O tempo de Sergio Camargo à frente da Fundação Palmares precisa acabar. Graças ao STJ (Supremo Tribunal de Justiça), ele continua à frente da Fundação Cultural Palmares destruindo décadas de história, relevância e contribuição. A defesa de sua manutenção à frente da instituição torna racista quem a defende.
A retirada do nome de 27 personalidades negras da lista de homenageados pela instituição chega a ser a questão menos importante aqui. Isso está na superfície. Mais profundo, sério e aviltante é como o governo transformou uma instituição tão cara à população negra como o maior instrumento ideológico do país contra a própria população negra e sua memória, e como esta instituição se mantém nas mãos de um indivíduo abertamente racista.
Nomeado em Novembro de 2019, Sergio Camargo foi imediatamente rechaçado pelo movimento negro, intelectuais, ativistas, organizações que lidam com a pauta racial e a defesa da produção cultura negra no país. A mobilização contrária à indicação acabou resultando em uma ação civil, acolhida pela Justiça em dezembro, e que suspendeu sua nomeação. Esta decisão, no entanto, foi derrubada em fevereiro pelo então presidente do STJ, João Otávio de Noronha.
Diante disso, a DPU (Defensoria Pública da União) recorreu da medida e apresentou recurso para a retirada de Sergio Camargo, suspendendo sua nomeação. Mais uma vez, o STJ negou o recurso, em Agosto, e por unanimidade. Como este é um debate racial e ético, vale ressaltar que estamos falando de uma corte branca.
O racismo do governo foi capaz de colocar a instituição contra aqueles e aquelas que inspiraram a própria fundação da instituição. A Fundação Cultural Palmares nasce em Agosto de 1988 "com a finalidade de promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira".
A Constituição de 1988, por sua vez, teve a contribuição crucial de personalidades do movimento negro, que acompanharam de perto o debate pela redemocratização do país, acreditando em um Brasil não apenas democrático, mas, sobretudo, que contemplasse a justiça racial e a reparação de anos de desigualdade, racismo e injustiça que colocaram a população negra em desvantagem.
Em uma histórica audiência em Brasília, em 1987, para discutir a constituição e o país, Benedita da Silva (PT-RJ) presidiu a sessão da Comissão da Ordem Social do Congresso, que recebia as pautas do movimento negro e que, naquela ocasião, tinha como convidado especial o cantor e compositor Gilberto Gil.
Pois bem, hoje, Gil e Benedita integram hoje a lista das personalidades negras excluídas pela direção de Sergio Camargo. É um ataque desrespeitoso, e que ultrapassa limites. Ao atacar o movimento negro como "formados por um conjunto de escravos ideológicos de esquerda", ou como "escória maldita", Camargo violenta a memória a qual a instituição que preside deveria preservar, e isso é grave.
Não é razoável a continuação de Sergio Camargo à frente da Fundação Palmares. Ninguém espera respeito à luta pela igualdade e democracia de um governo que louva o período da ditadura militar (1964-1985), mas é vergonhoso que a permanência de Camargo só se mantenha devido o aval surdo do STJ. Isto se tornou um debate racial? Evidentemente que sim, e é assim que deve ser visto.
Movimento negro, personalidades negras, coletivos, organizações, ativistas e intelectuais, cujos anos de atuação e luta por uma mudança na realidade social da população negra do país, por uma sociedade brasileira melhor e mais igual, somam mais de um século, e foram atropelados em sua reivindicação pela decisão de uma corte branca, que, por duas vezes, legitimou Sergio Camargo no cargo. Sim, isso é racial.
A Fundação Palmares foi usurpada pelo projeto ideológico do governo Bolsonaro de ignorar as questões raciais do país. Sergio Camargo e sua pequenez enquanto presidente da fundação não é nada muito além da projeção de como o governo desrespeita a população negra, debocha de sua história, de sua memória e de seu sofrimento. Ver a anuência da Justiça para isso é sintomático.
Ministros do STJ não devem fazer ideia do que é planejar as celebrações de um Dia da Consciência Negra, e ter esse dia frustrado pelas imagens do espancamento de um homem negro até a morte por seguranças brancos, enquanto o chefe do Executivo do país e seu vice negam a existência do racismo, e a instituição, que deveria preservar sua história, apagar, excluir, na mesma semana, os nomes de pessoas negras notáveis, homens e mulheres, que tem ajudado o Brasil a ser melhor.
Com esta surdez, ministros do STJ foram fiadores de uma administração que opera na lógica do racismo, com um requinte de crueldade brasileiro: a dissimulação que usa a seletividade para dizer que as escolhas é por afinidade e não por racismo (ou seja, "nós tiramos uns negros e vamos deixar e colocar outros negros", logo, não foi racismo).
A pergunta, por fim, é se Sergio Camargo irá até o final de seu mandato. Não importa quanto tempo falte, sua saída, seu afastamento, sua suspensão será uma resposta de que a população negra e sua história são levadas a sério neste país. A defesa de sua manutenção no cargo é condescendência com seus ataques, e seus ataques são racistas em todos os aspectos.
O uso de uma trilha sonora nazista custou, em vinte e quatro horas, o cargo de ministro da Cultura. Chamar os ministros do STF de "bando de vagabundos" forçou a saída de um ministro da Educação. Quando se sente afetado, você reage imediatamente, usando o poder que tem. Isso fala muito sobre importância, respeito e reconhecimento.
No Brasil, a população negra não tem poder, e, por extensão, sua importância é ignorada, carece de respeito e o reconhecimento lhe é negado.
Definitivamente não é razoável que o movimento negro, a população negra, a seriedade da escravidão, a contribuição negra para a Constituinte, sejam agredidos de forma racista recorrentemente e isso seja visto como um delírio. Sergio Camargo precisa deixar a Fundação Palmares, e não deveria haver um dia de trégua, até que isto fosse feito, em respeito à própria Constituição e a seriedade do país. O relato, no Portal UOL, é do comentarista Ronilso Pacheco, neste sábado (05).
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