A violência política refere-se a qualquer tipo de violência, seja física ou psicológica, praticada para alcançar objetivos políticos ou para influenciar, coagir ou reprimir a participação política de indivíduos ou grupos. Pode ser utilizada por governos, grupos não estatais e até mesmo por indivíduos, com motivações que variam desde a tentativa de mudar ou resistir a uma mudança no sistema político, até a intimidação de oponentes.
Formas de violência política
A violência política pode se manifestar de diversas maneiras, incluindo:
Violência estatal: Usada por um governo contra a população ou outros Estados, podendo incluir guerra, violência policial, desaparecimentos forçados e genocídio.
Violência não estatal: Praticada por grupos contra o Estado ou civis, como em rebeliões, terrorismo, motins e assassinatos.
Assédio e intimidação: Ameaças, campanhas de ódio e perseguição para silenciar adversários, influenciar resultados de eleições ou deslegitimar a atuação política.
Violência política de gênero: Assédio, constrangimento e ameaças contra candidatas ou detentoras de mandato eletivo, com o objetivo de impedi-las de exercer seus direitos políticos.
Violência eleitoral: Práticas como coerção de voto ou agressões durante o período de eleições, para intimidar eleitores e candidatos.
Cenário no Brasil
No Brasil, a violência política tem se manifestado de forma preocupante nos últimos anos, especialmente em contextos eleitorais.
Dados de 2024: Estudos da Justiça Global apontaram que a violência política e eleitoral atingiu um nível recorde em 2024, especialmente em disputas municipais. No primeiro semestre, foram registrados 187 episódios, com um aumento de 130% em comparação com as eleições municipais anteriores.
Aumento da violência contra mulheres: Pesquisas indicaram um aumento da violência política contra as mulheres entre 2020 e 2024, com diversas formas de assédio e intimidação.
Formas de agressão: Os atos de violência incluem agressões, ofensas, criminalização de opositores, invasões e assassinatos.
A violência política representa uma séria ameaça à democracia.
Afastamento da política: A intimidação e o medo podem afastar cidadãos e cidadãs da esfera pública e da participação política.
Insegurança e medo: Uma pesquisa de 2022 do Datafolha mostrou que 67% da população brasileira tinha medo de ser vítima de violência política.
Silenciamento: As campanhas de intimidação buscam silenciar vozes dissidentes e minar o debate político
Órgãos como a Justiça Eleitoral e o Ministério Público oferecem canais de denúncia para casos de violência política, especialmente de gênero, com materiais de apoio e cartilhas informativas.
Confira abaixo o artigo da autora Angela Moreira Domingues da Silva na Revista Mosaico.
Revista Mosaico - Dossiê “Violência política”
História do Brasil e violência política
Angela Moreira Domingues da Silva1
Compreender a história republicana brasileira passa por falar sobre violência política. Os
conflitos que dominaram a Primeira República, aqueles consequentes do processo
revolucionário de 1930 e do golpe do Estado Novo, as disputas políticas que dominaram o
cenário da década de 1950, alcançando a de 1960 e resultando no golpe de 1964, a
institucionalização de um Estado ditatorial militar que só seria, parcialmente, desmontado na
década de 1980, a fragilidade das instituições políticas, a violência praticada diuturnamente
pela corporação policial, entre outras, são demonstrações (aqui, apressadamente relacionadas)
de disputas políticas eivadas de violações, físicas ou simbólicas, de direitos, corpos e
subjetividades.
Há uma pluralidade de assuntos e de interseções temáticas oriundas da ideia de exercício da
violência expresso em uma sociedade. O racismo estrutural, as violências de gênero, as
consequências cotidianas e de longa duração da desigualdade social e econômica são exemplos
de violências que marcam a sociedade brasileira, ao longo dos séculos. Em um país complexo
como o nosso, a questão da violência, somada ao epíteto “política”, nos direciona a inúmeras
perspectivas de análise. Diante da impossibilidade de esgotar tal matéria, apresentarei reflexões
bastante sucintas acerca da violência política como expressão direta do período autoritário
militar (1964-1985), lembrando que não foram poucos os retratos da violência política ao longo
dos 130 anos de experiência republicana no país, inclusive em períodos democráticos. O
assassinato da vereadora do PSOL, Marielle Franco, em 14 de março de 2018, não nos permite
esquecer.
Vale ressaltar, também, que o Brasil da primeira metade do século XX assistiu à edificação da
ditadura do Estado Novo (1937-1945) como uma experiência autoritária que cerceou a
participação política parlamentar, voltando-se politicamente, sobretudo, contra partidários da
1Professora adjunta da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV CPDOC). Doutora em
História Política pelo PPHPBC/FGV, mestre em História Social pelo PPGHIS/UFRJ e graduada em História pela
UFBA.
1
esquerda. O regime autoritário encabeçado por Getulio Vargas organizou aparato institucional
persecutório policial e judicial, por meio do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS)
e do Tribunal de Segurança Nacional, respectivamente, que atingiu comunistas, anarquistas,
integralistas, literatos, artistas, comerciantes, imigrantes, entre outras categorias de
perseguidos. A leitura dos registros de Graciliano Ramos, em suas Memórias do cárcere, nos
insere na realidade de um país então marcado pelo semblante do fenômeno autoritário, nas
décadas de 1930 e 1940. Fosse nas repartições públicas, mas também nas relações cotidianas
invejosas ou vingativas, na ação policial, na performance judicial, atrás dos muros e dentro das
celas das prisões.2
Estudar os aspectos que caracterizam a violência em sua face política, no Brasil, nos exigiria
compreender em que bases se mantêm vivos os elementos que a moldam, quando fora de uma
institucionalidade ditatorial. Um bom exercício nesse sentido, seria olhar para o cotidiano e
para os conflitos políticos da década de 1950,3 a fim de compreender se é possível traçar uma
linha, ainda que tênue, de continuidade entre o pensamento autoritário gestado nas décadas de
1930 e 1940 e aquele que se configuraria, de modo mais delineado, a partir da década de 1960.4
Após o golpe de 1964, o processo de institucionalização do regime ditatorial,5 que só findou
na década de 1980, passou pela reorganização partidária, pelo cerceamento do direito político
ao voto direto, pela censura à imprensa e às artes, entre outros elementos que caracterizam o
fechamento de um regime político. A tais supressões, somou-se a organização de um complexo
sistema de perseguição política, em escala policial, judicial e penitenciária, que resultou em
prisões ilegais, torturas, mortes, desaparecimentos, condenações à morte, entre outras formas
de violência contra sujeitos, corpos e ideias. Inúmeros são os trabalhos que dão conta da
arquitetura de cerceamento à direitos durante o período ditatorial militar, com o intuito de
229ª ed., São Paulo: Record, 1994.
3A “cultura da morte natural” de bandidos gestada na década de 1950, retrata a normalização de um tipo de
violência cotidiana, em contraponto aos “anos dourados” que caracterizam as imagens mais panorâmica acerca
do Brasil de então. Sobre o assunto, ver entrevista concedida pelo historiador Marcos Bretas para a Aedos – Revista
do Corpo Discente do PPG História UFRGS (Porto Alegre, v. 9, n. 20, p.622-637, Ago. 2017). Disponível em:
https://seer.ufrgs.br/aedos/article/viewFile/75966/43491.
4Boris Fausto, em seu O pensamento nacionalista autoritário (1920-1940) (Rio de Janeiro: Zahar, 2001), nos dá
boas pistas para pensar a questão.
5Recomendo o trabalho de Maria Helena Moreira Alves (Estado e oposição no Brasil - 1964-84. Petrópolis:
Vozes, 1985), cientista política que nos auxiliou a compreender a organização do Estado brasileiro pós-64.
2
registrar e analisar o processo de repressão que atingiu camponeses, indígenas, sindicalistas,
parlamentares, estudantes, religiosos, homossexuais, mulheres, entre outros.6
Importante registrar que governos autoritários, por meio de suas instituições, exercem
perseguições políticas contra grupos ideologicamente considerados de oposição, mas a
repressão pode vir acompanhada de traços de intolerância moral, religiosa, racial, de gênero,
artística, produzindo interseções necessárias de serem consideradas no escopo do que se
entende como violência política.7
Não são muitos os estudos que tratam da violência política em perspectiva judicial, no Brasil,
tema necessário de maiores investimentos analíticos. A atuação de instituições judiciais
brasileiras é peça importante para compreender o processo político persecutório característico
de períodos marcadamente autoritários da nossa história. Trabalhos como os de Reinaldo
Campos, a obra Brasil: nunca mais, as reflexões de Anthony Pereira, Renato Lemos, Maria
Celina D’Araujo, entre outros, lançam luz sobre a atuação de tribunais criados ou reformulados
para o exercício da punição às formas de oposição política.8
Os tribunais militares da Primeira República, o Tribunal Revolucionário criado na primeira
hora da Revolução de 1930, o Tribunal de Segurança Nacional e a Justiça Militar são exemplos
de instituições judiciais utilizadas para processar e julgar pessoas acusadas de se posicionarem
ou atuarem politicamente de forma contrária ao status quo. Vale lembrar que a violência
política judicial, expressa em forma de sentença ou de aquiescência às violações cometidas por
6
Ver, por exemplo, Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (disponível em:
http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/); ALVES, Márcio Moreira. Torturas e torturados. Rio de Janeiro: Idade
Nova, 1966; FICO, Carlos. Como eles agiam. Os subterrâneos da ditadura militar: espionagem e polícia política.
Rio de Janeiro: Record, 2001.JOFFILY, Mariana. No centro da engrenagem: os interrogatórios na Operação
Bandeirantes e no DOI de São Paulo (1969-1975). Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em História
Social, USP, São Paulo, 2008.
7Há relevantes trabalhos que se debruçam sobre o tema: o Relatório final da Comissão Estadual da Verdade do
Rio de Janeiro, por exemplo, traz alguns capítulos que tratam das questões racial e de gênero como vetores de
perseguição
política
(Relatório
final
disponível
em:
http://www.memoriasreveladas.gov.br/administrator/components/com_simplefilemanager/uploads/Rio/CEV
Rio-Relatorio-Final.pdf). No mesmo sentido, a obra organizada por Marly Vianna, Érica Silva e Leandro
Gonçalves, sobre perseguição política durante o Estado Novo aborda a repressão a grupos de imigrantes, a
prostitutas, entre outros, que fogem das leituras tradicionais sobre a violência política contra comunistas, por
exemplo. Para maiores informações, ver VIANNA, Marly de A. G.; SILVA, Érica S.; GONÇALVES, Leandro P.
(Orgs.). Presos políticos e perseguidos estrangeiros na Era Vargas. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2014.
8CAMPOS, Reynaldo Pompeu de. Repressão judicial no Estado Novo: esquerda e direita no banco dos réus. Rio
de Janeiro: Achiamé, 1982; ARQUIDIOCESE de São Paulo. Brasil: Nunca Mais. 2ª ed., Petrópolis: Vozes, 1985;
PEREIRA, Anthony. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e na
Argentina. São Paulo: Paz e Terra, 2010; LEMOS, Renato. Justiça fardada: o general Peri Bevilacqua no
Superior Tribunal Militar (1965-1969). Rio de Janeiro: Bom Texto, 2004; D’ARAUJO, Maria Celina. Militares,
democracia e desenvolvimento: Brasil e América do Sul. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
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instâncias anteriores à judicial, são, em geral, legitimadas por meio de um aparato legislativo
que busca “autenticar”, dentro da lei, o cometimento de violências políticas. Talvez, o elemento
que melhor caracteriza esse aspecto são as leis de segurança nacional, que expressaram, ao
longo da República, o que era considerado crime contra o Estado, a ordem política e social.9
Atentar para o processo de transição de um período autoritário para um regime democrático
nos permite conhecer até que ponto determinada sociedade consegue depurar as violações de
direitos cometidas em seu passado. Nesse sentido, entender “o que resta das ditaduras e das
transições”,10 identificando, em especial, os elementos de continuidade que expressam o
exercício da violência, é apenas uma das tantas chaves possíveis para captar o porquê de sermos
uma sociedade ainda marcada pelo signo da desigualdade.
O presente número da Mosaico conta com oito contribuições que, a partir de perspectivas
diversas, tocam na questão da violência política e sua influência na nossa realidade e de outros
países.
Em “O Estado que mata e comemora: estigma e violência como atuação política”, Milene
Gomes Mostaro e Filipe Fernandes Ribeiro Mostaro, os autores analisam a narrativa impressa
no jornal O Globo sobre os fatos do chamado “sequestro na ponte” (de 20 de agosto de 2019,
no Rio de Janeiro), com enfoque na atuação do governador Wilson Witzel, considerada a partir
da noção de uma performance política.
No artigo “Política de morte: a mira certeira sem comoção”, Lídia Michelle Damaceno
Azevedo trata da política de morte praticada pelo Estado em relação à população negra,
desenvolvendo sua análise a partir dos seguintes eixos: a prática de execução
institucionalizada; os aspectos conceituais da “Razão Negra” e da “Necropolítica”, trabalhados
por Achille Mbembe; e o crescimento do racismo de Estado combinados com a mídia e o
mercado. Além disso, busca refletir sobre a ausência de mobilização social pelo fim do
extermínio da população negra.
Leandro Martan Bezerra Santos busca demonstrar o impacto da violência política estatal no
campo das artes, a partir do artigo “Belchior e o regime militar brasileiro: autoritarismo estatal
9Ver o decreto 85-A, de 1889, conhecido como decreto-rolha, as Leis de Segurança Nacional de 1935, 1938,
1953, 1967, 1969, 1978 e de 1983, estando esta última vigente até os dias atuais.
10 TELES, Edson; SAFATLE, Vladimir (Orgs.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo:
Boitempo, 2010; PINHEIRO, Milton (Org.) Ditadura: o que resta da transição. São Paulo: Boitempo, 2014.
4
e a migração inter-regional em suas letras”, em que o autor desenvolve um estudo qualitativo
das letras escritas pelo compositor, buscando trazer à tona, também, sua visão crítica sobre a
ditadura militar.
“De folheto litúrgico a ocupação cultural - práticas de resistência contra autoritarismos”, de
Matheus Sampaio e Diana Iliescu, promove um diálogo de resistência entre dois contextos
históricos distintos a partir da análise de duas diferentes práticas, parte de uma reação a
períodos politicamente turbulentos: o folheto litúrgico “A Folha”, criado durante a ditadura
militar pela Diocese de Nova Iguaçu, e o movimento do “Ocupa-Minc” no Rio de Janeiro,
convocado como reação à extinção do Ministério da Cultura pelo governo de Michel Temer.
Estruturado em quatro atos, “Matéria negra na rampa despojada: notas sobre um caso de
violência racial”, de Nicolau Gayão, investiga um episódio de truculência policial enquanto
um momento de atuação e reprodução do aparato racial/colonial, em que dois garotos negros,
desarmados, são confrontados por quatro policiais ao subirem uma rampa de acesso ao metrô.
Fechando os artigos do dossiê da presente edição, “A violência como mito fundador de
Moçambique”, de Arcênio Francisco Cuco e Pascoal Muibo, discorre sobre a história
contemporânea de Moçambique analisando sua relação com a violência enquanto denominador
comum no país. Assim, os autores propõem uma nova ideia de democracia, visando à
restauração de uma paz possível através do fortalecimento das instituições e do reconhecimento
das mesmas pelos dois principais partidos políticos que atualmente estabelecem uma dinâmica
constante de conflito.
A edição também conta com duas notas de pesquisa que abordam a “violência política” como
uma questão central a ser trabalhada. Em “A revolta de Pinto Madeira no Ceará: considerações
sobre a formação do Estado”, Danielly de Jesus Teles discute a possibilidade de se pensar este
episódio específico de revolta (1831-1832) em associação as características da própria
formação do Estado brasileiro, entendendo a construção de um novo arranjo político pós
independência como um processo não linear. Já a nota “Vida e morte colaterais: notas sobre a
militarização e guerra ao crime no Rio de Janeiro”, Rômulo Predes desenvolve uma reflexão
crítica acerca das estratégias políticas para a segurança pública, utilizando-se do conceito de
“hipermilitarização do cotidiano” e de uma análise histórica da atuação estatal no combate ao
crime organizado.
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Ressaltei, de modo bastante breve e na superfície, algumas das recorrentes formas de violência
política praticadas, sobretudo, por parte de governos e agentes do Estado, ao longo do período
republicano brasileiro. Contudo, há que se ater às inúmeras formas de resistência às violações
de direitos. Estas sim, inspiradoras. O artigo da autora Angela Moreira Domingues da Silva na Revista Mosaico.
Confira a noticia no UOL . https://noticias.uol.com.br/
E assim caminha a humanidade.
Imagem ; Site Oficial do Tribunal Regional do Paraná
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