Misoginia e patriarcado são conceitos interligados, mas distintos. A misoginia, o ódio e a aversão às mulheres, é a atitude individual e ideológica, enquanto o patriarcado é o sistema social e estrutural que sustenta essa aversão.
O que é patriarcado?
O patriarcado é um sistema social e cultural de dominação masculina que se manifesta em diferentes níveis da sociedade.
Autoridade masculina: Historicamente, a figura masculina, principalmente a mais velha, exerce autoridade sobre a família e a sociedade.
Estruturas sociais: A dominação masculina se estende às instituições políticas, econômicas, religiosas e culturais.
Desigualdade de gênero: O sistema patriarcal perpetua a noção de que os papéis de gênero são biológicos e imutáveis, essencializando a diferença entre homens e mulheres para justificar a desigualdade.
Violência estrutural: A manutenção do patriarcado depende da violência, que pode se manifestar em diferentes formas de opressão contra as mulheres e outros grupos vulneráveis.
O que é misoginia?
A misoginia é a aversão, o ódio ou o desprezo pelas mulheres, que se manifesta em comportamentos, discursos e práticas que as desvalorizam.
Consequências práticas: A misoginia leva a consequências destrutivas, como feminicídios, humilhações, objetificação e outras formas de violência.
Atitude e ideologia: Diferente do patriarcado, que é uma estrutura social, a misoginia é a atitude específica de ódio. Enquanto o machismo promove a superioridade masculina, a misoginia é a aversão às mulheres.
Discurso de ódio: A misoginia também se manifesta em discursos de ódio contra mulheres, como os encontrados na internet.
Caráter social: A misoginia é um comportamento social, não se limitando a ações individuais, e é alimentada pela estrutura patriarcal.
A relação entre misoginia e patriarcado
O patriarcado e a misoginia estão intrinsecamente ligados, com o primeiro sendo o sistema que sustenta a segunda.
O sistema e a prática: O patriarcado é o sistema de poder que cria e normaliza a misoginia, que, por sua vez, é a prática desse ódio às mulheres.
Perpetuação da dominação: O sistema patriarcal naturaliza a desvalorização feminina ao longo da história, criando as condições para que o ódio às mulheres seja socialmente aceito e reproduzido.
Violência e controle: O patriarcado depende da violência para se sustentar, e a misoginia é a manifestação direta dessa violência contra as mulheres, que são alvos por serem mulheres.
Confira o artigo dos autores Rodrigo Queiroz de Aguiar
Faculdade Alfredo Nasser (UNIFAN) e Márcia Cristina Hizim Pelá
Faculdade Alfredo Nasser (UNIFAN) Na Revista Sapiencia.
ISOGYNY AND GENDER VIOLENCE: ORIGIN, FACTORS AND DAILY LIFE
Rodrigo Queiroz de Aguiar
Faculdade Alfredo Nasser (UNIFAN)
rodrigoqueirozaguiar@gmail.com
Márcia Cristina Hizim Pelá
Faculdade Alfredo Nasser (UNIFAN)
marciapela@unifan.edu.br
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Resumo: O presente trabalho é fruto de uma pesquisa realizada no programa de Programa
Institucional Voluntário de Iniciação Científica (PIVIC) da Faculdade Alfredo Nasser e tem como
objetivo principal compreender qual a origem e os fatores que levam à violência de gênero. Para
alcançar o objetivo proposto, será inicialmente analisada, por meio de estudos bibliográficos, a
origem da misoginia e, posteriormente, por meio do levantamento de dados, as suas consequências
na atualidade. Dentre os pontos a serem analisados e apresentados, destacam-se: os fatores
históricos e socioculturais que levam à desigualdade entre gêneros; a relação entre o patriarcado e
o assujeitamento da mulher; a associação entre a violência contra a mulher; a sua luta por
transformações e liberdade no interior das relações sociais; e, por fim, a expansão de novos
debates sobre as extensas formas de dominação de gênero.
Palavras-chave: Misoginia, Origem, Fatores, Cotidiano.
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Abstract: The present work is the result of a research carried out in Voluntary Institutional
Scientific Initiation Program (PIVIC) of Alfredo Nasser College. Its main objective is to
understand the origin and the factors that lead to gender violence. To reach the proposed objective,
the origin of misogyny will be initially analyzed through bibliographic studies and later, by data
collection, its consequences nowadays. Among the points to be analyzed and presented, the
following stand out: the historical and sociocultural factors that lead to gender inequality; the
relationship between patriarchy and the subjection of women; the association between violence
against women; their struggle for change and freedom within social relations; and, finally, the
expansion of new debates on extensive forms of gender domination.
Keywords: Misogyny, Origin, Factors, Everyday.
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Introdução
A misoginia e a violência de gênero são temas que vem pautando os debates e o dia a
dia dos sujeitos na sociedade contemporânea. Cotidianamente nos deparamos com manchetes
nos meios de comunicação que expõem esta violência, consistente em desde agressões físicas
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e psicológicas até o feminicídio, denotando quão urgente é a compreensão dos fatores que
levam a este comportamento humano que assola a sociedade contemporânea e desestrutura
famílias, bem como o cotidiano de vida de milhares de mulheres.
Tal compreensão, ao aclarar a origem e os fatores que levam a este fenômeno, poderá
contribuir para que se possam desenvolver políticas públicas e ações, materiais e imateriais,
de combate à violência da mulher, haja vista que, apesar das lutas travadas em âmbito público
e privado, o número de agressões e feminicídio ainda vem crescendo a cada ano.
Desse modo, a pesquisa abrange o presente e o passado, uma vez que é neste
movimento dialético que é possível compreender o processo histórico do fenômeno em
estudo. O presente, por ser o agora e o campo das experiências simultâneas. Nele também é
possível levantar e acessar dados e discussões presentes nas ações e relações sociais
cotidianas. Já o estudo do passado possibilita o acesso à origem desses problemas.
Barca et al. (2010) contribuem com essa discussão ao dizerem que:
A história é o espelho da realidade passada na qual o presente aponta para aprender
algo sobre seu futuro. A consciência histórica deve ser conceituada como uma
operação do intelecto humano para aprender algo neste sentido. A consciência
histórica trata do passado como experiência, nos revela o tecido da mudança
temporal dentro do qual estão presas as nossas vidas e as perspectivas futuras para as
quais se dirige a mudança. (BARCA et al., 2010, p. 56-57).
Este movimento dialético, entre presente-passado-presente, foi o alicerce para o
aprimoramento das problematizações que norteiam a pesquisa, haja vista que a hipótese
inicial era a de que a origem do processo de desigualdade entre os gêneros tem um passado
longínquo. Nesse sentido, quais são as origens, os fatores e os meios que proporcionam a
disseminação de uma “ideia” falaciosa da inferioridade da mulher? Como se configurou a
submissão da mulher no período Medieval, nos campos sociocultural e econômico? Quais os
principais componentes históricos que influenciam e configuram a violência de gênero na
atualidade? Quais as relações entre a violência contra mulher e a sua luta emancipatória?
Por isso, remontar às bases históricas para orientar-se quanto aos problemas que
emergem no tempo presente (ou seja, tempo simultâneo) torna-se imprescindível à pesquisa e
ao alcance dos objetivos propostos, quais sejam, compreender o processo e o movimento da
mulher enquanto sujeito sócio-histórico, analisar a relação entre os processos de inferiorizarão
da mulher e as lutas emancipacionistas e, por fim, compreender as consequências e a
complexidade entre o processo sociocultural de inferiorização e a luta emancipatória com as
reações misóginas, violentas e de feminicídio.
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É importante ressaltar que, já no início da pesquisa bibliográfica, nos deparamos com
os traços da cultura oficial de invisibilidade frente às mulheres, haja vista que não há livros
escritos por elas antes do século XX. Perrot (2005), em seus estudos sobre as mulheres no
início da década de 1970, destaca esta ausência na narrativa historiográfica e afirma que as
mulheres se veem nesse contexto de silêncio, em razão da desigualdade entre os sexos.
Ressalva, ainda, que esta distorção de registro primário é agravado por um déficit de
conservação de traços. Segundo a autora,
Pouca coisa há nos arquivos públicos destinados aos atos da administração e do
poder, onde as mulheres aparecem apenas quando perturbam a ordem, o que
justamente elas fazem menos do que os homens, não em virtude de uma natureza
rara, mas devido à sua hesitação também em dar queixa quando elas são as vítimas.
Consequentemente, os arquivos de polícia e de justiça, infinitamente preciosos para
o conhecimento do povo, homens e mulheres, devem ser analisados até na forma
sexuada de seu abastecimento (PERROT, 2005, p. 12).
Para contrapor a esta cultura masculinizada, que produz uma desigualdade entre o
masculino e o feminino, é que se optou, como bases teóricas, pelas obras bibliográficas de
Beauvoir (2016) e Scott (1988), que auxiliam na compreensão desta desigualdade entre os
gêneros, bem como por interpretar os dados atuais sobre violência contra a mulher.
O presente artigo divide-se em três partes a fim de discutir, em etapas, as origens da
constituição da violência, da misoginia, da desigualdade entre os gêneros e das instituições
que corroboram com todo esse movimento. No segundo tópico – a contemporaneidade –
analisa-se como a cultura patriarcal resistia até chegar aos dias atuais, descreve-se a
construção de gênero e os problemas a partir disto e, por fim, faz-se o levantamento de dados
que busca desvelar a violência de gênero. Por fim, são analisados movimentos de resistências
(sejam eles grupos sociais feministas e de homens em resistência) e interpretadas algumas
correntes que se ampliaram na segunda metade do século XX sobre os modelos de opressão
de gênero na sociedade.
As origens e o processo de inferiorizarão das mulheres
A misoginia é o prejuízo mais antigo do mundo e apresenta-se como um ódio ou
aversão às mulheres, podendo manifestar-se de várias maneiras, incluindo a
discriminação sexual, denegrição, violência e objetificação sexual das mulheres.
Entre os diversos tipos de violências relacionadas diretamente ou indiretamente com
o gênero feminino estão as agressões físicas, psicológicas, sexuais, mutilações,
perseguições; culminando em alguns casos no feminicídio. À medida que as
sociedades foram evoluindo, as formas discriminatórias contra a mulher se tornaram
mais refinadas e nem por isso menos inadmissíveis do que na época da pedra
lascada. O repúdio às mulheres, às vezes com seus contornos diferenciados, mais ou
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menos ocultos ou disfarçados, persistem em situações de opressão de gênero,
oriundas de um passado já bem remoto. (MOTERANI; CARVALHO, 2016, p. 167).
A citação apregoa que a misoginia foi socialmente construída e está diretamente
relacionada ao ódio, à violência, à opressão e à dominação contra tudo e todos que
questionam a cultura do poder masculinizado. Contudo, é sabido que não existe o „fora do
poder‟, mas uma relação de forças desiguais entre os diferentes grupos sociais. Logo, o grupo
que detém os poderes econômicos, políticos e sociais tenta sobrepujar econômica, ideológica,
social e culturalmente os grupos menos favorecidos, e estes, por sua vez, resistem e/ou
(re)existem visando à inserção no sistema de forma equânime e/ou a transformação do próprio
sistema.
Desse modo, pode-se afirmar que a misoginia e as suas consequências são parte de um
processo construído historicamente e que os problemas por ela ocasionados, além de terem
contextos bastante amplos, também influenciam no avanço das transformações dos que
buscam romper com esta construção histórica de subordinação e de violência contra a mulher.
Beauvoir (2016) robustece esta argumentação ao dizer que, desde as primeiras
organizações sociais humanas, já é possível detectar que a divisão social do trabalho1 entre
homens e mulheres, nas funções produtivas e reprodutivas, é um dos fatores que corroboram
para o processo de subordinação da mulher em detrimento do homem, uma vez que no
processo de divisão social do trabalho e das funções cabia aos homens, como principal
atividade, o trabalho produtivo (caça, pesca, entre outras atividades) e, por outro lado, tocava
às mulheres o trabalho doméstico que, além de distanciá-la do trabalho produtivo, conduzia-a
ao distanciamento das atuações públicas. Desse modo, pode-se dizer que inicia aí a
desigualdade entre os gêneros.
Nesse cenário, a transição da sociedade tribal para a Antiguidade representou o
nascimento da família enquanto instituição nuclear, do patriarcado2, como principal forma de
organização social, fato que estabelece o homem como o detentor de poder e,
consequentemente, condiciona a mulher à submissão àquele, ao lar e a ficar cada vez mais
apartada da vida pública. Na esteira desse processo organizacional e sociocultural da
sociedade é que irão surgir e se consolidarem as instituições culturais e políticas que irão
1A divisão social do trabalho é estabelecida entre sexo, função, material e intelectual e entre outras formas de
divisão que visa à organização e sistematização que facilitam a produção de riquezas de uma sociedade.
2É importante ressaltar que o patriarcado implica o poder com a figura do pai no poder, enquanto as mulheres
são direcionadas à vida doméstica. Por outro lado, ela reproduziria esse status por meio da educação familiar; o
processo do patriarcado, assim, pressupõe dominação do homem sobre a mulher.
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garantir e perpetuar esta ordem material e ideológica, que tem o patriarcado como modelo de
vida organizacional e social.
Portanto, esta forma de vida, além de ser o modelo a ser seguido, também passa a
fazer parte dos preceitos morais da sociedade e, por conseguinte, a ser defendido e difundido
pelo discurso oficial. Este processo não irá acontecer de formar linear, contudo, é de tamanha
significância e poder social que ainda hoje há herança do patriarcado em nossa sociedade e,
apesar de ter havido algumas transformações, essa lógica organizacional continua a ser impor
contra a ação da mulher em sua luta contra a desigualdade. Exemplo disso é que, na transição
da Antiguidade para Idade Medieval, o patriarcado constituiu um processo de subordinação
da mulher pelos vieses políticos, econômicos e culturais.
No período medieval, que se constituía por meio do modelo de produção feudal, a
subordinação e a dominação ficam mais evidentes nos campos econômicos e socioculturais,
sendo que a primeira ganha maior destaque no campo econômico, pois somente os guerreiros
recebiam terras, ou seja, os que detinham a propriedade eram homens que, por um laço
recíproco com o Rei (suserano), prestavam serviço militar ou se tornavam soldados e/ou
guerreiros. Ou seja, os homens eram os principais beneficiados com terras e poderes.
Desse modo, salienta Beauvoir (2016, p. 137), “a mulher não poderia pretender um
domínio feudal, uma vez que seria incapaz de defendê-lo”. Por outro lado, com as
transformações no regime feudal, a propriedade feudal seria hereditária e patrimonial e,
portanto, ainda de acordo com Beauvoir (2016, p. 137), “a mulher é o instrumento através do
qual a propriedade se transmite, e não sua possuidora”.
No campo cultural, a mulher será subjugada pela igreja católica que, ao ter um forte
controle sobre as famílias e sobre o conhecimento a ser difundido, limitava sua vida sexual e
pública, julgando-a como principal culpada pelos pecados da humanidade3. Portanto, o
período medieval, em que se deu a construção da sociedade ocidental, levou à cultura
tradicional, à divisão e à desigualdade estrutural da mulher na sociedade.
A transição entre o período medieval e o sistema capitalista, embora apresentasse uma
falsa ideia de liberdade das mulheres, traz no seu núcleo todos os problemas das sociedades
anteriores: o conservadorismo, o patriarcado e a desigualdade entre homens e mulheres. Além
disso, embora tenha havido a intensificação das lutas por igualdade e por melhores condições
em busca de liberdade, mostrando um outro lado da modernidade, tais movimentos eram
depreciados e reprimidos.
3Ligado ao pecado original da bíblia entre Adão e Eva.
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O novo (capitalismo em sua formação no século XIX), representado pela urbanidade4,
estaria por vir, e, junto com ele, as mudanças nas relações sociais ocorreriam rapidamente,
impactando todos inseridos em um mundo industrial histérico.
Nesse contexto do novo, a estrutura de uma formação política, econômica e
sociocultural conturbada e conservadora passa a se expressar no voto censitário, na dupla
jornada de trabalho5 e na elevada carga horária nas indústrias e nas más condições de higiene
das novas cidades que foram surgindo, o que aprofundou, ainda mais, a desigualdade de
gêneros, uma vez que a mulher, além de se ver inserida nesse contexto de produção e
exploração do trabalho, ainda era mantida sob a égide do patriarcado, sendo inferiorizada.
Com tamanho desprivilégio, as lutas e resistências contra esse processo desigual acirraram-se.
As resistências se intensificam, portanto, com o advento do capitalismo, quando as
mulheres passam a se organizar em busca de emancipação e direitos diversos. O
enfrentamento contínuo e crescente contra a sociedade tradicional e patriarcal passa a ocorrer – o que persiste até os dias atuais – por meio de ações parlamentares, protestos nas ruas,
exposição na mídia e, até mesmo, no ambiente doméstico, com o intuito de buscar melhores
condições em uma sociedade que se produz e reproduz a desigualdade.
Embora sejam inegáveis alguns progressos ao longo dessa luta histórica – como a
conquista do voto e de melhores condições de trabalho; a edição de leis que amparam a
inserção de mais mulheres nas universidades e que buscam protegê-las da violência doméstica
e pública –, a cultura patriarcal e violenta da sociedade como um todo ainda persiste,
propiciando novas formas de resistência e de perpetuação dessa cultura.
Acerca de toda a construção histórica da desigualdade e da violência acima descrita, é
essencial chamar a atenção para a interpretação de textos da filósofa Simone de Beauvoir
(2016) e de Perrot (2017) que buscam construir uma história da mulher e todo o processo na
relação entre gêneros, seja abordando a desigualdade entre eles, seja tratando da violência e
limitação presentes na vida da mulher, além de ressalvarem toda a transição entre diversos
períodos da história que transferiram diferentes formas de machismo, patriarcado e misoginia.
A relação de gênero na sociedade contemporânea e os gráficos sobre a violência
4Êxodo em massa de pessoas do campo para as cidades.
5Entende-se por dupla jornada de trabalho o externo e o doméstico.
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A pesquisa nos orienta a refletir sobre o que motiva a violência e os altos índices de
feminicídio, sendo importante, cada vez mais, compreender o processo que leva a este cenário
desolador. A hipótese busca responder o porquê da misoginia e da extrema violência que leva,
não raras vezes, à morte: a reação dos homens pela tentativa de ação revolucionária das
mulheres em alcançar sua emancipação ou igualdade.
A ação das mulheres vem de um longo processo histórico com lutas no interior da
sociedade em busca da igualdade na estrutura do patriarcado, impondo e empreendendo
resistências. A reação a este processo no âmbito doméstico pode traduzir-se em violência.
Nesse sentido, a luta pela liberdade e o senso crítico possuem caráter revolucionário para as
mulheres que combatem a autoridade, em busca de transformação.
Vale destacar que a violência aqui tratada é a de gênero e doméstica, que pode ser
relacionada a laços de intimidade pelas tradições culturais (patriarcado) e à desigualdade entre
homem/mulher. Barus-Michel (2011) descreve alguns contornos dessa violência:
A percepção da violência está associada com uma identificação do excesso da ação,
ou seja, ela é sentida quando se ultrapassa limites, estabelecidos pelo social, cultural,
histórico e/ou subjetivo. Seu fundamento é manifestar-se como excesso na
afirmação do um todo poderoso que nega a alteridade (BARUS-MICHEL, 2011, p.
21).
Tais „tradições‟ reproduzem a desigualdade e reforçam esse processo de dominação e
distinção do ser humano. A educação, nesse contexto, condiciona o humano no modo pelo
qual ele vive; com efeito, é a partir da infância que estabelecemos nossos hábitos, valores e
moral, e que se manifesta a cultura e se transportam valores de um ser para outro,
demonstrando que a educação como prática social é um instrumento de disseminação da
moral e cultura, no caso em debate, a moral burguesa e a cultura patriarcal.
Nessa lógica, a educação, em especial a familiar, guia o garoto para ser o mais viril,
aventureiro, competitivo e inteligente, enquanto as meninas são educadas para serem passivas,
delicadas e dóceis, sem apresentar questionamentos e resistências. A divisão entre os sexos
ainda é manifesta na infância por meio dos brinquedos, no caso das meninas, sempre
relacionados a objetos domésticos e estéticos (casa de boneca, kit de maquiagens, “sobretudo
de cor rosa”, bonecas, minieletrodomésticos, entre outros. Vascouto6 (2015) retrata bem a
segmentação, já na infância, da escolha para brinquedos e sua causa:
6VASCOUTO, Lara. Site nódeoito. Por que Brinquedos são Segmentados por Gênero (mas não deveriam)?. 04
de ago. de 2015. Disponível em: <http://nodeoito.com/brinquedos-de-menina-e-de-menino/>. Acesso em: 15
jan. 2020.
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Meninos também sofrem com essas distinções. Porque em nossa sociedade machista
ser como uma menina é tido como algo ruim (fazer coisas “como uma menina” é até
xingamento), meninos que gostam de “coisas de menina” são vistos com
desconfiança e escárnio. Por esse motivo, meninos ativamente buscam e pedem
brinquedos “masculinos”, muito mais do que meninas pedem brinquedos
“femininos” para seus pais. Essa assimetria já foi documentada em vários estudos e
a explicação é sempre a mesma: o estigma de serem identificados como meninas faz
com que os meninos evitem ao máximo qualquer coisa que os aproximem desse
gênero.
À vista disso, o modelo de educação propõe o desenvolvimento de uma sociedade
dividida entre sexos e que essas relações se deem de forma desigual no núcleo social.
Essa relação representa a construção de um ser a quem a a sociedade impõe
determinados comportamentos, hierarquias e objetivos, conforme o sexo. Cada função é
ordenada pela estrutura patriarcal e o desrespeito a esta hierarquia pode resultar em violência.
Beauvoir defende muito bem essa ideia de construção cultural: “Ninguém nasce
mulher: torna-se mulher”7, ou seja, a sociedade, ao impor à mulher cores, brinquedos,
posições, moda, entre outros fatores, a constrói segundo o seu molde. A propósito, o conceito
de gênero é primordial nesse contexto:
O termo "gênero" torna-se, antes, uma maneira de indicar "construções culturais" – a
criação inteiramente social de ideias sobre papéis adequados aos homens e às
mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das
identidades subjetivas de homens e de mulheres. "Gênero" é, segundo essa
definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a
proliferação dos estudos sobre sexo e sexualidade, "gênero" tornou-se uma palavra
particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis
sexuais atribuídos às mulheres e aos homens (SCOTT, 1995, p. 75).
Para além disto, durante todo o processo da infância é estabelecida uma separação, que
impõe valores que no futuro irão se dividir e determinar quem domina e quem é dominado.
Essa divisão se consolida, e aqueles que se propõem a desviar-se desse processo são
hostilizados ou sofrem diante de frustrações severas que resultam na depressão e em outras
doenças psíquicas. Nesse cenário, é primordial a exibição e compreensão dos dados colhidos
acerca da violência contra as mulheres, a fim de se atingir o intuito principal da presente
pesquisa.
Os dados adiante apresentados foram divulgados em meios de comunicações e por
grupos de estudos sobre a violência. A presente pesquisa concentra-se a partir do ano de 2009
até 2019 e, ao constatar que tal problema ainda é presente na atualidade, aponta, também, que
o processo de ruptura possui enormes dificuldades.
7BEAUVOIR, 2016, p. 11. Ressalta-se que o termo “mulher” aqui se traduz na perspectiva cultural, e não
biológica.
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De início, o levantamento a ser apresentado compreende o período entre 2003-2013,
exibindo os homicídios contra as mulheres. Em seguida, são considerados levantamentos
realizados a partir de março de 2015 – quando o crime de feminicídio8 passou a ser previsto
em lei, propiciando a classificação dos dados pelo crime praticado em razão da condição do
sexo feminino – até 2018.
Uma década antes, em 2006, com a introdução da lei Maria da Penha9, previa-se uma
redução no número de ocorrências de violência contra as mulheres em todo o território
nacional (Brasil). No entanto, tal expectativa não se concretizou, conforme apontam os dados
do „Mapa da Violência 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil‟, em que se observa um
aumento de casos entre 2008 e 2013.
A pesquisa detalha a taxa de ocorrência de homicídios de mulheres por 100 mil
habitantes. Os números apontam 4.022 (em números) homicídios de mulheres por 100 mil
habitantes em 2006. Em 2007, esse número apresenta certa baixa, caindo para 3.772. A
tendência lógica seria a continuidade da queda desses números, devido ao advento da Lei
Maria da Penha, como dito. No entanto, não é o que se viu: em 2008, o número vai para 4.023
(4,2); em 2009, sobe para 4.260 (4,4); 2010 registra 4.465 (4,6) mortes; 2011, 4.512 (4.6);
2012 fecha com 4.719 (4,8) assassinatos, e 2013, com 4.762 (4.8). Desse modo, constata-se
que os números da violência contra a mulher cresceram exponencialmente. De acordo com o
índice, o Brasil apresenta posição incômoda no ranque mundial:
Com sua taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, o Brasil, num grupo de 83
países com dados homogêneos, fornecidos pela Organização Mundial da Saúde,
ocupa uma pouco recomendável 5ª posição, evidenciando que os índices locais
excedem, em muito, os encontrados na maior parte dos países do mundo.
Efetivamente, só El Salvador, Colômbia, Guatemala (três países latino-americanos)
e a Federação Russa evidenciam taxas superiores às do Brasil. Mas as taxas do
Brasil são muito superiores às de vários países tidos como civilizados: • 48 vezes
mais homicídios femininos que o Reino Unido; • 24 vezes mais homicídios
femininos que Irlanda ou Dinamarca; • 16 vezes mais homicídios femininos que
Japão ou Escócia. Esse é um claro indicador que os índices do País são
excessivamente elevados (WAISELFISZ 2015, p. 27).
8Lei nº 13.104/2015, a Lei do Feminicídio, classificando-o como crime hediondo e agravado em situações
específicas de vulnerabilidade (gravidez, menor de idade, na presença de filhos etc.).
9Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, Lei Maria da Penha. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar
contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências (WAISELFISZ, 2015, p. 7).
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Figura 1. Evolução da taxas de homicídio contra mulheres (por 100 mil). Brasil. 2003/ 2013
Fonte: Mapa da Violência (2015). Homicídio contra mulheres no Brasil.
Figura 2. Crescimento % das taxas de homicídio contra mulheres (por 100 mil). Brasil. 2006/2013
Fonte: Mapa da Violência (2015). Homicídio contra mulheres no Brasil.
A média do estado de Goiás representou o terceiro no índice sobre homicídios contra
as mulheres, ostentando um crescimento 73,9%, entre 2006-2013. Ainda segundo o Mapa da
Violência (2015), Goiás possui uma média de 8,6% (taxa de homicídio por 100 mil
habitantes), estando somente atrás de Espírito Santo, com 9,3%, e de Roraima, com 15,3%.
Há a hipótese de que o aumento do número de homicídios contra mulheres após 2006
teria se dado em virtude de uma reação à Lei Maria da Penha, editada no mesmo ano, o que
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teria fomentado o ódio direcionado às mulheres. Por óbvio, esta razão, isoladamente, não
explicaria a contento todo o contexto que envolve esse tipo de crime, mas apresenta um olhar
que pode contribuir com o debate sobre o tema.
Oliveira e Oliveira (2018), em matéria publicada pela Agência Senado, registram:
Para o coordenador do Observatório [da Mulher contra a Violência], Henrique
Marques Ribeiro, entender o porquê da variação é crucial para avaliar se o caminho
que o Brasil percorre atualmente no combate ao problema é correto ou não.
A política pública está falhando porque está aumentando a violência ou está tendo
sucesso porque está identificando de forma mais clara o que é violência?
Seja como for, no Brasil, menos de 10% dos municípios contam com delegacias
especializadas de atendimento à mulher. O coordenador do Núcleo de Direitos
Humanos do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Thiago Pierobom,
chama a atenção para outra constatação que considera significativa para a análise
das redes de atendimento: segundo ele, um número expressivo de vítimas ainda tem
receio de procurar ajuda institucional. (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2018).
Assim, mudanças trazidas pela Lei do Feminicídio também podem ter contribuído para
a identificação dos crimes praticados contra a mulher, expondo com mais propriedade
números antes obscuros. Por certo, as razões que levam ao aumento dos números devem ser
analisadas de forma cuidadosa, mas não se pode desconsiderar a possibilidade de reações à
edição dessas novas leis.10
Com efeito, em 9 de março de 2015, a citada lei alterou o artigo 121 do Código Penal
brasileiro, que passou a prever o feminicídio como qualificadora do crime de homicídio, com
o intuito de punir com mais rigor e, de efeito, diminuir as ocorrências desse tipo de crime,
repita-se, praticado em virtude do gênero – redução esta que, aparentemente, não ocorreu,
frisa-se. Os dados a seguir apresentam o resultado de pesquisa elaborada entre 2015 e 2019
(após a edição da Lei do Feminicídio) pelo Núcleo de Estudos sobre a Violência, da
Universidade de São Paulo (USP) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os gráficos são limitados devido ao fato de que, durante anos, houve problemas na
falta de liberação dos casos por alguns estados e municípios. Apesar de o número de
assassinatos contra a mulher ser alto e a investigação precária, os números observados são
0,4% em 2015 (a cada 100 mil habitantes), 0,7% em 2016, 1,0% em 2017 e 1,1% em 2018.
Os homicídios contra mulheres não enquadrados como feminicídios, entre 2017 e 2018,
tiveram uma queda de 6,5% (2017 – 4.558, e 2018 – 4.254).
10 Há de se ressaltar que o homicídio contra a mulher não é a única prática de violência a ser analisada: estupros,
assédios, entre outros atos, podem fazer parte de um estudo futuro que venha a ratificar a desigualdade na
relação de gênero.
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Os dados levantados apresentam obstáculos para análise, pois, como dito, há estados
que não apresentaram dados a respeito dessa temática. Por exemplo, em 2015, 12 estados não
expuseram dados para pesquisa; em 2016, somente oito ficaram de fora; já em 2017, três
deles não foram abarcados e, somente em 2018 é que aparecem todos os estados brasileiros.
Figura 3. Dados do Núcleo de Estudos sobre a Violência
Fonte: Universidade de São Paulo (USP) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2019).
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A partir dos dados apresentados, é nítida a percepção de alterações/melhorias
promovidas a partir da edição de leis que voltadas à defesa e proteção das vítimas de violência
de gênero. Vale ressaltar que o que diferencia o homicídio comum contra as mulheres do
feminicídio é, em especial, a relação afetiva ou parental, sempre envolvendo menosprezo ou
discriminação em razão do gênero. Em outros termos, no feminicídio, a mulher tem a sua vida
ceifada pelo fato de ser mulher, sendo este, portanto, um dos pressupostos do crime e que
delimitam os contornos de pesquisas relacionadas ao tema.
Ampliação do debate entre os modelos de opressão e movimento sociais
O último tópico deste estudo revela as diversas formas de luta contra as inúmeras
feições da repressão praticada contra mulheres em todo o país. O construto teórico sobre a
temática vem-se ampliando em virtude do maior acesso de mulheres às universidades e do
maior debate acerca da problemática no meio acadêmico para ambos os gêneros e, no campo
da prática, grupos diversos – seja de representantes ou de feministas – associam-se para
discutir e movimentar-se contra a estrutura que represente a repressão e dominação no interior
das relações de gênero.
Com efeito, no final do século XX e início do século XXI, emergem grupos e
pesquisas dedicadas aos problemas de gênero e da identidade do sujeito contemporâneo, que
se fundem, fazendo ampliar o cabedal teórico, a exemplo da análise de Hall (2004) sobre as
identidades no período da pós-modernidade, tidas como fragmentadas e frustradas,
construídas em um processo histórico de discursos e práticas antagônicas. Para além disso, há,
ainda, a identidade tradicional, ancorada em conceitos dos cientistas sociais defendidos ao
final do século XIX e início do século XX que, conforme crítica de Hall (2004), é apresentada
como imutável e sem distinção interna, aplicando o termo “sem costura” (sem construções).
Observa-se, ainda, que com o aumento da violência de gênero, os debates sobre o tema
ampliaram-se, surgindo o conceito de interseccionalidade, advindo do Black Feminism,
movimento voltado exclusivamente para as mulheres negras em países como Estados Unidos,
onde o nível da desigualdade entre negros e brancos é latente, sobretudo entre mulheres
negras e brancas. O conceito é novo e propõe diálogo e debates para compreender as
identidades de modo mais amplo, sabendo-se, por outro lado, que tal conceito não tem a
pretensão de tornar-se globalizante.
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Nesse sentido, a partir das décadas de 1990 e 2000 os estudos sobre as discriminações
raciais no núcleo da sociedade contemporânea ganharam força, além de abarcar os vários
tipos de subordinações que se apresenta na sociedade.
Sobre a violência e discriminação abordadas pelo conceito de gênero (relação entre
masculinidade e feminilidade) e de interseccionalidade (opressão e discriminação racial), é
possível dizer que:
A interseccionalidade remete a uma teoria transdisciplinar que visa apreender a
complexidade das identidades e das desigualdades sociais por intermédio de um
enfoque integrado. Ela refuta o enclausuramento e a hierarquização dos grandes
eixos da diferenciação social que são as categorias de sexo/gênero, classe, raça,
etnicidade idade, deficiência e orientação sexual. O enfoque interseccional vai além
do simples reconhecimento da multiplicidade dos sistemas de opressão que opera a
partir dessas categorias e postula sua interação na produção e na reprodução das
desigualdades sociais (BILGE, 2009 apud HIRATA, 2014, p. 62-63).
De acordo com o marxista Karl Jensen (2014), os movimentos sociais são
caracterizados por grupos sociais com necessidades comuns, inconformados com as
condições de dominação e repressão na sociedade. E, de certo modo, organizam-se pelo fator
em comum, ou seja, o movimento representado por mulher (mas que pode conter outros
sujeitos) reivindicando melhores condições de vida e igualdade de acesso aos direitos sociais.
Desse modo, de acordo com Jensen (2014), o movimento das mulheres, a título de exemplo,
só pode surgir quando há uma relação social de opressão contra aquelas. O autor chama a
atenção, ainda, para o objetivo dos movimentos sociais: o de provocar alterações, sempre com
objetivos específicos.
Nesse sentido, há o movimento feminista (sufragistas, ciberativistas, entre outros que
lutam pela liberdade e igualdade de condições entre homens e mulheres) e os movimentos
coletivos masculinos de prevenção à sua própria toxicidade, que buscam tratar o machismo
em si (a cultura e o pensamento machistas) e fora de si (a ação machista).
Dois importantes coletivos que surgem com esse propósito são o coletivo
Ressignificação Masculinidade‟ e o Brotherhood11, que se reúnem para discutir e resistir
semanalmente as práticas machistas reproduzidas propositadamente ou não.
11 CHAVES, Thaís. Machistas em tratamento: os homens que combatem a masculinidade tóxica. 13 de jun. de
2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/diversidade/machistas-em-tratamento-os-homens-que
combatem-a-masculinidade-toxica/>. Acesso em: 16 jan. 2020.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O primeiro tópico do presente estudo busca elucidar as origens e o desenvolvimento
das relações desiguais entre os gêneros, evidenciando que essa desigualdade histórica afeta
sobremodo a mulher.
A pesquisa voltou-se, ainda, para a identificação de alguns problemas cotidianos,
como, por exemplo, os que se referem à educação transmitida ainda com uma construção de
gênero inferior ou superior, ou seja, com o nascimento de um indivíduo, há de imediato sua
determinação de gênero representado a partir do sexo biológico. A sociedade, assim, já
configura cada indivíduo com a representação de masculino e feminino e com sua função na
sociedade, o que foi demonstrado no decorrer da pesquisa. Em virtude da dominação sobre
um gênero específico (mulheres), foi possível levantar o problema da violência, chamando
atenção para a legislação afeta ao tema e para os números de ocorrências que estampam a
crescente quantidade de mulheres assassinadas no Brasil em decorrência do gênero e como é
possível analisar a questão por meio da hipótese posta.
Os dois tópicos, desse modo, trouxeram objetivos claros, quais sejam, o da construção
histórica e sociológica que culminam na dominação e na construção de gênero na sociedade e,
de efeito, na violência por elas ocasionadas. O último tópico propôs, de sua feita, uma análise
acerca dos diversos movimentos que lutam contra essa desigualdade (contradição da
repressão, dominação e da construção de gênero), tanto na prática quanto na teoria.
O resultado da pesquisa apresentada abre um vasto caminho para estudos avançados.
Por fim, conclui-se que o problema debatido não representa tão somente uma suposta
“barreira” das mulheres em relação aos homens ou vice-versa, e sim uma distorção afeta ao
ser humano que deve buscar, por meio da cultura, da educação e de novas formas de
interação, romper com o autoritarismo na distinção e na relação entre sexos na sociedade.
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___________________________________________________________________________
SOBRE O AUTOR E A AUTORA
Rodrigo Queiroz de Aguiar
Licenciado em História pela Faculdade Alfredo Nasser.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/4546551835500418
Márcia Cristina Hizim Pelá
Possui doutorado e mestrado em Geografia na área de concentração natureza e produção do espaço,
pela Universidade Federal de Goiás. Licenciada em Pedagogia e Geografia, docente do ensino
superior na Faculdade Alfredo Nasser (UNIFAN ), em Goiás/Brasil, Secretária Regional da SBPC
GO(2019-2021), presidente da ONG - Cultura, Cidade e Arte , coordenadora do Poli(s)íntese; grupo
transdisciplinar de estudos e pesquisa em educação e cidades. Desenvolve pesquisas transdisciplinares
em temáticas voltadas à Gestão Ambiental e Urbana, a Educação e à Geografia Urbana, mais
especificamente sobre as relações dos poderes no processo de criação, planejamento e ocupação das
cidades e na incidência das práticas socioculturais na formação e disputas territoriais.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/5697504564113299
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Recebido para publicação em março de 2020. O artigo dos autores Rodrigo Queiroz de Aguiar
Faculdade Alfredo Nasser (UNIFAN) e Márcia Cristina Hizim Pelá
Faculdade Alfredo Nasser (UNIFAN) .Na Revista Sapiencia.
Tenho criticas em relação ao Congresso Nacional. Mas tal lei foi um acerto histórico.
Confira a noticia no Portal G1 da Rede Globo .https://g1.globo.com/politica/
E assim caminha a humanidade.
Imagem ; Portal UOL .
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