O termo Centrão refere-se a um grupo de partidos políticos brasileiros, majoritariamente de centro e centro-direita, que não possui uma ideologia rígida, mas se articula no Congresso Nacional em torno de interesses pragmáticos, como a obtenção de cargos, emendas e verbas orçamentárias. Sua força reside no grande número de parlamentares que podem garantir a governabilidade de um presidente, aprovando ou rejeitando projetos.
Origem histórica
Constituinte de 1987-1988: O termo surgiu durante a Assembleia Nacional Constituinte. Na época, parlamentares que haviam apoiado a ditadura militar e estavam insatisfeitos com as propostas mais progressistas do grupo majoritário (o PMDB) se organizaram em um bloco para influenciar a redação final da Constituição.
"Centro" estratégico: A auto-intitulada posição de "centro" era uma forma de evitar o desgaste de se posicionar abertamente como direita, em um contexto de redemocratização.
Características e atuação
Apoio por conveniência: O Centrão negocia apoio com o Poder Executivo em troca de espaço na máquina pública. Sua aliança com o governo do momento não se baseia em alinhamento ideológico, mas na capacidade de influenciar a distribuição de recursos e cargos.
Articulação de blocos: O grupo se organiza em blocos partidários para aumentar seu poder de barganha, como ocorreu em 2014, quando o então deputado Eduardo Cunha (MDB) reativou o conceito ao formar um "Blocão" para disputar a presidência da Câmara.
Partidos que geralmente o compõem: Embora a composição possa variar, partidos como PP, PSD, PL, Republicanos e Solidariedade são frequentemente associados ao Centrão. O PSD, por exemplo, é frequentemente classificado como um partido "pega-tudo" e parte do Centrão.
Influência duradoura: O Centrão tem sido um ator recorrente e crucial na política brasileira, com sua presença se mantendo relevante ao longo de diferentes governos, como os de Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Papel na governabilidade
Poder de negociação: Para um presidente aprovar leis e manter a estabilidade no mandato, é necessário negociar com o Centrão, que detém um número significativo de votos no Congresso.
Risco e instabilidade: A negociação com o grupo pode envolver a concessão de privilégios e verbas, gerando críticas de fisiologismo e clientelismo. Além disso, a aliança pode ser instável, já que o Centrão pode retirar o apoio se seus interesses não forem atendidos.
Confitra O artigo da autor Rudson Pinheiro Soares1
A aliança explícita firmada em 2021 entre o governo Bolsonaro e o bloco
parlamentar de direita liderado por PL, PP e Republicanos teve como finalidade
imediata blindar o ex-capitão de mais de 100 pedidos de impeachment e outros
de aberturas de CPIs, mas deu grande protagonismo ao “Centrão”. Como o
governo Lula lidará com esse problema ao longo do mandato? “Não será fácil
governar sem correr o risco de vetos sistemáticos. A decantada habilidade de
Lula será posta à prova”, comentou Cláudio Couto, docente da FGV
Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados: "Centrão" no comando do parlamento
J. Batista/Câmara dos Deputados
A vitória de Arthur Lira (PP--AL) na disputa pela presi
dência da Câmara dos De
putados em fevereiro de 2021, com
apoio do Palácio do Planalto, ato
contínuo a nomeação da deputada
Flávia Arruda (PL-DF) para minis
tra-chefe da Secretaria de Governo
e, no início do segundo semestre, a
posse do senador Ciro Nogueira (PP--PI) como titular da Casa Civil, mar
caram a ascensão e consolidação do
“Centrão” na sala de comando do
governo de Jair Bolsonaro.
Eleito com o discurso de comba
ter a velha política, Bolsonaro não
demorou a fazer o contrário. Mais
do que buscar uma aliança com o
Centrão, algo ocorrido em outras
gestões, o presidente pôs o grupo
no coração de seu governo. Oito de
seus ministros filiaram-se a parti
dos do bloco e o próprio Bolsonaro
ingressou no Partido Liberal (PL),
controlado pelo ex-deputado Valde
mar da Costa Neto, eminência parda
do agrupamento.
“O Centrão apoiou sucessivos
governos: FHC, Lula, Dilma, Temer
e, agora, Bolsonaro. Mas hoje tem
mais poder do que jamais teve. Indi
ca ministros e comanda o orçamen
to. O Bolsonaro é completamente
dependente e servil ao Centrão”,
explicou à Revista Adusp, em maio
de 2022, o experiente Arlindo Chi
naglia (PT-SP), ex-presidente da Câ
mara dos Deputados (2007/2009) e
em sua sétima legislatura consecu
tiva na casa.
A maioria dos parlamentares
do grupo, no entanto, já apoiava
a agenda governista. A modalida
de Emendas do Relator, também
conhecida como “Orçamento Se
creto” — instrumento pelo qual
o relator do orçamento direcio
na, sem transparência, emendas a
partir de acordos informais com
parlamentares — não foi vetada
por Bolsonaro, já constando
desde 2020 na Lei de Diretrizes
Orçamentárias (LDO) e tendo
importante papel no controle dos
votos do Centrão.
Às vésperas e no dia da
votação da PEC dos Precatórios,
por exemplo, que ocorreu em 3
de novembro de 2021, o governo
liberou R$ 961,7 milhões em emen
das do Orçamento Secreto acorda
das com parlamentares do Centrão.
A PEC, defendida por Bolsonaro, foi
aprovada com 312 votos, quatro a
mais que o necessário. Nas eleições
de 2022, as verbas distribuídas por
meio do Orçamento Secreto pavi
mentariam o crescimento da candi
datura de Bolsonaro, especialmente
no segundo turno.
Mas se já havia uma “simpatia”
do bloco pela agenda governista,
por que houve a ascensão do gru
po ao núcleo central do governo?
A aliança formal que deu protago
nismo ao bloco informal ocorreu
em momento de baixa popularida
de do presidente da República, ou
seja para blindá-lo dos mais de 100
pedidos de impeachment e dos de
aberturas de comissões parlamen
tares de inquérito (CPIs), frutos de
denúncias de corrupção e do desas
troso enfrentamento à pandemia de
Covid-19.
“O Centrão engoliu o Bolsonaro.
Isso se deu não só por causa dos
escândalos e do [movimento] ‘Fora
Bolsonaro’, mas também por uma
absoluta incapacidade política e
administrativa do governo — é um
time absolutamente incompeten
te. Então, em um dado momento o
Bolsonaro quis e precisou compor
formalmente com o Centrão”, ana
lisa Chinaglia. Quem pode abrir um
processo de impeachment do pri
meiro mandatário é o presidente
da Câmara dos Deputados, e Arthur
Lira bloqueou todos os pedidos. Se
riam necessários ainda 342 votos a
favor do afastamento, de um total
de 513 deputados. Ou seja: o grupo
funciona como ferrolho contra a
queda do presidente.
“Bolsonaro se protegeu do impe
achment e também da autorização
da Câmara para que investigações
pudessem torná-lo réu. Temer agiu
assim, no caso JBS”, compara o cien
tista político Cláudio Couto, pro
fessor da Fundação Getúlio Vargas
(FGV). “O Temer passou por uma
absoluta dependência do Centrão,
com grande quantidade de depu
tados-ministros em seu governo”,
lembra Chinaglia.
As três principais legendas do
Centrão, PL, PP e Republicanos,
controlaram juntas, com os minis
térios que exerciam, cerca de R$
150 bilhões do orçamento de 2022.
Comandaram estatais e autarquias,
como o Fundo Nacional de Desen
volvimento da Educação (FNDE), li
gado ao MEC e que tem orçamento
de R$ 54 bilhões. Um traço impor
tante do bloco é a alta capilaridade
partidária. Além dos três partidos
do “núcleo duro”, o Centrão mar
ca presença no PTB, PSC, Patriotas,
Progressistas, PSC, Avante e até em
siglas que, oficialmente, estão na
oposição, como SDD, MDB, União
Brasil, PSDB e PSD.
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72 Revista Adusp dezembro 2022
O “Centrão” surge em
1987, quando a direita
se articula no Congresso
para combater avanços
políticos e sociais no texto
da nova Constituição. Mas
a sua atual configuração
tem origem em 2015,
quando Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), representante
do baixo clero, elege-se
presidente da Câmara dos
Deputados
O termo “Centrão” surgiu em 1987
para designar um grupo de parlamen
tares conservadores e fisiológicos que
se opunham a mudanças mais estrutu
rais defendidas por forças progressistas,
nas discussões e votações da nova Cons
tituição Federal, aprovada em 1988.
Abastecidos por benesses do governo
Sarney, conseguiram impedir avanços
civilizatórios importantes, como a de
mocratização dos meios de comunica
ção. “Sua finalidade era bloquear ini
ciativas percebidas como progressistas.
E o Centrão foi muito bem-sucedido
nisso. Como se tratava de um Congres
so Constituinte [ao contrário do que
muita gente pensa, não houve uma as
sembleia nacional constituinte], esse
grupo também atuou como base de sus
tentação do governo Sarney. Tornou--se célebre a frase do principal líder do
Centrão à época, o deputado Roberto
Cardoso Alves (PTB-SP): ‘É dando que se
recebe’”, recorda Couto.
O perfil médio dos integrantes da
base do Centrão é de um político do
chamado “baixo clero”, parlamen
quando ocorrerem divergências entre
ministérios sobre atos normativos. “O
Centrão sempre teve poder em todos
os governos, mas no governo Bolsona
ro se tornou extremamente poderoso,
tanto no Palácio do Planalto quanto no
Congresso”, pontua a jovem deputada
federal Talíria Petrone (PSOL-RJ).
tar pouco importante e mais atento
a questões que garantam sua sobre
vivência política (e até financeira) do
que interessado nos grandes temas
nacionais. Daí o habitat natural do blo
co ser a Câmara dos Deputados e não o
Senado Federal, uma vez que, normal
mente, senadores costumam ter maior
prestígio e visibilidade política. O pró
prio Ciro Nogueira, hoje senador li
cenciado, iniciou sua liderança quanto
atuava no “baixo clero”: foi deputado
federal de 1995 a 2010, quando se ele
geu para o Senado pela primeira vez.
O grupo ocupa historicamente
cerca de 200 cadeiras na Câmara, o
que faz com que qualquer governo
precise negociar com estes parlamen
tares, se quiser aprovar pautas na ca
sa. É um bloco sem o menor interesse
em ser oposição, seja a qual governo
for. Apoiou todos os presidentes des
de a redemocratização do país.
A atual configuração do Centrão
tem origem em 2015, momento em
que a expressão voltou à tona, quan
do o então deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), legitimo representante do
“baixo clero”, venceu a eleição para a
Presidência da Câmara. Cunha arregi
mentou uma base de apoio denomi
nada “Blocão”, passando em seguida a
ser chamada de Centrão e que teve pa
pel central no golpe parlamentar, mi
diático e judicial que derrubou a presi
denta Dilma Rousseff (PT) em 2016.
No governo Bolsonaro, porém, as
sumiu um protagonismo nunca visto.
No início de 2022, decreto presidencial
deu poderes a Ciro Nogueira para de
cidir sobre o Orçamento da União. Tal
autoridade era exclusiva de Paulo Gue
des, da Economia. Em fevereiro, outro
decreto de Bolsonaro deu ao minis
tro-chefe da Casa Civil a palavra final
“Noutros governos os ‘partidos
de adesão’, como prefiro denominar
o Centrão, apoiavam agendas subs
tantivas que o Executivo propunha.
O governo Bolsonaro não tem pro
priamente uma agenda de políticas
públicas e se ocupa mais em destruir
as longamente construídas. Com isso,
quem define a agenda é o próprio
Congresso. Ou seja: antes o Centrão
servia aos governos, ainda que re
compensado por isso; agora o Centrão
se serve do governo, sendo seu com
promisso basicamente o de proteger
politicamente o presidente”, refle
te Cláudio Couto, que falou à Revista
Adusp antes da eleição de 2022.
“O Centrão é mais
complexo do que parece.
Acabei centralizando as
articulações para derrotar
o voto impresso. E, nesta
condição, conversei com
líderes do Centrão. Eles
não tinham dúvida de
que Bolsonaro estava
procurando confusão, e
o Centrão não embarca
nisso”, avalia Arlindo
Chinaglia (PT-SP),
ex-presidente da Câmara
dos Deputados
Revista Adusp dezembro 2022 73
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Por causa desta dependência do
“baixo clero”, que remete ainda a
outras questões, como a estrutura
partidária e eleitoral brasileira, o
cientista político Sérgio Abranches
cunhou o termo “presidencialismo
de coalizão” para se referir ao siste
ma político de nosso país. Não por
acaso, Arthur Lira, em junho de 2021,
publicou na Folha de S. Paulo o artigo
intitulado “O Centrão é uma força
moderadora”, no qual alega que o
bloco tem papel fundamental na go
vernabilidade e no funcionamento
da máquina pública.
Há sentido no raciocínio. Apesar
de governista, o Centrão não endos
sou arroubos golpistas de Bolsonaro,
como no caso da votação que tentou
aprovar a impressão do voto eletrô
nico. Não querem qualquer ameaça a
um sistema no qual sabem jogar o jo
go, visto que as possibilidades de um
novo terreno político lhes são desco
nhecidas. “Os partidos de adesão não
têm compromisso necessário com o
que só interessa ao presidente [Bol
sonaro]. Estão preocupados com suas
próprias reeleições, logo, não têm
por que criar problemas num âmbito
em que as coisas estão funcionando”,
frisa Couto. “Os membros do Centrão
não gostariam de se indispor com o
TSE e tribunais superiores, apenas
por causa do presidente”, observa
Talíria Petrone.
“O Centrão é mais complexo do
que parece. Por circunstância, acabei
centralizando as articulações para der
rotar o voto impresso. E, nesta condi
ção, conversei com líderes do Centrão.
Eles não tinham nenhuma dúvida de
que o Bolsonaro estava procurando
confusão e o Centrão não embarca nis
so. Não é deslealdade, é posicionamen
to. As benesses do governo não levam
o Centrão a abrir mão, totalmente, do
que defende. O pessoal vai até o limite,
mas não pula na cova junto com o Bol
sonaro, não”, avalia Chinaglia.
O perfil fisiológico do Centrão
não faz do bloco um grupo “sem ide
ologia”, como muitos pensam. São
políticos conservadores. Se bem re
compensados, apoiam governos de
esquerda, mas desde que as pautas
postas em votação pelo executivo
não apontem para mudanças estru
turais de cunho progressista. Não
vão ajudar a democratizar estruturas
que possam lhes tirar privilégios de
classe. “O Centrão tem uma agenda
econômica liberal que os faz ter al
guma identidade ideológica”, afirma
a parlamentar do PSOL.
“A própria origem do grupo, co
mo uma reação conservadora na
Constituinte, mostra que há um limi
te. Trata-se de uma direita tremen
damente pragmática e, portanto, fle
xível, mas ainda assim, uma direita.
Tem o nome de Centrão porque à
época pegava mal se autodenominar
de direita”, explica Couto.
Como se dará a relação entre Luis
Inácio Lula da Silva, a partir de sua
posse em 1º de janeiro de 2023, e o
Centrão? “Um presidente que procu
re liderar sua base parlamentar ten
de a equilibrar mais o jogo ou, quem
sabe, entrar num conflito. Lula terá
dificuldades bem maiores do que te
ve em seu primeiro mandato na rela
ção com o Congresso, por causa des
se empoderamento dos partidos de
adesão”, pensava o professor da FGV,
examinando o que, àquela altura,
ainda era apenas uma hipótese. “Não
será fácil governar sem incorrer em
altos custos políticos e sem correr
o risco de sofrer vetos sistemáticos.
Toda a decantada habilidade de Lula
será posta à prova”, concluiu. O artigo da autor Rudson Pinheiro Soares1
O Centrão foi vitorioso nas eleições municipais de 2024. A consolidação dos partidos de centro e centro-direita garantiu o controle de uma parcela significativa das prefeituras brasileiras, resultando no fortalecimento de seu poder político e de barganha.
E assim caminha a humanidade.
Imagem ; Site Gazeta do Povo.
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