Os apresentadores da TV estatal da Coreia do Norte nem coram ao chamar o ditador Kim Jong-un de "gênio entre os gênios". Falta pouco pra Jair Bolsonaro receber o mesmo tratamento na programação da brasileira EBC, o canal mantido com dinheiro público que o presidente havia prometido extinguir mas resolveu transformar em seu veículo de propaganda particular.
Também a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), uma autarquia, está sendo transfigurada para dar alegrias ao presidente. Hoje no meio do fogo cerrado da guerra das vacinas, a agência em breve terá mais uma diretoria ocupada por um militar claramente alinhado a Bolsonaro, o tenente-coronel do Exército Jorge Luiz Korman.
O atual diretor da agência, o contra-almirante Antonio Barra, é aliado declarado do presidente, do tipo que comparece ao lado dele (sem máscara) em manifestação que pede o fechamento do Congresso e do STF, como ocorreu em março.
O mal-estar dos servidores da Anvisa com as crescentes tentativas de interferência política foi explicitado em carta divulgada ontem, onde se lê que a agência "não serve aos interesses de governos, de pessoas, de organizações ou de partidos políticos".
Não por coincidência, o trecho é idêntico ao do recente discurso feito pelo comandante do Exército, Edson Pujol. Por mais de uma vez, Bolsonaro tentou chamar de sua uma Força que, como lembrou o general, é de Estado.
Agora, reportagem da revista Época escancara o mais claramente configurado e documentado uso de um órgão de Estado em benefício pessoal do presidente e sua família.
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin), diz a revista, colocou seus quadros para traçar uma estratégia destinada a livrar o filho mais velho do presidente do escrutínio da Justiça no caso da "rachadinha".
Dirigida pelo delegado da Polícia Federal Alexandre Ramagem, o amigo do clã Bolsonaro que o presidente queria transformar em diretor-geral da PF, a Abin debruçou-se sobre a ação criminal a que responde Flávio Bolsonaro com o objetivo de encontrar formas de "defender FB no caso Alerj", como explicitado em um dos relatórios reproduzidos pela revista.
A "consultoria" gratuita dada pela agência ao primogênito do presidente da República não se limitou a orientá-lo sobre a melhor forma de livrar-se das malhas da Justiça.
Foi além: sugeriu que o "01" (Bolsonaro) trocasse um funcionário público em posto considerado estratégico por um "ex-policial federal de confiança" e usou de didatismo para ensinar como a defesa de Flávio Bolsonaro poderia obter documentos favoráveis a ele.
A advogada do filho do presidente deveria "visitar o Tostes, tomar um cafezinho e informar que ajuizará a ação demandando o acesso agora exigido".
"Tostes" é José Tostes Neto, chefe da Receita Federal, peça importante na estratégia da defesa, que pede a anulação da ação contra Flávio por suposto acesso ilegal de investigadores a seus dados fiscais.
Bolsonaro acha que a EBC está lá para divulgar seus feitos, que a Anvisa tem de obedecer aos seus comandos, que o Exército deve lealdade a ele e que a Abin pode ser usada para livrar a cara do seu filho denunciado na Justiça por lavagem de dinheiro, peculato e organização criminosa.
Só os loucos são inimputáveis.
Bolsonaro, embora tente parecer um, ainda não está imune às leis.
E o último presidente do Brasil que ignorou a diferença entre Estado e governo, entre o público e o privado, ainda tem fresca na memória as lembranças da cadeia. O relato é da jornalista Thaís Oyama, no Portal UOL.
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