente fascistas (Adorno, Frenkel
Brunswik, Levinson, & Sanford, 1950). Para ele, existe
uma dinâmica entre submissão e agressividade que torna a
retórica da liderança fascista verdadeiramente eficaz para
o seu público-alvo, na qual “a imagem do líder satisfaz
o duplo desejo do seguidor em se submeter à autoridade
e ser ele mesmo a autoridade” (Adorno, 2015a, p. 172).
Desse modo, há um ganho narcísico aos/às adeptos/as
dos movimentos fascistas por meio da identificação de
si em um coletivo que transcende o eu individual, com a
elevação da autoestima e a idealização das características
do in-group. Em contrapartida, intensificam-se as
hostilidades contra o out-group, com o direcionamento de
toda a agressividade a ameaças imaginárias (geralmente
grupos minoritários e oprimidos) que desestabilizam a
identidade transcendente idealizada.
No caso do MAGA, é evidente que tais mecanismos
psicológicos atuaram no processo de mobilização política,
seja pela intransigente submissão desse movimento à
autoridade de Trump e à idealização de uma identidade
nacional pura e transcendente (“os verdadeiros americanos”)
ou pela agressividade extrema direcionada aos grupos que
ameaçam essa autoridade e identidade (imigrantes, latinos,
mulçumanos, negros etc.). Se por questões de estrutura
organizacional é indevido identificar o movimento pró
Trump com fascismo per se, não é difícil visualizar suas
tendências fascistas.
Fascismo no século XXI?
Respeitados os diferentes contextos econômicos,
políticos e sociais, analistas sociais de todo o mundo
(e.g. Bull, 2012; Foster, 2017; Löwy, 2019) apontam
alguns motivos para o fortalecimento de movimentos
de extrema direita capazes de pavimentar o caminho
para a implementação de governos de característica
fascista. Alguns desses motivos são: enfraquecimento dos
movimentos de esquerda após a queda do muro de Berlim,
avanço do neoliberalismo com supressão de políticas
sociais e aumento da insegurança material, reação
ao processo de globalização, aumento do sentimento
de ameaça em razão da ação de grupos extremistas e
imigração em massa de refugiados de guerras.
Os eleitores de Trump e de partidos de extrema
direita fora dos Estados Unidos guardam semelhanças
entre si e com aqueles que levaram os regimes fascistas
do início do século XX ao poder. De acordo com Hannah
Arendt (2012),
Potencialmente, as massas existem em qualquer
país e constituem a maioria das pessoas neutras e
politicamente indiferentes. . . . Em sua ascensão,
tanto o movimento nazista na Alemanha quanto
os movimentos comunistas na Europa depois
de 1930 recrutaram os seus membros entre uma
que todos os outros partidos haviam abandonado
por lhes parecerem demasiado apáticas ou estúpidas
para lhes merecerem a atenção. Isso permitiu a
introdução de métodos inteiramente novos de
propaganda política . . . (p. 439).
Decerto, Arendt referia-se à pesada máquina de
propaganda nazifascista, a qual se utilizou sobretudo
da tecnologia radiofônica, ao citar novos métodos
de propaganda política. Sobre isso, Adorno (2015a)
escreveu:“[a propaganda fascista] é psicológica por causa
de seus objetivos irracionais e autoritários, que não
podem ser alcançados por meio de convicções racionais,
mas somente através do despertar habilidoso de ‘uma parte
da herança arcaica do sujeito’” (p. 165). “O que acontece
quando massas são subjugadas pela propaganda fascista
[é] uma revitalização quasi-científica de sua psicologia. . . .
A psicologia das massas foi apropriada por seus líderes e
transformada em meio para dominação” (p. 186).
Nos dias atuais, não há dúvidas de que novas
estruturas têm sido intensamente utilizadas para
disseminar mensagens de cunho fascista. Aos meios
de comunicação de massa corporativos, como redes de
televisão e grande imprensa, junta-se a contribuição
de recursos telemáticos (sistemas de comunicação
imediata e de longa distância), que se constituem numa
importantíssima arena de disputa ideológica. Usuários/
as das redes sociais disseminam suas próprias versões
sobre os acontecimentos e opinam obstinadamente sobre
tudo e todos. A presumida possibilidade de anonimato,
a sensação de plena liberdade para manifestar-se,
a busca por reconhecimento, o descomprometimento com
a verdade e a argumentação incipiente e superficial são
alguns fatores que tornam as redes sociais ambientes
propícios ao desmonte da racionalidade. Por meio delas,
trafega instantaneamente imensurável quantidade de
informações, dificultando um olhar consequente e
apurado sobre elas e esmaecendo suas fronteiras com a
realidade. O quadro se agrava quando as interações entre
usuários/as são interpeladas por robôs e algoritmos que
selecionam conteúdos de reforço, evitando a reflexão
crítica e o contraditório.
Maik Fielitz e Holger Marcks (2019) descreveram
a gramática da propagação de ideias da extrema direita
contemporânea, constituinte do que denominam fascismo
digital: uma variação do fascismo que não precisa de
partidos, pois utiliza a estrutura do mundo digital para
sua dinâmica. Segundo os autores, a internet tornou-se
um território usado pela extrema direita para minar
as sociedades democráticas, usando uma concepção
ampliada de liberdade de expressão. As estruturas
comunicacionais disponíveis nas redes sociais permitem a
disseminação de discursos de intolerância, com conteúdos
misóginos, LGBTfóbicos, racistas, xenófobos etc., cujos/
as autores/as, quando confrontados/as, alegam ser vítimas
de intolerância e terem sido alijados de sua liberdade de
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Donald Trump e o fascismo: uma análise inspirada na teoria crítica
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expressão. Trata-se de uma estratégia discursiva à qual
Fielitz & Marks (2019), recorrendo à formulação liberal
de Karl Popper, denominam reedição do paradoxo da
tolerância. Isto é, tais grupos se utilizam da liberdade de
expressão para serem intolerantes, atacando a liberdade
de grupos minoritários ou destituídos de poder e, em
última instância, minando a própria democracia e a
liberdade geral.
Outra retórica largamente utilizada pela extrema
direita por meio das redes sociais é o discurso do medo.
Segundo Rebecca Lewis (2018), a extrema direita
desenvolveu um sistema para descontextualizar fatos a
fim de fazer sua audiência se sentir, em termos pessoais
ou como sociedade, alvo potencial de um perigo iminente.
Por exemplo, a notícia de que uma mulher foi atacada
por um imigrante em um país distante pode basear uma
mensagem como: “É urgente proteger nossas mulheres
e crianças dos imigrantes”. Roger Griffin (1991) alerta
para o fato de quase todos os estudos sobre a extrema
direita atribuírem a ela o medo como estratégia política
porque a ideia de uma sociedade ameaçada pode suscitar
uma solução autoritária.
As mensagens que consubstanciam os discursos
utilizados pela extrema direita têm origem em uma
postagem de um/a líder, ou simplesmente numa fala pública
que lança um tema a ser “trabalhado”. Os/as apoiadores/as
fiéis – também chamados ativistas digitais ou influencers – formulam mensagens que serão disseminadas “por
enxame”, utilizando a estrutura ramificada das redes
sociais. Para terem maior impacto, essas mensagens são
concebidas para serem consumidas rapidamente, com
conteúdo simples e direto, de caráter visual (memes) e
com apelo dramático (Fielitz & Marks, 2019).
Como redes sociais são remuneradas por
publicidade, isto é, proporcionalmente à atenção que
conseguem captar de seus bilhões de usuários, influencers
se beneficiam economicamente do alcance de suas
postagens e têm milhões de seguidores/as, os quais muitas
vezes não se dão conta de que estão cooperando com
uma dinâmica fascista. Os algoritmos de aproximação de
usuários/as das redes sociais auxiliam o recrutamento de
seguidores/as, pois permitem encontrar quem concorde
com suas ideias e dão a sensação de que muitas pessoas
estão ouvindo (Neiwert, 2017). As milhões de replicações
de uma mensagem falaciosa tendem a fazê-la ser
aceita como verdade, inibindo que o contraditório seja
ouvido e confundindo a percepção de quem são seus/
suas reais emissores/as. Diferentemente das estruturas
comunicacionais utilizadas pelo fascismo histórico,
no qual poucos/as emissores/as se dirigiam a muitos/
as receptores/as, na era do fascismo digital (Fielitz &
Marks, 2019), as mensagens originárias podem ir sofrendo
ajustes à medida que são compartilhadas por múltiplos/
as emissores/as, os quais passam a ser, de certo modo,
seus/suas coautores/as.
A manipulação é vital para o fascismo digital.
Mensagens ambíguas e imprecisas causam confusão
sobre o que é a realidade, passando a impressão de que
ela pode ser reinterpretada mesmo sem qualquer tipo de
evidência (pós-verdade, fake news, realidade alternativa
etc.). Ficou célebre o risível episódio em que o secretário
de imprensa estadunidense, Sean Spicer, mentiu ao dizer
que a tomada de posse de Trump bateu todos os recordes
de participantes. Ao ser desmentido por inúmeros veículos
de imprensa por meio de imagens inquestionáveis do
evento, a porta-voz da Casa Branca, Kellyanne Conway,
disse que o secretário apenas havia manifestado “fatos
alternativos” (Jaffe, 2017). A manipulação de informações
também foi usada pelo fascismo histórico e, por isso,
foram desenvolvidos mecanismos de controle, tais como
jornalismo profissional e rigor ético na produção de
conhecimento (Fielitz & Marks, 2019).
Redes sociais são empreendimentos comerciais que
movimentam trilhões de dólares e congregam bilhões de
usuários/as. Ao serem questionadas sobre o uso pernicioso
às sociedades democráticas das estruturas comunicacionais
das redes sociais, as empresas responsáveis costumam
argumentar que as redes são territórios livres nos quais
todos/as podem se expressar em igualdade de condições.
Entretanto, é preciso considerar que a racionalidade fascista
não se atém aos limites éticos. No fascismo digital, segundo
Fielitz e Marks (2019), a verdade não importa. As mensagens
podem ser manipuladas para se tornarem dramáticas,
com forte apelo emocional, pois assim se disseminam mais
facilmente (Soroka, Young, & Balmas, 2015). Segundo
Zeynep Tufekci (2017), política não se faz só com a razão,
e o papel do líder de extrema direita é fazer funcionar em
seu benefício “essa máquina emocional” – as redes sociais.
Entre os vários elementos envolvidos na psicologia
das massas e na propaganda fascista – tais como vínculo
entre os membros da “horda fraterna”, identificação
narcísica, primazia da forma sobre o conteúdo discursivo,
gratificação pela rendição à massa e renúncia da
individualidade, hostilidade ao out-group etc. (Adorno,
2015a, 2015b; Fromm, 1980) –, há um que se destaca pela
grande importância: o apelo à violência. De acordo com
Adorno (2015a), “[há um] potencial atalho de emoções
violentas a ações violentas enfatizado por todos os
autores da psicologia de massa” (p. 161). Foi o que se
viu na violenta invasão do Capitólio, possibilitada pela
mobilização nas redes sociais, quando foi consumada a
derrota de Trump para um segundo mandato. Para Robert
Paxton (2021), reconhecido especialista no fascismo
histórico europeu, esse episódio foi um importante ponto
de virada em seu entendimento sobre o fascismo de
Trump: “Eu hesitei em chamar Donald Trump de fascista.
Até agora”, escreveu poucos dias após o evento.
Considerações finais
O fascismo italiano originário pode ser visto como
uma ideologia para justificar um projeto de poder tido
como necessário para defender a nação e reconduzi-la
a um passado glorioso. Sobre essa ideia seminal,
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ameaçadores, causa erosão no entendimento intersubjetivo
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durante o século passado, outros movimentos políticos
se desenvolveram, chegaram ao poder e operaram por
meio de extrema violência. Segundo os autores evocados
neste ensaio, o fascismo é notadamente fortalecido por
nossa vocação intrínseca à autopreservação.
A partir do século XX, o exercício do poder,
que nos séculos anteriores podia ser discricionário,
passou a depender de eleições populares e, portanto,
do convencimento das massas. Para isso, o método
utilizado pelo fascismo é a propagação do medo para
agregar multidões e emprestar uma noção ética ao uso
da força. Neste século XXI, testemunhamos partidos
conservadores de extrema direita tentando reeditar
métodos do fascismo, adaptando-os a novos contextos
socioeconômicos e informacionais. A veiculação maciça
de tipos de discurso utilizados pela extrema direita,
muitas vezes simplistas, manipulados, dramáticos e
sobre o que é a verdade. Por isso, torna-se indispensável
repensar estruturas que disseminam mentiras, produzem
intolerância e alimentam as tendências fascistas de
determinado grupo de pessoas.
Mas se é possível explorar as disposições
psicológicas para o fascismo, presentes em todos/as
nós, seria possível estimular a solidariedade e o respeito
à diversidade? Se sim, como? Sabe-se que, apesar de
nossa tendência à autoconservação, é possível acatar as
necessidades do out-group como legítimas e, em alguma
medida, sentirmo-nos comprometidos/as coletivamente
com elas. Essa possibilidade, no sentido oposto ao da
propaganda fascista, implica evocar o respeito à diferença,
à justiça social, à razão crítica, ao método científico,
e a capacidade de mobilizar-se em favor do outro.
Se efetivada, marcará o futuro de nossa civilização.
Donald Trump and fascism: an analysis inspired by critical theory
Abstract: Donald Trump’s actions during his presidency calls for an investigation regarding possible similarities between him
and fascist leaders of the past. This essay is reflects on Trump’s political actions inspired by discussions on fascist psychology and
propaganda within Critical Theory. Although Trump may escape the category of a classic fascist leader, mainly due to the different
historical contexts, the similarities between his political strategies and those of 20th-century fascist agitators is undeniable.
Moreover, his politics mobilize socio-psychological elements that date back to the emergence of historical fascism, such as
identification with an idealized and transcendent identity, submission to a superior authority or cause, and aggressiveness
directed to out-group threats.
Keywords: fascism, critical theory, digital fascism, social psychology.
Donald Trump y el fascismo: un análisis inspirado en la teoría crítica
Resumen: La actuación de Donald Trump durante el período en el que fue presidente de los Estados Unidos plantea la posibilidad
de investigar posibles similitudes entre los líderes fascistas del pasado y él. El propósito de este ensayo es presentar reflexiones
sobre la actuación política de Trump inspiradas en discusiones sobre psicología y propaganda fascista en teoría crítica. Si bien
parece imposible ver a Trump como un líder fascista clásico, principalmente debido a contextos históricos muy diferentes,
también es imposible ignorar el nexo entre sus estrategias políticas y el modus operandi de los agitadores fascistas en el siglo
XX. Además, es innegable que su política moviliza elementos sociopsicológicos que se remontan al análisis del surgimiento
del fascismo histórico, como la identificación con una identidad idealizada y trascendente, la sumisión a una autoridad o causa
superior, y agresividad dirigida a amenazas del out-group.
Palabras clave: fascismo, teoría crítica, fascismo digital, psicología social.
Donald Trump et le fascisme : une analyse inspirée de la théorie critique
Résumé: Les actions de Donald Trump au cours de sa présidence appellent une enquête sur les similitudes possibles entre lui et
les leaders fascistes du passé. Cet essai réfléchit aux actions politiques de Trump en s’inspirant des discussions sur la psychologie
et la propagande fasciste au sein de la Théorie Critique. Bien que Trump puisse échapper à la catégorie de leader fasciste
classique, principalement en raison de contextes historiques très différents, les similitudes entre ses stratégies politiques et celles
des agitateurs fascistes du XXe siècle sont indéniable. En outre, sa politique mobilise des éléments socio-psychologiques qui
remontent à l’émergence du fascisme historique, tels que l’identification à une identité idéalisée et transcendante, la soumission
à une autorité ou à une cause supérieure, et l’agressivité dirigées vers les menaces du out-group.
Mots-clés: fascisme, théorie critique, fascisme numérique, psychologie sociale.
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Recebido: 22/01/2021
Revisado: 20/04/2022
Aprovado: 05/07/2023. O artigo dos autores Ubirajara de None Caputoa * e
Henrique Araujo Aragusukua .
O populismo de direita e de esquerda compartilham a base retórica de dividir a sociedade entre um "povo virtuoso" e uma "elite corrupta", mas se diferenciam nos valores, temas, estratégias e na visão de futuro que promovem.
Populismo de esquerda
O populismo de esquerda busca construir uma identidade popular a partir da inclusão e da luta por direitos sociais.
Visão de mundo: É anticapitalista e busca superar as desigualdades sociais e econômicas, defendendo uma maior intervenção do Estado.
Principais temas: Enfatiza direitos sociais, renda cidadã, serviços públicos e pautas progressistas, como o ambientalismo e o feminismo.
Narrativa: Articula a raiva popular contra o establishment político e econômico, buscando unir diferentes movimentos sociais sob uma mesma bandeira.
Estratégia: Pode buscar compor governo com partidos tradicionais para manter a democracia, mas corre o risco de perder a retórica "antissistema" e o apoio eleitoral, como ocorreu com o Podemos, na Espanha.
Populismo de direita
O populismo de direita constrói sua identidade a partir da exclusão e da defesa de valores tradicionais e conservadores.
Visão de mundo: Promove a ordem social e tende a rejeitar objetivos igualitários, considerando a desigualdade econômica como algo natural ou benéfico.
Principais temas: Foca em pautas como imigração, segurança e moralidade, mobilizando a população por meio do nacionalismo e da xenofobia.
Narrativa: Mobiliza a insatisfação popular e pode se apresentar como um movimento "antissistema", mesmo quando o líder já tem uma longa carreira política. O populismo de extrema-direita tende a ser mais radical, atacando a democracia por dentro ao questionar a legitimidade das eleições.
Estratégia: Em contraste com o populismo de esquerda, a extrema-direita frequentemente demonstra pouca hesitação em levar o sistema político ao colapso para atingir seus objetivos. Segundo o Sociólogo, Mestre e Doutor Cesar Portantiolo Maia, no Quarto Período da Habilitação em Jornalismo na Comunicação Social, pelas Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAAM FAAM).
Lamentável o populismo de Direita no mundo.
Confira a noticia na BBC. News Brasil.                                         .https://www.bbc.com/
E assim caminha a humanidade.
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