A corrupção no Brasil é amplamente descrita como endêmica e sistêmica, o que significa que está profundamente enraizada nas práticas cotidianas e nas estruturas do país, atingindo múltiplos setores e instâncias, em vez de se limitar a pontos isolados. A natureza suprapartidária reflete a percepção de que ela transcende as divisões ideológicas, envolvendo agentes públicos e privados de diversos espectros políticos em esquemas de desvio de recursos e favores ilegítimos.
Características e Percepção
Endêmica: A corrupção é vista como parte da cultura, muitas vezes manifestando-se em pequenos atos do dia a dia, como o "jeitinho brasileiro", até esquemas de grande escala.
Sistêmica: Mais do que casos isolados, a corrupção afeta o funcionamento de todo o sistema, minando a legitimidade das instituições públicas e distorcendo a tomada de decisões para ganho privado.
Economia: Desvia recursos que deveriam ser investidos em serviços essenciais como saúde, educação e infraestrutura, aumentando o custo de fazer negócios e inibindo o desenvolvimento a longo prazo.
Sociedade: Aumenta a desigualdade social, a exclusão e a violência, além de corroer a confiança pública nas instituições governamentais e na justiça.
Política: Mina a legitimidade democrática e a crença nos governantes, tornando a corrupção um tema central nas disputas eleitorais, como observado nas eleições recentes e projetado para as próximas.
O combate à corrupção no Brasil envolve diversas estratégias, como o fortalecimento do sistema judicial, a atuação de agências anticorrupção independentes, a promoção da transparência e a participação cidadã. Iniciativas como a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) buscam integrar esforços entre mais de 80 instituições públicas. Segundo veículos de imprensa no Brasil.
Confira o artigo na Revista Jurídica do Ministério Público do Paraná.
CORRUPÇÃO SISTÊMICA NO BRASIL
ENFRENTAMENTO E DIFICULDADES
SYSTEMIC CORRUPTION IN BRAZIL-
CONFRONTATION AND DIFFICULTIES
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Aspectos subjetivos e objetivos - corrupção
sistêmica; 3. Alterações legislativas positivas e hipergarantismo; 4. Em matéria
de corrupção não se pode admitir retrocessos; 5. Considerações Finais;
6. Referências bibliográficas.
*Juiz Federal. Professor do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (CESCAGE).
** Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná.
63
RESUMO: A corrupção no Brasil foi disseminada por toda sociedade, enraizada
em entidades privadas e públicas e possui elevado grau de complexidade,
envolvendo a administração pública direta e indireta de vários níveis, sendo
possível, portanto, chamá-la de corrupção sistêmica.
O combate à corrupção sistêmica é de extrema importância para
melhoria da qualidade de vida dos indivíduos. Os recursos públicos não
desviados podem e devem ser utilizados de forma mais racional e positiva,
para aumentar a eficiência do Estado na prestação de serviços públicos
essenciais nas áreas da saúde, educação, segurança e infraestrutura.
O presente texto aborda aspectos da chamada corrupção sistêmica,
sua amplitude e instrumentos de controle e combate já existentes, para
demonstrar os caminhos já percorridos e o que ainda está por fazer,
ressaltando que a eficácia do enfrentamento do problema passa pela
responsabilidade compartilhada entre Estado e sociedade.
Os métodos utilizados para o desenvolvimento do presente trabalho
foram a pesquisa e revisão de literaturas, estudo de instrumentos legislativos
como ferramentas de combate e processos envolvendo grandes casos de
corrupção como a Operação Lava Jato.
O resultado é uma visão panorâmica (ainda desconhecida a
totalidade dos casos de corrupção) a partir da qual se pode ter noção sobre
a abrangência da corrupção sistêmica no Estado Brasileiro nos tempos atuais
e a atuação das instituições encarregadas da prevenção e repressão dos atos
de corrupção e os instrumentos por elas utilizados.
Ao final da leitura é possível concluir que vários e irreversíveis foram
os avanços no combate à corrupção sistêmica no Brasil, sem desconsiderar
que há, ainda, muito a ser feito, especialmente para se poder atingir de modo
definitivo a gênese do problema, abrangendo necessariamente a superação
das crises ética e moral individual de modo a assegurar, como conquista final,
uma sociedade composta por indivíduos cujos valores sejam incompatíveis
com quaisquer atos de corrupção.
ABSTRACT: : Corruption in Brazil was disseminated throughout society,
rooted in private and public entities and has a high degree of complexity,
involving direct and indirect public administration at various levels, and it is
therefore possible to call it systemic corruption.
64
The fight against systemic corruption is extremely important for
improving the quality of life of individuals. Undistorted public resources can
and should be used more rationally and positively to increase the state’s
efficiency in delivering essential public services in the areas of health,
education, security, and infrastructure.
The present text approaches aspects of so-called systemic corruption,
its extent and existing control and combat instruments, to demonstrate the
paths already taken and what remains to be done, emphasizing that the
effective coping of the problem passes through shared responsibility between
State and society.
The methods used for the development of the present work were the
research and revision of literatures, study of legislative instruments as tools
of combat and processes involving large cases of corruption like Operation
Lava Jato.
The result is a panoramic view (not yet known the totality of cases of
corruption) from which one can have a notion about the comprehensiveness
of systemic corruption in the Brazilian State in the current times and
the performance of institutions in charge of the prevention and repression of
acts of corruption and the instruments used by them.
At the end of the reading it is possible to conclude that several
and irreversible advances have been made in the fight against systemic
corruption in Brazil, without forgetting that there is still much to be done,
especially in order to definitively reach the genesis of the problem, necessarily
encompassing overcoming individual and ethical crises in order to ensure,
as a final achievement, a society composed of individuals whose values are
incompatible with any acts of corruption.
PALAVRAS-CHAVE: corrupção, ética, transparência, democracia, sociedade
civil, instituições, hipergarantismo.
KEYWORDS: corruption, ethics, transparency, democracy, civil society,
institutions, hypergarantism.
65
1. Introdução
A metade da segunda década deste século foi marcada pela
simultaneidade de crises de diversas ordens que culminaram em alterações
substâncias nos cenários políticos e social. Os brasileiros foram as ruas
para protestar, de forma difusa, contra vários pontos que entendiam
díspares com os desejos e anseios sociais. As instituições, principalmente
as ligadas ao sistema de justiça, apresentam algumas respostas efetivas a
desenfreada corrupção sistêmica que acomete os aparelhos estatais da
administração pública brasileira. Os meios de comunicação, impulsionados
pelo incremento de novas tecnologias e pela nova ordem de transmissão de
informações potencializadas pela ampliação do acesso à Internet, comunicam
instantaneamente o que ocorre em qualquer lugar e representam poderosas
ferramentas de mobilização e manifestação popular. A indignação das pessoas
e sua preocupação com o bem comum e o interesse público despertaram um
“gigante adormecido” em cada cidadão. A somatória e a conjunção destes
fatores avivou os mais diversos sentimentos, reforçando o patriotismo do
povo brasileiro que promoveu ações e mobilizações potencializadas pelas
crises conjunturais, de natureza política, social, institucional e ética. A
riqueza deste momento instável e novo rompeu velhos paradigmas e nela
podemos encontrar pistas relevantes para as alternativas e oportunidades
de superação deste momento com ganhos significativos para o convívio
social, especialmente para as futuras gerações.
Neste cenário, ainda não perfeitamente delimitado pode-se vislumbrar
alterações significativas no panorama político, jurídico, social e econômico,
como a responsabilização de políticos e grandes empresários por infrações
penais cometidas em detrimento da administração pública até destituição de
presidente da República e cassação de presidente da Câmara dos Deputados,
assim como oferecimento de denúncia contra Presidente da República
durante o exercício do cargo. Permeiam estes acontecimentos várias medidas1
que podem representar significativo avanço para a sociedade brasileira no
1 Por todas, ver as “10 Medidas contra a Corrupção”, propostas do Ministério Público Federal
para o combate à corrupção e à impunidade. São elas 1) Prevenção à corrupção, transparência
e proteção à fonte de informação; 2) Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes
públicos; 3) Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores; 4)Aumento
da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal; 5)Celeridade nas ações de improbidade
administrativa; 6) Reforma no sistema de prescrição penal; 7) Ajustes nas nulidades penais; 8)
Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2; 9) Prisão preventiva para
evitar a dissipação do dinheiro desviado; 10) Recuperação do lucro derivado do crime. (http://
www.dezmedidas.mpf.mp.br/campanha/documentos/resumo-medidas.pdf)
66
combate à corrupção. Contudo, não se pode desconsiderar os diversos ataques
em sentido contrário, iniciativas retrógradas e nem sempre éticas por parte
daqueles que se locupletam e se beneficiam da situação do atual sistema e
defendem a permanência de tudo no estado em que se encontra.
Na tentativa de compreender o fenômeno da corrupção e sua lógica
nem sempre os instrumentos do cotidiano e os anseios dos cidadãos são
suficientes. A obsessão do poder pelo poder e uma desvirtuada noção de
ética e moral são características de uma patologia generalizada dos indivíduos,
incompatível com a vida ideal em sociedade e, sediada no subjetivismo
da coletividade é difícil de ser alcançada e suplantada. Os organismos
usurpadores do bem comum agem como sanguessugas das benesses do
Estado brasileiro por meio de escancaradas formas de corrupção e vilipêndio
dos bens públicos. São de grande amplitude2 e ferocidade os desvios de
recursos da nação e as consequências são gravíssimas. O destinatário final da
constituição e organização do Estado, ou seja, o povo, fica relegado ao segundo,
terceiro, ou mesmo último plano, havendo verdadeira inversão de valores na
medida em que o ataque aos recursos do Estado proporciona, por um lado, o
enriquecimento de agentes públicos corruptos, e por outro deixa de atender
as necessidades básicas de grande parcela população menos favorecida com
saúde, educação e segurança, fundamentais para o desenvolvimento de um
país que pretende se posicionar entre os melhores do mundo. Certamente não
é este o cenário que o povo brasileiro deseja e merece.
Seja pelo nacionalismo que se nutre seja pela alta carga tributária
que se paga, é esperado um país melhor, mais justo, igualitário e solidário,
cuja realidade se aproxime do preconizado pelos preceitos constitucionais
alçados pelo legislador constituinte e expressos como valores fundamentais
da República Federativa do Brasil.
A percepção destas anomalias por parte da população3 contribuiu
para uma intensa crise ética na qual estamos inseridos. Certamente as
dificuldades enfrentadas neste momento podem e devem ser fontes
2Os números são estarrecedores! De acordo com uma matéria publicada pela revista Isto É
em 2017, o Brasil perde cerca de R$ 200 bilhões por ano com corrupção.
3 Segundo estudo de janeiro de 2017 feito pela Transparência Internacional, que aponta
ranking da corrupção de 2016 e analisa percepção da população dos países sobre a corrupção,
Dinamarca e Nova Zelândia lideram ranking como menos corruptos. Brasil está em 79º lugar
entre 176 países (https://g1.globo.com/mundo/noticia/brasil-esta-em-79-lugar-entre-176
paises-aponta-ranking-da-corrupcao-de-2016.ghtml)
67
canalizadoras de processamento de alternativas e oportunidades para
soluções mais perenes, confiáveis e que visem ao bem estar de todos. A
construção de um país melhor significa revisitar nossos valores, investir no
poder de transformação positiva da educação, apta a preparar os cidadãos
para uma vida ética, além de fortalecer as instituições e a assegurar, de modo
a evitar retrocessos, as conquistas da sociedade brasileira.
Para além das linhas iniciais e para chegarmos as considerações
f
inais é fundamental analisar alguns aspectos da corrupção e, evoluir
até abordagem da chamada corrupção sistêmica que assola o país. Na
seqüência, abordar algumas alterações legislativas e instrumentos legais
utilizados como ferramentas de controle e combate à corrupção, pontos
de sucesso e fracasso e perspectivas futuras de avanço e de retrocesso que
se descortinam num ambiente de sedimentação, instabilidade e crise. Ao
f
inal, a partir destas reflexões é importante considerar qual a direção que
seguimos e quais os caminhos para um Brasil melhor.
2. Aspectos subjetivos e objetivos - corrupção sistêmica
Para além da definição acadêmica do que é corrupção, conceito
jurídico conhecido que contempla a clássica divisão entre corrupção ativa
e passiva, em que se oferece vantagem indevida a um funcionário público
em troca de algum benefício, a gênese da corrupção por certo se localiza no
âmbito subjetivo do indivíduo, da concepção que se tem sobre ética e moral
e das escolhas que se resolve fazer com base em tais entendimentos. De um
ponto de vista filosófico e não menos prático, como se costuma dizer, toda a
escolha implica uma perda. “Toda ética implica renúncia. Abrir mão de alguns
dos próprios interesses, apetites ou desejos em nome de uma convivência
mais harmoniosa”. “É a primazia do nós sobre o eu. Vitória da vontade geral
sobre a vontade singular, do interesse público sobre os múltiplos e esparsos
interesses privados”4.
Por sua vez a corrupção também se relaciona com a moral, esta
entendida como um conjunto de valores, de princípios que adquirimos e
livremente resolvemos respeitar. Regras internas de conduta que seguimos
mesmo quando ninguém está observando. Tais valores nos impõem uma
4BARROS Filho, Clóvis de. PRAÇA, Sergio. Corrupção: Parceria degenerativa. Campinas, SP:
Papirus 7 Mares, 2014 p. 14
68
limitação, uma privação da liberdade de buscar a qualquer custo a satisfação
de nossos mais variados interesses pessoais. Nessa seara, quando se decide
corromper ou ser corrompido, se viola essa moral, esses valores, que se
apresentam contrários ao ato praticado. Nessa medida, pode ocorrer de os
próprios valores estarem corrompidos e o ato parecer para o corrupto como
“normal e correto” (quem sabe porque se trata de prática amplamente
disseminada), correção esta que não se coaduna com a realidade e se torna
“justificável” apenas pela má-fé. De qualquer forma, o livre arbítrio de que os
indivíduos são dotados é o julgador de suas ações. Sempre resta a soberania para
dizer não. Escolher critérios decisórios entendidos protetivos do bem comum e
rechaçar aqueles que beneficiam apenas um eventual agente corruptor.5
Os meios de comunicação tem despejado uma avalanche de
informações sobre as investigações a respeito de atos ilícitos, praticados das
mais variadas formas, contra a administração pública brasileira: corrupção,
concussão, prevaricação, lavagem de dinheiro, tentativas de obstrução da
Justiça. É possível dizer que nos acostumamos, a todo instante, com as
informações do meios de comunicação a respeito de operações, investigações,
prisões, condenações, nas mais diversas frentes.
As operações realizadas pelas instituições do sistema de justiça e
julgadas pelo judiciário, em especial, a denominada Operação Lava Jato,
revelou provas, algumas ainda pendentes de exame definitivo, da existência
de um esquema criminoso de corrupção e lavagem de dinheiro de dimensões
gigantescas, ou seja, o maior escândalo criminal já descoberto no Brasil. As
consequências são assustadoras. A Petrobrás sofreu danos econômicos
severos, ilustrados pelo pagamento de propinas milionárias a antigos dirigentes
e pelo superfaturamento bilionário de obras. Além dos danos imediatos, a
empresa sofreu grave impacto em sua credibilidade. A própria economia
brasileira, carente de investimentos, sofre consequências, com várias empresas
fornecedoras da Petrobrás envolvidas no esquema criminoso6.
5 Idem
6MORO, Sérgio Fernando. Sergio Moro explica sua visão da Justiça. Revista Exame. 20.05.16.
"Petrobrás, de uma postura de negação geral no primeiro semestre de 2014, quando não
reconhecia nenhum problema de governança, passou paulatinamente a admitir os crimes,
culminando no reconhecimento oficial, em seu balanço de 2015, de perdas com a corrupção
de cerca de 6 bilhões de reais. Algumas das empreiteiras envolvidas nos crimes passaram,
louvadamente, a reconhecer sua responsabilidade. Duas grandes empreiteiras celebraram
acordos de leniência com o Ministério Público Federal, comprometendo-se a revelar os
ilícitos, abandonar práticas criminosas, implementar sistemas eficientes de compliance e
indenizar os cofres públicos em mais de 1 bilhão de reais."
69
Mais preocupante ainda é a utilização do esquema criminoso para
servir ao financiamento de agentes e partidos políticos, colocando sob
suspeição o funcionamento do regime democrático. Embora se acredite
que, com o apoio das instituições democráticas e da população em geral
tais problemas possam ser superados, inclusive com o fortalecimento da
democracia e da economia brasileiras, a grande questão a ser colocada
é como se chegou a esse ponto, em que crimes de corrupção e contra a
administração pública geraram tantos efeitos colaterais negativos?7
Um enorme cardápio de malversação de recursos públicos
combinados com ganância e objetivos espúrios que deturpam a democracia
e subvertem a vontade popular. De modo mais contundente é possível dizer
que a democracia ficou a reboque do dinheiro da corrupção e do poderio
econômico que, por diversas vezes, é utilizado para tanto. Um acinte ao
Estado Democrático de Direito.
São precisas, atuais e aplicáveis ao exemplo brasileiro as observações
lançadas por Sérgio Moro em artigo que trata sobre a operação mãos
limpas realizada na Itália no final do século passado, ao descrever que: “A
gravidade da constatação é que a corrupção tende a espalhar-se enquanto
não encontrar barreiras eficazes”. E a propagação da corrupção influencia
no processo político e democrático: “O político corrupto, por exemplo, tem
vantagens competitivas no mercado político em relação ao honesto, por
poder contar com recursos que este não tem”. Ainda, outra decorrência é
a naturalização da corrupção, pois “um ambiente viciado tende a reduzir os
custos morais da corrupção, uma vez que o corrupto costuma enxergar seu
comportamento como um padrão e não a exceção”.8 Numa primeira análise
é possível dizer que ocorreu no Brasil algo próximo do que aconteceu na
Itália, na chamada operação mãos limpas. Antonio di Pietro, com felicidade
apontou uma expressão para sintetizar a decorrência deste processo:
“democrazia venduta”9, ou seja, uma democracia vendida, comprada,
expropriada, na essência e na prática, pela corrupção sistêmica.
7BOCHENEK, Antônio César; MORO, Sérgio Fernando. O problema é o processo. Estado de
São Paulo. 30.03.2015.
8MORO, Sérgio Fernando. Considerações sobre a operação mani pulite. Revista do CEJ,
Brasília, n. 26, p. 56-62, jul./set. 2004.
9GILBERT, Mark. The italian revolution: the end of politics, Italian style? Colorado: Westview
Press, 1995. p. 188.
70
Os fatos investigados estão na “boca do povo”, em todos os veículos
de comunicação e nas rodas de conversa, ou seja, não mais restritos aos
palácios e aos infratores beneficiados. A ganância em abocanhar parcela de
valores revela que as formas e as ações dos corruptos foram escancaradas
e ousadas a ponto de transformar a corrupção numa ‘regra nos contratos
públicos”, uma “regra de mercado”, algo institucionalizado na administração
pública. Como no mercado, quanto mais oferta, mais contratos, melhor é o
preço, menor é o percentual cobrado a título de “propina”. Os depoimentos
dos investigados na operação Lava Jato estão recheados de exemplos da
institucionalização da propina nos contratos públicos como regra de mercado
e a continuidade dos “esquemas”, aliado ao volume de obras públicas
corrompidas, revelam pistas importantes da corrupção sistêmica instalada
na administração pública brasileira.10
Uma das características mais expressivas deste cenário de
corrupção é a propagação da prática ilícita para todos os setores e níveis da
administração pública. É possível constatar a partir daí que pessoas próximas,
servidores e empregados das empresas envolvidas passaram a ver e a tratar
com “naturalidade” as condutas nefastas dos operados dos esquemas
criminosos. A consequência deste efeito é a “naturalização da propina”. Isto,
por um lado, impede ou dificulta que as pessoas próximas denunciem os
atos ilícitos às autoridades policiais, de outro, alimenta ou incentiva a adesão
de novos agentes às práticas delituosas, quase sempre impunes.
O tamanho da corrupção no país é impressionante. O volume
expressivo de valores desviados dos cofres públicos são sintomas da ausência
de limites e ousadia praticamente incontrolável de corruptos e corruptores.
A Operação Lava Jato, por exemplo, já recuperou mais de 6,4 bilhões de reais
desviados pelos agentes infratores.11
Tais fatos revelam que há no Brasil um quadro de corrupção
sistêmica que envolve enormes valores desviados de recursos públicos e a
10 Para uma visão ampliada dos mais relevantes pontos da operação Lava Jato é fundamental
a leitura da obra de Vladimir Neto. O livro retrata de modo objetivo, mas com riqueza
impressionante de conteúdo, os detalhes da investigação e dos processos judiciais, bem como
dos fatos políticos e sociais relacionados,. NETTO, Vladimir. Lava Jato – o Juiz Sergio Moro e os
bastidores da Operação que abalou o Brasil. São Paulo: Editora Primeira Pessoa. 2016.
11 O Ministério Público Federal, no endereço eletrônico, http://lavajato.mpf.mp.br/atuacao
na-1a-instancia/resultados/a-lava-jato-em-numeros-1, atualiza de forma constante os
números relacionados a Operação Lava Jato.
71
generalização desta prática nos mais variados contratos administrativos. “A
corrupção, como crime isolado, existe em qualquer lugar do mundo, mas
a corrupção sistêmica, o pagamento de propina como regra do jogo, não é
assim tão comum, representando uma severa degeneração dos costumes
públicos e privados”12.
Um dos reflexos deste cenário da corrupção generalizada, profunda,
espalhada por todos os lados é a existência de um sistema penal e processual
penal falido, arcaico e procrastinatório13. As carências e as deficiências
decorrem da falta de efetividade das decisões judiciais no âmbito penal,
propulsoras da protelação, prescrição e certeza da impunidade.
A sensação de falta de efetividade do sistema de persecução penal
que objetiva a responsabilização daqueles que cometem delitos é um fator
que desestimula os agentes estatais responsáveis pelas investigações e
julgamento dos processos. De outro lado, a certeza da impunidade é um
ingrediente principal na análise de risco do “negócio” espúrio realizada pelos
agentes infratores, ou seja, se a chance de ser punido é pequena ou mínima,
não há riscos e aumenta a vantagem da atividade ilícita.
Se o sistema penal dificilmente responsabiliza o infrator, o risco para
ele diminui, o que fortalece o desejo de usurpar bens de outrem. No jogo
do perde e ganha a sociedade sempre perdeu, os menos favorecidos que
dependem de recursos e serviços públicos perdem exponencialmente mais.
Apenas ganham, ilicitamente, aqueles que praticam as infrações penais e se
locupletam com recursos de todos os cidadãos.
Um levantamento simples de dados é suficiente para verificar que
o sistema penal brasileiro14 até pouco tempo atrás, era totalmente carente
de condenações e efetivas imposições de responsabilidades por atos ilícitos
12 MORO, Sérgio Fernando. Sergio Moro explica sua visão da Justiça. Revista Exame. 20.05.16.
13 BOCHENEK, Antônio César. O processo arcaico. in: Revista Veja. ed. 2494. São Paulo: Editora
Abril. 07.09.2016; BOCHENEK, Antônio César; MORO, Sérgio Fernando. O problema é o
processo. Estado de São Paulo. 30.03.2015.
14 De acordo com Deltan Dallagnol Procurador da República, coordenador da Força Tarefa da
Lava Jato, uma estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que no Brasil, são
desviados anualmente cerca de 200 bilhões de reais. Isso é três vezes o orçamento federal em
educação, três vezes o orçamento federal em saúde e cinco vezes do que se gasta no Brasil
anualmente com segurança pública. Ainda esclarece que o índice de punição da corrupção,
segundo um estudo publicado pela Fundação Getúlio Vargas, é de 3%, ou seja, de 100 casos
de corrupção, apenas 3 chegam a punição criminal.
72
praticados por corruptos e corruptores. Temos um sistema processual que
privilegia quatro instâncias judiciais com a possibilidade legal, referendada
pelos tribunais, dos advogados de defesa apresentarem um número
exacerbado de recursos, aliado a sobrecarga de trabalho dos Tribunais, gera a
inviabilidade do sistema e a falta de efetividade da jurisdição penal no tempo
e modo adequados. Ademais, nem é preciso ingressar na desvirtuação do
sistema relacionada a interposição de recursos protelatórios, pois nestes
casos são potencializados os efeitos da ausência de efetividade.
Para ilustrar a desmedida corrupção sistêmica que atinge as
estruturas administrativas brasileiras é possível citar como exemplo os
valores estimados para a construção da refinaria Abreu e Lima, no Estado
de Pernambuco. O orçamento inicial, no ano de 2005, para construção do
complexo petroquímico era de aproximadamente 2,5 bilhões. Dez anos
depois, as obras não estavam concluídas e os valores gastos já ultrapassavam
a soma de 18 bilhões. E mais, algumas estimativas de especialistas revelam
que se a refinaria operar durante toda a sua vida útil, ainda assim apresentará
um prejuízo de 3 bilhões em comparação aos valores que já foram gastos. E
não é somente isto. Além da corrupção, sempre caminha junto com ela a má
ou deficitária administração e fiscalização dos contratos públicos, tais fatores
acarretam outras perdas e desperdícios de recursos públicos.
É preciso fazer uma pausa para uma primeira reflexão. Vamos
continuar a aceitar pacientemente ou de modo resiliente toda esta situação?
Ou vamos enfrentar estes desmandos e abusos cometidos com os recursos
públicos? Deixar como está é a opção mais fácil, mas as consequências serão
destruidoras, principalmente para o futuro das gerações que estão por vir. As
perspectivas serão as piores e as esperanças frustradas.
Então, isto explica a indignação de muitos brasileiros. As instituições
tem feito, cada uma a seu tempo, modo e responsabilidade, a sua cota parte,
apesar de ainda não estar na velocidade e intensidade desejada por todos.
É preciso sair da zona de conforto para colaborar e ajudar a construir uma
sociedade efetivamente participativa e inclusiva, com a democracia de alta
intensidade.15 O futuro nos cobrará a inércia ou o imobilismo e a conta virá
da forma mais dura, sem a possibilidade de voltar no tempo. Cabe a cada um
15 SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo:
Editora Cortez. 2008.
73
de acordo com as suas possibilidades e condições agir para que a sociedade se
torne cada vez melhor, seja pelas atitudes particulares no ambiente pessoal,
familiar ou de trabalho, seja pelas ações coletivas da sociedade civil organizada
ou de representação política, por meio do voto popular. Aqui é relevante
chamar a atenção para a necessidade do fortalecimento de mecanismos
e instrumentos para a construção de uma nova sociedade mais vibrante,
participativa e, sobretudo, democrática no discurso, na prática e na essência.
Neste cenário, a importância do debate sobre a corrupção ganhou um
novo patamar na sociedade brasileira. As pesquisas de opinião capitaneadas
por diversos segmentos revelam informações anteriormente não imagináveis.
Em novembro de 2015, o Instituto Datafolha apresentou o resultado de uma
pesquisa espontânea que apontou a corrupção como o maior problema do
Brasil - 34% das pessoas entrevistadas16. Em julho de 2016, o IPSOS, renovou
uma pesquisa editada anteriormente sobre o que as pessoas pensavam a
respeito de operação Lava Jato. O resultado surpreendente foi que 85% dos
entrevistados defenderam a continuidade das investigações.17 O Conselho
da Justiça Federal, no segundo semestre de 2016, ouviu os operadores
do sistema de justiça que apontaram o julgamento dos crimes contra a
administração (corrupção, lavagem de dinheiro, improbidade administrativa)
como a principal prioridade da Justiça Federal para o ano de 2017 - 82% dos
entrevistados.18
16 Na sequência: saúde (16%), desemprego (10%), educação (8%), violência (8%) e economia
(5%). Fonte: Datafolha. Data da pesquisa: 25 e 26.nov.15. Entrevistados: 3.541 em 185
municípios. Margem de erro: 2p.p.. Soma pode não dar 100% devido a arredondamentos.
Disponível
em:
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/11/1712475-pela-1-vez
corrupcao-e-vista-como-maior-problema-do-pais.shtml.
17 Levantamento realizado pela Ipsos revela que 85% dos brasileiros apóiam a continuidade das
investigações da maior operação de combate à corrupção no País, a Lava Jato, independente
do impacto dela na situação econômica do País. O índice é seis pontos percentuais maior que
o constatado pela Ipsos em janeiro, quando 79% responderam positivamente à afirmação. A
margem de erro é de três pontos percentuais. O levantamento foi realizado entre 02 e 13 de
junho com 1.200 entrevistas presenciais em 72 cidades. A Ipsos é uma empresa independente
global na área de pesquisa de mercado presente em 87 países. A companhia tem mais de 5 mil
clientes e ocupa a terceira posição na indústria de pesquisa. Disponível em: http://www.ipsos.
com.br/img/upload/Pesquisa_Ipsos_Pulso_Brasil_Lava_Jato_16.pdf
18 Mais de 13,7 mil pessoas que participaram da pesquisa Governança Participativa, realizada
pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), no período de 15 de agosto a 2 de setembro de 2016,
e que abrangeu as 27 unidades da Federação. A pesquisa foi realizada por meio de um
questionário eletrônico, disponível nos portais e redes sociais das instituições e entidades
integrantes do sistema da Justiça Federal. Os participantes foram convidados a escolher cinco
temas prioritários entre 11 indicados e, livremente, sugerir outros. Disponível em: http://
www.cjf.jus.br/observatorio.
74
Estes são três exemplos, mas certamente há muitos outros que
poderiam ser lembrados. A relevância do estudo do tema da corrupção bem
como as alternativas para reduzir ou eliminar esta prática repugnante é de
atualidade premente e manifesta, assumindo maior importância e destaque
pela carência ou insuficiência dos estudos pretéritos, sub-dimensionados
ou sub-valorizados, mas que atualmente despontam no centro do debate
político e púbico, como foco ou irradiação dos principais fenômenos sociais,
econômicos e éticos.
Dito isso, podemos avançar para a análise das principais alterações
legislativas e transformações institucionais, principalmente relacionados
direta ou indiretamente com as investigações, o processamento e o
julgamento dos crimes contra a administração pública, em especial, a
corrupção e a lavagem de dinheiro. Também é relevante repisar que não
ocorreram apenas transformações, mas foram realizados importantes
debates que ainda não avançaram devido a diversos fatores, sendo imperioso
lembrar que a todo tempo há ataques e ofensivas contra a modernização e
o aperfeiçoamento dos sistemas de controle e combate à corrupção e das
instituições incumbidas de tal tarefa.
3. Alterações legislativas positivas e hipergarantismo
As duas últimas décadas foram marcadas pela inserção gradativa
de alterações legislativas relevantes para a transformação da sociedade
brasileira. O objetivo neste texto não é dissecar cada um dos institutos, mas
relacioná-los para apontar as diretrizes e as implicações decorrentes, que
foram fundamentais para este momento que estamos presenciando. A par
disso, apontar algumas deficiências de nosso sistema normativo que podem
representar fragilidade ou dificuldade no exercício da jurisdição destinada
a prevenir e reprimir os atos de corrupção e ilícitos praticados contra a
administração pública.
Uma primeira medida adotada que merece registro foi a promulgação
da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000), que
estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade
na gestão fiscal de toda a administração pública brasileira, com amparo na
Constituição Federal. A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação
planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios
capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento
75
de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e
condições no que tange à renúncia de receita, geração de despesas como a
de pessoal e da seguridade social, dívida consolidada e mobiliária, operações
de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e
inscrição em restos a pagar. As orientações estabelecidas são relevantes,
em especial, porque fixam limites máximos com gastos para pagamento de
pessoal, bem como define o planejamento das receitas e despesas, por meio
de diretrizes orçamentárias legislativas19.
Um segundo instrumento normativo relevante foi a promulgação
da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010). A história do projeto
de lei de iniciativa popular número 518/09 remonta a campanha iniciada
em fevereiro de 1997, intitulada “Combatendo a Corrupção Eleitoral”, e
coordenada pela Comissão Brasileira Justiça e Paz - CBJP, da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Esse projeto foi instituído após a
Campanha da Fraternidade de 1996, da CNBB, cujo tema foi “Fraternidade
e Política”. Em 24 de setembro de 2009 foi entregue ao Congresso Nacional,
com 85% das assinaturas colhidas nas paróquias e dioceses e foi aprovada
a lei após uma campanha nacional pela sua aprovação, a campanha Ficha
Limpa, liderada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
O movimento coordenou a coleta de mais de 1,3 milhão assinaturas e ampla
utilização das redes sociais, inclusive virtuais. Até hoje, o MCCE, integrado por
diversas entidades, realiza relevantes trabalhos para combater a corrupção
eleitoral e promover processos eleitorais justos e democráticos.
A Lei Complementar 135/2010 estabelece, nos termos do § 9º do
art. 14 da Constituição Federal, novas hipóteses de inelegibilidade com o
objetivo de proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício
do mandato. Uma revolução que afasta aqueles gestores públicos que não
apresentaram resultados esperados na administração pública pretérita nos
termos definidos numa das hipóteses legais. O Supremo Tribunal Federal
decidiu em análise conjunta as Ações Declaratórias de Constitucionalidade
(ADCs 29 e 30) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4578) a
respeito da extensão dos dispositivos legais e reafirmou a legalidade do texto
integral, com aplicação apenas a partir das eleições de outubro de 2012,
19 CRUZ, Flávio da. Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada. 9ª ed. São Paulo: Atlas. 2014.
Cruz, Flavio da LIMA, Albério Júnior Rodrigues de. Lei de Responsabilidade Fiscal. Brasília:
NT Educação. 2013. MARTINHO, Márcio de Rezende Lei de Responsabilidade Fiscal. Brasília:
ebook. 2010.
76
vez que prevaleceu naquele tribunal a observância estrita ao princípio da
legalidade e segurança jurídica20.
Outro relevante instrumento legislativo disposto a evitar casos
de corrupção é a Lei 12.527/11, que estabelece diretrizes para o acesso
à informações públicas, também chamada de Lei da Transparência. Ela
dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela administração
direta e indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e também
de todos aqueles que recebem verbas públicas.21 A finalidade é garantir
o acesso às informações nos termos previstos no inciso XXXIII do art. 5º,
no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216, todos da Constituição
Federal,22 ou seja, garantir o direito fundamental de acesso à informação
em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com
as seguintes diretrizes: observância da publicidade como preceito geral e
do sigilo como exceção; divulgação de informações de interesse público,
independentemente de solicitações; utilização de meios de comunicação
viabilizados pela tecnologia da informação; fomento ao desenvolvimento da
cultura de transparência na administração pública; e desenvolvimento do
controle social da administração pública.
Ainda no cenário legislativo merece destaque a Lei Anticorrupção
(Lei Ordinária 12.846/13), aprovada logo após as grandes manifestações
populares do primeiro semestre de 2013, com o objetivo de estabelecer
a responsabilização objetiva, administrativa e civil, das pessoas jurídicas,
sem exclusão das previsões para as pessoas físicas, pela prática de atos
20 Sobre o tema ver: SOUZA, Wallace Fabrício Paiva. A lei da ficha limpa: análise conforme os
princípios constitucionais. Joinvile: Clube de Autores. 2016. PANUTTO, Peter. Inelegibilidades:
um estudo dos direitos políticos diante da Lei da Ficha Limpa. São Paulo: Editora Verbatim. 2013,
21 Subordinam-se ao regime da lei da transparência: os órgãos públicos integrantes da
administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e
Judiciário e do Ministério Público; as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas,
as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente
pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Também aplicam-se as disposições às
entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para realização de ações de interesse
público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais,
contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos
congêneres. A publicidade a que estão submetidas as entidades citadas no caput refere-se à
parcela dos recursos públicos recebidos e à sua destinação, sem prejuízo das prestações de
contas a que estejam legalmente obrigadas.
22 Mendel, Toby. Liberdade de informação: um estudo de direito comparado. 2. ed.
Brasilia:UNESCO. 2009.
77
contra a administração pública, nacional ou estrangeira23. Também são
responsabilizadas as pessoas jurídicas pelos atos lesivos praticados em seu
interesse ou benefício, exclusivo ou não, além de estabelecer procedimentos
dos chamados acordos de leniência para além das previsões no âmbito
da defesa da concorrência, mas ainda não completamente delineadas
em termos legais e doutrinários. Este é um campo que precisa avançar
essencialmente em relação as repercussões dos acordos realizados no
âmbito administrativo com o criminal, para que sejam delimitados os
precisos contornos e implicações dos acordos celebrados nestas áreas, com
a finalidade primordial de estabelecer com segurança a respeito dos limites
do acordo.
A Lei estabelece no artigo 5º, que são os atos lesivos à administração
pública, nacional ou estrangeira, todos aqueles praticados pelas pessoas
jurídicas ou equiparadas, que atentem contra o patrimônio público nacional
ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os
compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:
prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a
agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; comprovadamente,
f
inanciar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática
dos atos ilícitos; comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física
ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade
dos beneficiários dos atos praticados; no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro
expediente, o caráter competitivo de procedimento de licitação pública; b)
impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento
licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de
fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação
pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou
irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar
contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo
fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados
com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório
da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g)
23 A lei aplicam-se às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não,
independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a
quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que
tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito,
ainda que temporariamente.
78
manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos
celebrados com a administração pública. Também são atos lesivos aqueles
que tem por objetivo dificultar atividade de investigação ou fiscalização de
órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive
no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema
f
inanceiro nacional.24
As três primeiras Leis apresentam novas linhas de percepção social
daquilo que é público. É possível afirmar que são atos normativos que
promoveram uma mudança de mentalidade em relação ao tratamento
dado aos bens, serviços e interesses públicos, assim como no passado
recente é possível citar a Lei das Licitações, que também representou um
marco de importante avanço institucional. Para além destas transformações
é relevante lembrar também as alterações no plano processual penal que
visam uma relação processual mais adequada à atualidade.
A Lei que trata das organizações criminosas também é importante
e deve ser citada, em face da consagração de ferramentas de investigação
utilizadas nos casos de ação coordenada e organizada pelos grupos que
praticam infrações penais. A Lei 12.850/12 define organização criminosa25e
dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova,
infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
Ainda permite o emprego dos seguintes meios de obtenção da prova, em
qualquer fase da persecução penal, sem prejuízo de outros previstos pelo
ordenamento jurídico: colaboração premiada; captação ambiental de sinais
eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; ação controlada; acesso a registros
de ligações telefônicas e telemáticas, a dados cadastrais constantes de bancos
de dados públicos ou privados e as informações eleitorais ou comerciais;
interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas; afastamento dos
sigilos financeiro, bancário e fiscal; infiltração, por policiais, em atividade
24 Para mais informações a respeito do tema: BERTONCINI, Mateus Eduardo Cerqueira
Nunes (org.); CAMBI, Eduardo; GUARANI, Fábio Lei Anticorrupção (coord.). Comentários à
Lei 12.846/2013. São Paulo: Editora Almedina. 2014. CARVALHOSA, Modesto Souza Barros.
Considerações sobre a Lei anticorrupção das pessoas jurídicas: Lei 12.846/2013. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. 2015.
25 Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas
estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente,
com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a
prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que
sejam de caráter transnacional.
79
de investigação; cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais,
estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da
investigação ou da instrução criminal.26
Não poderia ficar de fora desta lista a Lei Federal nº 9.296, de 24
de julho de 1996, que trata da interceptação de comunicações telefônicas
de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução
processual penal. Apesar da proteção constitucional à inviolabilidade
das comunicações telefônicas, a interceptação pode ser realizada se
observados os parâmetros delimitados em lei uma vez que, conforme
entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, nenhum
direito fundamental é absoluto, devendo ser interpretado com base no
princípio da proporcionalidade. Em outras palavras, se existem normas
constitucionais que visam a preservação do sigilo das comunicações e da
vida privada em nossa Constituição Federal, também existem normas que
asseguram o direito-dever do Estado de investigar e punir infrações penais,
sendo eventual conflito de interesses solucionado com base no princípio da
proporcionalidade e na supremacia do interesse público sobre o particular,
própria dos regimes democráticos.
Os mecanismos legais de obtenção da prova revelam modernização
das ferramentas à disposição dos agentes estatais e contribuem para a
eficiência e o resultado das investigações. O emprego de tais mecanismos, que
deve se dar sempre com observância das garantias e direitos fundamentais,
é de suma importância para o combate às organizações criminosas27.
A atuação das instituições do Estado no combate ao crime
organizado, notadamente via prestação jurisdicional, é pautada e encontra
limites na própria lei, sobretudo nos direitos fundamentais amparados
pela Constituição da República. Os direitos fundamentais e as garantias
individuais representam grande conquista de nossa Carta Magna - a
“Constituição Cidadã, e tem, como razão de ser, fazer frente ao poder
punitivo do Estado como escudo de proteção contra arbitrariedades. Se
considerarmos que num passado não muito distante vivemos uma ditadura
militar, tendo nosso regramento constitucional emergido em 1988 num
26 SILVA, Eduardo Araújo da. Organizações Criminosas: Aspectos Penais e Processuais da Lei nº
12.850/13. São Paulo: Atlas. 2014
27 PEREIRA, Frederico Valdez. Delação Premiada: legitimidade e procedimento. Curitiba:
Editora Juruá. 3. ed. 2016.
80
contexto em que o próprio poder constituinte era composto por vários
parlamentares perseguidos pelo regime ditatorial, é possível compreender
porque nossa Carta Magna acabou conferindo uma superproteção aos
direitos fundamentais do indivíduo e acabou por dificultar e comprometer
o poder do Estado de punir por crimes cometidos28.
Passadas três décadas da reconquista da democracia observa-se
como resultado deste “supergarantismo” uma equivocada compreensão
dos direitos fundamentais individuais, por vezes aplicados de forma
exageradamente ampla pelos operadores do direito, com preponderância
quase absoluta em relação aos direitos da coletividade, sendo fácil perceber
que isto acarreta a proteção de criminosos que ficam inalcançáveis pelo
poder de punir do Estado. Esse “hipergarantismo” tem representado na
prática dificuldade do Estado na repressão da criminalidade organizada, em
especial a punição de agentes públicos corruptos amparados pelo poder
político e/ou econômico, o que alimenta ainda mais a impunidade. “O que
se desenvolveu no Brasil foi aquilo que alguns chamam de hipergarantismo.
É um garantismo hiperbólico, porque exacerbado, e monocular, porque só
olha os direitos do réu, e não olha o direito da sociedade”29.
O Procurador da República no DF, Bruno Freire de Carvalho
Calabrich, ao responder a pergunta se esse hipergarantismo “valeria mais
para os réus ricos”, respondeu: “as teses próprias desse pensamento, que
exagera nos direitos individuais do investigado e que esquece os direitos
da sociedade e da vítima, têm sido invocadas mais nos casos de réus ricos.
O hipergarantismo interpreta a Constituição e as leis brasileiras de modo
a supervalorizar direitos do acusado em detrimento do interesse público
e de uma justa punição dos culpados. Eles têm olhos apenas para uma
parte da equação, tornando a balança desequilibrada e achando que o
28 Cita-se como importante exemplo o princípio da “presunção de inocência”, estampado no
art. 5º inciso LVII de nossa Constituição Federal (ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória). Muito discutida atualmente no meio
jurídico, uma das interpretações que tem sido adotada em relação a tal presunção é de que só
pode haver início do cumprimento de pena após o esgotamento de TODOS OS RECURSOS em
TODAS AS INSTÂNCIAS DO PODER JUDICIÁRIO. Ora, evidentemente tal interpretação conduz a
um processo que pode tramitar por décadas em razão do nosso sistema recursal, resultando
em impunidade em face do inexorável advento da prescrição.
29 Entrevista de Deltan Dallagnol ao biógrafo de João Santana, repórter do Estadão, em
05.02.2017 - https://www.oantagonista.com/brasil/dallagnol-e-o-garantismo-monocular
81
direito de defesa é aparentemente infinito. O direito de defesa não pode
ser infinito.”30
Aristóteles já afirmava que “a virtude está no meio”(In medio
virtus). É recomendável, assim, a adoção de limitações ao poder de punir
do Estado, mas sem que essa limitação chegue a níveis tais que levem o
Estado a uma atuação deficiente na repressão de crimes, uma vez que a
superproteção do criminoso perante o Estado torna o Estado desprotegido
perante o criminoso. É inadmissível que o Estado se submeta a uma
excessiva proteção constitucional do indivíduo quando esta superproteção
atinge a proteção, pelo Estado, da própria sociedade.
Partindo das idéias de Ferrajoli31, que muito bem sistematizou
as imbricações acerca da interpretação e extensão do garantismo, deve
se evoluir para o chamado garantismo integral. Merece destaque o artigo
“Garantismo penal integral (e não o garantismo hiperbólico monocular)
e o princípio da proporcionalidade: breves anotações de compreensão
e aproximação dos seus ideais”32, do Procurador da República Douglas
Fischer, em que ele afirma: “...em nossa compreensão (integral) dos
postulados garantistas, o Estado deve levar em conta que, na aplicação dos
direitos fundamentais (individuais e sociais), há a necessidade de garantir
também ao cidadão a eficiência e a segurança, evitando-se a impunidade.
O dever de garantir a segurança não está em apenas evitar condutas
criminosas que atinjam direitos fundamentais de terceiros, mas também
(segundo pensamos) na devida apuração (com respeito aos direitos dos
investigados ou processados) do ato ilícito e, em sendo o caso, na punição
do responsável.”
30 Dispondível em https://veja.abril.com.br/politica/o-direito-de-defesa-nao-pode-ser-infinito-diz
procurador-da-lava-jato/
31 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. Tradução Ana Paula Zomer
Sica e outros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
32 http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/
artigos/edicao028/douglas_fischer.html
82
4. Em matéria de corrupção não se pode admitir retrocessos
Encontrado o ponto de equilíbrio entre o exercício do ius puniendi e o
respeito aos direitos fundamentais do indivíduo, com prevalência do interesse
coletivo em caso de conflito, é preciso não apenas evitar retrocessos mas
avançar, ampliando-se a atuação dos agentes e das instituições competentes
no combate à corrupção, ao crime organizado e àqueles cometidos contra a
administração pública.
Os interesses em jogo na disputa política são os mais variados e
a tensão constante entre eles é o substrato que impulsiona as alterações
ou a estabilidade da legislação. Sempre que um assunto é de interesse de
um grupo ou setor abre-se o jogo e o debate e a intensidade e a força de
cada lado norteiam as ações dos parlamentares. A mais forte e coesa destas
forças é a pressão popular pois os representantes políticos têm no povo a
sua legitimação, embora parte dos políticos ajam no interesse de poucos e/
ou de um grupo, muitas vezes contrariando as aspirações populares. Nesta
atuação podem ser encontradas propostas que são verdadeiros retrocessos
em termos legislativos, mas que não estão impedidas de serem lançadas e
debatidas e quiça aprovadas por legisladores nem sempre conectados com
os anseios populares e sociais.
O momento vivenciado pela sociedade brasileira não admite
retrocessos em relação às conquistas contra o crime organizado. Não
obstante os avanços obtidos no combate à corrupção, conquistados a duras
penas durante árduo caminho feito de batalhas diárias, há inúmeras inciativas
de parlamentares que desconsideram a pretensão dos cidadãos, verdadeiro
vilipêndio à vontade popular, como por exemplo as propostas legislativas que
buscam alterar regras da delação premiada para não permitir que acusados
utilizem o benefício quando estiverem presos, cautelar ou preventivamente.
A proposta representa retrocesso inaceitável e injustificável até porque,
como apontou Sérgio Moro: “Solto, pode confessar e colaborar. Preso,
quando a necessidade do direito de defesa é ainda maior, não. Nada mais
estranho. Acima de tudo, as proposições da espécie parecem fundadas em
estereótipos equivocados.”33.
83
33 MORO. Sérgio Fernando. A Justiça e os decaídos. Estado de São Paulo. 31.05.16.
Em linhas gerais, o exemplo revela uma atuação política sintomática
de interesses e forças que transcendem o plano social ou econômico e
buscam incessantemente uma virada numa situação posta, quiça evitar
futura responsabilização criminal.
Outros exemplos podem ser citados para ilustrar que o tema é objeto
de embate político e as forças em jogo norteiam os debates legislativos, como
o projeto de Lei 6.418/09, que visa alterar as normas sobre o tipo penal do
crime de abuso de autoridade, no caso de a interpretação legal dada pelo
magistrado na fundamentação de uma prisão ser diferente da decisão do
Tribunal. A vingar a infeliz proposta o magistrado cometeria crime de abuso
de autoridade no exercício de sua atividade principal, de interpretar a
legislação e aplicá-la ao caso concreto. A engenhosidade maquiavélica do
dispositivo legal claramente revela caráter intimidatório da magistratura,
inaceitável no atual contexto das sociedades democráticas.
A sociedade brasileira precisa estar organizada e em constante
vigilância34 para evitar ofensivas que visem limitação ao exercício das funções
públicas asseguradas constitucionalmente35, notadamente a independência
do Poder Judiciário, imprescindível para se assegurar efetivamente a
existência de um Estado Democrático de Direito.
5. Considerações Finais
O que você tem a ver com a corrupção? Com este nome, campanhas
dos Ministérios Públicos estaduais espalhadas pelo país visam combater a
corrupção e demonstrar que todos nós temos algo a ver com ela, mesmo a
chamada corrupção sistêmica.
34 Outro exemplo: no dia 19.09.16, o presidente em exercício da Câmara dos Deputados,
chamou para discussão e votação o projeto de lei que pretendia tipificar como crime a prática
do "caixa 2" das campanhas eleitorais. Até aqui tudo bem, mas, com ajuda de uma emenda, o
expediente legislativo tinha por objetivo perdoar o que foi feito em eleições anteriores, para
livrar os alvos de investigação, em especial, da Lava Jato. A reação de alguns deputados, desta
vez, barrou a votação.
35 Iniciativas legislativas que visam corte orçamentário de órgãos publicos que possuem
atribuição de combate à corrupção são frequentes é uma forma indireta de frear ou impedir
o desempenho de tais os órgãos
84
As sociedades são compostas por indivíduos e elas serão mais ou
menos corruptas de acordo com o grau de corrupção dos próprios indivíduos
que as integram; por sua vez, as pessoas que integram uma sociedade podem
ser mais ou menos corruptas de acordo com a forma como o Estado e a
sociedade reagem a tal ato, uma vez que estudos demonstram, por exemplo,
que a sensação de impunidade decorrente da baixa efetividade dos sistemas
de prevenção e repressão estimula o crescimento da corrupção.
Estabelecida a crise ética e moral individual e coletiva, política,
social, jurídica e institucional, é preciso que todos nós, dentro da esfera de
atuação de cada um, decidamos agir sempre de acordo com a lei, a moral
e os bons costumes, sendo incumbência do Estado atuar com eficácia de
forma preventiva (focando, por exemplo, como prioridade, na educação de
qualidade), e repressiva, controlando e punindo concretamente os atos de
corrupção, de modo a evitar a reiteração de tal prática.
A corrupção não é um fenômeno recente, tem existência histórica
e dinâmica e passa por um processo de evolução de complexidade,
sendo impensável esmorecer no enfrentamento e regredir das vitórias
já conquistadas. Os efeitos prejudiciais para a coletividade são graves e
conhecidos, pois a corrupção é uma inimiga perigosa e silenciosa que
subtrai a esperança e mata centenas de milhares de pessoas todos os
anos no Brasil, pois são desviados importantes recursos que poderiam ser
empregados diretamente em áreas essenciais ao desenvolvimento do país
como infraestrutura, saúde, segurança e educação.
Dentre os meios de controle e confronto desse mal sorrateiro é
fundamental perseguir uma mudança de mentalidade da coletividade para
combater a generalizada sensação de impunidade. Prosseguir é inexorável e
a direção e o caminho são óbvios. Reclamam resgate de princípios e valores
comuns, coletivos, justos e solidários, seja no âmbito individual, familiar e
escolar, como uma atuação do Estado mais efetiva em termos de políticas
públicas e funcionamento dos meios de controle e repressão.
Neste campo minado se destacam os meios de comunicação,
usuários de novas tecnologias estruturantes que permitem a ligação direta
do jornalista com o público (internet) e garantem elevados índices de
transparência e imediatismo na circulação de informações. A divulgação
reiterada de escândalos envolvendo desvio de recursos públicos tem causado
85
indignação e a sociedade adquiriu grande capacidade de rápida mobilização
e manifestação da opinião pública, se transformando em importante arma
de controle e combate da corrupção sistêmica.
Os avanços conquistados, a partir do advento de instrumentos
legais específicos são de grande relevância e não podem ser desperdiçados.
Contudo, o sistema criminal repressivo sozinho se mostra ineficiente e
repleto de equívocos, com excessiva valorização dos direitos fundamentais
da pessoa investigada e processada por corrupção, acarretando perniciosa
preponderância de direitos sobre deveres, em detrimento do interesse
publico, dimensão inadequada que ficou conhecida como hipergarantismo,
ou garantismo hiperbólico monocular.
Para além desse problema, como bem ponderou Sérgio Moro em
artigo sobre a operação mani pulite, na Itália, “a ação judicial isolada tem
como efeito apenas incrementar os riscos da corrupção, evidenciando
as conseqüências caso ela seja descoberta. Uma ação judicial bastante
eficaz, como foi o caso, pode no máximo interromper o ciclo ascendente da
corrupção”.
A questão é de interesse de todos porquanto repercute em nosso
cotidiano. Todas as ações e iniciativas individuais, sociais ou institucionais
de prevenção e repressão são necessárias. A reunião de esforços individuais,
organização e participação da sociedade na fiscalização dos órgãos públicos é
uma ferramenta poderosíssima de prevenção e repressão da malversação de
recursos públicos e precisa ser estimulada em todos os espaços de discussão.
Se a leitura do presente texto conduzir o leitor a uma mínima reflexão
a respeito das questões aqui tratadas já teremos atingido nosso objetivo de
ressaltar a necessidade de uma vida social comprometida e participativa,
que defenda valores essenciais do indivíduo e da coletividade como tarefa
de todos e de cada um de nós, fundamental para a construção de uma
sociedade democrática, justa e igualitária, sobretudo um Brasil melhor para
nós e nossos descendentes.
86
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LEITURAS ADICIONAIS EM NOSSA BIBLIOTECA
GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. Mãos Limpas e Lava Jato: a corrupção
se olha no espelho. Porto Alegre: Citadel, 2017.
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Compliance e direito penal na era pós-lava
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SOUZA, Renee do Ó. O compliance como instrumento de política pública de
combate à corrupção. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte,
ano 15, n. 59, p. 125-150, out./dez. 2017. O artigo na Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Paraná.
As estratégias de combate à corrupção no Brasil envolvem um conjunto abrangente de medidas que vão desde a transparência e prevenção até a detecção e repressão de ilícitos, coordenadas por diversos órgãos e suportadas por um arcabouço legal específico.
Principais Estratégias e Medidas
Transparência e Prestação de Contas: Considerada uma das atitudes mais eficientes, a transparência pública visa permitir o controle social sobre o gasto e a gestão dos recursos públicos. Isso é feito através de portais de transparência, acesso à informação (regulamentado pela Lei de Acesso à Informação - LAI) e ouvidorias, como a plataforma Fala.BR.
Reformas Legislativas e Regulatórias: O Brasil possui leis importantes, como a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), que responsabiliza objetivamente empresas por atos lesivos à administração pública, e a Lei da Ficha Limpa. Outras medidas incluem propostas para reformar o sistema de prescrição penal e redefinir o conceito de provas ilícitas para combater a impunidade.
Fortalecimento Institucional e da Governança: O fortalecimento das capacidades de detecção e repressão, bem como a promoção de programas de integridade pública e privada, são eixos centrais. Planos, como o Plano de Integridade e Combate à Corrupção 2025-2027 da Controladoria-Geral da União (CGU), envolvem dezenas de órgãos na administração federal para integrar o enfrentamento à corrupção no dia a dia do governo.
Uso de Tecnologia e Inovação: A tecnologia é empregada para melhorar a fiscalização e a detecção de irregularidades, como na análise de dados e informações financeiras.
Articulação entre Órgãos (ENCCLA): A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) é um fórum que articula mais de 90 órgãos, incluindo a Polícia Federal e o Ministério Público, para evitar o retrabalho e alinhar políticas públicas de prevenção e repressão.
Participação Cidadã: A sociedade civil tem um papel ativo na proposição e fiscalização das medidas anticorrupção, colaborando com as autoridades e denunciando práticas suspeitas.
Órgãos Responsáveis
Diversas instituições atuam no combate à corrupção no Brasil:
Controladoria-Geral da União (CGU): Órgão central de controle interno, responsável pela defesa do patrimônio público, prevenção e combate à corrupção, e ouvidoria.
Ministério Público (MPF/MPE): Desempenha papel essencial na investigação de crimes de corrupção, dentro dos limites do sistema acusatório.
Polícia Federal (PF): Apura crimes de corrupção de competência da União, suas empresas e fundações públicas.
Tribunais de Contas (TCU/TCEs): Realizam o controle externo da gestão dos recursos públicos.
Poder Judiciário: Responsável pelo julgamento dos casos e aplicação das sanções penais e civis.
O combate à corrupção no Brasil é um esforço contínuo que busca atuar em múltiplas frentes, reconhecendo a complexidade do problema e a necessidade de colaboração entre diferentes esferas de governo, setor privado e sociedade. Segundo o Jornalista, Professor e Bacharel em Direito Edgard de Oliveira Barros, no Quinto Período da Habilitação em Jornalismo na Comunicação Social, pelas Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAAM FAAM).
Que se fortaleça os mecanismos para o combate a corrupção no Brasil.
Confira a noticia no Portal G1 da Rede Globo .https://g1.globo.com/sp/
E assim caminha a humanidade.
Imagem ; Site Amazon .
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