O negacionismo climático é a atitude tendenciosa de recusar, ignorar ou minimizar a existência das mudanças climáticas e, principalmente, a sua relação com as atividades humanas, apesar do consenso científico esmagador sobre o assunto.
Esta atitude não se baseia em evidências científicas, mas sim na disseminação de dúvidas e desinformação, muitas vezes com o apoio de pseudociência ou dados isolados e distorcidos, para evitar a implementação de políticas públicas e ações de mitigação.
Tipos e Estratégias
O negacionismo climático pode se manifestar de diversas formas:
Negação Clássica: Nega diretamente a ocorrência do aquecimento global ou das mudanças climáticas.
Negação da Causa Humana: Aceita que o clima está mudando, mas nega que a causa principal seja a ação humana, como a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento, atribuindo a culpa a fatores naturais, como o Sol.
Atraso Climático (Pós-negacionismo): Esta é uma estratégia mais recente que não nega a crise, mas questiona a urgência ou a viabilidade das soluções propostas, atrasando a ação efetiva.
Minimização: Argumenta que as consequências não serão tão graves ou que as ações individuais não terão impacto significativo.
O negacionismo climático representa um grande desafio para a sociedade e a política internacional:
Inação: Leva à paralisia na tomada de decisões e na implementação de medidas necessárias de adaptação e mitigação climática.
Dificuldade Política: Dificulta a criação de consensos políticos para ações coordenadas em níveis nacional e internacional.
Desinformação: Semeia a dúvida na população, tornando mais difícil o apoio público a políticas climáticas robustas.
Em contraste com o ceticismo científico, que é uma parte saudável do método científico e busca a validação de hipóteses, o negacionismo ignora o consenso de 99,9% dos cientistas do clima e baseia-se em argumentos frágeis ou inexistentes para refutar verdades estabelecidas.
Confira o artigo dos autores Bruno Alysson Soares Rodrigues , Antônio Marcondes dos Santos Pereira e Maria Aires de Lima
ISSN 2595-3109, volume 22, número 01, jan/dez 2022.
A IDEOLOGIA NEGACIONISTA E SEUS IMPACTOS NA CRISE DO
CLIMA: UM INSUSTENTÁVEL DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
EM MEIO A UMA CRISE PANDÊMICA
The Denialism Ideology And Its Impact On The Climate Crisis: An Unsustainable Sustainable
Development Inside Of A Pandemic Crisis
Bruno Alysson Soares Rodrigues 1
https://orcid.org/0000-0003-1798-8177
Antonio Marcondes dos Santos Pereira 2
https://orcid.org/0000-0002-0890-9011
Maria Aires de Lima 3
https://orcid.org/0000-0003-4463-1691
1 Doutorando em educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará
(PPGE/UECE). E-mail: bruno.alysson@aluno.uece.br.
2 Professor da Universidade Estadual do Ceará. E-mail: antonio.marcondes@uece.br
3 Doutoranda em educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará
(PPGE/UECE). E-mail: maria.aires@aluno.uece.br.
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RESUMO
Este artigo busca analisar a consequência social da ideologia negacionista e a difusão das sedutoras
ideias que tentam conciliar a predatória expansão do desenvolvimento do capital e a preservação da
natureza. Neste sentido, argumentamos que a produção destrutiva é uma categoria imanente ao
capital e que ela exige, em economias dependentes como o Brasil, a flexibilização das legislações
ambientais no intuito de ajustar a estrutura econômica do país à nefasta expansão do capital. Ainda,
demonstramos que a expansão do negacionismo ocorre a partir do complexo social da educação em
sentido amplo, convertendo-se em ideologia e adentrando diversas áreas da ciência. Por fim,
analisamos as consequências sociais do negacionismo climático no Brasil, demonstrando como as
legislações atuais não apenas se modificam, mas se ajustam aos desígnios da necessidade de
acumulação primitiva de capital.
Palavras-chave: Crise climática. Trabalho. Ideologia. Negacionismo. Crise estrutural.
ABSTRACT
This paper aims to analyze the social consequences of denialism ideology and the spread of
seductive ideas that try to reconcile the predatory capitalism development expansion and the nature
preservation. In this sense, we argue that destructive production is one of capitalism main category
and that it requires, in dependent economies such as Brazil, the flexibility of environmental
legislation in order to adjust the country's economic structure to the capitalism disastrous expansion.
Furthermore, we demonstrate that the denialism expansion occurs by the social complex of
education in a broad sense, becoming an ideology and entering in different areas of science. Finally,
we analyze the climate crisis denialism social consequences in Brazil, demonstrating how current
legislation not only changes, but adjusts to the designs of need for primitive capital accumulation.
Keywords: Climate crisis. Work. Ideology. Denialism. Structural crisis.
Introdução
Nas últimas décadas, o debate sobre os impactos das ações humanas no planeta tem tomado
a atenção de intelectuais, governos e até mesmo de camadas da sociedade que apenas conheciam o
assunto de forma muito indireta (PIRES e SILVA, 2017). A imprensa, as redes sociais e demais
meios de comunicação têm divulgado relatórios, estudos e pesquisas que demonstram o aumento
dos níveis de aquecimento global4, a irracional taxa de consumismo5, obsolescência programada e o
4 Ver o Painel Intergovarnamental sobre Mudanças Climáticas, IPCC, Aquecimento global de 1,5°: Relatório especial
do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sobre os impactos do aquecimento global de 1,5°C
acima dos níveis pré-industriais e respectivas trajetórias de emissão de gases de efeito estufa, no contexto do
fortalecimento da resposta global à ameaça da mudança do clima, do desenvolvimento sustentável e dos esforços para
erradicar a pobreza. Versão em português do Brasil disponível em
https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/sites/2/2019/09/SR15_SPM_Portuguese.pdf. Acesso em 13/jun/2021. Os
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consumo perdulário do mundo presente que, aliado ao fator do desenvolvimento econômico
desigual e combinado (LÖWY, 1998), já esboça claros sinais de esgotamento dos recursos naturais
deste planeta.
É neste sentido que a preocupação com o meio ambiente tem ganhado um lugar cada vez
maior na ordem do dia a partir de lemas bastantes sedutores e que provavelmente já são conhecidos
pelo grande público, a saber, o desenvolvimento sustentável, a economia verde e a solidária, que
têm sido usados para se referir ao esforço da burguesia e de camadas da pequeno-burguesia em
tentar compatibilizar o crescimento econômico capitalista com a preservação dos recursos naturais,
buscando mostrar meios alternativos de se manter o capitalismo sem que se torne violenta e
predatória a busca pela acumulação de capital.
Aqui cabe um importante lembrete: para a burguesia não há melhor alternativa possível para
existir neste planeta que não seja o atual modo de produção, neste sentido, se as ideias dominantes
são as ideias da classe dominante, a burguesia necessita reunir um conjunto de ideias, valores e
pressupostos teóricos capazes de dar conta da tarefa de manter a ordem, o desenvolvimento
econômico, a lei geral de acumulação capitalista e, principalmente, demonstrar que o capitalismo é
a única, melhor e mais desenvolvida forma de se realizar o saudável metabolismo orgânico entre o
homem e a natureza. Para justificar tais ideias, a classe que detém a propriedade privada dos meios
de produção e que, portanto, suas ideias são as ideias dominantes, precisa difundir ideologicamente
este conjunto de valores necessários para a manutenção do capitalismo, precisa que suas ideias
sejam fluidas e sucintas o suficiente para que possam se espalhar por entre os complexos sociais que
compõem a totalidade social (LUKÁCS, 2013).
É nessa perspectiva que o complexo social da educação, em seu sentido amplo, conforme
explica Lukács (2013), cumpre um importante papel na difusão das ideias que conservam a
concepção de mundo e mantém o atual estado de coisas por meio de verbetes, teses ou categorias
que se propõem transformadoras, mas que, na verdade, conduzem a classe trabalhadora para
sorrateiras armadilhas que turvam ainda mais a visualização de um horizonte verdadeiramente
relatórios parciais e atualizados podem ser encontrados no sítio da organização e está disponível no seguinte endereço
eletrônico: https://www.ipcc.ch/about/preparingreports.
5 Ver o relatório da ONG GFN intitulado Ecobytes: What can data tell us about the world’s natural resource producers
and consumers? Fonte: GLOBAL FOOTPINRT NETWORK. Disponível em:
https://www.footprintnetwork.org/2021/05/20/ecobytes-what-can-data-tell-us-about-natural-resource-producers-and
consumers. Acesso em 13/jun/2021.
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transformador e radical, um horizonte em que uma outra alternativa de produzir a existência seja
possível.
Para tornar a situação ainda mais problemática, o período de decadência ideológica da
burguesia inaugura também um período em que alguns dos avanços já consolidados pela própria
classe dominante são negados em função da necessidade de se justificar a manutenção do atual
estado de coisas. Entra em cena, com a ascensão de governos de extrema direita como o de Jair
Bolsonaro no Brasil, o negacionismo científico e filosófico, isto é, temos percebido a intensificação
das bases materiais que proporcionam a difusão de uma ideologia negacionista e que se configuram
como “estratégias políticas e econômicas da direita para legitimar sua práxis, sobretudo na
conjuntura da crise do capital” (LIMA, 2020, p. 363). Ainda segundo Lima (2020), essas
estratégias, no campo da ideologia, criam cortes epistemológicos na compreensão da realidade
social com o intuito de negar a objetividade concreta dos fatos, facilitando a manipulação de massas
a partir do descrédito da razão dialética.
Desta forma, o que antes era um aspecto progressista da burguesia, agora passa a ser negado,
mistificado. O que antes servia como elemento de aproximação da realidade e de conhecimento de
mundo, hoje passa a ser algo que produz subjetividades estranhadas6, causando deformações
subjetivas (LUKÁCS, 2013). O caráter negacionista da burguesia é um dos elementos que
assessoram as ideias que pretendem justificar o atual modo de produção, mantendo intacta a
estrutura causal que sustenta a sociabilidade capitalista, apresentando o próprio capitalismo como
alternativa a ele mesmo por meio de subterfúgios linguísticos e jogo de palavras que, na verdade,
garantem a continuidade da superexploração da natureza em benefício do capital.
Ocorre que a estrutura causal do modo de produção capitalista necessita utilizar
incessantemente os recursos naturais para a produção de mercadorias e valorização do valor. Essa
6 O homem estranhado não é de modo absoluto, desprovido do “seu ser-homem social”; do vínculo de pertencimento “à
sociabilidade do gênero humano”. Mesmo a designação do escravo como um instrumento em termos jurídicos que
aponta para a sua condição real de cativo, ainda assim, afirma Lukács, objetivamente em si, [ele, o escravo] continua
sendo um ser social, um modelo do gênero humano. Desta forma, o que efetivamente constitui um processo de
estranhamento neste caso é o fato jurídico-político e histórico do ser homem do escravo estar subjugado a um sistema
socialmente alienante; excludente, produtor de desigualdades, violência de classe e deformações subjetivas, morais e
éticas, como foi o caso do escravismo antigo e o escravismo colonial moderno. A consequência, portanto, é que estas
estruturas submetem o ser homem do escravo às formas alienantes de socialização desumanizadora, neste sentido, ele
não perde sua condição ontológica de ser social, mas é privado de sua condição humana, de sua dignidade enquanto
pessoa.
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necessidade ontológica produz falaciosos discursos ideológicos que afetam, como afirmado outrora,
o metabolismo orgânico entre a sociedade e o planeta, exaurindo recursos naturais que durariam
anos se fossem racionalmente administrados para satisfazer as necessidades humanas e não as
necessidades do capital. As teses da economia verde, do desenvolvimento sustentável e da
economia solidária tentam, cada uma a seu modo, tornar-se um símbolo de articulação de esforços
internacionais para diminuir danos ambientais, minimizar impactos nas comunidades vizinhas e
conciliar a acumulação de capital ao nefasto mecanismo de uso dos recursos naturais do planeta.
Nos propomos, diante do contexto apresentado, a elaborar algumas considerações sobre três
questões que permeiam o debate aqui suscitado. Na primeira seção deste artigo, pretendemos
demonstrar que a educação em sentido amplo se converte em ideologia no sentido em que pode
servir como forma de sustentar e veicular ideias, valores e ideologias dominantes, e que essa
ideologia incide sob o modo de se comportar dos indivíduos, seus pensamentos, valores e escolhas
entre alternativas. Na segunda seção, argumentamos que as ideias dominantes, que demonstram de
maneira cada vez mais transparente seu caráter irracionalista e negacionista, se difundem como
manifestação ideológica de uma crise estrutural e de uma decadência ideológica que exige da classe
dominante a difusão de ideias que mistificam a realidade no intuito de não alterar o atual estado de
coisas. Na terceira seção, por fim, discutimos como a crise da estrutura causal do modo de produção
capitalista propõe como alternativa ao nefasto metabolismo orgânico entre homem e natureza um
desenvolvimento sustentável que, em outras palavras, se configura como uma forma de conciliar a
lei geral de acumulação do capital, os interesses de desenvolvimento econômico da burguesia e a
manutenção da dependência econômica de países periféricos.
Desta forma, refletimos sobre o período de negacionismo científico a respeito da questão
climática que, somado a crise pandêmica, tem se prolongado no Brasil com a ascensão da extrema
direita. Assim sendo, a respeito do negacionismo científico, concordamos com Lima (2020, p. 363
364), quando afirma que
a negação dos pressupostos racionais, da objetividade e do movimento da história enquanto
totalidade, são substituídos por interpretações subjetivistas sem mediações com o todo,
surgindo daí o discurso da pós-verdade, pautados na negação da realidade concreta, que é
substituída por interpretações subjetivistas. Na prática, existe um projeto de relativização do
real a partir de achismos.
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A estrutura causal do capitalismo requer uma justificativa ideológica para a continuação da
exploração dos recursos naturais do planeta para perpetuar o processo de acumulação de capital. No
entanto, como o desenvolvimento do capitalismo e a preservação do meio ambiente são antípodas, a
única forma de a classe dominante produzir uma justificativa plausível para seus nefastos propósitos
é a negação do real, da objetividade e da razão dialética, constituindo assim uma ideologia
negacionista7. É possível, no entanto, rastrear a gênese ontológica destes fenômenos
contemporâneos, analisando suas manifestações no cotidiano dos indivíduos, nos fatos históricos
recentes e no desdobramento da difusão desta ideologia no pensamento das massas manipuladas.
Para dar conta das análises pretendidas nos pautamos em uma concepção materialista da
história, tendo por base teórica a tradição do pensamento marxista para a crítica da economia
política, o legado da ontologia lukacsiana para questões como ideologia, educação e a decadência
ideológica burguesa e, além disso, lançamos mão das contribuições de alguns dos autores que se
debruçaram sobre a questão da ruptura metabólica entre humanidade e natureza como Kohei Saito
(2017; 2020), John Foster (2000) e Michel Löwy (2015).
Ideologia, educação e reprodução social: o agir socialmente esperado
A ideologia entendida como uma prévia ideação que desencadeia comportamentos sociais
nos indivíduos e os levam a tomarem consciência dos conflitos que surgem das contradições
econômicas (LARA, 2013), se manifesta também como uma ideia que visa influenciar outras
consciências para atender a determinados interesses (VAISMAN, 2010). Esse é o caso da educação,
que pressupõe um comportamento socialmente esperado dos indivíduos, um processo em que são
prescritas normas gerais sociais para o comportamento futuro do indivíduo, normas que se
estabelecem por modelos positivos ou negativos de comportamento (LUKÁCS, 2013).
7 Há alguns anos tem sido gestado no Brasil um ecossistema altamente danoso à produção de conhecimento científico.
Capitaneado por Jair Bolsonaro, o negacionismo foi institucionalizado nos diferentes órgãos do governo. Mais
informações no texto A guerra contra a ciência: pós-verdade e desinformação, de autoria de Pablo Ornelas Rosa, Carlos
Eduardo Gama e Marcelo Fetz. Fonte: NEXO Jornal. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2021/A
guerra-contra-a-ciência-pós-verdade-e-desinformação. Acesso em 13/jun/2021.
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Para Lukács (2013), só podemos entender concretamente o que é ideologia a partir da
função social que ela exerce no conjunto da vida cotidiana dos indivíduos. A educação, portanto,
pode se converter em ideologia quando ela pretende influenciar comportamentos que visam
desenvolver os processos de reprodução da sociabilidade que se quer conservar ou transformar. A
realização de objetivações sociais condiciona o conjunto da sociedade a essas exigências. Nesse
aspecto,
o mais importante […] é que esse desenvolvimento produz os pores teleológicos que visam
suscitar um novo comportamento em seus semelhantes e lhes confere importância crescente
tanto extensiva como intensivamente, tanto quantitativa como qualitativamente para o
processo de produção, para a sociedade como um todo. (LUKÁCS, 2013, p. 483).
Cada sociedade ao longo do tempo elabora um tipo específico de educação, processo pelo
qual serão reproduzidas determinadas visões de mundo e valores vinculados às exigências do modo
de produção e reprodução das condições de existência material que lhe corresponde. Esse processo
expressa também os antagonismos de classe que são intrínsecos a cada momento histórico.
Com efeito, o complexo da educação se refere a capacidade de instruir e influenciar o
comportamento dos indivíduos para que possam dar novas respostas socialmente esperadas a novas
alternativas de vida socialmente produzidas. No entanto, nem sempre essas respostas são
efetivamente novas, pois o conjunto de valores e ideias contidos nas exigências da reprodução
social podem se intensificar de tal maneira a influenciar os indivíduos a conservarem o atual estado
de coisas.
Nesse sentido, a concepção de educação em Lukács concorre para dois significados
decisivos: primeiro, que a educação numa acepção ampla, nunca está inteiramente concluída, ela
sempre prefigura um processo contínuo, o que constitui uma necessidade histórica socialmente
determinada. Assim, podemos entender que a educação em sentido amplo diz respeito a todas as
formas de produção de conhecimentos, saberes, práticas, valores, costumes, técnicas, experiências
que os indivíduos adquirem em sua existência real, imprescindíveis ao seu processo de reprodução
social como um todo. E, numa segunda concepção, a educação em um sentido estrito é aquela que
ocorre em instituições específicas como escolas, universidades etc., e que prepara os indivíduos
para corresponderem às exigências colocadas pela sociabilidade vigente.
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As fronteiras entre educação em sentido estrito e educação em sentido mais amplo não
podem ser concebidas de forma metafísica, pois cada sociedade traça seu desenvolvimento
conforme as contradições entre as classes sociais no seu interior. A influência do processo
educacional sobre a constituição dos indivíduos em seus aspectos gerais é sumamente decisiva. Se
hoje, por exemplo, “não há mais crianças pequenas trabalhando nas fábricas, como ocorria no início
do século XIX, não é por razões biológicas, mas em virtude do desenvolvimento da indústria e
sobretudo da luta de classes” (LUKÁCS, 2013, p. 177), ou seja, a educação sofre uma forte
influência dos processos sociais, políticos, econômicos e culturais da sociedade na qual ela é
constituída, expressando, de certa forma, o atual estágio do desenvolvimento do conhecimento
historicamente acumulado pelo conjunto dos homens em um dado momento histórico. Tais
circunstâncias sociais assim modificadas constituem parte da base material que permite aos
indivíduos realizarem escolhas ideológicas partindo de todo o arcabouço cognitivo acumulado
durante suas vidas.
Desta forma, a educação que resulta da lógica do desenvolvimento da sociabilidade
burguesa cumpre o papel de formar no ser social traços e características que garantam a manutenção
de legalidades sociais deste tipo de sociedade. Essas legalidades são uma expressão da totalidade de
relações que se consolidam a cada geração como acúmulo de experiências (SAVIANI, 2008),
comportamentos e conhecimentos a serem assimilados como categorias sociais.
Essa autorreprodução do ser social, como vimos, produz constantemente momentos novos e
contraditórios, no âmbito dos quais a educação se expressa como um pôr teleológico secundário.
Conforme os conflitos de interesses de classes antagônicas se intensifica, as características do
conjunto desta reprodução social se desdobram em novas conexões, relações e interações que fazem
surgir igualmente novos momentos dinâmicos e contraditórios em seu desenvolvimento. Esses
momentos inauguram novas possibilidades e que exigem tomada de decisões para a modificação ou
a conservação das circunstâncias que foram postas pelo conflito de interesses.
O processo de socialização criado pelas relações de produção capitalista engendra novas
determinações que se impõem aos homens como resultado de um desenvolvimento econômico
nunca visto antes. A generalização da produção de mercadorias, a complexificação tecnológica e a
universalização das trocas comerciais representam o nível mais elevado de superação sucessiva das
barreiras naturais. O caráter total do capital é uma das características mais fundamentais do modo
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de produção capitalista e não se encontra paralelo nos modos de produção anteriores. Seguramente,
essa universalização do capitalismo expressa exatamente a especificidade ontológica da sociedade
como uma totalidade concretamente articulada, o que faz com que o modo de produzir a existência
esteja organizado estruturalmente de modo interdependente, isto é, todos os países do planeta estão,
em maior ou menor medida, conectados e dependentes um dos outros na complexa estrutura
produtiva do capital.
Se no âmbito da produção material o capital se encontra concretamente articulado, no
âmbito ideológico também, considerando que é necessário ao capital construir e difundir um
conjunto de valores ideológicos necessários para a sua manutenção, garantindo o melhor
funcionamento dos mecanismos de dominação que compõem sua estrutura metabólica causal, e é
neste preciso sentido que encontramos a educação em sentido amplo.
Neste sentido, a educação pode atuar no intuito de conservar o atual estado de coisas, e
cumpre essa função de duas formas, a saber, a primeira forma pela defesa direta dos valores, ideias
e pressupostos morais que configuram o modo de vida burguês e que auxiliam a manutenção das
relações sociais capitalistas, e a segunda forma pela negação do estágio de desenvolvimento das
forças produtivas que, de algum modo, estabeleça um conflito entre as ideias necessárias para a
conservação dos valores burgueses e o seu rompimento imediato. A segunda forma que aqui
tratamos, adquirindo uma forma ideológica negacionista, se intensifica em períodos de decadência
ideológica, pois é a forma que mais se ajusta ao modo decadente da vida burguesa, a negação do
conhecimento, das evidências científicas, a negação do avanço das forças produtivas.
Lukács (2013, p. 295), numa reflexão sobre a educação do homem e a totalidade social,
afirma que
a educação do homem é direcionada para fornecer nele uma prontidão para decisões
alternativas de determinado feitio; ao dizer isso, não temos em mente a educação no sentido
mais estrito, conscientemente ativo, mas como a totalidade de todas as influências exercidas
sobre o novo homem em processo de formação.
Aqui o filósofo marxista húngaro concebe a educação como um processo geral de formação
dos valores, atitudes, personalidade, comportamentos, ideias e práticas que os indivíduos
desenvolvem. Mas a educação nesse sentido também pode levar a resultados negativos, no plano da
formação do comportamento e da personalidade, pois a influência da sociedade como uma
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totalidade constitui um fator de grande impacto na práxis social e nas escolhas alternativas dos
indivíduos.
Sobre isso afirma Lukács (2013, p. 295) que
o maior erro na avaliação de tais processos consiste no hábito de considerar somente os
impactos positivos como resultados da educação; porém, quando um filho do aristocrata se
converte em revolucionário, o descendente de oficiais se torna um antimilitarista, quando a
educação para a ‘virtude’ produz uma queda para a prostituição etc., estes são, no sentido
ontológico, resultados da educação, tanto quanto aqueles em que o educador atingiu as suas
finalidades.
A educação em sentido geral concorre, portanto, para formar nos indivíduos valores,
comportamentos, ideais, atitudes que afirmam sua maneira de estar no mundo. Os processos
educativos que são desenvolvidos no interior de cada sociedade ao longo do tempo vão se
acumulando como experiências culturais que prefiguram para cada geração posterior o conjunto de
conhecimentos historicamente acumulados. A educação surge, assim, como um processo de
reprodução social fundamental para garantir a continuidade de uma dada sociabilidade, difundindo
as ideias da classe dominante como as ideias fundamentalmente dominantes. Essas ideias
configuram o modo de vida dos indivíduos no sentido de perpetuar suas condições econômicas e
manter as relações de produção do atual estado de coisas.
Ocorre que, em períodos de decadência ideológica, a reprodução social e a manutenção do
atual estado de coisas exigem que a classe dominante cumpra um papel de negação ou ocultação de
aspectos específicos que outrora eram considerados progressistas para ela (LARA, 2013). Em
períodos de crise intensa do atual modo de produção a acumulação de capital é a única lei que
inexoravelmente se sobressai em relação aos demais pilares que sustentam o capitalismo. É
precisamente a exigência de manter essa acumulação em todas as esferas da produção material que
cria a base ideológica para que a burguesia reúna um conjunto específico de ideias para justificar,
por exemplo, a extração cada vez intensa de recursos naturais para a produção de mercadorias, não
obstante os limites físicos da própria vida humana.
Concordamos com Lima (2020, p. 364) quando comenta sobre a estratégia ideológica de
fragmentação e negação do real, e assevera que
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primeiramente pega-se um fato e/ou acontecimento, isola-o do todo, recorta-o em
fragmentos, descontextualiza-o da história objetiva, que por sua vez, é transformada em
uma opinião subjetivista para posteriormente ser apresentada de forma generalizada, como
se tudo fosse igual. Isto é uma constante em nosso cotidiano, vai desde manipulações
estatísticas da macroeconomia para “reformas” econômicas, e perpassa as manipulações
dos discursos, onde é retirado somente um fragmento do mesmo e são aferidas
interpretações subjetivistas. Igualmente ocorre na edição de vídeos, cujos fatos são
descontextualizados e desistoricizados para se criar a narrativa desejada.
A estratégia ideológica aqui mencionada se expressa também no negacionismo científico,
que se difunde no cotidiano dos indivíduos com objetivo de criar um invólucro místico diante da
realidade, impedindo que se perceba as nefastas consequências do avanço e intensificação do
capitalismo na vida humana. A este respeito, Lima (2020, p. 366) afirma que “as análises e
representações-gnosiológicas, negadoras de uma apreensão ontológica da realidade, tendem a uma
leitura parcial da realidade”.
Ainda, a negação da ciência em favor da lei geral de acumulação do capital tem impacto
direto no metabolismo orgânico da humanidade com a natureza, na medida em que, ao negar ou
ocultar as consequências sociais da extração de recursos naturais, o risco ambiental para
comunidades vizinhas e os fatores de impacto no ecossistema ali presente, a burguesia coloca em
risco a existência do próprio planeta, pois ela mesma coloca em movimento um mecanismo
sociometabólico incontrolável: a produção destrutiva do capital.
É precisamente a conjuntura em que a categoria da produção destrutiva se encontra que nos
propomos a analisar no item seguinte deste artigo, demonstrando seu desdobramento diante da crise
estrutural do capital. Buscamos ainda explicar como o surgimento da sociedade dividida em classes
sociais representa a efetiva contradição entre burguesia e proletariado e que este conflito produz
antagonismos nos mais diversos aspectos, tendo como núcleo central as disputas na base econômica
em torno dos processos e das relações de produção e os conflitos engendrados no nível das
superestruturas, ideologias, política, moral, educação.
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A crise estrutural do capital e seus limites absolutos
É notória a decadência de uma sociedade organizada a partir de um modo de produção da
existência pautado na exploração do homem pelo homem e no processo de acumulação de capital. É
curioso notar que este mesmo modo de produzir a existência já alcançou a possibilidade de criar a
quantidade de riquezas suficiente para a satisfação das necessidades de absolutamente todos os
indivíduos existentes no planeta. Mais curioso ainda é que essa mesma sociedade, que produz mais
do que necessita, demonstra cada vez mais uma forte tendência a agravar os sofrimentos para uma
grande maioria da população, tornando inacessível para a grande maioria o acesso à riqueza social.
Esta capacidade quase infinita de criação de riqueza alcança sua finitude precisamente na questão
do metabolismo entre o homem e a natureza, questão que evidencia um alerta do risco de toda a
humanidade deixar de existir no planeta.
O capitalismo tem mostrado um lado nefasto de sua existência, sendo o primeiro modo de
produção que anuncia que o seu fim poderá significar ser também o fim da própria humanidade,
pois não há possibilidade de pensar qualquer forma saudável de reprodução metabólica entre o
capitalismo e a maneira como ele próprio se relaciona com os recursos de que necessita para colocar
em movimento sua estrutura causal (JACOB, 2020).
Assim sendo, a humanidade passa hoje por uma crise histórica sem precedentes
(MÉSZÁROS, 2000; FOSTER, 2000). Essa crise, segundo Mészáros (2000), decorre de um caráter
estrutural do próprio capitalismo, uma crise imanente, que se alimenta a partir de uma lógica de
produção destrutiva e que revela, em sua expansão, suas respectivas contradições e aspectos
sociometabólicos que nos conduzem ao aprofundamento da desigualdade e do esgotamento dos
recursos do planeta.
A estrutura causal dessa crise ativa seus limites absolutos, forçando o sistema a penetrar na
vida cotidiana de cada indivíduo economicamente ativo ou não (JACOB, 2020). Esses limites
absolutos tornam o modo de produção capitalista cada vez mais dinâmico (PIRES e SILVA, 2017),
um sistema que afirma seu domínio sobre os seres humanos de forma ideológica, política e
econômica e passa a afetar todo o conjunto das relações humanas, pois aquelas justificativas
históricas da sua fundação já não são mais necessárias na vida cotidiana dos indivíduos
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(MÉSZÁROS, 2002), isto é, apenas pela repressão, mentira e coerção o capitalismo pode se
justificar como necessário ao mundo humano.
Para os breves propósitos do presente artigo, nos deteremos em maiores detalhes sobre a
segunda contradição, a saber, a devastação e destruição do meio ambiente, demonstrando os
aspectos ideológicos que circundam a narrativa de flexibilização das legislações ambientais dos
países periféricos do capital, como é o caso do Brasil. Nesse sentido, lançaremos mão da
argumentação de Mészáros (2002), que afirma que o sistema sociometabólico do capital possui um
caráter incontrolável, destrutivo e auto expansivo, características imanentes ao seu modo de existir.
Desta forma, a crise estrutural tem, na perspectiva do filósofo húngaro, uma tendência de
produção destrutiva que se intensifica também com a taxa de utilização decrescente do valor de uso
das mercadorias. Mészáros (2000, p. 7, itálicos do autor) argumenta que a severidade dessa crise
“pode ser medida pelo fato de que não estamos frente a uma crise cíclica do capitalismo mais ou
menos extensa, como as vividas no passado, mas a uma crise estrutural, profunda, do próprio
sistema do capital”.
A severidade dessa crise8, segundo Mészáros (2000), afirma também a necessidade de novas
formas de enfrentá-la, pois a dinâmica global da dependência econômica dos países da periferia do
capital torna praticamente ineficazes a repetição das ajudas externas feitas nas crises do século
passado no intuito de estabelecer a normalidade do capital frente aos nefastos corolários das crises
cíclicas de outrora. Ao contrário, a crise estrutural do capital hoje em curso impõe um caráter de
insuficiência crônica de ajuda externa em seu presente estágio de desenvolvimento, impedindo que
a recuperação econômica de curto e médio prazo ocorram, adiantando problemas futuros que
agudizam ainda mais a dependência econômica de países que não possuem protagonismo industrial
ou tecnológico e que precisam de uma certa estabilidade na complexa conjuntura de
interdependência produtiva do capital.
Ainda, a crise que hoje presenciamos não possui alternativa nela mesma, pois sua estrutura
causal não pode solucionar os problemas que são criados por sua própria existência, o que nos leva
8 Podemos elencar quatro características imanentes da crise do capital após a década de 1970, a primeira é que ela
possui um caráter universal, não se resume ao reduto particular, individual, a segunda é que seu âmbito é
eminentemente global e não circunscrito em apenas alguns países, a terceira é que sua escala temporal é extensa,
prolongada e também contínua, ou seja, não mais cíclica e com períodos de ascensão, e a quarta reside no seu caráter
rastejante, isto é, sua evolução é lenta ao mesmo tempo em que enseja períodos de convulsão social mais frequentes.
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para uma solução única que é a sua superação. Mészáros (2002) argumenta que o sistema do capital
se ergue sobre um conjunto de antagonismos estruturais explosivos, elementos que criam bases
ideológicas para a afirmação de duas coisas que se retroalimentam conforme a expansão do capital
ocorre, a saber, sua condição insuperável, ou seja, que não há um sistema melhor que o capitalismo
e que o atual modo de produção é o mais compatível com a natureza humana, e o segundo elemento
é precisamente a afirmação ideológica de sua ordem dominante, de seus valores.
Dessa forma, a sustentação de um sistema pautado nos elementos acima descritos exige a
manutenção de uma lógica de produção que seja produtiva-destrutiva, no intuito de criar as bases
materiais necessárias para que as estruturas que garantem seu funcionamento se renovem a cada
momento de desordem. No entanto, o caráter incontrolável de sua estrutura causal torna o capital
estruturalmente incapaz de controlar e planejar sua irracionalidade destrutiva.
Essa irracionalidade da produção de caráter destrutivo tem origem na evolução das
condições de produção que, em última instância, modifica a lógica do padrão de consumo, os meios
buscados pelos produtores dos bens de consumo e a interdependência de países em economias
periféricas, que, pela falta de protagonismo industrial e tecnológico, precisam de um esforço maior
para ajustarem gradativamente o modo de vida de seu povo aos ditames do grande capital. Como
desdobramento do caráter incontrolável da crise hoje vivida, o sistema do capital exibe uma
tendência já percebida nos períodos de decadência dos modos de produção anteriores, a saber, o
esgotamento do caráter civilizatório posto pela agudização das contradições criadas pela estrutura
causal dos problemas de uma crise dessa magnitude.
Feitas as brevíssimas considerações acima sobre a crise estrutural do capital e a ativação de
seus limites absolutos, seguimos então para a exposição de nossos argumentos acerca do problema
da crise climática e seus desdobramentos na conjuntura brasileira. Como preâmbulo, faremos uma
brevíssima contextualização histórica sobre um importante evento realizado há uma década, o
Rio+20. Esse evento se assemelha a Cúpula do Clima ocorrida em 2021 e teve importantes
desdobramentos para as lideranças mundiais no ano de sua realização, pois representou um marco
na justificativa burguesa para pactuar a divisão estratégica da extração de recursos naturais que
permitia a continuidade do processo de desenvolvimento do capitalismo e de intensificação de
dependência econômica de países periféricos já em processos de desindustrialização, sob a difusão
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ideológica de ideias como o desenvolvimento sustentável, economia solidária, economia verde e
demais variantes.
Completamos uma década da RIO+20: como ficaram as propostas do desenvolvimento
sustentável do documento O futuro que queremos?
Desde o surgimento do modo de produção capitalista temos aprendido e observado as
tendências sociais da história e dos avanços do desenvolvimento das forças produtivas. Isso vale
também para os avanços na produtividade que realizaram uma significativa mudança nos padrões
de consumo na sociedade de classes. No entanto, a forma de sociabilidade capitalista tem um
diferencial peculiar quando analisamos a enorme coleção de mercadorias, pois não há a necessidade
de saber o que acontece com o produto do trabalho depois do ato de consumo, não há necessidade
de pensar nas consequências dos atos singulares dos indivíduos.
Sobre isso, Engels (s/d, p. 280, grifos nosso) afirma que
a ciência social da burguesia, a economia política clássica, só se ocupa preferentemente
daquelas consequências sociais que constituem o objetivo imediato dos atos realizados
pelos homens na produção e na troca. Isso corresponde plenamente ao regime social cuja
expressão teórica é essa ciência. Porquanto os capitalistas isolados produzem ou trocam
com o único fim de obter lucros imediatos, só podem ser levados em conta,
primeiramente, os resultados mais próximos e mais imediatos. Quando um industrial ou
um comerciante vende a mercadoria produzida ou comprada por ele e obtém o lucro
habitual, dá-se por satisfeito e não lhe interessa de maneira alguma o que possa ocorrer
depois com essa mercadoria e seu comprador. O mesmo se verifica com as consequências
naturais dessas mesmas ações. Quando, em Cuba, os plantadores espanhóis queimavam os
bosques nas encostas das montanhas para obter com a cinza um adubo que só lhes permitia
fertilizar uma geração de cafeeiros de alto rendimento pouco lhes importava que as chuvas
torrenciais dos trópicos varressem a camada vegetal do solo, privada da proteção das
árvores, e não deixassem depois de si senão rochas desnudas! Com o atual modo de
produção, e no que se refere tanto às consequências naturais como às consequências sociais
dos atos realizados pelos homens, o que interessa prioritariamente são apenas os primeiros
resultados, os mais palpáveis.
As ações de produzir bens de consumo em intensidades maiores que a capacidade de
consumir somadas às ações de descartabilidade prematura de tais bens desencadeiam, tal como
exposto também em nossas considerações anteriores, a ativação dos limites absolutos do capital
que, em sua essência, põem em risco a existência e a continuidade da espécie humana por meio de
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sua lógica de reprodução produtivo-destrutiva que também tem por essência a expansão contínua,
mesmo que para isso tenha que destruir suas próprias produções anteriores.
Conforme Mészáros (2002, p. 640), é incorreto afirmar que
a sociedade dos descartáveis encontre equilíbrio entre produção e consumo, necessário para
a sua contínua reprodução, somente se ela puder ‘consumir’ artificialmente e em grande
velocidade (isto é, descartar prematuramente) imensas quantidades de mercadorias que
anteriormente pertenciam à categoria de bens relativamente duráveis. Desse modo, a
sociedade se mantém como um sistema produtivo manipulando até mesmo a aquisição dos
chamados ‘bens de consumo duráveis’ que necessariamente são lançados ao lixo (ou
enviados a gigantescos ferros-velhos, como os ‘cemitérios de automóveis’ etc.) muito antes
de esgotada a sua vida útil.
É notório que a taxa de utilização decrescente de mercadorias inviabiliza o controle da
produção de bens de consumo. Isso, por si só, já inviabilizaria qualquer proposta de sustentabilidade
que se refira ao controle da relação metabólica entre o homem e a natureza e que, porventura, venha
a ser posta em documentos futuros de conferências e encontros pautados na economia verde e suas
variantes temáticas. Ainda, a capacidade de produção hoje é muitas vezes maior do que a
capacidade de consumo e esse aspecto da crise estrutural limita a realização do valor, trazendo
consigo novos problemas que agudizam e intensificam a força com que a crise estrutural é sentida
em países da periferia do capitalismo, criando as condições para que se descarte cada vez mais
rápido uma mercadoria, seja por uma atualização dela mesma ou por uma nova necessidade
supérflua.
Feitas as considerações acerca da descartabilidade dos bens produzidos sob o domínio do
capital e algumas das consequências promovidas pela ativação dos limites absolutos da crise
estrutural do capital, situemo-nos no objeto desta seção, a saber, a inviabilidade das propostas finais
do documento El futuro que queremos (NACIONES UNIDAS, 2012) produzido no final da
realização da Conferência Rio +20, ocorrida no Brasil, na capital do Estado do Rio de Janeiro nos
dias 20, 21 e 22 de junho do ano de 2012.
Nos debruçaremos apenas no tópico I do documento, buscando afirmar nossa tese de
insustentabilidade do desenvolvimento sustentável proposto pela Rio +20. Ainda, embora tenha
sido realizada no Brasil, o documento da conferência não foi publicado em português brasileiro,
desta forma, optamos pela escolha do idioma espanhol para facilitar a leitura e acelerar a análise do
seu conteúdo sem a necessidade de risco de erros de interpretação de tradução.
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Logo de início, o documento apresenta, no tópico I, intitulado Nuestra visión comúm, itens 1
e 2, os seguintes comentários (NACIONES UNIDAS, 2012, p. 1 grifos nosso):
1. Nosotros, los Jefes de Estado y de Gobierno y los representantes de alto nivel,
habiéndonos reunido en Río de Janeiro (Brasil) entre el 20 y el 22 de junio de 2012, con la
plena participación de la sociedad civil, renovamos nuestro compromiso en pro del
desarrollo sostenible y de la promoción de un futuro económico, social y
ambientalmente sostenible para nuestro planeta y para las generaciones presentes y
futuras.
2. La erradicación de la pobreza es el mayor problema que afronta el mundo en la
actualidad y una condición indispensable del desarrollo sostenible. A este respecto
estamos empeñados en liberar con urgencia a la humanidad de la pobreza y el hambre.
Antes de iniciarmos, alertamos que, há cerca de trinta anos, desde a Eco 92/Rio 929 realizada
entre os dias 3 e 14 de junho de 1992 na cidade do Rio de Janeiro no Brasil, os países capitalistas
centrais que controlam as políticas neoliberais vêm descumprindo as propostas basilares da
conferência, principalmente os Estados Unidos da América que sempre foram desfavoráveis às
metas de emissão de gás dióxido de carbono na atmosfera terrestre, dentre outros desacordos e
posteriores efeitos danosos de tantas outras causas.
Não podemos deixar de problematizar e questionar, em caráter radical, a passagem do
documento que afirma: “renovamos nuestro compromiso en pro del desarrollo sostenible y de
la promoción de un futuro económico, social y ambientalmente sostenible para nuestro
planeta y para las generaciones presentes y futuras” (NACIONES UNIDAS, 2012, p. 1, grifo
nosso).
Ora, de posse das informações outrora elencadas entendemos que, hoje, no exato momento
em que escrevemos esse pequeno e pouco exaustivo texto, vivemos sob a dominação do modo de
produção capitalista que, por sua vez, tem como fundamento de sua estrutura causal a exploração do
9 Na Conferência das Nações Unidas, a Rio 92, ocorrida há vinte anos, o apelo da menina Severn Suzuki aos chefes de
Estado, para que assumissem compromissos ambientais, comoveu o mundo. Agora na Rio +20, a adolescente
neozelandesa Britanny Trilford repetiu o apelo de forma mais contundente: "Vocês estão aqui para salvar suas imagens
ou para nos salvar?". E mais: "Cumpram o que prometeram". Uma forte crítica e ao mesmo tempo uma decepção.
Diante dos rostos frios e impassíveis das delegações diplomáticas dos governos e dos chefes de Estado presentes, a
jovem neozelandesa anunciou perante o mundo que daquela conferência não ia sair nada de positivo. E foi o que
aconteceu. No meio de vaias generalizadas a conferência da ONU aprovou uma resolução genérica, sem metas, sem
objetivos, repetindo as mesmas declarações de boas intenções da Rio 92. Não houve sequer acordo com a chamada
“economia sustentável” e tampouco sobre a “economia verde” e o “mercado verde”, nos objetivos iniciais da Rio +20.
(MAIA, 2012, grifo nosso)
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homem pelo homem, a mais-valia, as formas já desenvolvidas de trabalho assalariado, o Estado
como mecanismo que mantém a repressão a favor da burguesia, a crise estrutural do capital e seus
respectivos limites absolutos que carregam em seu âmago a taxa de utilização decrescente de
mercadorias e, por conseguinte, a descartabilidade prematura dos bens de consumo forçando a
produção de mercadorias a atingir patamares que colocam a exploração dos recursos finitos deste
planeta em um nível catastrófico, pondo, desta forma, a existência da espécie humana em risco de
extinção por ela própria.
Dito isto, surge uma dúvida, como pode um sistema pautado nas premissas acima referidas
fornecer subsídios para uma possível sustentabilidade, haja vista o caráter incontrolável da crise
estrutural do capital aqui exposta e da ativação dos limites absolutos de seu caráter produtivo
destrutivo que põe a obsolescência programada de mercadorias e sua descartabilidade irracional
como axioma maior do metabolismo socioeconômico?
A resposta é simples, não há possibilidade de compatibilizar nenhuma forma de harmonia do
metabolismo entre homem e natureza e a essência do modo de produção capitalista (SAITO, 2020),
isso porque é da sua essência produzir destruindo e destruir produzindo. Toda e qualquer resposta
afirmativa para esta pergunta, como por exemplo é possível existir sustentabilidade em meio a crise
estrutural do capital, não passa de uma tentativa de humanização do capitalismo, como se a
consciência determinasse a existência, como se os gestos caridosos, benevolentes e singelos de
ajuda ao próximo tornassem o mundo capitalista ipso facto mais caridoso, benevolente, justo,
igualitário e sem desigualdade social!
Adiante, a seguinte passagem, tópico I e subtópico 4 (NACIONES UNIDAS, 2012, p. 1,
grifos nosso), nos afirma:
4. Reconocemos que la erradicación de la pobreza, la modificación de las modalidades
insostenibles y la promoción de modalidades sostenibles de producción y consumo, y la
protección y ordenación de la base de recursos naturales del desarrollo económico y social
son objetivos generales y requisitos indispensables del desarrollo sostenible.
Reafirmamos también que es necesario lograr el desarrollo sostenible promoviendo un
crecimiento sostenido, inclusivo y equitativo, creando mayores oportunidades para
todos, reduciendo las desigualdades, mejorando los niveles de vida básicos,
fomentando el desarrollo social equitativo y la inclusión, y promoviendo una
ordenación integrada y sostenible de los recursos naturales y los ecosistemas que preste
apoyo, entre otras cosas, al desarrollo económico, social y humano, y facilite al mismo
tiempo la conservación, la regeneración, el restablecimiento y la resiliencia de los
ecosistemas frente a los problemas nuevos y emergentes.
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O trecho que afirma “reconocemos que la erradicación de la pobreza, […], y la promoción
de modalidades sostenibles de producción y consumo, […] son objetivos generales y requisitos
indispensables del desarrollo sostenible” (NACIONES UNIDAS, 2012, p. 2, grifos nosso), não
passa de um mero jogo de palavras e não se sustenta. Primeiro pelo fato de que, sob o modo de
produção capitalista, a condição para a existência de sua lógica de reprodução é justamente a
concentração de muito nas mãos de poucos, isto é, a essência do capitalismo está pautada na
acumulação de capital que consequentemente é o causador da desigualdade social e da pobreza
extrema, cujo fundamento é a exploração do homem pelo homem e a apropriação do excedente de
produção.
Portanto, não nos é permitido, sob hipótese alguma, afirmar que o documento por nós
estudado neste artigo proponha algo como a erradicação da pobreza simplesmente porque o modo
de produção defendido pelos líderes que participavam da Conferência denominada de Rio +20 é
uma forma e sociabilidade pautada em políticas neoliberais e que tem como corolário a acumulação
de capital, a produção de desigualdade social e pobreza, a degradação da vida humana e redução
desta a uma mera sobrevivência.
Já no ano em que a conferência ocorria, o ecossocialista Michel Löwy (2012) em entrevista
para a edição 180 da Revista Caros amigos apontava que os desastres ecológicos tinham como
primeiras vítimas as camadas sociais mais exploradas, as comunidades indígenas e camponeses que
veem suas terras e rios poluídos pelo nefasto agronegócio da soja, palma e gado. Ele ainda pontua
que um renomado economista americano, Lawrence Summers, explica que é lógico de uma
perspectiva da economia mais racional que se envie os dejetos tóxicos da produção dos países mais
desenvolvidos para a periferia do capital, pois lá a vida humana tem um preço bem inferior. De um
lado, o capitalismo não pode existir sem expandir a si próprio, de outro, essa expansão tem em sua
lógica interna o custo de vidas humanas.
Curiosamente, é disso que tratam os itens 6, 8 e 10 do tópico I, (NACIONES UNIDAS,
2012, p. 2, grifo nosso), que nos afirmam:
6. Reconocemos que las personas constituyen el centro del desarrollo sostenible y a este
respecto, nos esforzamos por lograr un mundo que sea justo, equitativo e inclusivo, y
nos comprometemos a trabajar de consuno para promover el crecimiento económico
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sostenido e inclusivo, el desarrollo social y la protección del medio ambiente, lo que
redundará en beneficio de todos.
8. Reafirmamos también la importancia de la libertad, la paz y la seguridad, el respeto de
todos los derechos humanos, entre ellos el derecho al desarrollo y el derecho a un nivel
de vida adecuado, incluido el derecho a la alimentación, el estado de derecho, la
igualdad entre los géneros, el empoderamiento de las mujeres y el compromiso
general de lograr sociedades justas y democráticas para el desarrollo.
10. Reconocemos que la democracia, la buena gobernanza y el estado de derecho, en
los planos nacional e internacional, así como un entorno propicio, son esenciales para
el desarrollo sostenible, incluido el crecimiento económico sostenido e inclusivo, el
desarrollo social, la protección del medio ambiente y la erradicación de la pobreza y el
hambre. Reafirmamos que para lograr nuestros objetivos de desarrollo sostenible
necesitamos instituciones en todos los niveles que sean eficaces, transparentes,
responsables y democráticas.
No tocante à passagem “nos esforzamos por lograr un mundo que sea justo, equitativo e
inclusivo, y nos comprometemos a trabajar de consuno para promover el crecimiento económico
sostenido e inclusivo, el desarrollo social y la protección del medio ambiente” (NACIONES
UNIDAS, 2012, p. 2), não conseguiremos jamais entender sob qual estágio do capitalismo será
alcançado o ideal de mundo que seja justo, equitativo e inclusivo. Sabemos que sob o atual modo de
produção isso jamais será possível, pois é um sistema que requer a desigualdade social para existir.
Sob a regência da lógica do capital, a tese de construir um mundo justo, equitativo e
inclusivo é insustentável; seria como jogar água em peneira, ou seja, uma impossibilidade
ontológica. É da essência do capitalismo explorar o trabalho, tudo que se oponha a ele é destruído
pela própria lógica do sistema, tudo que assegure a contínua lucratividade é viável para o sistema
(MÉSZÁROS, 2002).
Ainda sobre a Rio+20, Maia (2012, grifos nosso), assevera que
Na Rio+20 e na Cúpula dos Povos, assim como em todos os eventos paralelos, virou
“consenso” apoiar o chamado “desenvolvimento sustentável”. A expressão foi usada pela
primeira vez em 1987 em um relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento das Nações Unidas. Desde então a ONU vem usando este conceito para
combinar desenvolvimento econômico com o meio ambiente: “O desenvolvimento que
procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das
gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, significa possibilitar que
as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social
e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso
razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais”.
De acordo com Maia (2012, grifos nosso), sobre o desenvolvimento sustentável
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O “desenvolvimento sustentável”, apesar das belas palavras de proteção ao meio
ambiente, é uma reação da burguesia à necessidade da humanidade de abolir a ordem
existente, é uma reação à necessidade de uma sociedade mundial igualitária entre povos e
nações. É uma posição reacionária em toda a linha. Não são os trabalhadores dos Estados
Unidos ou da Europa que consomem demais e estão esgotando os recursos naturais,
mas sim o próprio regime capitalista, que com sua voracidade em acumular ao infinito, a
buscar o lucro máximo, devora terras, florestas, envenena os rios e agora quer se apropriar
da última fronteira intacta do planeta, o fundo dos oceanos.
A lógica de reprodução social do sistema capitalista tem em sua essência a taxa de utilização
decrescente de mercadorias, elemento predominante na estrutura do metabolismo socioeconômico
que eleva, a níveis irracionais, o desperdício e a descartabilidade prematura dos bens de consumo
(MÉSZÁROS, 2002), tornando a necessidade de produção de mercadorias cada vez mais
imediatista e mais intensa, o que significa a intensificação também da incidência da ação humana no
metabolismo orgânico com a natureza, produzindo mercadoria ao custo de destruir vidas e a
natureza.
Conforme Mészáros (2002, p. 668),
tanto a contribuição do trabalho para a redução produtiva do tempo de trabalho necessário
como o imperativo objetivo do capital, de converter para seu uso ganhos do trabalho,
trazem consigo a taxa de utilização decrescente em diversos planos; desde o modo de
funcionamento do próprio trabalho vivo (assumindo com o passar do tempo a forma de
desemprego crescente) até a superprodução/subutilização de mercadorias e o uso cada vez
mais perdulário da maquinaria produtiva. A única saída concebível de tais contradições, do
ponto de vista do trabalho – a saber, a adoção generalizada e a utilização criativa do tempo
disponível como o princípio orientador da reprodução societária – é, naturalmente, um
anátema para o capital, pois não pode ser adaptada à sua estrutura de valorização e de
autorreprodução expansiva. Assim, o impulso para a multiplicação de riqueza reificada e
pelo incremento concomitante em forças produtivas abstratas da sociedade não pode ser
detido, quaisquer que sejam suas implicações para a taxa de utilização decrescente e para o
desperdício associado na administração dos recursos materiais e humanos da sociedade.
A taxa de utilização decrescente das mercadorias, segundo Mészáros (2002), afeta três
dimensões que são fundamentais para a complexa conjuntura da produção e do consumo, a saber, os
bens e serviços que precisam ser cada vez mais reorganizados conforme a dinâmica do mercado se
modifica, as instalações e maquinarias que precisam ser vendidas, reparadas ou alugadas conforme
a mudança de mercado, e a própria mercadoria força de trabalho agora precisa se adequar ao
momento mais flexível que vivemos na história do capitalismo, uma adequação aquilo que a
burguesia costuma chamar de mundo moderno.
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O ciclo de obsolescência afeta todo o conjunto de mercadorias e é acompanhado por
necessidades supérfluas criadas pela forma fetichizada como a burguesia difunde sua visão de
mundo, induzindo e em alguns casos até mesmo forçando os indivíduos a trocar as mercadorias
adquiridas por versões delas mesmas que tem as mesmas funções, iniciando, desta forma, um novo
ciclo de obsolescência e vida útil da mercadoria. Ainda, o grande problema da taxa de utilização
decrescente de mercadorias e da obsolescência programada é que ocorre um brutal encurtamento do
ciclo de vida útil dos produtos, pois nossa atual sociedade dos descartáveis promove o sucateamento
do maquinário que ela mesma tornou obsoleto em um curto espaço de tempo, reflexo de “sua lógica
destrutiva, reflexo da descartabilidade acelerada na produção e no consumo de mercadorias”
(JACOB, 2020, p. 42).
Assim sendo, argumenta Mészáros (2002, p. 674) que
só quando o potencial das duas primeiras dimensões – tal como manifestas em relação a 1)
bens e serviços; e 2) instalações e maquinário – para afastar as contradições inerentes à taxa
de utilização decrescente não conseguir um efeito suficientemente abrangente, somente
então será ativado o selvagem mecanismo de expulsão em quantidades maciças de trabalho
vivo do processo de produção. Isto assume a forma de desemprego em massa, mesmo nos
países mais avançados, independentemente de suas consequências para a posição de ‘massa
consumidora’, e das necessárias implicações da decadência da posição do consumidor na
‘espiral descendente’ de desenvolvimento das economias envolvidas.
Destarte, diante das considerações acima por nós elencadas, entendemos ser impossível
haver qualquer tipo, mesmo que seja mínimo, de desenvolvimento sustentável em meio a crise
estrutural do capital, haja vista o seu caráter deveras, in totum, incontrolável, seus limites absolutos
e sua taxa decrescente de utilização de mercadorias que tornam obsoletos, em um curto período de
tempo, os bens de consumo produzindo, em contrapartida, o consumo irracional e a descartabilidade
prematura de mercadorias.
A tragédia do negacionismo climático e científico no Brasil
Se nos países da metrópole do capitalismo desenvolvido a crise estrutural impossibilita
qualquer ação sustentável com o meio ambiente, quando analisamos os países dependentes da
periferia do capital, como o Brasil, o desenvolvimento sustentável se torna uma impossibilidade
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ainda maior. Para tornar a situação ainda mais problemática, vivenciamos hoje um fenômeno sem
precedentes, de correntes ideológicas negacionistas não apenas sobre a questão climática, mas sobre
todo o conjunto do acúmulo científico que se tem notícia na história. Em um artigo sobre a análise
do impacto da difusão de crenças pseudocientíficas na sociedade, Taschner et al (2021) demonstram
alguns dos fatores para se compreender a nefasta consequência de se conduzir políticas públicas a
partir de crenças sem nenhuma evidência científica. Demonstram, ainda, que esta é uma questão
mundial, não é restrita apenas ao Brasil, não sendo, também, uma questão restrita a uma área
específica da ciência.
O estudo outrora citado trata de questões relativas ao campo das políticas públicas na saúde,
no entanto, esta é uma questão mais ampla e que acaba se difundindo ideologicamente e se
manifestando também na questão do clima, adquirindo um forte viés ideológico cujo objetivo é
turvar a compreensão de qualquer possibilidade de se identificar uma crise climática. Isso significa
eliminar qualquer perspectiva que encontrar alguma conexão entre o desenvolvimento do
capitalismo e a destruição da natureza, “quando analisarmos profundamente estas diferentes formas
de consciência, percebemos que a essência destas manifestações filosóficas em última instância
tende a ocultar a razão dialética” (LIMA, 2020, p. 368), difundido ideologicamente conclusões
pseudocientíficas. Essa forma de mistificar a real estrutura causal da produção destrutiva do
capitalismo tem se difundido para os países periféricos como o Brasil.
Na medida em que se difunde uma ideologia que oculta o irracional uso dos recursos
naturais por grandes empresas, se pode manter a acumulação de capital a partir da justificativa de
que, primeiro, não há crise climática e, segundo, que o desenvolvimento do capitalismo e a
preservação do meio ambiente caminham na mesma direção. Ledo engano, pois “as funções sociais
destas formas de consciência, na práxis, contribuem para procedimentos de análise do real de forma
fetichizada e para uma práxis irracionalista, imediatista, colaborando para a manutenção da
sociabilidade do capital” (LIMA, 2020, p. 368).
A ideologia negacionista tem influenciado o comportamento de setores ligados ao
agronegócio brasileiro, aliando-se ao movimento de desmonte do Estado e do enfraquecimento dos
órgãos de defesa do meio ambiente10. No governo de Jair Bolsonaro, o ex-ministro do meio
10 Na realidade brasileira temos a crescente negação da ditadura civil-militar e mesmo uma tentativa de reescrever a
história por parte da extrema direita, e nas últimas eleições a negação da objetividade das coisas por Fake News, de
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ambiente, Ricardo Salles, era considerado no exterior como uma ameaça global11, declarado
defensor da exploração da Amazônia, da regularização de áreas griladas, da mineração, do garimpo
ilegal e da invasão de terras indígenas12, intensificou sua militância negacionista e se aliou aos
madeireiros ilegais, ora na ajuda jurídica para encobrir criminosos ora incitando o ódio de líderes de
governos que são solícitos ao Brasil no que diz respeito ao problema da preservação ambiental na
Amazônia.
As ações do ex-ministro tiveram impacto global e figuram nos noticiários do mundo inteiro,
manchando a já fraquíssima imagem do Brasil quando se trata da preservação da Amazônia e de
suas áreas de concentração de diversidade biológica. O desmatamento na Amazônia tem batido
recordes diários e, segundo o Imazon13, o aumento chega a ser registrado em taxas 216% maiores do
que em 2020. Com as áreas desmatadas perdemos em biodiversidade, aumentamos a emissão de
gases do efeito estufa e certamente adquirimos visibilidade como um país que não tem o mínimo de
controle em sua regulação ambiental.
Em 2020, tivemos o maior número de queimadas desde o início da primeira década deste
século, o mundialmente conhecido incêndio no Pantanal Matogrossense com cerca de 22.119 focos,
120% superior ao período de 2019 e, segundo o Inpe14, esse foi o maior aumento de todos os biomas
brasileiros. O incêndio no Pantanal atingiu cerca de 28% do território, ganhando repercussão
mundial, ao lado da Amazônia com 103.134 incêndios registrados. São diversos os relatórios e
pesquisas que mostram como a falta de orçamento, as ideias negacionistas e a flexibilização da
legislação ambiental contribuíram para que tais eventos fossem maximizados em patamares
assustadores. Para tornar a situação ainda mais problemática, são fartas as evidências de aliança
certa forma, contribuiu para a eleição do atual presidente, o “messias” salvador. Estes são os perigos de relativizar a
história que, de certo modo, pode fornecer a base ideológica para a práxis reacionária da burguesia, sobretudo em
conjunturas de crises. Além do mais, permite-se de forma mágica, dissociar autores e suas obras de suas práticas
políticas e posições de classe, a exemplo dos adoradores de Nietzsche e Heidegger que negam a visão aristocrática e
contrária ao comunismo do primeiro e a participação integral no nazi-fascismo do segundo, tudo isto a partir do corte
epistêmico. (LIMA, 2020, p. 369)
11 Ricardo Salles na mira da PF: manter ministro ameaça acordos do Brasil com o mundo, diz pesquisador de instituto
alemão. Fonte: BBC. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-57181525. Acesso em: 29/mai/2021.
12 Ricardo Salles deve ser retirado imediatamente do Ministério de Meio Ambiente. Fonte: GREENPEACE. Disponível
em: https://www.greenpeace.org/brasil/blog/ricardo-salles-deve-ser-retirado-imediatamente-do-ministerio-de-meio
ambiente. Acesso em: 29/mai/2021.
13 Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia.
14 Ricardo Salles: 13 fatos que fazem do ministro ameaça ao meio ambiente do planeta. Fonte: BRASIL DE FATO.
Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/04/21/ricardo-salles-13-fatos-que-fazem-do-ministro-ameaca-ao
meio-ambiente-do-planeta. Acesso em: 28/mai/2021.
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com madeireiros ilegais e a intensa obstrução de investigação nas atividades destes madeireiros,
assim como o aumento da burocracia para autuações, facilitando a anulação de multas, dificultando
o trabalho de entidades que combatem crimes ambientais.
Além disso, a ideologia negacionista do governo brasileiro salta aos olhos quando se trata
das questões do clima, tanto isso é verdade que o ex-ministro apresentou a meta climática ao
Acordo de Paris desconsiderando os ajustes que deveriam ter sido feitos no cálculo desde 2015,
defendendo uma meta 25% menor do que deveria ter sido apresentada. Sem formação alguma para
questões ecológicas, o ex-ministro defendeu que o aquecimento global é um mero debate
acadêmico, fortalecendo a tese negacionista do clima, intensificando a difusão de notícias falsas e
conspiracionistas no país. O aumento do desmatamento e das queimadas provocados pela ação de
madeireiros e garimpeiros ilegais é uma consequência direta dessas ideias negacionistas que aliado
ao problema da diminuição da fiscalização expressam o desmonte do Ibama e do ICMBio15 que
sofreram reestruturação no intuito de se ajustarem ao agronegócio.
Na cúpula dos líderes sobre o clima de 2021, o governo brasileiro se comprometeu a
alcançar até 2050 a neutralidade na emissão de gases do efeito estufa e a erradicação do
desmatamento ilegal até 2030. Ainda durante o encontro, ao lado do ex-ministro Ricardo Salles, o
presidente do país se comprometeu com a preservação do meio ambiente, com a geração de energia
limpa e com o desenvolvimento tecnológico da agricultura16. O grande problema que se interpõe no
caminho das intenções do presidente é justamente sua posição negacionista no que diz respeito ao
meio ambiente. Segundo o Ipam17, as ações do governo se chocam com o que se espera de qualquer
país que pretenda controlar mudanças climáticas em seu solo. Faltam medidas contra grilagem nas
florestas públicas, faltam ações de controle no campo, o aumento do desmatamento tem aumentado
o índice de emissões de gases estufa e, o mais preocupante, o sistemático ataque aos povos e
comunidades tradicionais que residem nestas regiões.
15 Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
16 Bolsonaro promete fim das emissões de gases de efeito estufa até 2050. Fonte: AGÊNCIA BRASIL. Disponível em:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-04/bolsonaro-promete-fim-das-emissoes-de-gases-de-efeito-estufa
ate-2050. Acesso em: 02/jun/2021.
17 Instituto de Pesquisa Ambiental. Discurso de Bolsonaro em Cúpula do Clima repercute entre entidades. Fonte:
AGÊNCIA BRASIL. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2021-04/discurso-de-bolsonaro-em
cupula-do-clima-repercute-entre-entidades. Acesso em: 3/jun/2021.
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As ações do governo têm prejudicado, por exemplo, os artigos 5º e 6º do Acordo de Paris
que versam sobre os recursos financeiros para que os países possam impulsionar ações climáticas
em setores relevantes para a economia, como o manejo de resíduos e a geração de energia. É com
esses recursos financeiros que o governo pretende contar para pagar as forças armadas que
trabalham na região, por exemplo, além de barganhar emendas parlamentares no congresso com a já
conhecida Bancada do Boi. No entanto, as ideias negacionistas sobre a crise climática defendidas
pelo governo têm repercutido negativamente no cenário internacional. Líderes da Cúpula do Clima
não têm sentido segurança com investimentos nem com a conjuntura política instaurada no Brasil
com a chegada ao poder de um governo de extrema direita.
Nesse sentido, a consequência prática da difusão das ideias irracionalistas e negacionistas do
governo tem impactado a relação do Brasil com os demais países do planeta, a exemplo de, em
2021, 61 entidades brasileiras terem enviado uma carta à OCDE18, relatando que as atuais políticas
ambientais promovidas pelo governo são totalmente incompatíveis com o padrão esperado por
qualquer país membro da OCDE. Entidades como a Apib19, a Comissão Pastoral da Terra, a
Conectas Direitos Humanos, o Greenpeace Brasil e o Observatório do Clima fazem parte dos
grupos que assinam a carta.
As entidades citam a desconstrução de diversos conselhos que permitiam a participação
social no executivo, como no caso do Conama20, além de dificultar o acesso à informação adotando
medidas restritivas de participação social nas políticas públicas. A política ambiental do governo é
uma das mais nefastas das últimas décadas, como exemplo temos o projeto de lei nº 191/2020 que
permite atividades de garimpeiros, instalação de hidrelétricas e outros tipos de exploração em terras
indígenas, como o petróleo e o gás. Há também o projeto de lei nº 3.729/2004, na Câmara dos
Deputados, e no Senado Federal, o de nº 168/2018, que pretende alterar o licenciamento ambiental21
e também a avaliação dos fatores de impactos ambientais, o projeto de lei de nº 2.633/2020, e no
Senado Federal, o de nº 510/2021, que pretendem legalizar as ocupações irregulares em grandes
áreas de terras públicas para caráter especulativo, a grilagem.
18 Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
19 Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
20 Conselho Nacional do Meio Ambiente.
21 O texto-base do licenciamento Ambiental foi aprovado na Câmara dos Deputados numa votação de 300 a favor por
122 contra. Fonte: Senado Federal. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/758640-aprovado-texto-base-do
projeto-sobre-licenciamento-ambiental-votacao-continua-na-manha-desta-quinta Acesso em 13/jun/2021
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Todo o cenário outrora descrito ocorre em meio a uma crise sanitária sem precedentes na
história brasileira, intensificada pela ausência de respostas de curto, médio e longo prazo do
governo federal (PEIXOTO et al, 2019) e que tristemente nos custou, na data de escrita deste artigo,
mais de meio milhão de mortes causadas pelo Covid-19. O menosprezo da pandemia, a negação da
crise climática e a difusão de soluções pseudocientíficas são marcas registradas de um governo
genocida que, somadas a grave crise democrática têm minado as possibilidades de consolidação dos
espaços de participação da sociedade civil e de garantia de direitos. Tudo isso expressa também o
fato de que este governo tem atuado de forma incisiva na promoção de um dos maiores ataques
institucionais às medidas de proteção do meio ambiente, do clima, e dos povos indígenas,
tradicionais e comunidades quilombolas.
Por fim, uma das prioridades da política externa do governo brasileiro está pautada no
acesso à OCDE, fator que revela um forte aspecto da dependência econômica de um país periférico
e desindustrializado, a saber, pautar sua agenda política para agradar os países da metrópole do
capital, sacrificando vidas, se preciso for, sacrificando suas possibilidades de protagonismo
industrial e tecnológico, sacrificando sua já fraca autonomia no cenário econômico global em
função da participação numa organização de países cujas condições de financiamento, de acesso ao
grande capital e de protagonismo tecnológico estão décadas a frente do Brasil. A dependência
econômica no capitalismo não apenas promove a morte em países periféricos, mas a subserviência,
a escravidão e o esgotamento de recursos naturais em função da lei máxima desse modo de
produção, a acumulação de capital.
Considerações Finais
Conforme o exposto até aqui, são inúmeras as tentativas de tentar conciliar o
desenvolvimento do capitalismo e a preservação dos recursos naturais do planeta por meio de
ideologias negacionistas. Um conjunto de ideias cujo intuito é não apenas negar o real, mas impor
uma lógica de compreensão da materialidade concreta que se constitui como um constructo fictício
da realidade. Isso ocorre por uma razão um tanto óbvia: a renovação do ciclo de consumo só pode
ocorrer mediante a descartabilidade das mercadorias já produzidas e a produção e aquisição de
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novas mercadorias. Essas novas mercadorias precisam necessariamente ser produzidas mediante o
uso irracional dos recursos naturais do planeta, e é precisamente neste sentido que surge a
necessidade de justificar a continuação do uso desenfreado dos recursos renováveis e não
renováveis, para que seja possível a realização do atendimento das demandas produtivas do
metabolismo social do capital.
Assim sendo, buscamos demonstrar que essa forma de produzir a existência sob o domínio
do capital possui um caráter produtivo-destrutivo e obriga a burguesia a realizar duas tarefas, a
primeira seria dar conta de criar um conjunto de ideias cujo intuito é justificar este uso irracional
dos recursos naturais a partir da negação de quaisquer crises climáticas ou de quaisquer fatos que
expressem ser a acumulação de capital um problema à preservação ambiental, e a segunda, difundir
a sedutora ideologia a partir de processos educativos os mais amplos que permeiam as mais diversas
esferas da sociedade, criando jargões e até mesmo categorias econômicas e políticas para sintetizar
o conjunto de ideias e valores burgueses como justificativa do atual estado de coisas.
É neste preciso sentido que, se as ideias dominantes são as ideias da classe dominante, é essa
classe dominante que tem a tarefa de organizar, entre os seus membros, conferências e encontros
para tratar de tais questões, sintetizando a defesa ideológica da necessidade de acumulação de
capital em acordos internacionais com países dependentes economicamente para que, dessa forma,
se permaneça intacta a estrutura organizacional de exploração dos recursos naturais de países
periféricos em função da manutenção da estrutura de protagonismo industrial dos países
desenvolvidos, a partir da subordinação e subserviência dos países em processo de
desindustrialização.
Nesse sentido, e por uma estratégia de escolha metodológica, analisamos o principal tópico
de uma dessas conferências após quase uma década de sua realização, o que nos permitiu olhar para
a história para sustentar com mais precisão nossos argumentos. Tentamos, pois, demonstrar que a
total insustentabilidade das decisões finais acordadas na Conferência das Nações Unidas Para o
Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, já era visível no ano de sua realização. Argumentamos
também sobre a impossível compatibilidade da sustentabilidade em meio à crise estrutural do
capital, pois a ativação dos limites absolutos da crise carrega consigo a taxa de utilização
decrescente do uso de mercadorias, a obsolescência programada e a prematura descartabilidade dos
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bens de consumo provocada pelo caráter obsoleto que as próprias inculcações ideológicas do capital
tendem a produzir para sustentar a manutenção da lógica de autorreprodução do capital.
Ainda, que essa necessidade de autorreprodução do capital requer uma justificativa perante a
opinião pública até mesmo em países cuja democracia burguesa atingiu grandes patamares de
grande desenvolvimento, e é precisamente aqui que residem as tentativas da grande burguesia em
inserir o seu conjunto de ideias falsas cujo intuito tem sido negar as evidências mais óbvias do
impacto que a produção destrutiva do capitalismo tem causado no planeta.
Para citarmos um exemplo concreto, no caso de países periféricos e desindustrializados
como o Brasil, temos a grande burguesia representada no intenso controle econômico do
agronegócio, que há mais de uma década vem devorando as terras dos povos originários,
expulsando camponeses e se infiltrando no congresso nacional para induzir o apoio de
parlamentares a apoiarem projetos de lei ou propostas de emendas constitucionais cujo objetivo é a
flexibilização da legislação ambiental no intuito de privilegiar criminosos e contrabandistas, num
país que vem se tornando uma espécie de plataforma de exportação agro mineral para países da
metrópole do capital22.
Para tanto, a burguesia brasileira necessita difundir um conjunto de ideias que negam as
evidências científicas dos impactos ambientais e culturais da expansão do garimpo ilegal, da
mineração, do desmatamento, das queimadas, do uso de agrotóxicos e da dolarização dos custos de
produção da comida no país. Esse conjunto de ideias negacionistas são a expressão não apenas da
crise do capital, mas da necessidade da burguesia manter-se no poder a partir da omissão das
nefastas consequências de suas ações no planeta.
Dessa forma, conforme temos visto a crise do capital se aprofundando, vemos também a
retirada de direitos sociais historicamente conquistados nas ruínas da democracia burguesa,
22 Se tomarmos o exemplo da China, que se tornou uma espécie de fábrica do mundo, é possível encontrar um lugar
onde não existem limites para o sonho do modo de vida burguês, para a acumulação de capital, o mercado de
criptomoedas tem atingido níveis de consumo energéticos inimagináveis e estão intimamente ligados ao processo de
intensificação da emissão de carbono (JIANG et al., 2021). No imenso país asiático é possível ver as consequências
trágicas da exploração dos trabalhadores assalariados ao lado do problema da crise climática, como o caso do alto
consumo de energia e emissão de carbono liderado pela tecnologia da Blockchain e o mercado de criptomoedas, pois,
para se ter uma ideia, de acordo com Jiang et al (2021) a mineração de Bitcoins podem consumir tanta energia por ano
quanto um país de porte médio tal como a Dinamarca ou Irlanda, e vem gerando níveis consideráveis de emissões de
carbono nos anos recentes.
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observamos a perda do já parco controle social e comunitário de comunidades e povos sob suas
terras. As teses do desenvolvimento sustentável encontradas nos documentos de conferências
internacionais representam um consenso entre as burguesias dos países que estão na metrópole do
capital, a saber, que a única forma de manter e sustentar um modo de produção pautado na
propriedade privada e na produção destrutiva é impedindo que os países de economia dependente
alcancem o potencial econômico já alcançado por aqueles que hoje se industrializaram, com o
argumento de que iriam esgotar os recursos já escassos do planeta. Esse ideário é sustentado pelo
lema do desenvolvimento sustentável, que tenta compatibilizar a produtividade destrutiva do
capitalismo com o adestramento de países economicamente dependentes, como o Brasil,
promovendo a desindustrialização e a diminuição da capacidade de competição tecnológica no
planeta.
Para tornar a situação ainda mais problemática, as teses negacionistas dos governos de
extrema direita eleitos nos países da América Latina, como também no caso do Brasil, não apenas
dificultam quaisquer ações na direção de um mínimo cuidado com as questões do clima, como
também ajudam a intensificar o apoio ao conjunto de ações que têm por intuito flexibilizar as
legislações ambientais para que o país se adeque ao conjunto de necessidades da burguesia
internacional. A estratégia ideológica do negacionismo tem servido ao governo brasileiro para
justificar a devastação ambiental e garantir a manutenção do Brasil como um país economicamente
dependente de grandes países desenvolvidos, transformando o país em um quintal da grande
burguesia internacional.
Concordamos com Lima (2020, p. 369) quando afirma que
os cortes e a negação da realidade concreta criam um poderoso instrumento ideológico de
controle e reprodução social de massas favorecendo a práxis pautadas no conservadorismo
que utiliza a pós-verdade para os interesses do capital. É preciso que tenhamos noção de
que as ideias se materializam na práxis humana, seja para libertá-la ou dominá-la. O retorno
e aprofundamento a categoria da ideologia (falsa ou verdadeira) é fundamental para não
cometermos o equívoco de negar o se papel como expressão da consciência que se
transforma em força material capaz de influenciar na ação política concreta.
Diante do exposto, concluímos argumentando a necessidade de se realizar a leitura da
realidade a partir de categorias que sejam capazes de expressar ontologicamente o real movimento
das coisas, e que o marxismo se constitui como uma forte ferramenta contra as formas fetichizantes
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de compreensão do real, contra as tentativas de negar a ciência, a razão dialética e o progresso da
humanidade. Por fim, argumentamos que a forma metabólica do atual modo de produção é
incompatível com a manutenção da vida no planeta. Nesse sentido, a única alternativa que se
interpõe no horizonte deve ser a abolição desse nefasto modo de produção pautado na propriedade
privada.
Diante da abundância e da produção de excedentes proporcionadas pelo desenvolvimento
das forças produtivas hoje presentes, salta aos olhos o fato de que as condições estão maduras e
postas para que se construa uma sociedade sem barbárie, sem guerras, sem devastação ambiental,
uma sociedade de livres produtores associados capaz de abolir o mercado e distribuir de forma
planejada os recursos necessários a criação do ócio e das necessidades humanas. A crise econômica
é mais um alerta, um sintoma dessa necessidade histórica, e cabe ao proletariado organizado e
consciente efetuar o rompimento deste insano modo de viver a vida chamado capitalismo.
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Recebido em: 02/11/2021
Aceito em: 13/01/2022
Publicado em: 28/01/2022. O artigo dos autores Bruno Alysson Soares Rodrigues , Antônio Marcondes dos Santos Pereira e Maria Aires de Lima .
O negcionismo climático é uma estratégia deliberada para proteger os interesses econômicos do modo de produção capitalista, especialmente aqueles ligados à indústria de combustíveis fósseis e ao agronegócio.
E as estretégias dos donos do capital incluem.
Proteção de Interesses Financeiros: As indústrias que dependem fortemente de atividades emissoras de gases de efeito estufa, como as de petróleo, gás e carvão, têm interesse direto em atrasar ou bloquear políticas de mitigação climática que exigiriam grandes transformações em seus modelos de negócio e fontes de lucro.
Financiamento de Desinformação: Relatos e estudos indicam que grupos e think tanks negacionistas são frequentemente financiados por grandes corporações e doadores anônimos ligados a essas indústrias, com o objetivo de semear dúvidas sobre o consenso científico e influenciar a opinião pública e a legislação.
Manipulação e Lobby Político: Empresas e setores econômicos utilizam táticas para manipular relatórios, fazer lobby em governos e bloquear a criação de políticas públicas e iniciativas financeiras de mitigação, como o Acordo de Paris, para evitar a regulamentação governamental de suas atividades.
O neoliberalismo associando a esses interesses de capital, opõe-se a intervenções governamentais e regulamentações, preferindo soluções de livre mercado. O negacionismo climático se encaixa nessa visão, ao descreditar a necessidade de ação coletiva e regulada pelo Estado: Ao negar a urgência da crise, o negacionismo climático leva à inação, o que permite que o modelo econômico atual, baseado em crescimento contínuo e queima de combustíveis fósseis, continue a operar sem grandes rupturas ou a necessidade de uma transição rápida para energias renováveis.
Ocultação de Contradições: A narrativa negacionista ajuda a ocultar as contradições do capitalismo em relação ao meio ambiente, onde a busca por lucro e crescimento exponencial desconsidera os limites ecológicos e destrói os ciclos naturais de renovação.
O negaciionismo climático é uma estratégia para defender os interesses dos donos do capital e seus lucros exorbitantes . Mantendo o status quo do modo de produção capitalista.
Confira a noticia no UOL .https://noticias.uol.com.br/
E assim caminha a humanidade
Imagem ; UOL.
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