quarta-feira, 22 de outubro de 2025

O Estado contra a Barbaríe.

 É consenso que o Estado tem o dever de agir contra a barbárie, visto que seu papel fundamental é garantir a segurança, a ordem e o bem-estar da população. A barbárie, nesse contexto, pode ser entendida como o oposto da civilização, representando atos de violência, injustiça e a destruição dos valores sociais e éticos que regem a vida em sociedade. 

A ação do Estado contra a barbárie se manifesta de diversas formas, sendo as principais:

Garantia da segurança pública: O Estado deve proteger os cidadãos por meio de instituições como a polícia, garantindo a defesa dos direitos fundamentais, a manutenção da ordem pública e a punição de atos criminosos.

Promoção de políticas sociais: A desigualdade social e econômica é um dos fatores que contribuem para a barbárie. Assim, o Estado tem o dever de atuar em áreas como saúde, educação e distribuição de renda para garantir oportunidades iguais e uma vida digna a todos os cidadãos, o que fortalece a civilidade.

Defesa dos direitos humanos: O Estado deve promover iniciativas, ações e regulamentações que previnam e combatam violações dos direitos humanos. A ineficiência estatal diante de situações de barbárie que reproduzem a desigualdade social é um ponto de crítica recorrente.

Investigação e punição de crimes: Em contextos históricos, como a ditadura militar no Brasil, a responsabilidade do Estado por violações de direitos humanos é questionada. Organismos internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), já determinaram que o Brasil investigue e puna os responsáveis por crimes contra a humanidade.

Defesa da educação e da democracia: A barbárie pode ser vista como uma ideologia que legitima a violência. Nesse sentido, a luta contra o autoritarismo e a defesa de uma educação democrática são cruciais para que o Estado atue contra a barbárie. 

Confira o artigo dos autores Maria Rita Kehl e Paulo Fernando Pereira de Souza 

A ineficiência do Estado perante a barbárie 

Maria Rita Kehl 

Paulo Fernando Pereira de Souza 

ESPECIAL PARA A FOLHA 

RESUMO Apesar de a dor oriunda da violência independer de classe, a percepção de 

crimes e empatia para com vítimas reproduz padrões de desigualdade social. Ao 

privilegiar o aspecto punitivo para responder ao clamor público, como na proposta de 

reduzir a maioridade penal, o Estado erra e desconsidera sua função reguladora. 

"Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira." A 

conhecida abertura de "Anna Karenina" já se integrou ao senso comum entre os leitores 

de romances. A felicidade é um clichê; só a infelicidade é singular. 

Nem sempre. Nas guerras, nas ditaduras, nas crises de desemprego, a experiência da dor 

também segue um padrão previsível. É o caso dos pais do adolescente assassinado 

depois de entregar seu celular ao assaltante; dos familiares da dentista queimada viva 

porque tinha pouco dinheiro no banco; dos pais do jovem atropelado e morto pelo 

motorista alcoolizado na Vila Madalena; dos que perderam seus filhos no incêndio da 

boate Kiss; dos órfãos de mulheres assassinadas por maridos ciumentos. 

Pensamos nas mães das periferias e favelas brasileiras: mães solitárias que insistem em 

ter notícias de seus filhos desaparecidos, mães de meninos anônimos mortos por 

traficantes ou por policiais, impunes. A infelicidade dessas pessoas tem muitos 

elementos em comum: desamparo, lutos irreparáveis, medo de sofrer retaliações, revolta 

e sentimento de injustiça - este, inconsolável. 

Suas lembranças, seus corpos precocemente envelhecidos compartilham para sempre o 

conhecimento silenciado de que somos mortais, desprotegidos, frágeis e impotentes. 

Mesmo em tempos de paz permanecerá neles, latente, a possibilidade de eclosão do 

medo do imprevisível. 

Mas o impacto da violência social vai muito além da dor individual dos familiares. Seus 

efeitos podem ser devastadores por gerações. Reconhecimento público e solidariedade 

coletiva são indispensáveis para cicatrizar as feridas Já o desinteresse da sociedade 

pelos crimes que vitimaram seus entes amados agrava os sentimentos de injustiça e 

desamparo. 

A repercussão midiática dos assassinatos reproduz a escandalosa desigualdade social 

brasileira. 

Na mesma semana em que o leitor acompanha, solidário, as notícias das famílias 

enlutadas das vítimas de violência no Morumbi ou no Belém, ele também terá passado 

os olhos por uma série de notas lacônicas sobre "cinco (três/ sete) jovens (sem nome, 

idade ou parentes capazes de reivindicar justiça) mortos a tiros por homens 

encapuzados... no Jardim Ângela/ no Capão Redondo/ na periferia de Guarulhos... 

Crimes idênticos em bairros semelhantes: bairros em que os familiares dos jovens 

assassinados temem dar queixa na delegacia e não conseguem fazer sua dor sair no 

jornal. Sua indignação, quando chega ao noticiário, é exposta de forma cruel nos 

espaços restritos aos programas "policiais" sanguinolentos --talvez por isso mesmo, 

produza distanciamento e suspeição. Sua tristeza pouco compartilhada e suas 

reivindicações seguem caminhos discretos, silenciosos. Mas não menos dolorosos. 

As vítimas da violência brutal na periferia, mães, pais e irmãos pobres, na maioria 

negros, não contam com a identificação amorosa dos leitores e telespectadores. 

O honesto leitor desta Folha, pacato espectador do "Jornal Nacional" está informado de 

que, em maio de 2006, em retaliação aos crimes do PCC, 493 pessoas (algumas sem 

antecedentes criminais) foram assassinadas pela polícia de São Paulo, e os corpos de 

muitos delas continuam desaparecidos? 

Sabe que seus familiares são ameaçados quando tentam localizar os corpos? Estão 

informados de que, só no ano de 2008, o número de homicídios cometidos por policiais 

em confrontos no Estado de São Paulo --397, segundo a ONG Human Rights Watch-- é 

superior ao total de assassinatos cometidos por policiais na África do Sul? 

Do lado mais protegido da barreira social, familiares de vítimas pagam um alto preço 

pela exploração mórbida de suas tragédias. 

Imagens como as do tênis no chão queimado da boate, manchas de sangue no capô 

amassado de um carrão, o sofá incendiado, o vídeo que flagra o tiro gratuito contra a 

vítima já rendida, as expressões dos familiares em momentos de extremo sofrimento são 

exibidos sem pudor. Tal exposição desconsidera os sentimentos das vítimas e revela 

uma morbidez coletiva pela qual ninguém se responsabiliza. 

O sentimento de injustiça, a certeza de que tais aberrações não deveriam acontecer e a 

indignação com nossa falta crônica de políticas de segurança pública geram, nos bairros 

em que os moradores não correm (muitos) riscos de retaliação por parte dos assassinos, 

mobilizações reivindicatórias e debates que ajudam a superar a sensação de impotência 

e desamparo. 

A luta contra a impunidade é um traço comum aos movimentos nascidos da dor, 

capazes de abalar nosso cotidiano individualista e indiferente, como se estivéssemos 

imunes às tragédias e nada tivéssemos a ver com elas. 

Questionar a desvalorização da vida, a atitude no trânsito, o porte de armas, o 

machismo, o descaso com segurança nos eventos, a insegurança pública e a justeza das 

punições são atos que alimentam o debate da nossa pobre cidadania. Por serem públicas 

é que essas questões polêmicas deveriam tocar a todos, sobretudo ao Estado. 

Esperar que o Estado cumpra sua função reguladora é um fator indispensável à vida 

social. As responsabilidades são diferentes para os agentes públicos e particulares; para 

pais coniventes, omissos ou derrotados; para quem deveria cuidar, para quem sofre e 

para quem causa sofrimento. 

Ainda assim, cabe ao Estado, por meio das chamadas políticas de segurança pública -

que não se reduzem a medidas punitivas-- proporcionar as condições mínimas para a 

paz social. É possível supor uma relação entre a violência arbitrária e impune praticada 

por agentes do Estado e sua propagação no resto da sociedade. 

DESPROPORÇÃO 

Parte da questão do rebaixamento da maioridade penal se insere na percebida 

desproporção entre a gravidade dos delitos cometidos e as conseqüências: 

particularmente quanto ao tempo de privação de liberdade. Mas tal desproporção 

também se observa na branda punição aos assassinos de trânsito; aos delinqüentes de 

colarinho branco, aos omissos na segurança de eventos, às torcidas organizadas e aos 

maridos ciumentos que matam cruel e friamente suas mulheres. 

Observemos que alterar uma definição legal de maioridade desloca o problema. 

Definições de maioridade penal são legais e arbitrárias, já que pessoas de 11 anos e 11 

meses pouco diferem das de 12 anos; o mesmo vale para as de 17 anos e 11 meses em 

relação às de 18: sempre teremos imprecisões na transição da Justiça da Infância e 

Juventude para a Justiça Penal. 

Aliás: na prática, os dois sistemas se revelam falhos e corruptores. Não há real 

preocupação educativa nas privações à liberdade de adolescentes: existe somente uma 

comparação na qual o sistema prisional é a referência da pior solução possível até o 

momento. No caso dos menores infratores, como é possível chamar de impunidade o 

reconhecido inferno proporcionado por três anos na Fundação Casa? 

O apelo à punição como uma proteção à sociedade é uma esperança que não se cumpre. 

A indústria do medo e da insegurança, batizada ironicamente de indústria de segurança 

e proteção, garante seus lucros; ecoa e alimenta o sentimento persecutório que torna 

cada cidadão uma vítima em potencial; constrói nossos inimigos, ao mesmo tempo em 

que diz nos proteger deles. Endurecer nessa direção é fazer mais do mesmo, é agir com 

o conformismo indignado que corresponde à nossa impotência diante da desigualdade e 

da violência que castigam o Brasil. 

O encarceramento em proporções cada vez maiores é uma política de Estado raramente 

contestada, mas que, aqui e em todo o mundo, alimenta efeitos danosos de preconceito 

social, de gênero e racial. Além de fomentar a violência que pretende combater, uma 

vez que não reconhecemos como pertencendo ao mesmo mundo que nós os negros (ou 

os análogos migrantes), os pobres, os moradores de periferia. Estes que o aparato 

prisional integra fora das fronteiras da sociedade de consumo como dejetos. 

Vamos calcular com seriedade: o que acontecerá com o criminoso de 16 anos solto 

depois de cumprir a pena máxima numa cadeia comum? Aos 46, será um perigo ainda 

maior para a sociedade que julgou ter se livrado dele. 

Não ocorreu ao governador Geraldo Alckmin, atônito diante do recente surto de 

barbárie paulista, bradar por uma reformulação radical do sistema sócio-educativo que 

ele governa. 

Ocorreu a proposta demagógica de reformular a lei que determina a maioridade penal 

aos 18, descartando assim a responsabilidade do governo de educar aqueles jovens. Ao 

fazê-lo, ignorou a norma, ditada pelo bom senso, que faz com que os adultos se 

considerem responsáveis pelo destino de todas as crianças, sem exceção. 

A reivindicação pela pena adequada é importante, mas não a principal. No campo da 

juventude devemos evitar o risco de que, identificados com algumas vítimas, sejamos 

indiferentes a outras. 

Um adolescente assassinado é uma tragédia, seja ele branco ou negro, de classe média 

ou de periferia, rico ou pobre, quer tenha sido assassinado por um ladrão drogado que 

quer seu celular ou por um policial numa rua escura. 

Um jovem que cometeu assassinato também é uma tragédia, quer tenha ele 17 anos, 11 

meses e 29 dias, quer tenha ele 22 anos, quer assalte, atropele ou ataque o torcedor do 

time adversário. Para que um jovem ceife a vida de outro banalmente, para que jovens 

queimem índios, massacrem colegas de escola, espanquem empregadas, assassinem 

com jet-skis ou com carrões, todos falhamos como educadores e protetores. 

Como criaremos nossos adolescentes numa sociedade com lei é uma pergunta que 

devemos fazer a cada um de nós. Cobrar maior eficiência e rigor do Estado no 

enfrentamento das transgressões e delitos menores, maior equidade na distribuição da 

justiça parece ser mais eficiente na prevenção de novas tragédias violentas e no combate 

a impunidade que alterar a maioridade penal. Precisamos evitar promover a barbárie 

com a boa intenção de combatê-la. O artigo dos autores dos autores Maria Rita Kehl  e Paulo Fernando Pereira de Souza 

Para agir contra a barbárie, o Estado deve atuar em certas frentes, combinando o Estado de Direito com a proteção e promoção dos direitos humanos. A barbárie é entendida como uma violação extrema da civilidade e dos direitos fundamentais, e o combate a ela exige uma resposta firme e multifacetada. 

O Estado deve garantir que a lei seja aplicada de forma justa e imparcial para punir os responsáveis por atrocidades. Isso inclui a investigação de crimes e a garantia de que os infratores sejam julgados por tribunais independentes, sem arbítrio ou seletividade.

 Casos como o da Guerrilha do Araguaia no Brasil mostram a necessidade de responsabilizar o Estado e seus agentes por violações de direitos humanos, a fim de evitar a repetição de barbaridades.

A independência do poder judiciário deve ser defendida contra ataques de líderes populistas ou outras ameaças que busquem minar as instituições democráticas. 

O Estado deve investigar ativamente graves violações de direitos humanos e tomar medidas preventivas para combatê-las, como a tortura e a violência contra mulheres e crianças.

Denúncias: Mecanismos de denúncia eficazes, como o Disque 100, são cruciais para que a população possa relatar violações em relação aos  direitos humanos.

 A melhoria das condições carcerárias é fundamental, pois a falência do sistema penal leva à desumanização e à barbárie institucionalizada.

 O investimento em políticas sociais é uma maneira de enfrentar as causas estruturais da violência e da barbárie. Livros como Brasil: Estado social contra a barbárie destacam que a luta contra a desigualdade econômica e social é crucial para a justiça social.

Educação: A promoção da educação, saúde e cultura contribui para a prevenção da violência e para a diminuição da criminalidade, ao abordar suas causas subjacentes.

Apoio a vítimas: O Estado deve oferecer assistência psicológica, social e jurídica para devolver a dignidade às vítimas e fortalecer a confiança na justiça. 

 Um controle responsável sobre as armas de fogo pode ajudar a reduzir a violência e o poder de organizações criminosas.

 Projetos que endurecem as penas para crimes violentos e contra o crime organizado podem fortalecer o combate a essas atividades.

Conflitos armados: Em cenários de guerra, o Direito Internacional Humanitário atua como um "escudo contra a barbárie", protegendo civis e infraestruturas essenciais.

Diálogo político: O combate ao extremismo deve ser complementado com uma perspectiva política que elimine as raízes populacionais da barbárie. 

Confira a noticia na Folha de São Paulo                               .https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2025/10/bahia-define-mudancas-e-projeta-reduzir-letalidade-policial-em-10-por-semestre.shtml

E assim caminha a humanidade.

Imagem ; Dicionário Online  de Portugues . 





 


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