Barbárie e neoconservadorismo:
os desafios do projeto ético-político*
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Barbarism and neoconservatism: the challenges
of the ethical-political project
Maria Lucia S. Barroco**
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Resumo: Este artigo foi desenvolvido a partir de Palestra realizada
no Seminário “30 Anos do Congresso da Virada”, em São Paulo, em
2009. Analisando os desafios do projeto ético‑político na atual conjun
tura, assinala as principais determinações da sociabilidade contempo
rânea para evidenciar o ethos dominante no cenário do neoliberalismo
pós‑moderno e as formas de ser que favorecem o neoconservadorismo
e criam obstáculos à viabilização dos valores e pressupostos do Códi
go de Ética Profissional.
Palavras‑chave: Ética. Ethos. Projeto ético‑político. Neoconservado
rismo. Neoliberalismo pós‑moderno
Abstract: This article was developped from the Seminar “30 Years of Congresso da Virada”,
which was held in São Paulo in 2009. Analyzing the challenges of the ethical‑political project at
the current moment, it points out the main determinations of contemporary sociability in order to
highlight the dominant ethos in the post‑modern neoliberalism setting and the aspects that both
favor neoconservatism and hamper the viability of the values and assumptions from the Code of
Professional Ethics.
Keywords: Ethics. Ethos. Ethical‑political project. Neoconservatism. Post‑modern neoliberalism
* Esse artigo foi desenvolvido a partir do texto original da Palestra realizada no seminário “30 anos do
Congresso da Virada”, na mesa “Diálogos sobre os desafios do projeto ético‑político do Serviço Social”, em
novembro de 2009, em São Paulo.
** Assistente social, professora de Ética Profissional e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa
em Ética e Direitos Humanos (Nepedh) do Programa de Estudos Pós‑Graduados em Serviço Social da PUC‑SP
— São Paulo, Brasil. E‑mail: lubarro@uol.com.br.
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Esse texto visa uma reflexão sobre os desafios do projeto ético‑políti
co na atual conjuntura, sob a perspectiva da ética. Isso requer uma
breve análise da sociabilidade contemporânea, visando assinalar al
gumas determinações que incidem sobre a vida cotidiana, criando
necessidades e motivando respostas de caráter moral e político.
As transformações operadas no capitalismo mundial pela ofensiva do
capital, a partir da década de 1970 do (Netto e Braz, 2006), resultaram no agra
vamento da desigualdade estrutural e na degradação da vida humana e da na
tureza. Aprofundando a exploração do trabalho, o desemprego estrutural e
conjuntural, instituindo novas formas de trabalho precário e destruindo direitos
conquistados historicamente pelos trabalhadores, entre outros, esse processo
intervém na vida dos indivíduos, criando demandas e respostas à insegurança
vivenciada objetiva e subjetivamente na vida cotidiana. As formas de (re)pro
dução social imprimem uma nova dinâmica ao conjunto das relações sociais:
Em sua forma contemporânea, a sociedade capitalista caracteriza‑se pela frag
mentação de todas as esferas da vida social, desde a produção, com a dispersão
espacial e temporal do trabalho, até a destruição dos referenciais que balizavam
a identidade de classe e as formas de luta de classes. A sociedade aparece como
uma rede móvel, instável, efêmera de organizações particulares definidas por
organizações particulares e programas particulares, competindo entre si. (Chaui,
2006, p. 324)
A apreensão fragmentada da realidade e a percepção de que as relações
sociais são efêmeras e instáveis decorrem de vivências objetivas, num contex
to de empobrecimento e de instabilidade e desregulamentação das relações de
trabalho. A reificação que invade todas as esferas da vida social (Netto, 1981)
favorece essa apreensão, pois contribui para ocultar a essência desses processos
que aparecem, em sua aparência reificada, como se fossem fenômenos naturais
e absolutos. Além do mais, a ideologia dominante sedimenta essa naturalização,
em sua justificação da dinâmica capitalista.
O pensamento dominante no capitalismo contemporâneo — a ideologia
neoliberal e seu subproduto, a ideologia pós‑moderna —, exerce a função social
de justificação das transformações operadas na vida social pela ofensiva do
capital. É dessa forma que a insegurança, a instabilidade e a fragmentação são
disseminadas como componentes ontológicos constitutivos de uma etapa his
tórica intransponível: a “era pós‑moderna” (Chaui, 2006; Harvey, 2005).
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Valorizando a instabilidade e a dispersão, a ideologia neoliberal pós‑mo
derna declara o “fracasso”: dos projetos emancipatórios, das orientações éticas
pautadas em valores universais, da razão moderna, da ideia de progresso histó
rico e de totalidade. O estímulo à vivência fragmentada centrada no presente
(resumida ao aqui e ao agora, sem passado e sem futuro), ao individualismo
exacerbado, num contexto penetrado pela violência, dá origem a novas formas
de comportamento, que, segundo Chaui (2006, p. 324), buscam “algum contro
le imaginário sobre o fluxo temporal”.
As tentativas de capturar o passado como memória subjetiva, por meio
de objetos ou de uma memória virtual, com lista de amigos pela internet (Idem,
p. 325), revelam uma das características mais marcantes da sociabilidade con
temporânea: a tendência ao intimismo, o retorno às questões da vida privada,
que revelam que:
A insegurança e o medo levam ao reforço de antigas instituições, sobretudo a
família e o clã como refúgios contra um mundo hostil, ao retorno de formas
místicas e autoritárias ou fundamentalistas de religião e à adesão à imagem da
autoridade política forte ou despótica. Dessa maneira, bloqueia‑se o campo da
ação intersubjetiva e sociopolítica, oculta‑se a luta de classes e fecha‑se o espa
ço público, que se encolhe diante da ampliação do espaço privado. (Chaui, 2006,
p. 325)
Trata‑se, pois, de condições favoráveis à desqualificação da política, con
dições facilitadas por inúmeros fatores históricos, especialmente das determi
nações que incidiram sobre as possibilidades concretas de organização política
das classes trabalhadoras. Não podemos ignorar, nesse cenário, os desdobra
mentos do fim das experiências do socialismo.
O processo de mundialização do capital (Chesnais, 1996) e a implantação
das políticas neoliberais — com todas as suas consequências —, implicou o
empobrecimento e a desmobilização política dos trabalhadores: contribuiu para
a crise dos partidos e das entidades de classe dos trabalhadores, e, como o fim
das experiências socialistas, para que a apologética capitalista propagasse o seu
triunfo, anunciando o “fim da história”.
É interessante observar que esse contexto favoreceu a reorganização dos
movimentos de direita, especialmente na Europa. Outro dado relevante é o que
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aponta a origem de classe dos movimentos de direita e sua vinculação com o
processo de mundialização do capital, no contexto do neoliberalismo. Estudos
têm mostrado (Carneiro, 2004) que movimentos neonazistas vinculados a par
tidos de extrema direita, como os skinheads, surgiram nos anos 1970, com
forte determinação do desemprego estrutural e da precarização das condições
de vida das classes trabalhadoras: seus integrantes são jovens, filhos de operá
rios, trabalhadores do subúrbio e das periferias das grandes cidades e minori
tariamente das classes médias empobrecidas.
Segundo dados do Serviço Secreto Alemão (Carneiro, 2004, p. 136), após
a queda do Muro de Berlim, em 1999, existiam cerca de 3 mil skinheads na
antiga Alemanha Oriental e 1.200 na Ocidental. Ocorreram 2.500 atentados de
caráter xenófobo na Alemanha em 1992, e, em 1993, 6 mil, constatando‑se que
vários deles tiveram o apoio da população (Ibidem). No Brasil, tendo como alvo
os negros, judeus, nordestinos, homossexuais e comunistas, os “Carecas do
ABC” e outros grupos apoiados pela TFP (Tradição, Família e Propriedade)
— movimento católico paramilitar ultraconservador —, têm a mesma origem
socioeconômica (Ibidem).
As guerras, os conflitos etnorraciais e religiosos, assim como o fim das
experiências socialistas, têm provocado êxodos por todo o mundo, revelando
um fenômeno contemporâneo diretamente vinculado à barbarização da vida: a
xenofobia. Formas coletivas institucionalizadas de xenofobia e de intolerância
dirigidas contra imigrantes, estrangeiros, ciganos, desempregados etc. se es
praiam por todo o mundo, evidenciando a violência, como elemento presente
no cotidiano (Ianni, 2004).
A ideologia dominante exerce uma função ativa no enfrentamento das
tensões sociais, para manter a ordem social em momentos de explicitação das
contradições sociais e das lutas de classe. Numa sociedade de raízes culturais
conservadoras e autoritárias como a brasileira (Chaui, 2000), a violência é
naturalizada; tende a ser despolitizada, individualizada, tratada em função de
suas consequências e abstraída de suas determinações sociais. A ideologia neo
liberal — veiculada pela mídia, em certos meios de comunicação como o rádio,
a TV, a internet e revistas de grande circulação — falseia a história, naturaliza a
desigualdade, moraliza a “questão social”, incita o apoio da população a práticas
fascistas: o uso da força, a pena de morte, o armamento, os linchamentos, a
xenofobia.
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O modo de ser adequado à (re)produção das relações sociais burguesas,
na contemporaneidade, é determinado pelas formas de sociabilidade aqui assi
naladas. No interior de uma dinâmica histórica complexa e contraditória, da
luta de classes e da oposição entre projetos sociais, entre ideias e valores, se
processa um modo de ser dominante, fortalecido pela base material de suas
ideias. Quero dizer que a sociedade burguesa é fundada na propriedade privada
dos meios de produção e que isso fornece a base material para a reprodução de
um ethos fundado na posse privada de objetos.
Todos os valores oriundos da sociabilidade burguesa e do ethos burguês,
como o consumismo e a competição, se apoiam, portanto, no princípio da pro
priedade privada, incorporado pelos indivíduos como sinônimo da felicidade, de
liberdade, de realização pessoal. É claro que os valores vão adquirindo signifi
cações de acordo com o desenvolvimento da sociedade burguesa. Como vimos,
no neoliberalismo pós‑moderno o consumismo adquire contornos exacerbados,
o individualismo se expressa de modo privatista, voltado para o intimismo.
A valorização da posse privada dos objetos no lugar das relações humanas
levada ao extremo caracteriza o ethos dominante na sociedade contemporânea:
sua igreja é o shopping; seu reino é o mundo virtual; seus mitos são as imagens
que — fetichizadas em um espaço imaginário — desmaterializam o mundo real,
criando uma segunda vida onde os desejos consumistas podem ser satisfeitos
sem a presença do outro: o eterno empecilho à sua liberdade.
Ídolos e mitos são reproduzidos incessantemente pelo mercado da publi
cidade e pela indústria cultural: Barbies, séries de TV, filmes, novelas, propa
gandas para cada indivíduo cuja identidade social é dada pelo seu potencial de
consumo. Incentiva‑se o consumismo e tudo o que desvie os indivíduos da vida
pública e da política: questões pessoais, de autoajuda, problemas íntimos, fa
miliares, psicológicos: formas de controle das tensões sociais e de reprodução
do modo de ser necessário à apologia do capital. Vê‑se, portanto, que estamos
em face de uma cultura claramente conservadora.
O neoconservadorismo busca legitimação pela repressão dos trabalhadores
ou pela criminalização dos movimentos sociais, da pobreza e da militarização
da vida cotidiana. Essas formas de repressão implicam violência contra o outro,
e todas são mediadas moralmente, em diferentes graus, na medida em que se
objetiva a negação do outro: quando o outro é discriminado lhe é negado o
direito de existir como tal ou de existir com as suas diferenças.
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Certamente, parte da sociedade não reproduz essa ideologia e combate
essas práticas: os movimentos populares democráticos, milhares de sujeitos
políticos que no mundo inteiro se manifestam de formas variadas em oposição
à desumanização, em confronto com o capital, na resistência ao avanço das
políticas neoliberais: os Piqueteiros e as Mães da Praça de Maio, na Argentina;
os Zapatistas, no México; o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST),
no Brasil, os movimentos de indígenas, na Bolívia e no Equador, outras cente
nas de movimentos populares democráticos que desde 2001 se reúnem nas
edições do Fórum Social Mundial em torno da ideia de que “outro mundo é
possível”; os partidos políticos e as entidades de classe dos trabalhadores, no
processo de luta pela hegemonia em busca da construção de novos projetos e
de uma nova sociedade. O Serviço Social tem uma trajetória de engajamento
nessas lutas.
No entanto, não podemos ignorar que o cenário histórico tem revelado
uma crise de hegemonia das esquerdas e dos projetos socialistas de modo geral.
É nesse contexto que o conservadorismo tem encontrado espaço para se reatua
lizar, apoiando‑se em mitos, motivando atitudes autoritárias, discriminatórias
e irracionalistas, comportamentos e ideias valorizadoras da hierarquia, das
normas institucionalizadas, da moral tradicional, da ordem e da autoridade. Uma
das expressões dessa ideologia é a reprodução do medo social.
Temos medo de algo real ou imaginário. Quando o objeto do medo é tra
tado moralmente, torna‑se sinônimo do “mal”. Ao mesmo tempo em que a
moral serve ideologicamente para dar identidade ao objeto do medo ela passa
a justificar uma inversão na moralidade do sujeito: na luta contra o “mal” toda
moral é suspensa, tudo é válido: o “mal” acaba justificando o próprio “mal”: a
morte, a tortura, a eliminação do outro. Quando a ideologia do medo é interna
lizada na vida cotidiana, uma situação de insegurança excepcional passa a ser
vivida como algo que pode vir a ocorrer a qualquer momento, um estado de
alerta típico de situações de guerra (Batista, 2003a; Costa, 1993).
Após os atentados de 2001, nos EUA, centenas de filmes, seriados e pro
gramas virtuais foram produzidos incentivando a insegurança e a ideia moral
do outro como ameaça permanente. Não é preciso dizer quem é ele. 24 horas,
um dos seriados de maior sucesso nos EUA, passado no Brasil, deixa isso evi
dente: na série, nenhum lugar do mundo é seguro; a qualquer momento, a vida
pode se tornar um inferno pelas mãos do “mal”: terroristas, criminosos, trafi
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cantes. A política de tolerância zero e o Estado policial seguem essa lógica
neofascista reproduzida nos EUA e na Europa, na discriminação contra os imi
grantes, a exemplo das milícias populares na Itália; na perseguição aos ciganos,
na França; e, no Brasil, na criminalização dos movimentos sociais e da pobreza,
e, na atual institucionalização da militarização do cotidiano pelo Estado, no
combate ao narcotráfico.
O filme brasileiro Tropa de elite, de 2007, que perdeu o Oscar para outro
f
ilme também violento cujo título é sugestivo — Por que os fracos não têm vez
—, revela essa lógica. O violento treinamento físico e o condicionamento psi
cológico exigido dos integrantes do Bope (Batalhão de Operações Especiais)
têm por finalidade a sua desumanização, o que significa incorporar a ideologia
da guerra permanente, permitindo a suspensão de qualquer resquício de uma
moralidade humanitária na consciência dos agentes: guerra é guerra. Diante
dessa palavra‑chave, qualquer moral é suspensa: tudo é válido: os fins justificam
os meios (Barroco, 2008).
Estudos sobre a violência no Rio de Janeiro (Batista, 2003a), apontam essa
ideologia na guerra ao narcotráfico: uma herança da doutrina de segurança
nacional usada na ditadura: a ideologia da guerra contra o inimigo interno. Na
guerra atual o discurso é moral e religioso: a droga aparece como uma metáfo
ra diabólica contra a civilização cristã: uma cruzada contra o mal, uma guerra
santa contra o traficante herege (Idem, p. 40). Repete‑se a lógica do Bope:
guerra é guerra.
Essas breves observações tiveram por finalidade apontar um cenário pro
pício à objetivação de ideias e práticas neoconservadoras e individualistas que
obviamente não se restringem às aqui apresentadas, mas que coexistem com
formas de oposição e de resistência, a exemplo de inúmeras ações de defesa dos
direitos humanos, de denúncias, de resistências, de mobilizações e de lutas
constitutivas do universo das forças políticas democrático‑populares e do con
junto das classes trabalhadoras brasileiras.
Assim, considerando que o cenário atual pode ser facilitador da reatuali
zação de projetos conservadores na profissão, mas entendendo também que
nossa trajetória de lutas, inserida no universo de resistências da sociedade bra
sileira permite esse enfrentamento, quero afirmar que do ponto de vista ético‑po
lítico a busca de ruptura com o conservadorismo no Serviço Social — princípio
e objetivo que norteou (norteia) o projeto ético‑político nesses trinta anos — é
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neste momento renovado como um grande desafio: o enfrentamento de suas
novas formas ético‑políticas e manifestações teórico‑práticas.
Para finalizar, assinalo algumas questões para reflexão e debate:
• Em primeiro lugar cabe refletir sobre as bases sociais do nosso projeto
ético‑político. Sabemos que seu surgimento foi determinado fundamen
talmente em função de certos(as) sujeitos e condições históricas: o
protagonismo da profissão, em seus setores progressistas, contando
com o processo de reorganização das classes trabalhadoras e dos mo
vimentos democrático‑populares, no contexto de redemocratização da
sociedade brasileira dos anos 1980. Sendo assim, a nossa força política
está articulada, ainda que não seja de forma mecânica, ao avanço des
sa base social, que tem como protagonistas os sujeitos de nossa inter
venção profissional: as classes trabalhadoras.
• Nesse sentido, o enfrentamento do neoconservadorismo, sob o ponto
de vista profissional, é de caráter político em dois aspectos articulados.
Por um lado, é preciso que nossa organização política esteja fortaleci
da e renovada com novos quadros, supondo o trabalho de base, junto
à categoria, com as entidades de representação, as unidades de ensino,
os profissionais e alunos. Por outro lado, só conseguiremos consolidar
politicamente o nosso projeto, na direção social pretendida, se tivermos
uma base social de sustentação; logo, é fundamental a articulação com
os partidos, sindicatos e entidades de classe dos trabalhadores, com os
movimentos populares e democráticos, com as associações profissionais
e entidades de defesa de direitos. E o avanço político do nosso projeto
está articulado ao avanço dessas forças sociais mais amplas. Ao mesmo
tempo, é preciso ter clareza de que essa luta é limitada, uma vez que
ela envolve dimensões que extrapolam a profissão.
• A reatualização do conservadorismo é favorecida pela precarização das
condições de trabalho e da formação profissional, pela falta de preparo
técnico e teórico, pela fragilização de uma consciência crítica e políti
ca, o que pode motivar a busca de respostas pragmáticas e irraciona
listas, a incorporação de técnicas aparentemente úteis em um contexto
fragmentário e imediatista. A categoria não está imune aos processos
de alienação, à influência do medo social, à violência, em suas formas
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subjetivas e objetivas. Isso coloca um imenso desafio ao projeto éti
co‑político, na medida em que a sua viabilização não depende apenas
da intencionalidade dos profissionais, tendo em vista as suas determi
nações objetivas, nem se resolve individualmente. Além disso, não
podemos ignorar que o conservadorismo tem raízes históricas na pro
f
issão: para parcela da categoria, trata‑se de uma opção política cons
cientemente adotada. Nesse sentido, a conjuntura pode favorecer a sua
reatualização, sob novas roupagens e demandas.
• A dimensão ética desse enfrentamento supõe dimensões teóricas e
políticas. O neoconservadorismo tem diversas formas de expressão.
Seu conhecimento exige a pesquisa e o estudo, em suas configurações
na sociedade contemporânea e brasileira, como pensamento teórico e
projeto político‑ideológico e em seu rebatimento particular na profissão,
em sua dimensão ética e política. É preciso conhecer nossa categoria,
nossos alunos e a população que atendemos para que não sejam repro
duzidos mitos e idealizações.
• A ideologia neoconservadora tende a se irradiar nas instituições sob
formas de controle pautadas na racionalidade tecnocrática e sistêmica
tendo por finalidade a produtividade, a competitividade e a lucrativi
dade, onde o profissional é requisitado para executar um trabalho re
petitivo e burocrático, pragmático e heterogêneo, que não favorece
atitudes críticas e posicionamentos políticos. Instituições voltadas para
a coerção, como prisões, delegacias, casas para jovens infratores, abri
gos, instituições jurídicas, demandam ao assistente social atividades de
controle e censura: avaliações de situações que envolvem os sujeitos
criminalizados moralmente e julgados como irrecuperáveis pelo poder
dominante. A ideologia dominante está incorporada nessas instituições
de diversas formas, como mostram vários estudos (Wacquant, 2007;
Batista, 2003a, 2003b). O discurso dominante é o da naturalização e
moralização da criminalidade; as práticas de encaminhamento são se
letivas, baseadas, muitas vezes, em critérios que envolvem avaliações
morais, de classe e condição social. O assistente social precisa estar
capacitado para enfrentar esse discurso, de forma a não reproduzi‑lo
reeditando o conservadorismo profissional, a não atender às novas re
quisições do estado policial, para não incorporá‑las exercendo a coerção.
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Esse enfrentamento ético‑político supõe estratégias coletivas de capa
citação e organização política, de discussão nos locais de trabalho, de
articulação com outras categorias, entidades e com os movimentos
organizados da população usuária.
• O enfrentamento teórico do neoconservadorismo é um empreendimen
to que supõe a desmistificação dos seus pressupostos e dos seus mitos
irracionalistas que falseiam a história. A crítica dos valores é uma ta
refa específica da ética, em sua explicitação do significado do uso
ideológico dos valores. Nos últimos vinte anos a ética se tornou um
discurso abstrato: diferentes sujeitos falam em ética sem explicitar o
seu significado, a sua direção, o projeto que defendem. O Código de
Ética é utilizado como uma “senha”; o projeto ético‑político transfor
mou‑se num “mito”. Mas o Código de Ética tem uma concepção que
dá significado aos seus valores; eles são abstratos. Entretanto, quando
são separados de sua concepção tornam‑se abstrações que servem para
falsear a história.
• É também um desafio ético o incentivo à criação de núcleos de pesqui
sa e de estudos voltados para a capacitação em ética e direitos humanos,
demandas dos alunos e profissionais que precisam ser atendidas de
forma qualificada, para identificar análises irracionalistas, presentes no
ideário pós‑moderno, que negam a universalidade dos valores, a pers
pectiva de totalidade, a luta de classes, o trabalho, o marxismo, afir
mando um pluralismo apoiado no ecletismo e na relativização da ver
dade objetiva, passível de ser apreendida pela razão dialética. Outro
desafio é desenvolver a análise histórica dos direitos humanos, para
não repetirmos as visões abstratas que remetem aos postulados tradi
cionais do Serviço Social, reeditando a concepção de “pessoa humana”
com citações de Marx.
• Formas de capacitação que têm se desenvolvido através da utilização
de meios virtuais, têm contribuído para retirar do ensino a possibilida
de interativa exigida pelo conhecimento crítico. Cursos à distância,
salas de discussão virtual, leituras virtuais, entre outras, são algumas
das formas de reprodução do neoliberalismo contemporâneo: o indiví
duo isolado e passivo diante de uma máquina se comunicando com
imagens e ideias que substituem as relações humanas por relações
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entre objetos e imagens fetichizadas. Além disso, a utilização institu
cionalizada dos meios virtuais envolve inúmeras questões éticas, como
a divulgação de dados sigilosos, além de permitir a possibilidade de
plágio etc.
• As instituições de ensino, responsáveis pela transmissão do conheci
mento, tendem a se adequar à lógica do mercado, em empresas que
vendem mercadorias: a força de trabalho de professores, superexplo
rados e desapropriados dos meios de seu trabalho sem tempo para a
pesquisa, para o estudo e para a construção do conhecimento como
totalidade. O produto final dessa precarização em curso, nas instituições
mercantis, é o empobrecimento material e espiritual da juventude, que,
uma vez profissionalizada, tem poucos recursos para realizar seus
possíveis ideais, já fragilizados pelas condições objetivas da sociabili
dade burguesa.
• Só é possível fazer essas observações críticas e pretender enfrentá‑las
porque já dispomos — enquanto categoria profissional — de um acúmu
lo teórico e político que nos capacitou a apreender a realidade além de
sua aparência, em uma perspectiva de histórica e de totalidade, ou seja,
buscando perceber a relação entre os fenômenos em suas mais íntimas e
ocultas determinações. Ora, esse acúmulo foi obtido por meio de um
longo e árduo processo de trinta anos; um esforço teórico e político que
contou com o trabalho de assistentes sociais, mulheres e homens que aqui
estão nesse encontro e tantos outros que não estão presentes: um pro
cesso de luta política que foi travado a duras penas durante a ditadura
e depois dela por profissionais que fizeram a Virada em 1979, pelos que
assumiram a direção das entidades, pelos alunos e alunas que encam
param essa luta e a renovam cotidianamente.
• Se temos uma herança conservadora, temos também uma história de
ruptura: um patrimônio conquistado que é nosso, mas cujos valores,
cujas referências teóricas e cuja força para a luta não foram inventadas
por nós. Trata‑se de uma herança que pertence à humanidade e que nós
resgatamos dos movimentos revolucionários, das lutas democráticas,
do marxismo, do socialismo, e incorporamos ao nosso projeto.
• Os pilares que sustentam o nosso projeto ético‑político em sua dimen
são de ruptura — o marxismo, o ideário socialista da emancipação
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humana, o compromisso com as classes trabalhadoras e com a realiza
ção de um Serviço Social que atenda os seus reais interesses e neces
sidades, a busca de ruptura com o conservadorismo, em todas as suas
formas — constituem o nosso mais valioso patrimônio que, espero,
possamos cuidar dele com muito amor e coragem.
Recebido em mar./2011 n Aprovado em abr./2011
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Mundo do Trabalho. O artigo da autora Maria Lucia S. Barroco**
TÍTULO I
Dos Fundamentos do Estado
Artigo 1° - O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.
Artigo 2° - A lei estabelecerá procedimentos judiciários abreviados e de custos reduzidos para as ações cujo objeto principal seja a salvaguarda dos direitos e liberdades fundamentais.
Artigo 3° - O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que declararem insuficiência de recursos.
Artigo 4° - Nos procedimentos administrativos, qualquer que seja o objeto, observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, a igualdade entre os administrados e o devido processo legal, especialmente quanto à exigência da publicidade, do contraditório, da ampla defesa e do despacho ou decisão motivados. Segundo o Site Ofcial do Governo do Estado de São Paulo. No artigo da Constituição do Estado de São Paulo
Barbárie é a condição daquilo que é selvagem, cruel, desumano e grosseiro, ou seja, quem ou o que é tido como bárbaro. A barbárie pode ser interpretada como uma ação de extrema violência e agressividade, com o único objetivo de afetar diretamente a paz e a tranquilidade de determinado grupo.
A "direita conservadora" é uma vertente política que combina os princípios da direita política, que defende a ordem social, a rejeição a objetivos igualitários e uma estrutura hierárquica, com os do conservadorismo, que prioriza a preservação dos valores, instituições e tradições estabelecidas. Na prática, essa combinação resulta na defesa de ordens sociais tradicionais, valores morais e religiosos, e uma estrutura econômica com menor intervenção estatal.
Características da Direita Conservadora
Defesa da tradição e ordem social:
Os conservadores defendem a manutenção das estruturas sociais e instituições existentes, rejeitando mudanças radicais.
Há uma forte ligação com valores morais e religiosos, frequentemente em sintonia com a visão da maioria de uma sociedade, como a defesa da família tradicional.
A política de direita, em geral, opõe-se a objetivos igualitários da esquerda e defende uma menor interferência do Estado, considerando a desigualdade econômica como natural ou inevitável.
A atuação da direita conservadora muitas vezes se concentra na questão da segurança e na promoção de uma moralidade pública que reflete os valores tradicionais.
No Brasil, a direita conservadora ganhou força na última década, especialmente com o aumento da representação de parlamentares conservadores no Congresso.
A ascensão do pensamento conservador tem sido impulsionada por parte do segmento evangélico, que busca defender e inscrever seus valores morais na ordem legal do país.
Temas como a defesa da família, educação, moralidade e segurança são centrais nas pautas da direita conservadora no Brasil.
O termo "direita conservadora" é objeto de debates e às vezes usado de forma pejorativa por críticos, mas também por adeptos para identificar uma corrente política que defende princípios e preceitos específicos.
Amparado pela Direita Conservadora. O Estado de São Paulo. Naturaliza a Barbaríe.
Confira a noticia no Portal G1 da Rede Globo.. https://g1.globo.com/sp/sao-
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